Quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Hoje minha mãezinha completa 78 anos de idade. Liguei para ela logo cedo. Parabéns e muitas felicidades, mamis!
Recentemente, entreguei para minha mãe o livro coletivo "Querida Mãe!, que fizemos em homenagem às mães. Tive a oportunidade de ser um dos autores do livro. Os textos dos filhos e filhas para as mães são textos muito legais. Livro lindo e cheio de amor e vida!
Parabéns à Cleusa Slaviero que organizou o livro para nós! Obrigado!
Disponibilizo nesta postagem o texto que fiz para a minha mãe.
William
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Mãe
Ao pensar o que poderia escrever sobre a minha mãe, busquei
na memória fragmentos de lembranças que significassem momentos marcantes na
nossa vida, na dela e na minha, lembranças de nós dois: uma cumplicidade, uma
felicidade, um segredo, uma tristeza só nossa.
As primeiras lembranças que me vieram à memória foram a da
mãe que aceitou a partida do filho antes dos 18 anos e a cumplicidade ao
me ouvir falar, anos depois, as coisas mais tristes que uma mãe poderia ouvir
de um filho e silenciar respeitando a decisão que eu viesse a tomar naquele
momento de fúria e depressão. Aquele silêncio de só ficar ao lado da pessoa
querida.
É impossível saber a dor que causei à minha mãe ao dizer a
ela que não queria mais viver aos vinte e poucos anos... o silêncio de minha
mãe naquele momento talvez tenha sido a única coisa a fazer. E pensar que ter
filhos era o sonho de meus pais. Minha mãe tinha “útero infantil” diziam a ela, e meus pais perderam alguns filhos em abortos espontâneos. Imaginem a dor. A
única gravidez que “vingou” foi a que me colocou no mundo, e isso depois de
adotarem a minha irmã.
As histórias das mães neste duro mundo humano hegemonizado
pela força e pela violência dos homens são sempre histórias únicas. Fiquei
pensando em algumas mães que conheci ao longo deste meio século de
existência... São histórias incríveis. A história da mãe de meu filho é uma
dessas histórias duras e de superações... Como as mães são guerreiras poderosas
neste mundo! Seres de potências muito mais complexas que as do
universo masculino.
Eu passei boa parte de minha vida adulta procurando
respostas para perguntas que sequer conseguia formular direito. Fui caminhando
entre tristezas e fúrias da adolescência até quase 30 anos de idade.
Aqueles momentos de cumplicidade de minha mãe, de só ficar ao lado, aguentando
as minhas dores em silêncio (imaginem as dores dela!) devem ter me tocado para
sempre de alguma forma. Superei aquela fase e nunca mais pensei absurdos que
magoassem as pessoas que me amavam.
Além da própria vida que ganhei mais de uma vez de minha
mãe, que poderia contar sobre ela que tenha de alguma forma contribuído para eu
chegar até aqui? A fé inabalável dela, a honestidade, a vontade de viver por
saber que nós precisamos dela conosco neste mundo. Há décadas temos esse
compromisso velado de nos mantermos vivos porque uns precisam dos outros.
Já concluí muitas vezes em meus registros de memórias que
devo ter sobrevivido à adolescência em lugar miserável e violento porque a
educação católica de minha mãe deve ter contribuído para eu não fazer as mesmas bobagens que as pessoas faziam ao meu redor. E a honestidade de não querer pegar uma
agulha que não fosse minha também vem dela. O chocolate que peguei e saí sem
pagar num supermercado quando criança nunca saiu de minha cabeça. Aquilo bastou
para entender o que minha mãe nos ensinava.
Enfim, como somos natureza, estamos todos envelhecendo, ela
e eu e todos nós. A gente segue com aquela natureza aguerrida de não se deixar
morrer de jeito nenhum porque precisamos uns dos outros.
O que eu torço é para que ainda dure muito essa nossa
possibilidade do existir, porque aprendi, ao sobreviver aos tempos de fúria, que
a vida é uma oportunidade, que viver é bom, ainda mais quando se ama e quando
se é amado. Eu trato sempre de estar amando para manter meu vínculo com a
existência. Tenho me esforçado para ser uma pessoa melhor a cada dia e, talvez
assim, ser amado também.
Te amo, mãe!
William Mendes
Do Blog Refeitório Cultural
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