Segunda parte
Economia escravista de agricultura tropical (séculos XVI e XVII)
IX. Fluxo de renda e crescimento
Li duas vezes esse capítulo. Furtado nos dá uma aula de fundamentos econômicos: fatores de produção. Me lembrei dos meus tempos de estudos de economia.
A linguagem econômica usada por Furtado chega a nos incomodar ao falar dos "empresários" e seus escravos como "fatores de produção", mas a realidade é assim: materialismo histórico.
- "O empresário açucareiro teve, no Brasil, desde o começo, que operar em escala relativamente grande." (p. 51)
- "Uma vez instalada a indústria, seu processo de expansão seguiu sempre as mesmas linhas: gastos monetários na importação de equipamentos, de alguns materiais de construção e de mão-de-obra escrava." (p. 51)
FLUXO DE RENDA MONETÁRIA
"Numa economia industrial a inversão faz crescer diretamente a renda da coletividade em quantidade idêntica a ela mesma. Isto porque a inversão se transforma automaticamente em pagamento a fatores de produção. Assim, a inversão em uma construção está basicamente constituída pelo pagamento do material nela utilizado e da força de trabalho absorvido. A compra do material de construção, por seu lado, não é outra coisa senão a remuneração da mão-de-obra e do capital utilizados em sua fabricação e transporte. Estes pagamentos a fatores, que são uma criação de renda monetária ou de poder de compra, somados, reconstituem o valor inicial da inversão." (p. 52)
COMENTO: durante os governos do PT no Brasil isso foi o que ocorreu em grande medida e por isso o Brasil teve consumo interno e a economia se manteve ativa e gerando fluxo de renda interna mesmo após a crise do subprime a partir de 2008.
ECONOMIA EXPORTADORA ESCRAVISTA NÃO GERA FLUXO DE RENDA MONETÁRIA COMO NAS ECONOMIAS COM MÃO DE OBRA REMUNERADA
"A inversão feita numa economia exportadora-escravista é fenômeno inteiramente diverso. Parte dela transforma-se em pagamentos feitos no exterior: é a importação de mão-de-obra, de equipamentos e materiais de construção; a parte maior, sem embargo, tem como origem a utilização mesma da força de trabalho escravo. Ora, a diferença entre o custo de reposição e de manutenção dessa mão-de-obra, e o valor do produto do trabalho da mesma, era lucro para o empresário. Sendo assim, a nova inversão fazia crescer a renda real apenas no montante correspondente à criação de lucro para o empresário. Esse incremento da renda não tinha, entretanto, expressão monetária, pois não era objeto de nenhum pagamento." (idem)
Furtado explica em seguida que a mão de obra escrava era semelhante às instalações de uma fábrica: custo fixo. Mas os escravos traziam uma vantagem: realizavam todas as demais tarefas do dia a dia, em todas as áreas.
"Tais tarefas vinham a ser obras de construção, abertura de novas terras, melhoramentos locais etc. Estas inversões aumentavam o ativo do empresário, mas não criavam um fluxo de renda monetária, como no anterior." (p. 53)
Furtado segue com explicações técnicas ao longo do capítulo. Um resumo bem fuleiro de minha parte seria dizer que o lucro do escravocrata seria a diferença entre as exportações de açúcar e as importações dos fatores de produção. Era um lucro e um acúmulo de capital fenomenal, acreditem.
Mesmo quando o mercado consumidor de açúcar tinha quedas como no caso da concorrência com o açúcar antilhano os caras continuavam se dando bem, porque seus escravos trabalhavam na manutenção da vida nos latifúndios e casas-grandes.
Furtado explica que esse sistema colonial de produção de açúcar não se compara com os sistemas feudais, é o contrário. No feudalismo a produção é pra dentro e na monocultura de exportação é pra fora.
O sistema se manteve ao longo de séculos, com altos e baixos. Fecho com mais um resumo do modelo:
"Se ocorria uma redução ao ritmo da atividade produtiva para exportação, reduziam-se os lucros do empresário, mas ao mesmo tempo se criava uma capacidade excedente de trabalho, a qual podia ser utilizada na expansão da capacidade produtiva. Se não havia interesse em expandir essa capacidade produtiva, o potencial disponível de inversão podia ser canalizado para obras de construção ligadas ao bem-estar da classe proprietária ou outras de caráter não-reprodutivo." (p. 55)
---
COMENTÁRIO FINAL
O golpe de 2016, "com o Supremo com tudo", teve o objetivo de devolver o Brasil a esse período descrito por Celso Furtado, os séculos em que éramos colônia de monoculturas de exportação em benefício de alguns filhos da puta proprietários de tudo.
Os latifúndios de antes são o agro "pop" de hoje (gente de "bens", tudo bolsonarista). Uma diferença é o fator de produção "mão de obra", porque a tecnologia permitiu que tudo seja feito de forma mecânica. Não à toa, os desgraçados das casas-grandes, a elite do atraso, pouco se importa com mais de 100.000.000 de pessoas passando fome. É gente descartável na atualidade tecnológica.
Sem mudar essa realidade brasileira, seremos os eternos miseráveis descritos por Victor Hugo lá no século XIX, miseráveis famintos em meio a uma burguesia que desfila e flana pelas ruas com suas modas e chiliques grã-finos.
William
Post Scriptum - Enquanto escrevia essa postagem, desci na portaria do prédio para receber uma entrega a domicílio e o trabalhador - um motoboy conhecido - me contou que foi assaltado ontem por uns miseráveis de moto. Roubaram dele até o dinheiro do aluguel que iria pagar amanhã... fiquei arrasado com a história do rapaz. Se não mudarmos essa realidade que os capitalistas nos colocaram após o golpe, Lava Jato e Bolsonaro, seremos essa terra miserável de gente miserável, uns contra os outros, enquanto a elite vive no paraíso. Que foda!
Post Scriptum II: Deixei as citações do Furtado com o português da edição do livro: "mão-de-obra". Inventaram novas regras de Língua Portuguesa e hoje é uma confusão só com esse negócio de usar ou não usar hífen, juntar palavra ou separar etc. Eu não gosto dessas regras, acho isso um saco, mas... quando tenho paciência, pesquiso, quando não tenho, escrevo do jeito que sabia antes (ou não sabia).
---
Ler aqui os comentários do capítulo seguinte.
Bibliografia:
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário