Entrada da Faculdade de Letras da USP. |
Ontem, fui até o campus da Universidade de São Paulo. Andei por mais de uma hora pelas ruas e alamedas daquele lugar magnífico que faz parte da minha vida. Foram tantos sentimentos e sensações que dificilmente poderia descrever. Foi como se eu estivesse me despedindo da USP. Ao ver tudo deserto, tudo fechado, as alamedas tomadas pelas folhas secas, o clima era de fim de uma época, talvez da própria educação.
De certa forma, estou me despedindo mesmo. Entrei no último semestre do prazo que me foi dado para completar os créditos necessários para colar grau nas duas habilitações que fiz quando entrei na Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) no vestibular de 2.000. Meu reingresso em 2019 se deu porque houve alguma discrepância na contagem de créditos quando terminei as disciplinas do programa de Português e Espanhol da época. Ao voltar, tive que cumprir uma nova grade de matérias obrigatórias, eletivas e optativas. As coisas correram bem em 2019. Quem diria que neste ano viria a pandemia e as aulas presenciais seriam suspensas em março. Tudo ficou mais difícil. Agora faltam exatamente os 2 créditos que faltaram da primeira vez que quis colar grau e não deu certo.
A história da educação pública é uma história de lutas pelo acesso à educação, pelo financiamento da educação, pela construção de oportunidades mais equânimes para estudantes das diversas classes sociais do país. A história da educação pública é uma história de luta do povo brasileiro.
Vejam que triste: estamos hoje lutando para salvar a educação como estávamos há 20 anos:
Dias atrás, participei de uma plenária virtual com quase cem pessoas, professores e alunos da FFLCH, para que se pensasse coletivamente as melhores formas para lidar com a situação de manutenção das aulas em tempos de pandemia de Covid-19, os problemas das aulas virtuais em substituição às aulas presenciais etc. Também há uma luta coletiva neste momento para que o governo tucano não consiga aprovar um projeto (PL 529) que retira mais de um bilhão das 3 universidades paulistas e acabe de vez com a autonomia das universidades e com o financiamento das pesquisas e bolsas de graduação.
Pois é, quando entrei na FFLCH/USP em 2001, cheio de sonhos e acreditando que me tornaria professor, comecei a me envolver nas lutas em defesa da educação pública e a tomada de consciência se deu rapidamente através da realidade que enfrentávamos: as condições dos departamentos e dos cursos eram impossíveis de seguir daquela forma. Não havia professores para as disciplinas, o governo tucano havia depauperado a faculdade. Alunos se espremiam e desmaiavam tentando assistir às aulas dos poucos professores disponíveis para as disciplinas obrigatórias. Tivemos que organizar a maior greve da história da FFLCH no ano seguinte, em 2002. Foram 104 dias de greve para conseguir que o governo se comprometesse a contratar uma centena de professores e melhorar as condições físicas da estrutura na Letras, na História, na Geografia, nas Ciências Sociais e na Filosofia. Vinte anos depois, seguimos na mesma luta pela sobrevivência da educação...
Quando olho para trás, vejo que minha relação com a FFLCH/USP é mais antiga que minha relação com o movimento sindical, pelo menos formalmente. Quando eu era militante de base do Sindicato, nos anos noventa, minha relação era esporádica. Quase entrei para a diretoria do Sindicato nas eleições de 2.000. Eu precisava de um novo desafio na minha vida, porque estava muito difícil seguir trabalhando no banco público na era tucana. Eu havia começado um curso de graduação em Educação Física numa faculdade privada e tive que desistir no meio do curso por falta de dinheiro. Foi terrível! Acabei entrando na USP no vestibular de 2.000 e iniciei o curso de Letras em 2001. Como a vida é uma jornada, e não um destino, ou ainda, a vida é a escolha das veredas que trilhamos diariamente, mal comecei meu curso de Letras, acabei virando diretor do Sindicato em 2002, e com isso, meu compromisso com os trabalhadores fez com que a faculdade ficasse em segundo plano. Foi-se o sonho de ser professor e só completei as últimas disciplinas em 2011. Ou seja, fui dirigente sindical e representante da classe trabalhadora com mandatos eletivos entre 2002 e 2018, e minha relação com a USP é de 2001 até este momento em 2020.
Corredores desertos do Crusp. |
Ontem, foi a primeira vez que andei de trem e ônibus desde março, quando a pandemia de Covid-19 interrompeu nossas atividades normais de circulação. Entrei na Universidade pelo portão de pedestres da estação de trem e caminhei, caminhei, caminhei. Passei pela Educação Física, depois pelo Crusp e restaurante do Bandejão. Passei na frente do DCE Livre da USP, fui para a Praça do Relógio e para a FFLCH. Adoro esse lugar. São vinte anos de amor a nossa Universidade de São Paulo. Sempre tive o hábito de atravessar a pé o Instituto Butantan para ir embora: estava fechado o acesso ao público. Após sair da Av. Prof. Luciano Gualberto, caminhei pela Avenida Prof. Lineu Prestes. Passei pelo Instituto de Química, depois, lá em cima, passei pela rotatória ao lado do final da Rua do Matão, e fui para o Portão 3, após passar pelo Hospital Veterinário da USP.
Essa pandemia foi uma merda para o mundo, principalmente para a educação pública e para os direitos sociais do povo. Se já era difícil lutar contra o sistema de poder das elites que dominam as máquinas públicas, ficou tudo muito pior com a pandemia, ela facilitou os ataques aos direitos sociais como a educação pública como nada antes havia conseguido. Tudo muito triste. Como disse, tive uma sensação de fim de uma época ao caminhar pelas ruas e alamedas desertas de nossa querida Universidade de São Paulo.
William
Nenhum comentário:
Postar um comentário