Refeição Cultural
Cem anos de solidão... O tempo de cem anos poderíamos contar como um tempo físico ou natural, cósmico, de cem movimentos de translação da Terra sobre o Sol. Mas imaginem um tempo desse na condição que o qualifica: de solidão. É um tempo psicológico duríssimo! É muita solidão!
Ao reler algumas dezenas de páginas do clássico de Gabriel García Márquez, voltei a sentir a emoção que nos abraça a cada página da história dos Buendía. A ficção nos põe a todo instante em contato com situações e contextos que espelham a nossa dura realidade num mundo de pandemia mundial de Covid-19, num mundo de ignorância e misérias impensáveis para uma época posterior a séculos de ciências e avanços nas culturas humanas.
Por mais que José Arcadio Buendía altere momentos de completa loucura e alucinações e momentos nos quais ele é o líder e a referência de toda sua aldeia - Macondo -, gostaríamos de um comportamento minimamente responsável como o dele por parte de nossos governantes no caso da pandemia do novo coronavírus, que virou disputa política e dane-se a população. O personagem teve um comportamento digno ao lidar com a peste da insônia. Infectada toda a família Buendía, e depois toda Macondo, ele tentou evitar que a peste se alastrasse para outras pessoas e outras comunidades.
"Quando José Arcadio Buendía percebeu que a peste tinha invadido a povoação, reuniu os chefes de família para explicar-lhes o que sabia sobre a doença da insônia, e estabeleceram medidas para impedir que o flagelo se alastrasse para as outras povoações do pantanal..." (MÁRQUEZ, Record-Altaya, p. 49)
Após as medidas de isolamento social e quarentena feitas pela comunidade de Macondo, foi possível que os locais tentassem retornar a sua vida cotidiana e desenvolvessem técnicas para conviver com as consequências da peste da insônia. Os forasteiros não podiam comer e beber em Macondo, para não se contaminarem e espalharem a doença para outras localidades... juro pra vocês, esse romance foi escrito e publicado em 1967 e reflete nesta passagem o que estamos enfrentando mundialmente com os piores líderes que poderíamos ter em grandes países.
"(...) Não se lhes permitia comer nem beber nada durante a sua estada, pois não havia dúvidas de que a doença só se transmitia pela boca, e todas as coisas de comer e de beber estavam contaminadas pela insônia. Desta forma, manteve-se a peste circunscrita ao perímetro do povoado. Tão eficaz foi a quarentena, que chegou o dia em que a situação de emergência passou a ser encarada como coisa natural e se organizou a vida de tal maneira que o trabalho retomou o seu ritmo e ninguém voltou a se preocupar com o inútil costume de dormir." (p. 50)
Assim são os clássicos da literatura universal.
William
Bibliografia:
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Tradução de Eliane Zagury. Coleção Mestres da Literatura Contemporânea. Editora Record/Altaya.
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