quarta-feira, 14 de julho de 2021

Florestan Fernandes - Vida e obra



Refeição Cultural

"A Constituição instituiu um 'estado de direito', com liberdades políticas, garantias individuais e direitos sociais que só têm vigência se não afetam uma concepção obstinadamente reacionária da ordem legal e da iniciativa privada. O que consagra uma dualidade constitucional: há uma Constituição escrita, que exprime a 'vontade da Nação', mas converte-se em biombo para esconder o arbítrio e a violência; há uma Constituição consuetudinária, produzida pelo ânimo bélico das classes possuidoras e de suas elites dirigentes, consagrada pelo governo e por suas forças de repressão policial-militar e, frequentemente, judiciária. Essa dualidade constitucional é um desafio e um freio para a ação política dos trabalhadores livres e semilivres, os segmentos radicais da pequena burguesia e das classes médias. É preciso exterminá-la, porque ela institui a violência a partir de cima, a 'legitimidade' de um código não escrito que anula o texto constitucional, servindo somente para demonstrar o quanto a "Nova República" é sucessora hipócrita da ditadura militar e como se renova o despotismo da grande burguesia." (Florestan sobre a Constituinte e a Constituição, p. 162. Citação da Revista Teoria e Debate, nº 8, São Paulo, out/nov/dez de 1989)


Entre ontem e hoje, li o livro Florestan Fernandes - Vida e obra (2004), de Laurez Cerqueira. Anos atrás, havia lido quase a metade do livro e, como fazia sempre, não havia terminado. Agora li de uma vez.

A história de vida e militância do professor Florestan Fernandes é de nos fazer chorar. Aliás, por três vezes, chorei ao ler passagens do livro. 

Tenho muito orgulho de ter sido aluno da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH). Florestan foi professor de Sociologia I na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, até ser expulso (aposentado compulsoriamente com rendimentos proporcionais) em 1969 pelo Ato Institucional nº 5 da ditadura civil-militar.

A minha impressão é que Florestan é um excluído da intelectualidade brasileira comemorada pela burguesia. Ouve-se muito mais sobre Caio Prado Jr., Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre etc. Ele é um socialista, um defensor do socialismo e esse deve ser o motivo pelo qual a burguesia comemore outros pensadores e não ele.

Os capítulos do livro nos dão uma boa noção sobre a vida de nosso querido pensador socialista. Vejam abaixo o sumário do livro:

1 - De "Vicente" a Florestan

2 - Construir a sociologia científica e interpretar o Brasil

3 - 1964: Um golpe no sonho, um corte na produção intelectual acadêmica

4 - O cientista militante e a esperança no socialismo

5 - O professor Florestan Fernandes no Congresso Constituinte

6 - Compromisso e coerência

Foram capítulos de muita emoção na leitura. A infância pobre, com mãe solteira, trabalhando desde muito menino pelas ruas de São Paulo. O garoto franzino que se defendeu de marmanjos muito maiores nas ruas. A falta de condições de estudar até mesmo a educação básica.

Depois o adolescente e adulto que lia até 15 horas por dia para recuperar o tempo perdido com a falta de condições de estudar por questões de sobrevivência. Depois a vida de intelectual, professor e militante das causas sociais.

Ao ler sobre seu período de enfrentamento à truculência da ditadura a gente fica muito comovido. Depois vimos suas lutas como intelectual parlamentar na Constituinte e no mandato seguinte na Câmara Federal. A convivência com Lula e a bancada do PT e as lições ao mesclar a academia com a política: os acordos possíveis. A defesa da Educação; a LDB.

Seu espírito de servidor público. Sua ética e sua prática como critério da verdade, coisa que aprendi ao ser dirigente sindical. A dramaticidade de sua doença - hepatite-C - e a forma trágica de sua morte nos deixam sem palavras.

Que história de vida! Que homem da esquerda brasileira!

Mexeu muito comigo a história de Florestan Fernandes...

Refletindo sobre... que refeição cultural... que lição de vida.

William


Bibliografia:

CERQUEIRA, Laurez. Florestan Fernandes - Vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 4ª reimpressão, out/2009.


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