Refeição Cultural
Janeiro de 2025
"AS MORTES SUCESSIVAS
Quando minha irmã morreu eu chorei muito
e me consolei depressa. Tinha um vestido novo
e moitas no quintal onde eu ia existir.
Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.
Tinha uma perturbação recém-achada:
meus seios conformavam dois montículos
e eu fiquei muito nua,
cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.
Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.
Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,
parentes, que me lembrassem sua fala,
seu modo de apertar os lábios e ter certeza.
Reproduzi o encolhido do seu corpo
em seu último sono e repeti as palavras
que ele disse quando toquei seus pés:
‘deixa, tá bom assim’.
Quem me consolará desta lembrança?
Meus seios se cumpriram
e as moitas onde existo
são pura sarça ardente de memória."
Finalmente conheci a poesia de Adélia Prado.
Ao ver entrevistas dela na atualidade, fica fácil confirmar o que se percebe de sua poética desde seu primeiro livro Bagagem, de 1976. A poeta é muito religiosa e seu fazer poético contém toda a visão de mundo dela.
O livro está organizado em quatro seções: "O modo poético", "Um jeito e amor", "A sarça ardente I", "A sarça ardente II" e um desfecho: "Alfândega".
Vocabulário:
Sarça ardente é uma planta, com flores pequenas.
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DA 1a SEÇÃO, "O modo poético", diversos poemas me agradaram. A começar pelo poema "Com licença poética"
Vejam o começo:
"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira."
Vi numa entrevista Adélia dizer que Drummond foi um dos poetas que a identificaram e apoiaram no início da carreira.
No poema "Grande desejo" Adélia se apresenta e diz a que veio:
"(...)
sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
(...)
Quando dói, grito ai,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo."
Como disse, gostei bastante da 1a parte.
"Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
sombra terei depois, a mais fria." (Poema Sensorial)
O poema "Tabaréu" é mais um daqueles nos quais a poeta se define para seus leitores:
"(...)
Porque, mercê de Deus, o poder que eu tenho
é de fazer poesia, quando ela insiste feito
água no fundo da mina, levantando morrinho de areia."
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DA 2a SEÇÃO, "Um jeito e amor", gostei dos poemas "O sempre amor", "Enredo para um tema" e outros também.
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DA 3a SEÇÃO, "A sarça ardente I", adorei o poema "Ensinamento". Ler aqui.
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DA 4a SEÇÃO, "A sarça ardente II", gostei bastante dos poemas "Episódio" e "Uma forma de falar e de morrer". Achei demais "As mortes sucessivas".
"(...) mais dolorido canta quem não é cantor", verso do poema "Modinha".
É de alguém observador.
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DIMINUINDO AS LACUNAS CULTURAIS
Nas últimas semanas, descobri poetas que ainda não tinha lido.
Agora já conheço alguma coisa de Adélia Prado, Mario Quintana, T. S. Eliot, Baudelaire e Maiakóvski, poetas reconhecidos internacionalmente.
Sigamos lendo e diminuindo nossa ignorância cultural, pois somos seres incompletos, como nos ensina Paulo Freire.
William
Bibliografia:
PRADO, Adélia. Bagagem [recurso eletrônico]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2021.