segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (23) - A Flauta-Vértebra, Maiakóvski


Estou preso ao papel com o prego das palavras (texto do desenho).


A Flauta-Vértebra - Maiakóvski


Prólogo 


A todas vocês, 

que eu amei e que eu amo,

ícones guardados num coração-caverna,

como quem num banquete ergue a taça e celebra,

repleto de versos levanto meu crânio.


Penso, mais de uma vez:

seria melhor talvez

pôr-me o ponto final de um balaço.

Em todo caso

eu

hoje vou dar meu concerto de adeus.


Memória!

Convoca aos salões do cérebro

um renque inumerável de amadas.

Verte o riso de pupila em pupila,

veste a noite de núpcias passadas.

De corpo a corpo verte a alegria.

Esta noite ficará na História. 

Hoje executarei meus versos

na flauta de minhas próprias vértebras. 

(A ilustração é de Maiakóvski para o poema)

---

COMENTÁRIO:

Sigo aberto à poética de Maiakóvski. No entanto, a poética do revolucionário poeta russo segue hermética pra mim.

Já li 2/3 dos poemas selecionados por Boris Schnaiderman e pelos irmãos Campos para esta bela edição que tenho da Perspectiva. 

Conheço hoje um pouco mais que ontem sobre Maiakóvski. Isso é bom. Estou com mais de meio século de existência e sigo aprendendo. 

Sigamos lendo poesias e aprendendo novas culturas. 

William Mendes 


domingo, 22 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (22) - Mais vale um provérbio na mão..., Marili Santos




MAIS VALE UM PROVÉRBIO NA MÃO...

                       (Para Mário Prata)


Já que estamos aqui

pro que der e vier,

com uma imensa batata quente nas mãos

e já sabemos, que isso

tudo é para inglês ver...

Que tal então matar

a cobra e mostrar o pau?

Parar de meter os pés pelas mãos

e tirar o cavalinho da chuva, porque

para nossa vida

melhorar, é preciso

ver uma luz no fim do túnel,

entender que um dia é da caça

e outro do caçador, e mais...

Saber que é preciso

abafar a banca e

afogar o ganso!

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COMENTÁRIO:

A professora, poeta, cronista e contista Marili Santos é autora do blog Valsa Literária. Estou lendo sua obra como gosto de fazer com autores e autoras de literatura e poesia, conhecendo sua produção de forma cronológica.

Suas publicações no blog começaram no ano de 2011. É uma produção cultural respeitável, são centenas de textos.

Até o momento, li algumas dezenas de textos variados: poemas, crônicas, frases etc; estou terminando a leitura de um conto publicado em capítulos.

O poema com os provérbios é muito criativo. Gostei!

Seguimos lendo poesia neste mês de dezembro.

William Mendes

sábado, 21 de dezembro de 2024

Diário e reflexões



Reminiscências (1) 

1. Olhando papéis velhos, li uma matéria sobre um encontro de associados da Cassi e Previ, organizado pela Afabb-SP, em 27 de novembro de 2017, em parceria com outras entidades representativas, ocorrido em Ribeirão Preto (SP), no qual fiz grande esforço para participar porque a empresa aérea havia cancelado o voo. Dei um jeito e fui. O público me aguardou. Fiz esse trabalho de base por 4 anos, pouco dormi, e era acusado pelos adversários políticos de não trabalhar. Foi um reconhecimento que registrei no meu blog à época (ler aqui), os associados me aguardaram duas horas. Nosso mandado foi muito fiel aos princípios éticos que aprendemos durante nossa vida de sindicalista da CUT. 

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2. Em outro momento, a nossa Afabb-SP, gentilmente, abriu espaço em sua revista, edição 154 de maio/junho de 2018, para fazermos uma avaliação do período no qual estivemos à frente da Diretoria de Saúde da Cassi. Os avanços políticos e técnicos na gestão do modelo de saúde foram reconhecidos por boa parte das dezenas de entidades representativas e dos associados da autogestão. Fomos reconhecidos até por instituições relevantes como ANS e OPAS. No entanto, a questão econômico-financeira - o déficit - ocupou o foco das atenções à época. Pautou as eleições, inclusive. Fizemos o que foi possível ser feito na área da saúde, mesmo sem recursos adequados. 

