Refeição Cultural
" O senhor Dedalus ficou reto e puxou de novo o bigode.
- O senhor arrumou algum dinheiro? Dilly perguntou.
- Onde é que eu ia arrumar dinheiro? o senhor Dedalus disse. Não tem um cristão em Dublin que me empreste quatro pence.
- O senhor arrumou, disse Dilly, olhando em seus olhos.
- Como é que você sabe? o senhor Dedalus perguntou, sarcástico.
O senhor Kernan, satisfeito com o pedido que conseguira, caminhava cheio de si pela Jame's Street.
- Eu sei que arrumou, Dilly respondeu. O senhor estava no Scotch?
- Mas não estava mesmo, o senhor Dedalus disse, sorrindo. Será que foram as freirinhas que te ensinaram a ser tão impertinente? Toma.
Ele lhe entregou um xelim.
- Vê o que você consegue fazer com isso, ele disse.
- Eu acho que o senhor arrumou cinco, Dilly disse. Dê mais do que isso...". (p. 406)
A filha tenta de toda forma conseguir alguns tostões com o pai para terem o que comer em casa. O pai gasta o que tem no boteco, mas se nega a dar dinheiro pra família. Essa é uma cena comum nos enredos das narrativas de James Joyce.
Mais adiante dessa cena acima, Stephen Dedalus encontra a irmã na rua e ao falarem sobre livros, ficamos sabendo que até os livros são penhorados para se conseguir algum dinheiro (p. 413). Miséria. Miséria.
Já no início do romance, a questão do dinheiro é muito marcante nas cenas do dia: pela manhã, com Stephen Dedalus e Buck Mulligan, quando contam os centavos no bolso para tomar um drink no fim do dia. Depois, quando Dedalus recebe seu parco salário de professor.
É o capitalismo em seu reino de origem, o Reino Unido. O capitalismo da metrópole Inglaterra, que subjuga os irlandeses. Miséria. Miséria.
Hoje li o capítulo 10 de Ulysses, na tradução de Caetano W. Galindo. No quadro explicativo do romance, feito por Joyce, a relação do capítulo é com os "Rochedos Errantes" na Odisseia de Homero. Essa parte do dia se passa nas ruas, o horário é o das três horas da tarde. O símbolo do capítulo é "Cidadãos" e a técnica é "Labirinto".
Gostei do capítulo! Ele é todo dividido em cenas de pessoas nas ruas, abordando o ponto de vista delas. Em uma cena um personagem anda, conversa, pensa em fluxo de consciência. Depois entra em cena outro personagem. Mais outro. E assim vai. Eles dialogam entre si. No final, quando membros da elite circulam pelas ruas, apresenta-se todos olhando para o conde de Dudley e sua senhora. Desde o garoto cego (que percebe o burburinho) até os personagens principais.
Ao ler ontem um capítulo do Retrato do artista quando jovem, cujo personagem principal é o jovem Stephen Dedalus, uma espécie de alter ego de Joyce, vemos o quão marcantes são os problemas sociais oriundos da miséria advinda com o capitalismo e dos preconceitos e crendices das religiões - católicos e protestantes.
Fico inconformado com isso. Que desgraça essas abstrações humanas - capitalismo, dinheiro, deuses - que destroem qualquer possibilidade de alcançarmos uma sociedade justa, solidária e sustentável ao longo dos séculos. Estamos fadados ao fim da vida no planeta Terra. Isso me parece o caminho natural das coisas: o fim.
Como o fim não é instantâneo, seguimos vivos por hoje. ainda temos o sol neste domingo em Osasco. Parte de nós ainda tem comida e recursos para as necessidades básicas (a maioria não tem). Estamos todos doentes e alguns não têm sequer noção disso (alienação). Estamos expostos além do necessário por causa da forma como os humanos decidiram organizar a sociedade.
William
Bibliografia:
JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.
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