Refeição Cultural
Os Estados Unidos são uma nação cuja essência é a liberdade para se praticar a violência contra tudo e todos, liberdade baseada na ideia de um indivíduo não ter limites sobre o restante do universo
Dois filmes que retratam a sociedade norte-americana me proporcionaram nesses dias momentos de catarse. Saí deles pensando a respeito da sociedade humana e concluí que não é justo e não devemos concordar com o desejo de um grupo de pessoas de um país - os bilionários norte-americanos e seus operadores - querer impor sua cultura ao mundo todo.
Um dos filmes retrata os Estados Unidos no século 21, na fase atual do capitalismo selvagem, implacável em sua fúria pelo lucro rápido e a qualquer preço, ainda mais se o preço for eliminar empregos e pessoas cujas vidas foram dedicadas a uma grande empresa norte-americana, base econômica do "país das oportunidades". Será que a terra da liberdade ainda é o país das oportunidades?
Enquanto a "Revista Life" é reestruturada por uns executivos babacas, o personagem Walter Mitty dá o encanto ao filme ao nos lembrar que o que importa são as pessoas. Aliás, critico os governos dos EUA e não o conjunto da população, pois lá existe a classe trabalhadora oprimida e explorada como toda a classe trabalhadora do mundo capitalista.
O outro filme retrata a origem e os motivos pelos quais os Estados Unidos sempre foram uma nação violenta, com uma cultura de só saber resolver as coisas na guerra, na bala, na eliminação do outro, supostamente inferior sob a ótica estadunidense.
Se fizermos uma linha do tempo entre o passado que definiu a essência da cultura violenta daquele povo e um hipotético futuro da sociedade norte-americana com os filmes "O Regresso" (2015) e "Guerra Civil" (2024) - que vi recentemente -, veremos o quão profético pode ser o último, pois nada mudou nesses dois séculos de pouco diálogo e muita solução na base da violência.
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FILMES
A vida secreta de Walter Mitty (2013) - Direção: Ben Stiller. Com: Ben Stiller, Kristen Wiig, Shirley MacLaine, Sean Penn.
Sinopse: o tímido Walter Mitty está sempre sonhando acordado para escapar da sua vida monótona, mas uma aventura muito real prova que ser herói não é tão fácil quanto parece. (Netflix)
Comentário: alguns filmes pegam a gente em cheio. É o meu caso com o longa de Ben Stiller. Desde a primeira vez que o vi, fiquei encantado com diversas passagens do filme. Poucas vezes tenho contato com obras culturais que me fazem rir e chorar ao mesmo tempo. Esse filme é uma das exceções.
A estória em si já é uma tragédia do capitalismo: essas reestruturações empresariais que enxugam postos de trabalho e dispensam as pessoas como se elas não fossem nada, como se fossem jogar papel amassado no lixo. Já nos sensibilizamos com o enredo por isso.
Aí temos a questão do personagem que perdeu o pai ainda jovem, da mudança radical de vida naquela fase, da timidez que quase inviabiliza as relações de Walter Mitty.
E por fim, o roteiro, a fotografia, a trilha sonora, os efeitos nas cenas de ação. É uma soma incrível de acertos. Groelândia, Islândia, Afeganistão, Himalaia... erupções vulcânicas, skate no asfalto entre vales, uma partida de futebol nas estepes do topo do mundo... luzes e som, sombras. As imagens perfeitas. A música "Major Tom", de David Bowie, nunca mais foi a mesma para mim.
A mensagem do fotógrafo Sean O'Connell nos coloca a pensar: em alguns momentos, as imagens são tão perfeitas que nem se deve perder o instante por trás da lente de uma câmera. A pessoa deve aproveitar o momento e só estar lá, no meio e instante daquele acontecimento único.
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O Regresso (2015) - Direção: Alejandro González Iñárritu. Com: Leonardo DiCaprio e Tom Hardy.
Sinopse: filme conta a história do caçador de peles Hugh Glass (DiCaprio), que é deixado para trás para morrer após ser atacado por uma ursa parda no meio da floresta congelada. A estória se passa nos Estados Unidos do início do século XIX, pouco depois da declaração de independência formal do país. Na prática, imigrantes, colonos, escravizados e indígenas ainda disputavam espaço no território que se constituiria enquanto nação décadas depois.
Comentário: quando vi esse filme pela primeira vez, fiquei meio passado. Que estória brutal! Mas reconheci que foi um tremendo filme. O desempenho de DiCaprio como Hugh Glass, o caçador norte-americano do início do século XIX, foi estupendo. Ele mereceu a estatueta!
E o que mais pega o telespectador no longa é o cenário e a fotografia, uma obra de arte de Emmanuel Lubezki, que ganhou o Oscar por seu trabalho.
Após ver "O Regresso" afirmei a mim mesmo que esse não era o tipo de filme que eu assistiria de novo. Foi muito sofrimento por horas!
Pois é, vi de novo...
Nesta segunda vez, o que não me saiu da cabeça é o quanto o filme sintetiza a gênese da natureza da sociedade norte-americana desde sua origem: a violência como base das relações dos homens com a natureza e nas relações sociais. Aquela sociedade que surgiu nas primeiras décadas desde a independência é a mesma de hoje.
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É isso! Sigamos comentando filmes que nos põem a pensar o mundo e a vida.
William Mendes
Post Scriptum: o texto anterior desta série, comentários sobre filmes, pode ser lido aqui.
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