Por que estou sofrendo se não me falta o alimento? Aliás, tenho muito mais comida do que precisaria para sobreviver. No mundo capitalista uns comem demais e jogam muitas sobras no lixo; outros comem de menos, mesmo procurando sobras no lixo.
Por que estou sofrendo se não me falta a moradia? Aliás, estou em uma condição de moradia melhor do que imaginei para mim quando iniciei a jornada da vida. Após morar muito tempo de aluguel em pequenas casas de quarto e cozinha em fundos de quintais, temos moradia para a família toda.
Por que estou sofrendo se não me falta o recurso da venda de minha força de trabalho? Aliás, estou numa condição melhor que a de meus pares da classe trabalhadora, porque tive a oportunidade de participar de um fundo privado de pensão durante décadas de trabalho e hoje recebo o meu benefício de acordo com as regras estabelecidas.
Por que estou sofrendo se aparentemente não estou doente e sofrendo dores? Aliás, estou entre os brasileiros privilegiados que têm planos privados de saúde, menos de vinte e cinco por cento da população. E o Sistema Público de Saúde agoniza sendo destruído pelos políticos e donos do poder.
Por que estou sofrendo se pessoalmente (até agora) não perdi os familiares mais próximos para o vírus que apareceu no mundo desde o início do ano e já matou mais de um milhão de pessoas, sendo que as mortes no Brasil destruído pelo golpe de Estado em 2016 chegam a 14% das mortes no mundo causadas pelo Covid-19? Estamos chegando a 150 mil mortos.
Estou sofrendo porque tenho consciência política.
Meu coração aperta e sinto um completo desarranjo no corpo com a destruição de nossa maior empresa nacional, a Petrobras. As poucas pessoas com inteligência e consciência política nesta terra de exploração estrangeira sabiam que o golpe de Estado para interromper os avanços populares ocorridos durante os governos do Partido dos Trabalhadores envolvia todas as instituições da república.
Meu coração aperta, minha pressão sobe e devo estar sendo comido por dentro, rins, fígado, artérias, sistemas nervoso e endócrino, ao ver a destruição para sempre de nosso meio ambiente, causada por meia dúzia de latifundiários da mesma laia dos bandidos que ascenderam ao poder por golpe e por manipulação do brasileiro ignorante e miserável.
Meu corpo está se corroendo ao ver a destruição da educação pública em todos os níveis. E os algozes do país são descarados e debocham das nossas caras 24 horas por dia porque sabem ser inalcançáveis pela justiça, já que todos os órgãos do Estado estão tomados por seus pares.
Vou acabar morrendo de tristeza. Não bastou ter comida, abrigo, recurso de sustento da família e não estar doente para usufruir da única existência que temos.
Após adquirir consciência política e noções de mundo através dos estudos e de uma vida de lutas através da representação de classe, não é possível voltar a ser um bárbaro ignorante, um egoísta centrado em si mesmo.
Não acredito mais na democracia. A sociedade humana é o império da força dos mais espertos e adaptados sobre os mais frágeis e mais fracos. Por décadas, séculos talvez, ouvimos frases e palavras de ordem do tipo "força do povo" ou coisa do gênero. Autoengano!
Como estou sofrendo ao ver a destruição do Brasil! Estou muito infeliz! Meu corpo não vai longe, infelizmente. Sei que algumas pessoas dependem de mim. Mas somos o que somos. E sabemos o que somos. Não existe a menor chance de ser feliz individualmente e barrar o autoconsumo corporal por tristeza perante o estado de injustiças e destruição de tudo ao nosso redor. Sinto a corrosão de meu corpo.
Sobre a esquerda e os movimentos que usam ser chamados de "progressistas" e as eleições ilusórias para prefeitos e vereança, eu não tenho saco de dizer o que penso. Acho burrice e egoísmo mortais ver os candidatos e partidos de "esquerda" todos divididos disputando votos com os partidos de direita e das elites. Ver PSOL, PT e PCdoB disputando o mesmo voto paulistano é um claro sinal de que não há esperanças para nós na sociedade humana.
Que merda! Viva os mais fortes, mais ricos e mais adaptados à existência! Viva a destruição da vida! Viva!
William
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