segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O beijo - Conto de Tchekhov



"A água corria não se sabia para onde e para quê. Correra de maneira idêntica em maio. Ainda em maio, saíra de um ribeiro para se derramar no grande rio, passara depois para o grande mar, evaporara-se, transformara-se em chuva e talvez fosse a mesma água que nesse instante corria aos olhos de Riabóvitch... Para quê? Com que fim?" (TCHEKHOV, 1995, p. 130)


Refeição Cultural

Após tomar contato com os primeiros contos de Anton Tchekhov - "Um caso clínico" e "Vanka" -, agora inicio a leitura das narrativas do autor contidas em um livro que tenho em casa, da coleção Imortais da Literatura Universal, que traz a peça teatral "As três irmãs" e mais alguns contos.

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O beijo - Tchekhov

O narrador nos apresenta uma brigada de artilharia que se prepara para montar acampamento e pernoitar na aldeia de Miestietchko. O tempo é apontado com exatidão: "Às oito horas da noite de 20 de maio...".

Os oficiais recebem a visita de um homem à paisana, montado num "cavalo estranho", que comunica a eles o convite do proprietário de terras local para que compareçam à casa dele para um chá. É o general Von Rabbek quem os convida.

Os oficiais foram a contragosto porque tinham lembrança de outro evento parecido no qual tiveram que passar a noite acordados ouvindo um conde se vangloriar de tudo. Mas de cara souberam que o convite era protocolar e nada parecido com o evento anterior.

O narrador nos apresenta o Capitão Riabóvitch como "o mais tímido, o mais modesto e o mais incolor dos oficiais de toda a brigada". Após o chá, os oficiais se reúnem aos demais convidados do general, familiares diversos, num salão com músicas e danças.

Riabóvitch, após andar pelo casarão com outros oficiais, se encontra só num salão escuro e recebe um beijo inesperado:

"(...) Nesse ínterim, inesperadamente para ele, ouviram-se passos apressados e um frufru de vestido, uma ofegante voz feminina murmurou: 'Até que enfim!' e dois braços macios, cheirosos, indiscutivelmente femininos, envolveram-lhe o pescoço; uma face tépida apertou-se contra a sua e, ao mesmo tempo, ressoou um beijo..." (TCHEKHOV, 1995, p. 120)

Após essa "pequena aventura" na casa dos Rabbek, a vida seguiu para Riabóvitch e os demais membros da brigada.

Assim como nos dois outros contos que li de Tchekhov, a estória não tem aquela estrutura tradicional de contos conforme nos ensina Poe em sua Filosofia da composição

Esse conto me lembrou a explicação que a professora Viviana Bosi nos deu sobre o autor russo, que nos seus contos "não necessariamente precisam acontecer coisas extraordinárias que se desenvolvam num clímax e desenlace óbvios" (BOSI, Viviana. Introdução a Tchekhov)

Para o personagem Riabóvitch, aquela aventura passou a fazer parte de suas boas recordações, assim como se lembrar dos entes queridos.

"Nas horas de ócio ou nas noites de insônia, quando lhe dava na veneta lembrar a infância, o pai, a mãe, em geral o que era próximo e querido, lembrava invariavelmente também Miestietchko, o cavalo estranho, Rabbek, a esposa dele, que lembrava a Imperatriz Eugênia, o quarto escuro, a fenda iluminada da porta..." (p. 128)

É isso, mais um conto de Anton Tchekhov.

William


Bibliografia:

TCHEKHOV, Anton. As três irmãs e contos. Coleção Imortais da Literatura Universal. Nova Cultural, 1995.


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