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3. Estava olhando o conteúdo de uma grossa apostila de estudos para concursos públicos, mais ou menos do ano 1999/2000, e fiquei impressionado comigo mesmo. Eu estudei aquilo tudo e não foi à toa que tive capacidade técnica de enfrentar os grandes debates que enfrentei como gestor da Cassi entre 2014/2018 e os patrões banqueiros por mais de uma década. Acumulei grande conhecimento que me foi útil como dirigente da classe trabalhadora. Direito tributário, constitucional, comercial, auditoria, contabilidade, economia, SFN etc. Quando enfrentei o lawfare que inventaram para me impedir de defender os direitos dos associados da Cassi ao final do mandato (cartinha anônima) peitei até o canalha da auditoria que agiu de má-fé e fora das normas para participar do conluio armado contra mim. Enfim, estudei muito nesta vida... conhecimento sempre tem sua valia.

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Sempre que olho para trás, sinto que contribuí para as grandes questões da classe trabalhadora.

Foi a coisa certa a ser feita.

William Mendes

21/12/24

Leitura de poesia (21) - Vida, Mario Quintana



Vida - Mario Quintana 


Não sei 

o que querem de mim essas árvores

essas velhas esquinas

para ficarem tão minhas só de as olhar

um momento. 


Ah! se exigirem documentos aí do

Outro lado,

extintas as outras memórias,

só poderei mostrar-lhes as folhas soltas

de um álbum de imagens:

aqui uma pedra lisa, ali um cavalo

parado

ou

uma

nuvem perdida,

perdida...


Meu Deus, que modo estranho de contar 

uma vida!


Do livro Esconderijos do tempo.

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COMENTÁRIO:

Enquanto tomava meu café da manhã, uma rosquinha deliciosa feita por minha mãe, lia poemas de Mario Quintana. O tema: a vida.

O Eu-lírico me fez pensar nas folhas das árvores do Parque Continental, que me conhecem. Me fez pensar nas minhas velhas esquinas... são 25 anos virando nelas.

Eu que nunca fui uma pessoa dos prazeres da alimentação, por medo de ter uma doença qualquer no trato digestivo, me peguei apreciando o instante único do sabor de mastigar e engolir alguma coisa. 

Nem sabia mais o quanto era formidável comer o arroz com feijão e milho e ovo de minha mãe. 

Comer por 5 dias aquela comidinha saborosa da minha mãe foi VIDA. 

William Mendes 


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Livro: O Covil dos Inocentes, Henry Bugalho



Refeição Cultural 

Sexta-feira, 20 de dezembro de 2024.


Henry Bugalho é bom romancista. Quando li Margot Adormecida vi que o escritor tem talento (comentário aqui). 

Meses depois da primeira leitura de obra dele, li A Impureza da Minha Mão Esquerda, um livro de contos excelentes. Cada estória melhor que a outra (comentário aqui). 

Agora li O Covil dos Inocentes, romance baseado nas investigações do detetive Vico, personagem de Bugalho que compõe um conjunto de contos após o romance principal. 

Henry Bugalho usa linguagem prosaica e coloquial em suas narrativas. Os enredos têm boas amarrações. Seus textos são de leitura fluida e fácil.

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SUMÁRIO DO LIVRO

O Covil dos Inocentes 

Pós-escrito a "O Covil dos Inocentes"

ALGUNS OUTROS CONTOS DO DETETIVE VICO

- O Amante 

- A Enfermeira e o Sargento

- Amor Fraternal

- Roleta-Russa

- Obra do Diabo

- O Inventariante

- O Diário Vermelho 

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Ainda tenho alguns livros de Henry Bugalho para ler em meu Kindle: 

- Porteiros do Fascismo

- Rei dos Judeus

- O Personagem e outras Fábulas Filosóficas 

- Fantasmas, Vampiros, Demônios e Histórias de outros Monstros 


É isso! Sigamos nas leituras. 

William Mendes 


Leitura de poesia (20) - Soneto 26 Lírico, Glauco Mattoso



SONETO 26 LÍRICO - Glauco Mattoso


Dizem que o amor é cego e a carne é fraca,

mas só amei alguém quando enxergava.

Hoje a cegueira queima como lava

e o coração resiste a qualquer faca.


Ontem tesão, agora só ressaca.

Foi-se a paixão que fez minh'alma escrava.

Se inda me queixo dessa zica brava,

sou caçoado e passo por babaca.


Nem tudo está perdido: resta o cheiro

que invade-me as narinas quando passo

na porta do vizinho sapateiro.


Vá lá: o papel que faço é de palhaço.

O olfato é meu recurso derradeiro

e o cheiro do fetiche o único laço.


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COMENTÁRIO:

A escolha do autor de hoje foi aleatória. A do poema foi difícil, fiquei entre quatro sonetos que gostei e um poema do personagem Pedro o podre. 

