"'Será possível que eu me tenha enfraquecido tanto mentalmente? - disse de si para consigo. - Bobagem! É tudo tolice, não devo entregar-me à hipocondria e, tendo escolhido determinado médico, preciso seguir estritamente o seu tratamento. É assim que vou agir...' (...) Era fácil dizê-lo, mas impossível executar. A dor do lado não cessava de atormentá-lo, parecia cada vez mais forte, tornava-se permanente, o gosto na boca era cada vez mais esquisito, estava com a impressão de ter hálito asqueroso, e cada vez tinha menos apetite, menos forças. Não podia mentir a si mesmo: acontecia nele algo terrível, novo e muito significativo, o mais significativo que lhe acontecera na vida. E era o único a sabê-lo, todos os que o cercavam não compreendiam ou não queriam compreender isso, e pensavam que tudo no mundo estava como de costume. E isto atormentava Ivan Ilitch mais que tudo..." (TOLSTÓI, 2007, p. 41)
Refeição Cultural - Cem clássicos
Estou fazendo um apanhado geral das leituras de livros clássicos que li ao longo da vida.
O momento no qual nos encontramos é propício para isso, porque a vida parou após o aparecimento da pandemia mundial de Covid-19. O mundo parou. Depois recomeçou. E o novo "normal" não é normal, é uma porcaria.
De certa forma, os avanços sociais que haviam sido conquistados em décadas e séculos de lutas dos povos retrocederam em favor dos poucos donos do mundo, os capitalistas.
Presos à nova realidade, aqueles que têm como se manter, têm uma oportunidade de preencherem o espaço de seus tempos ociosos com coisas desse tipo - ler, escrever, criar, organizar coisas domésticas -, coisas a serem feitas no espaço de seus lares, confortáveis lares em geral, já que os que podem fazer isso são a minoria das minorias.
A maioria esmagadora precisa estar na rua, buscando uma forma de sobreviver, está lá fora com o vírus e com a violência do necrocapitalismo. Todos - privilegiados e desassistidos de tudo - estão sob o risco da morte morrida, aquela de AVC, infarto, câncer, doenças tratáveis e não tratadas, acidentes fatais etc. A maioria pobre e sem direitos sociais, porém, está sob o risco da morte matada, que são diversas as formas, e cujos responsáveis são, via de regra, os donos do poder.
Enfim, a postagem é para apurar minhas leituras clássicas.
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Li A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, três vezes. Cada leitura contou com um contexto e com um leitor diferente. Como escrevi neste blog as impressões das três leituras, fiquei surpreso ao reler a postagem de cada uma delas. Muito interessantes!
A primeira leitura, em 2008, foi motivada pela história do jovem Chris McCandless, que ficou conhecido postumamente após vir a público sua aventura no Alaska, através do livro e do filme Na natureza selvagem. Nosso nobre Alex Supertramp, nosso superandarilho, tinha alguns livros contigo durante suas andanças e busca de felicidade. A morte de Ivan Ilitch era um deles. Eu fiquei acabado, destruído e demorei a me recuperar após ver o filme e ler o livro sobre Chris McCandless. Para ler a postagem é só clicar aqui.
Na segunda leitura, em 2012, eu havia concluído que precisava reler o clássico de Tolstói porque percebi que não havia fixado na memória as questões principais da novela sobre o senhor Ilitch. Minha sobrinha havia me perguntado sobre a obra e eu não soube falar a respeito dela. Também não tinha tanto encantamento pela novela quanto meus companheiros do movimento sindical. A releitura foi muito boa pelo que se percebe na postagem. Ler aqui.
A terceira vez que li a novela foi em 2017, eu era dirigente e gestor de saúde. Meu olhar na leitura teve muito dessa nova experiência que eu havia incorporado em minha vida. Também foi uma leitura bastante interessante. Ler comentário aqui.
É isso. Pelo que percebi, cada vez que abordo uma leitura clássica já realizada, buscando sentimentos e lembranças nas anotações e nas dobras da memória, vejo que ela teve alguma importância para mim, tendo consciência ou não a respeito dos efeitos da leitura. Os teóricos e críticos literários falam sobre isso, que as grandes obras nos marcam, independente de lembrarmos delas lá na frente ou não.
William
Bibliografia:
TOLSTÓI, Lev. A morte de Ivan Ilitch. Tradução de Boris Schnaiderman. Editora 34, São Paulo, 2007.
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