Refeição Cultural - E agora, José?
100. E então passaram-se cem dias desde que defini que refletiria sobre os sentidos e motivações para o meu viver daqui adiante. É verdade que as buscas, reflexões e decisões não são de natureza dramática e definitiva como poderiam ser em outras etapas de minha existência. Sou um retirado (não um retirante).
Aos 55 anos e retirado da condição de venda da força de meu trabalho, como beneficiário de uma caixa de previdência para a qual contribuí por décadas - oportunidade que a Sorte me presenteou por ter sido trabalhador de uma empresa estatal - é mais fácil ter tempo no cotidiano para refletir sobre os sentidos da vida e pensar alternativas de mudanças para tentar encontrar alguma satisfação que me sirva de utopia ao acordar diariamente.
O que faço de minha vida? O que deixo para trás e não busco mais em minha vida? É possível ou viável esses tipos de perguntas neste momento de minha vida? Que potência ou controle tenho eu ou temos nós, reles mortais, para definir o que fazer e o que não fazer neste mundo mundo vasto mundo drummondiano, sem soluções e sequer rimas?
Fosse eu um palestino levando minha dura e escassa vida como colonizado em minha própria terra, a Palestina da Faixa de Gaza, no mês de setembro de 2023, e estivesse escrevendo este texto e definindo coisas a fazer e não fazer mais em minha vida... e dias depois meu mundo teria acabado sob bombas e escombros e fome e sede e sangue e morte... imaginem vocês como chega a ser ousado ou arrogante nos dias atuais ficar elucubrando coisas a fazer e não fazer na vida! (talvez devesse ser mais humilde e deixar essas buscas de lado)
Algumas pessoas podem pensar que coisas ruins só acontecem com os outros, com os palestinos, com os haitianos, com os russos e com os ucranianos, com os libaneses, com povos de países africanos ou asiáticos... muitas pessoas não associam causas e consequências da disputa global por hegemonia. Pouca gente acha possível os bárbaros do império do norte virarem suas máquinas de guerra e tomada de poder sobre a terra dos outros para o nosso lado. Pouca gente.
Fosse eu outro tipo de animal mamífero, qualquer deles, quadrúpede ou bípede, com ou sem rabo, com ou sem polegar opositor, e não teria a necessidade de utopias, da criação de abstrações para dar sentidos ao viver... assim somos nós seres humanos. Chamados seres da razão, mas totalmente das paixões.
Fosse eu outro tipo de animal mamífero, desses que se podem adestrar, inclusive da espécie de humanos que não pensam, que foram completamente capturados por algum desses manipuladores dos desejos e das ações de suas marionetes, e nem estaria aqui pensando essas coisas da política de imperialismo, colonialismo, neoliberalismo etc.
Para com essa elucubração política sem rumo certo.
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E agora, José?
Amanhã não vou treinar para a maratona x ou y... não vai rolar mais uma maratona na minha vida. A vida me pregou uma peça...
Não vou comprar uma moto Harley-Davidson como sonhei por muito tempo na vida. Foi sonho de juventude. (tive uma sete galo... foi do caralho!)
Sinceramente, não vejo mais sentido em fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Nem conhecer Machu Picchu vou mais. Não careço disso.
Pensei décadas atrás em ser professor, educador, coisa do tipo. Entrei numa faculdade de Educação Física e não tive dinheiro para concluir. Tentei uma universidade pública, entrei na USP... As veredas da vida conspiraram para eu ser sindicalista e não ser professor saído da FFLCH. (estudei tanto a história do movimento dos trabalhadores que poderia ter sido formador após anos de militância... deu ruim, fui cancelado pelo meu Sindicato)
(...) fôlego
Acho que não vai rolar me tornar uma pessoa mais de esquerda do que fui nesses trinta anos, não vou me tornar um revolucionário agora com esse corpo de merda que me sobrou. (aliás, sempre olho ao meu redor e tenho claro que sou um desses esquerda caviar fru fru como usa ser a matriz de onde vim)
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Tá, mas e o que vou fazer?
Ainda tem os clássicos, a literatura que tanto quis ler e nunca dava porque estava sempre trabalhando e cansado e com sono e com outras prioridades vitais e com barulho e sem condições de concentração nas mais de quinze casas que vivi etc etc. Tem a literatura ainda...
(E eu que descobri na vida real que até para ler é preciso ter algum preparo físico, ou físico, para conseguir ler e estudar horas a fio...)
A literatura é uma coisa a se pensar... ainda tenho pilhas de livros físicos para ler.
Tenho que trabalhar o tratamento e guarda de meus mais de cinco mil textos e postagens de quase duas décadas de blogs com conteúdos culturais e políticos. A maior parte ainda está nas "nuvens" dos nossos inimigos de classe e de concepção de mundo.
E ainda tenho uma coisa meio da natureza humana de certa parte dos humanos... um desejo de escrever e refletir e registrar coisas.
E tenho que cuidar das pessoas que amamos.
Acho que é mais ou menos isso.
(da política, quero ajudar como puder a eleger a Luna Zarattini e o Guilherme Boulos. Depois disso, preciso tirar a política de mim assim como me tiraram da política)
William
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