Glauco Mattoso veio até mim da mesma forma que os poemas pousam no livro de poesia como pássaros, imagem inesquecível que conheci dias atrás com Mario Quintana ("O poema").

Olhei na estante de casa e vi aquele livro exótico, uma capa pintada à mão pelos integrantes do coletivo Dulcinéia Catadora, capa feita com papelão comprado de cooperativas de materiais recicláveis. 

Li alguns poemas de Mattoso e gostei muito. 

Aí fui ler a respeito dele. 

O poeta é paulistano, tem 73 anos, ficou totalmente cego desde 1995, em decorrência de uma doença nos olhos - o glaucoma -, daí o nome "Glauco", e o nome "Mattoso", completando seu nome artístico, é em referência a Gregório de Matos (1636/1696), o poeta barroco conhecido por "Boca do Inferno", de quem Mattoso se considera herdeiro na sátira política e na crítica de costumes.

Pesquisei sobre o próprio poeta, sobre Gregório de Matos e sobre a doença que o cegou.

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OS PÉS

O poeta passou a ter um foco temático nos pés após a perda da visão, é um pouco do que pude apurar com as informações sobre Glauco Mattoso. Os sonetos que gostei no pequeno livro artístico que tenho em casa abordam essa temática.

O poema "Soneto 73 Obsessivo", também tem os pés como tema.

-

"O gosto pelo pé ficou mais forte

depois que as trevas foram preenchendo

o fundo do meu olho, neste horrendo

martírio, mais agônico que a morte."

-

O poeta também ressalta o olfato, mais aguçado e fundamental para as pessoas que não têm o sentido da visão.

Mattoso tem poemas bem sarcásticos, que tiram sarro de tudo. 

Gostei da poética de Glauco Mattoso.


William Mendes


MATTOSO, Glauco. Delírios líricos. Capa pintada à mão pelos integrantes do coletivo Dulcinéia Catadora, capa feita com papelão comprado de cooperativas de materiais recicláveis. Dulcinéia Catadora, 2007.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (19) - Histeria, T. S. Eliot



Histeria - T. S. Eliot (1917)


Enquanto ela ria eu me vi sendo envolvido por seu riso e me tornando parte dele, até que seus dentes fossem apenas estrelas fortuitas com talento para ordem-unida. Fui tragado por alentos curtos, inalado a cada momentânea recuperação, fiquei por fim perdido nas cavernas negras de sua garganta, machucado pelo ondular de músculos invisíveis. Um garçom idoso de mãos trêmulas estendia apressado um tecido xadrez branco e rosa sobre a mesa de ferro verde oxidado, dizendo: "Se a senhora e o cavalheiro preferem tomar seu chá no jardim, se a senhora e o cavalheiro preferem tomar seu chá no jardim...". Decidi que se fosse possível deter o balanço de seus seios alguns cacos da tarde poderiam ser recolhidos, e concentrei minha atenção com cuidadosa sutileza para tal fim.

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COMENTÁRIO:

O poeta está no início do século passado, e seus poemas trazem temas sexuais ou erotizados que podem desconcertar as elites locais. 

Na obra Prufrock e outras observações (1917), no poema "Tia Helen", vemos os prazeres da carne sendo explicitados por Eliot.

"E o lacaio sentou sobre a mesa da sala/Tendo a segunda criada no colo -/Ela, tão ciosa quando em vida da patroa."

Em "Histeria" temos a cena de uma mulher com uma boca tão sensual que o Eu-lírico fica alucinado por ela.

E para ampliar a imagem da sensualidade no poema, tem ainda o balanço dos seios...

Em ambos, performam personagens da classe trabalhadora: empregados em residências e garçons nos pequenos restaurantes. 

É a vida cotidiana se desenvolvendo na sociedade, sob o olhar atento do poeta, que denuncia as hipocrisias e recalques daquela gente que se faz de "chique" ou "de família" e farsas do tipo.

Sigamos lendo poesia neste mês. 

William Mendes 


Bibliografia:

ELIOT, T. S. Poemas. Org. tradução e posfácio Caetano W. Galindo. - 1a ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 19 de dezembro de 2024. Quinta-feira.


"Ego


Não hesito,

Se existo,

Insisto,

Resisto,

Persisto

e não desisto."


Genésio dos Santos (1978)



Melancolia. Não estou no clima para confraternizar com nadie. Sentir tristeza é uma coisa natural do ser pensante. Sou pensador. Vejo as coisas ao meu redor. São tristes demais! Como não consigo mais sentir raiva e ódio (me libertei desse cativeiro) sinto pena, fico com dó, e fico puto com as merdas inacreditáveis feitas pelas pessoas ao nosso redor. Raiva não.

