domingo, 21 de março de 2021

210321 - Diário e reflexões



Refeição Cultural - Banzo

No livro Becos da Memória, Conceição Evaristo nos fala de uma dor no peito, uma dor de tristeza, uma certa forma de depressão e melancolia, algo difícil de descrever. Li esse livro dias atrás. Banzo... peço licença ao povo preto para nominar minhas dores e tristezas de banzo também.

Ao ver o quanto as pessoas estão sofrendo é impossível não sofrer, não sentir essa dor indescritível no peito, uma dor dentro da gente. Esse banzo. Mas morrer e desistir da vida não resolve nada, pois a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação, já dizia meu poeta referência, Drummond.

A sensação de impotência é uma das piores sensações que o animal humano pode ter. Eu tenho comigo que foi dessa sensação que surgiram todas as formas de crenças e religiões que buscam explicar a vida através do algo para além da morte, essa fase tão real e sabida de todo ser humano. Fico até feliz quando vejo as pessoas aceitando perdas pela morte com essas conformações religiosas. Sei que isso ajuda elas na superação do luto.

Dá muita tristeza ver as pessoas queridas bebendo e usando as diversas drogas legais e ilegais para esquecer e suportar o banzo que todos estamos sentindo; é duro ver as pessoas destruindo a si mesmas. Dá uma dor impotente na gente saber que pessoas queridas estão com Covid-19 e com risco de morte por essa pandemia descontrolada por causa do regime genocida. E os genocidas seguem no poder.

Para suportar os dias e os fatos uso toda a experiência que a vida me proporcionou, sou só mais um animal humano tentando sobreviver a tudo isso. Até o momento, estou vencendo o banzo. Espero seguir sem Covid-19, sem morrer pelas outras mortes severinas tão brasileiras; eu não me importo com a minha morte, mas me importo com a consequência da minha morte na vida de pessoas queridas.

Também quero viver para ver nos tribunais o clã de bandidos que destroem nosso mundo e nossas vidas. Desgraçados do mal! Morrendo não vejo (e não sofro) com as merdas criminosas deles, mas vivo tenho a chance de ver o fim deles. Muitos sobreviveram e comemoraram o fim de lixos humanos como Hitler, Mussolini, Mengele. Vou comemorar o fim desses desgraçados no poder no Brasil destruído pelo golpe.

Tento ler literatura até como escape, mas a leitura está tão difícil! A cada parágrafo, caio da estória ficcional para a história do presente. E tenho que ficar indo e voltando, não é fácil. Mas insisto em tentar ler. É importante. Tento estudar e aprender algo novo, é importante também. O mundo vai precisar de humanos para reconstruir a sociedade, para reconstruir os humanos que sobrarem e que vierem.

Por que escrevo em blog para todos verem? Sabia a resposta quando era alguém com lugar de fala na representação política de grupos de pessoas. Escrevia para prestar contas por ser figura pública, escrevia para influenciar, escrevia para compartilhar saber. Agora não sei bem. Talvez todos nós tenhamos que registrar a história acontecendo, mesmo que seja sob a ótica da vida privada, do ser atomizado. Compartilhar para os poucos que leem nosso ponto de vista.

Tudo que sobra para o amanhã, dos seres humanos e das sociedades, são fragmentos de coisas públicas e privadas, de vencedores e de perdedores. Assim são os fragmentos que as gerações seguintes encontram e tentam reconstruir através de versões e imaginações. Fragmentos.

Banzo... fragmentos...

Como diz Drummond num outro poema seu "o essencial é viver!" (Passagem da Noite).

William

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