quarta-feira, 14 de outubro de 2020

4. São Bernardo - Graciliano Ramos



"Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho.

     Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria o plano, introduziria na história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o meu nome na capa." (RAMOS, 2002, p. 5)


Refeição Cultural - Cem clássicos

Me lembro de uma aula de literatura brasileira na qual o professor nos ensinava a forma como os movimentos literários e autores descreviam de diferentes maneiras os ambientes e as cenas nos romances. Naquele dia, ele citou Graciliano Ramos como um dos exemplos.

Ele disse que um escritor do romantismo ou realismo do século XIX faria uma descrição bastante detalhada de uma cena na qual a personagem se levantasse e fosse até a porta do ambiente. Seria mais ou menos assim:

"Amélia estremeceu na cadeira de veludo azul, sentada que estava no canto da mesa da sala de jantar e com a palidez que lhe era peculiar, levantou-se titubeante e se dirigiu à porta de entrada, não sem antes hesitar se devia ou não atender ao chamado da campainha."

Aí o professor nos explicou um pouco das características do escritor brasileiro Graciliano Ramos, escritor de traços muito peculiares, linguagem dura, direta e impactante. Se fosse ele a descrever a cena acima, provavelmente ela seria assim:

"Amélia abriu a porta."

Nunca me esqueci desta lição sobre Graciliano.

Ao falar hoje sobre mais um clássico da literatura mundial, novamente me lembro do texto do Italo Calvino "Por que ler os clássicos". Assim como tenho plena consciência do quanto tenho lacunas culturais quando o assunto é a leitura das grandes obras clássicas da literatura mundial, também tenho uma característica que me aproxima de um daqueles conceitos que Calvino aborda em seu texto. Quando gosto de um livro, gosto mesmo! Leio e releio um texto que mexe comigo, e nunca mais largo ele.

Li São Bernardo pela primeira vez em 2002. Achei a obra fantástica. Um livro duro. Chocante do início ao fim. Atemporal. Depois reli o livro em 2008. A segunda leitura é sempre uma nova leitura, porque tudo mudou, o leitor mudou, o contexto mudou, a água que passa no rio nunca é a mesma.

Na terceira leitura que fiz de São Bernardo, em abril deste ano dramático das pandemias - mundial e brasileira -, a do novo coronavírus e a do bolsonarismo, tive a impressão que estava lendo notícias de jornais e revistas sobre um certo capitão bárbaro, asqueroso e que chegou chegando como dono do mundo de uma hora para outra. E as consequências da ascensão do sujeito foram bárbaras também. Esse é o caso de Paulo Honório, personagem do romance de Graciliano Ramos.

Amig@s leitores, esse romance brasileiro é um clássico, e um clássico para sempre. Recomendo a leitura para aqueles e aquelas que ainda não tiveram a oportunidade de lê-lo. Ao reler neste ano, fiquei estupefato com a identificação do personagem Paulo Honório e dos demais personagens do romance com certos tipos de brasileiros e brasileiras da atualidade pós golpe de 2016.

Deixo aqui o link da postagem que fiz após a terceira leitura, feita neste ano. O texto deu trabalho, mas ficou bem completo, com muitas citações de cenas e momentos que trazem muita reflexão.

É isso!

William


Bibliografia:

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Editora Record, Rio de Janeiro e São Paulo, 2002.


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