Refeição Cultural
INTRODUÇÃO
Estamos no mês de março. Estamos no Brasil de regime neofascista e genocida em consequência de um golpe de Estado ocorrido em 2016 - desta vez colocaram no poder os maiores corruptos e lesas-pátrias jamais colocados no poder somando todos os golpes brasileiros. O Brasil é o epicentro da pandemia mundial de Covid-19 e o regime no poder é o maior parceiro do vírus Sars-Cov-2. Brasil e brasileiros, párias do mundo!
Estamos em um dos países mais racistas do mundo, país onde a escravidão humana permanece até hoje, de forma disfarçada desde 13 de maio de 1888, quando deram uma canetada jogando na miséria milhões de pessoas de pele preta para que morressem de fome sem pão, sem terra, sem trabalho. País com 5 séculos de escravidão. País que mais mata negros no mundo, de morte matada e de morte morrida (matada também, sem direitos de cidadania).
Neste domingo, 14 de março de 2021, completaram-se 3 anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, metralhados por milicianos do Rio de Janeiro, a mando de alguém ainda não revelado pelas autoridades. O Brasil não é para amadores. As forças políticas que organizaram o golpe e a destruição do país estão no poder, infiltradas em todas as instituições da sociedade através de seus representantes, serventes, lacaios e capitães do mato modernos.
(Sabem quem foi solto neste 14 de março, dia do assassinato de Marielle Franco? O deputado troglodita e fascista que se elegeu às custas de quebrar uma placa em homenagem à Marielle... ele estava preso por ameaçar autoridades e neste domingo foi para prisão domiciliar... esse é o Brasil: solto no dia da morte de Marielle!)
BECOS DA MEMÓRIA
"Escrevo como uma homenagem póstuma à Vó Rita, que dormia embolada com ela, a ela que nunca consegui ver plenamente, aos bêbados, às putas, aos malandros, às crianças vadias que habitam os becos de minha memória. Homenagem póstuma às lavadeiras que madrugavam os varais com roupas ao sol. Às pernas cansadas, suadas, negras, aloiradas de poeira do campo aberto onde aconteciam os festivais de bola da favela..." (p. 17)
A "introdução" no início da postagem é a descrição do contexto em que peguei para ler neste domingo pela manhã o livro Becos da Memória, da escritora Conceição Evaristo, livro escrito por ela nos anos oitenta e publicado em 2006 e depois republicado em outras edições - a minha é de 2017 pela Pallas Editora. É o 3º livro que tenho o privilégio de ler desta intelectual mineira, mulher negra e com uma escrita que nos toca profundamente e nos põe a pensar a vida e o mundo após cada leitura sua. (ler aqui sobre Ponciá Vicêncio e aqui sobre Olhos D'Água)
Amig@s, passei o dia de domingo na companhia das personagens do livro Becos da Memória. Foi inevitável passar o dia revirando os becos de minha memória. Lia Evaristo e via o bairro Marta Helena, onde cresci em Uberlândia, Minas Gerais. Lia Evaristo e visitava as diversas casinhas onde moramos, onde morei (em MG e em SP). Lia Evaristo e via a condição da gente pobre, favelada, da gente preta, da gente miscigenada de peles multicores, mas com cabelo "ruim", como ensinam os brancos que cultuam os preconceitos.
Li Evaristo e passei o dia visitando os becos de minha memória... eu tenho pele branca, tenho irmã preta, tenho família de pele multicor. Família de cabelo "ruim". Todos viemos da pobreza descrita na obra de Evaristo, que aborda o mundo miserável e as condições injustas e absurdas da gente de pele preta escravizada e depois "libertada" na condição de morte sem pão, sem terra, sem trabalho, como os ascendentes da personagem Maria-Nova.
Evaristo nos conta, na edição que tenho, um pouco da história e da gênese do romance. É bem interessante.
"Foi o meu primeiro experimento em construir um texto ficcional con(fundindo) escrita e vida, ou, melhor dizendo, escrita e vivência. Talvez na escrita de Becos, mesmo que de modo quase que inconsciente, eu já buscasse construir uma forma de escrevivência."
GÊNESE: "Em poucos meses, minha memória ficcionalizou lembranças e esquecimentos de experiências que minha família e eu tínhamos vivido, um dia. Tenho dito que Becos da memória é uma criação que pode ser lida como ficções da memória. E, como a memória esquece, surge a necessidade de invenção."
NADA É VERDADE, NADA É MENTIRA: "Entre o acontecimento e a narração do fato, há um espaço em profundidade, é ali que explode a invenção. Nesse sentido venho afirmando: nada que está narrado em Becos da memória é verdade, nada que está narrado em Becos da memória é mentira. Ali busquei escrever a ficção como se estivesse escrevendo a realidade vivida, a verdade."
BANZO: "Na roça, às vezes, meu pai contava histórias e dizia sempre de uma dor estranha, que nos dias de muito sol, apertava o peito dele. Uma dor que era eterna como Deus e como o sofrimento.
"Totó entendia, era menino, mas, de vez em quando, sentia aquela punhalada no peito. Uma dor aguda, fria, que sem querer fazia com que ele soltasse fundos suspiros. O pai de Totó chamava aquela dor de banzo." (p. 19/20)
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BANZO... uma dor no peito que podemos muito bem nominar a dor que sentimos desde o golpe de Estado no Brasil, desde aquela sessão do congresso em que o lixo fascista falou de Ustra... aquela dor que passamos a sentir no peito ao ver as ofensas a Dilma, ao ver a prisão injusta de Lula, ao ver as 270 mil mortes por Covid-19 por culpa do regime fascista, a dor no peito a cada absurdo, a cada perda, a cada humilhação que sofremos como brasileiros por sermos do país dos bolsonaros. Banzo...
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Amig@s leitores, leitura profunda! Passei o domingo visitando os becos da memória...
- Marielle vive porque seus ideais são os nossos ideais!
William
Bibliografia:
EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. 1. ed. - Rio de Janeiro: Pallas, 2017.
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