Refeição Cultural
" Aqui, deitado um cão, de orelhas tesas
A cabeça levanta, Argos tem nome:
Hoje langue, e o nutria o próprio Ulisses,
Antes que se embarcasse. Costumava
Lebre caçar e corças e veados;
Ora de bois e mus no esterco o deixam,
Que às portas se amontoa, enquanto os servos
Para estrume da lavra o não carregam.
Jazia ali de carrapatos cheio,
E meigo, assim que a seu senhor fareja,
As orelhas bulindo, agita o rabo;
Mas não pôde acercar-se. O bom Laércio
Uma lágrima enxuga às escondidas,
E questiona o pastor: 'Um cão tão belo
Pasmo que esteja, Eumeu, nesse monturo;
Talvez, com tanto garbo, ágil não fosse,
E à mesa por formoso é que o tratavam'.
(...)
Argos nesse momento, após vinte anos
Seu dono a contemplar, morreu de gosto." (LIVRO XVII, v.213-229 e 241-242, p. 295-296)
A cena do encontro do cão Argos com seu dono, Ulisses, é de chorar. Na hora nos lembramos do cão da raça akita, Hachiko, da história de amizade entre o cachorro e seu dono. A Odisseia, de Homero, é tudo isso, é a referência clássica para diversas cenas reais e das narrativas ficcionais nos últimos 2800 anos.
No Livro XV, voltamos a ver o jovem Telêmaco, que abriu a epopeia nos primeiros quatro livros - a "Telemaquia". Vendo sua casa e patrimônio serem dilapidados pelos varões de Ítaca, que queriam desposar sua mãe, Penélope, o filho de Ulisses saiu em busca de informações sobre o pai nos primeiros cantos da epopeia.
Neste momento em que estou da leitura da Odisseia, Ulisses finalmente chegou a sua amada Ítaca, 20 anos depois de terminada a Guerra de Troia. Apoiado pela deusa Minerva, ele está disfarçado de velho e chega a sua casa para avaliar os intrusos e as condições para derrotá-los e retomar seu reino.
Cito abaixo, uma nota explicativa do professor Medina, a nota 1 do Canto XVII, que explica esta parte da epopeia.
"Este livro XVII é propriamente a narrativa da Volta de Ulisses a seu palácio. Embora a cena inicial seja recapitulativa e acessória, o desenvolvimento deste livro tem as mesmas grandes qualidades dos livros XIII e XIV. Ulisses e Eumeu vão para a cidade, encontram a fonte onde está o altar das ninfas, topam com o insolente servidor Melântio; depois, a chegada ao palácio, com o admirável episódio do cão Argos, que reconhece o dono, depois a cena em que Ulisses passa a mendigar de mesa em mesa, e amaldiçoa Antino. A resposta que Ulisses manda dizer a Penélope, através de Eumeu, faz com que haja íntima união entre este livro e o décimo nono, onde a conversa dos cônjuges realmente se realizará." (MEDINA, Nota 1 ao LIVRO XVII)
Caminhamos para os momentos finais dessa epopeia homérica.
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TRILHA CLÁSSICA
Meu planejamento de leitura nesta linha de clássicos antigos já está definida em minha mente. Terminando a Odisseia, vou ler a Ilíada, também na tradução em versos de Odorico Mendes. Um livro conta a Guerra de Troia e a "Ira de Aquiles" e o outro a volta atribulada de um dos heróis gregos - Odisseu, rei de Ítaca.
Depois da Ilíada, vou ler a Eneida, de Virgílio. Consegui adquirir a tradução de Odorico Mendes. Após a Guerra e a destruição de Troia, após acompanhar as desventuras de Odisseu (Ulisses na forma latina), vou ler a epopeia de Eneias, troiano sobrevivente que iria fundar uma nova civilização, Roma e o Império Romano.
Por fim, lida essa sequência clássica, vou fechar a trilha com a leitura de A divina comédia, de Dante Alighieri. Nela, o próprio autor da Eneida, o poeta Virgílio, guia Dante pelos mundos do além-túmulo. Até hoje, só li o "Inferno". Não segui na leitura do livro.
É isso, espero que os deuses e a Fortuna me permitam viver os próximos meses para empreender essa trilha literária clássica. Parte da cultura ocidental dos últimos 3 mil anos provém dessas obras e desses autores.
Alguém topa fazer esse roteiro de leitura?
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Na outra trilha clássica, estou na releitura de Ulysses, de James Joyce. Após Joyce, vou ler As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, e Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Dessa trilha, li recentemente Moby Dick, de Herman Melville.
Lembrando o final do clássico texto de Italo Calvino sobre "Por que ler os clássicos", ele nos ensina que "é melhor ler do que não ler os clássicos".
Seguimos lendo...
William
Bibliografia:
HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).
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