Naturalmente estou nos dias de fazer algum tipo de balanço do ano que se encerra, a minha passagem pela existência neste ano civil. Refletir sobre as coisas da vida humana no meu canto do mundo e no mundo todo. Tenho consciência que contribuí para o mundo onde vivo ao tentar melhorar a vida das pessoas, pois participei ativamente das campanhas políticas neste ano. Fiz minha parte de jogar água no incêndio da floresta com meu bico de beija-flor. (mas o incêndio está destruindo tudo)

Sei e entendo que não tenho o que fazer no que diz respeito às relações humanas com os animais humanos do tempo atual. Relações utilitaristas, relações fluidas, de interesses. Pouca coisa sobra para amor e amizade. Uma das coisas que mais azedam o meu viver, o viver de muita gente, é a falta de consideração para com a gente. No meu mundo a consideração está desaparecendo. Não sei dos outros mundos, pois não sei nada de outros povos, outras culturas, outras gentes. Sei algo do mundo ao meu redor. Consideração próxima do zero. Triste isso. Mas as coisas são como são.

Época de balanços e planejamentos para possíveis amanhãs é época de ver coisas empilhadas, de ver o quanto nos afogamos em inutilidades, e o quanto desperdiçamos tempo com algo inútil ao invés de algo que valeria a pena enquanto existimos. Se eu não li uma centena de obras clássicas que gostaria de ter lido, para que guardar dezenas de obras que de verdade não acrescentariam nada ou quase nada em sua vida única e fugaz que pode acabar amanhã ou no instante seguinte? 

Eu sequer li "O nome da rosa" e fico enchendo espaço em casa com uma bosta de livro sobre um czar fdp. E meus livros de educação física? Não pude me formar à época por falta de dinheiro para pagar a mensalidade, frustração inesquecível, e deixo aqueles livros ocupando espaço que não tenho? É tanta coisa...

(Post Scriptum: voltei da rua. Disponibilizei alguns dos livros que tinha numa banca de livros gratuitos aqui no bairro. Que sejam úteis para alguém)

Reafirmo que os seres humanos são seres extraordinários. Seres com potenciais e capacidades incomparáveis a qualquer outra espécie da natureza. Não precisaríamos estar num mundo feio, miserável, dominado pela maldade e por uma pequena parcela de fdp causando a destruição de um mundo inteiro que não é deles, desses fdp da parcela ínfima da população. 

Mas não está fácil achar soluções para melhorar as pessoas e a sociedade humana. Está faltando criatividade a mim e a vocês que desejaríamos mudar a situação atual para algo melhor coletivamente. Coloquemos a cabeça para pensar...

Sigamos com as atitudes revolucionárias citadas no poema de meu amigo Genésio dos Santos, que abre este instante filosófico.

William Mendes


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (18) - Orfandade, Adélia Prado



Orfandade - Adélia Prado 


Meu Deus,

me dá cinco anos. 

Me dá um pé de fedegoso com formiga preta,

me dá um Natal e sua véspera, 

o ressonar das pessoas no quartinho.

Me dá a negrinha Fia pra eu brincar,

me dá uma noite pra eu dormir com minha mãe. 

Me dá minha mãe, alegria sã e medo remediável,

me dá a mão, me cura de ser grande,

ó meu Deus, meu pai,

meu pai.


Vocabulário:

Fedegoso: um tipo de plantinha comum e florida.

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COMENTÁRIO:

Escolhi conhecer hoje a poesia de Adélia Prado. Ela é uma de nossas maiores poetas brasileiras e está com 89 anos.

Ao pesquisar um pouco sobre Adélia Prado, optei por ler seu primeiro livro de poesia, Bagagem, lançado em 1976.

Li os primeiros 15 poemas do livro e gostei muito da poética dela.

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"Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina." (Com licença poética)

Os poemas de Adélia são bem prosaicos, e por isso são poemas para todos nós. 

Sorte nossa termos ela para escrever os sentimentos que sentimos.

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"Procuro sol, porque sou bicho de corpo./Sombra terei depois, a mais fria." (Sensorial)

Adélia poetiza a vida, que é breve e boa, e vale ser vivida. Depois, talvez, só a sombra mais fria.

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"Que noite tão clara e quente, 

ó vida tão breve e boa!

A cigarra atrela as patas

é no meu coração. 

