Buscando a solidão me peguei na multidão
- Me lembro que sempre gostei de ficar sozinho, de ter momentos de solidão para ficar no meu canto, sem falar com ninguém. Num certo período da adolescência, até me imaginava um filósofo, um monge vivendo num lugar afastado de tudo e todos, um ermitão. Eu era bem religioso. Não tenho como saber se esse desejo de estar só era motivado por questões práticas do cotidiano como, por exemplo, viver em casa apertada com mais pessoas e não se ter oportunidade de isolamento para ler, estudar, ficar na sua sem ter que olhar e ou falar com alguém. O que as memórias me apresentam é que eu chorava por fora ou por dentro de agonia por querer silêncio e solidão e estar numa casa ou num quarto com gente ao meu lado. Morar com pais, primos e avó, pessoas estranhas, enfim, morar com os outros me trazia um desejo profundo de morar só e viver no meu mundo. Pra se ter uma ideia, são fortes as lembranças de me pegar nas praças de alimentação de shopping center para ficar sozinho (alone in the crowd) e no silêncio do burburinho da multidão. Era assim que estudava e lia.
- Me lembro de momentos cotidianos de uma leve satisfação pessoal por estar no meu canto, no meu micromundo, casas de quarto e cozinha, ou quarto sala e cozinha ou casas ou apartamentos maiores, foram várias experiências e muitas mudanças pra lá e pra cá. Tinha pouquíssimas coisas, tanto da casa quanto de uso pessoal. Me sentia com certo domínio sobre aquela parca posse pessoal. Uma moto, aparelhos de ouvir músicas e vídeos, uma jaqueta de couro, livros e revistas, geladeira fogão cama e alguns pratos, talheres e panelas. Fins de semana de classe trabalhadora, de lavar roupa, limpar casa, cozinhar e coisas afins. Algum alimento de cultura.
- Me lembro que da 5ª série em diante, de alguma forma me pegava no meio de algum agito, alguma representação de sala de aula ou de grupo de estudantes. Acho que mesmo quando não levantava o dedinho ao perguntarem quem podia ser o candidato ou representante da turma, os outros vinham com aquele papo furado de me indicarem para a representação (a gente indica o William...). Afinal de contas era eu que iria perder tempo com aquilo enquanto os outros iam embora na hora do vamos-ver. Como a gente se indignava com as merdas que achava errado, era meio natural falar "põe o William" pra participar disso ou daquilo... Essa coisa foi acontecendo comigo até o fim de minha vida laboral no Banco do Brasil. Acabou fazendo parte de minha jornada de vida. Com essa coisa dos outros me enfiarem nisso ou naquilo, me envolvi nas lutas estudantis do fundamental, do colegial, da primeira faculdade (e que orgulho me indicarem para orador da turma!), da segunda faculdade que não terminei (mas fiz umas brigas lá com a direção e mudamos regras que prejudicavam os alunos), da terceira faculdade. Foi assim que me peguei síndico do condomínio onde adquiri casa própria. Foi assim que fui conselheiro de usuários da Cassi SP logo que o conselho foi criado lá no início dos anos dois mil. Foi assim que fui parar no Sindicato e na Confederação dos bancários e depois na Cassi como diretor de saúde. Acabou sendo minha vida toda essa coisa de representar pessoas ou lutas por alguma coisa.
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De um desejo de estar só, de uma necessidade de alguma coisa que não sabia, de alguma busca que parecia pedir isolamento e silêncio, fui encontrando veredas que me levaram a multidões. Greves estudantis com centenas de colegas na antiga Faculdade de Economia e Administração de Osasco, no Jardim das Flores, greves com milhares de alunos na FFLCH-USP (fiz parte da organização da inesquecível greve de 104 dias em 2002), greves com dezenas e centenas de milhares de bancários do país. Anos e anos de assembleias com milhares de bancários e bancárias e eu ao microfone conversando com a categoria que representava. Defendi as propostas negociadas com o patronato em todas as assembleias decisivas em São Paulo entre os anos de 2003 e 2013.
A vida andou, girou, capotou, fui pelas veredas e voltei por elas, e cá estou. Por mais que eu queira me envolver novamente no contato com as multidões, estou nuns dias de total desacorçoo em relação ao ser humano. Acho que as ferramentas de tecnologia das redes sociais e algoritmos das big techs estragaram o ser humano, de verdade. Acho que temos que "salvar" os seres humanos (e temos que salvar o planeta Terra dos seres humanos). Mas nos tornamos intolerantes demais para nos salvarmos. Ninguém ouve mais ninguém (só se você concordar com a pessoa, o outro). Ao ouvir o animal humano abrir a boca e começar a falar o blá blá blá daquilo que viramos nas últimas décadas... não me dá vontade alguma de ouvir, esperar o momento e argumentar com a pessoa. Tenho uma impressão que a coisa de conversar dialogar argumentar e mudar opiniões não rola mais depois do que viramos.
É foda! Estou errado. Eu sei. Nem monge posso ser mais já que não tenho mais crença alguma em coisas da fé da mística do além. Respeito a visão de mundo daqueles que acreditam em seus deuses e mitos, mas sequer as pessoas respeitam quem não acredita nisso, dizem que respeitam mas não respeitam nada. Daqui a pouco, alguma empresa-igreja vai acabar crucificando e queimando a gente de novo, como fizeram ao longo dos milênios de história dos homo sapiens.
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