sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Tempo (VII)



Refeição Cultural

Leitura do capítulo 6 "A tematização do tempo", do livro de Benedito Nunes, O tempo na narrativa. A leitura desse pequeno livro do professor Nunes está inserida no contexto de estudos da disciplina Literatura Comparada II, que estou fazendo com a professora Viviana Bosi. A matéria tem feito com que eu reflita muito a respeito da temática.

Nunes nos fala da fenomenologia de Husserl e Heiddeger. Cita Agostinho também.

"Para o pensador das Confissões, a distenção da alma (distentio animi), antecipando pela expectativa o futuro que ainda não existe, reatualizando pela memória o passado que deixou de existir, e conservando o presente pela atenção, explicaria o tempo, ou ainda, explicaria a origem que sua compreensão previa por nós." (NUNES, 1995, p. 60)

Ao comentar e citar trechos da obra de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido, Nunes aponta as relações entre a memória e o retorno do passado ao presente, demonstrando certa "intemporalidade essencial das coisas". Eventos presentes que conectam o personagem ao seu passado, como a cena do biscoito molhado no chá, o tropeço no piso de sua residência, dentre outros.

"Esse episódio esclarecia-lhe finalmente - e era esse o motivo de sua felicidade - que o momento dessas iluminações, reunindo o presente ao passado num só instante -, absorvia a sucessão, suspendia a marcha do tempo fugaz. A busca do tempo perdido ultimava-se no tempo reconquistado, nem presente nem passado, nem fusão dos dois, mas algo que, 'comum ao presente e ao passado, é mais essencial do que ambos'. Ao apropriar-se livremente da duração interior, o narrador reapossava-se de si mesmo, do seu Eu profundo e, na certeza da intemporalidade essencial das coisas, confirmava, também, a vocação artística que o destinaria a escrever aquela obra, agora a caminho de seu termo, para narrar essa mesma descoberta que o libertara do temor da morte..." (p. 62)

Terminando essa reflexão sobre Proust, Nunes cita também Michel Zéraffa (constante das notas):

"(...) Pois se a busca suspende a dominância do tempo cronológico pela durée, o momento do reencontro parece interromper o fluxo da consciência, paralisada num momento de êxtase, sem passado e sem futuro. 'Negado enquanto fragmento cronológico, valorizado enquanto meio de acesso ao ser, o momento toma no romanesco uma importância psicológica, filosófica e estética fundamental'." (p. 63)

TEMPO E MITO

Nunes apresenta a questão: "Outro limite temporal na arte de narrar, transsubjetivo e impessoal, é alcançado quando o romance estende seu enredo ao plano dos mitos." (p. 66)

Após citar a obra de Thomas Mann, José e seus irmãos, ele aponta: "A rigor não há um tempo mítico, porque o mito, história sagrada do cosmos, do homem, das coisas e da cultura, abole a sucessão temporal. O que quer que o mito narre, ele sempre conta o que se produziu num tempo único que ele mesmo instaura, e no qual aquilo que uma vez aconteceu continua se reproduzindo toda vez que é narrado." (p. 66)

Ao longo do capítulo, vários autores e obras clássicas servirão de exemplo de técnicas narrativas que manuseiam os diversos conceitos de tempo na literatura.

Entre obras clássicas lidas e não lidas ainda, o texto nos instiga a incluir em nossas vidas a leitura de livros que podem nos levar a reflexões profundas e a descobertas de sentidos na existência humana.

Por fim, achei difícil a leitura desse capítulo e do anterior, tive que reler parágrafos algumas vezes. Mas também devo estar bem enferrujado para esse tipo de reflexão. A destruição política, econômica e social de meu mundo destruiu parte de mim.

William


Bibliografia:

NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. Série Fundamentos. Editora Ática, São Paulo, 1995.

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