O que ela fica gritando eu não entendo, 

sei que é pura esperança." (Módulo de verão)

Com os sentimentos poetizados por Adélia Prado, me lembrei de novo das palavras de Fernanda Montenegro, sobre a vida ser boa, nos dando pena de morrer. 

A vida em si é esperança, pois é oportunidade a cada amanhecer.

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"Ara! que eu não nasci pra permanência desta duvidação,

mas só para o ser eu mesmo, o de todo mundo desigual, 

afirmador e consequente, Riobaldo, o Tatarana.

Ixi!" (Poema com absorvências no totalmente perplexas de Guimarães Rosa)

Cada um é cada um e isso é uma riqueza tamanha, que ninguém seja igual. 

Adélia Prado, adorei te conhecer!

Sigamos na leitura de poesias.

William Mendes 


Bibliografia:

PRADO, Adélia. Bagagem [recurso eletrônico]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2021.

 

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (17) - O silêncio, Mario Quintana



O silêncio - Mario Quintana 


Há um grande silêncio que está sempre à escuta...


E a gente se põe a dizer inquietamente

qualquer coisa,

qualquer coisa, seja o que for,

desde a corriqueira dúvida sobre se

chove ou não chove hoje 

até a tua dúvida metafísica, Hamleto!


E, por todo o sempre, enquanto a gente

fala, fala, fala

o silêncio escuta...

e cala.

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COMENTÁRIO:

Me dispus a ler poesia durante o mês de dezembro, de preferência poetas e obras que ainda não conheço, ou seja, quase tudo, porque não sou um conhecedor de poesia, só comecei a ler poesia depois dos trinta anos de idade. 

De verdade, conheço um pouco de Drummond, minha cachaça. 

Já li Brecht, Leminski, alguns livros de Cecília Meireles, Manuel Bandeira, João Cabral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade. Os que cito, já li um ou vários livros.

Comecei dezembro pegando alguns livros que tenho em casa e agora estou escolhendo aleatoriamente a cada dia um(a) poeta e lendo alguns poemas até me identificar mais com um deles.

Hoje pensei em Mario Quintana, que não conheço. Comecei tentando acessar seus poemas, pois não tenho livro algum dele. 

(Um tempo depois) Ufa! Só para conseguir escolher um livro e adquiri-lo na forma digital foi um tempão! 

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Catarse!

Pego o livro Esconderijos do tempo (1980) e começo a leitura...

O primeiro poema "Os poemas" é uma catarse! O segundo poema "O silêncio", me deixa pensativo. O terceiro poema "A canção do mar", o mesmo espanto com a genialidade e a simplicidade do poeta.

Amig@s, eu nunca tinha lido poemas de Mario Quintana e ele tem tudo para virar outra cachaça na vida deste leitor cheio de lacunas culturais.

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Os poemas de Quintana me deixaram impressionado neste começo de contato.

Linguagem simples, mas cheia de conceitos profundos. Impossível ler e não ficar pensando a respeito. 

Vejam esta citação na abertura do livro:

"Um velho relógio de parede 

numa fotografia

- está parado?

(Caderno H)"


Não é de nos deixar pensativos?

Aí vamos para a primeira imagem poética: os poemas como pássaros que pousam no livro... difícil tirar essa imagem da cabeça!

Em seguida, Quintana põe o dedo na antiquíssima questão do silêncio constrangedor, ou que incomoda qualquer pessoa em seu cotidiano. 

O poema é maravilhoso!

Enfim, agora tenho o livro de Quintana. É seguir lendo. 

William Mendes 


Bibliografia:

QUINTANA, Mario. Esconderijos do tempo [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (16) - Os dois horizontes, Machado de Assis



Os dois horizontes - Machado de Assis

                          1863 

                          A M. Ferreira Guimarães 


Dois horizontes fecham nossa vida: 


Um horizonte, — a saudade 

Do que não há de voltar; 

Outro horizonte, — a esperança 

Dos tempos que hão de chegar; 

No presente, — sempre escuro, — 

Vive a alma ambiciosa 

Na ilusão voluptuosa 

Do passado e do futuro. 


Os doces brincos da infância 

Sob as asas maternais, 

O voo das andorinhas, 

A onda viva e os rosais; 

O gozo do amor, sonhado 

Num olhar profundo e ardente, 

Tal é na hora presente 

O horizonte do passado. 


Ou ambição de grandeza 

Que no espírito calou, 

Desejo de amor sincero 

Que o coração não gozou; 

Ou um viver calmo e puro 

À alma convalescente, 

Tal é na hora presente 

O horizonte do futuro. 


No breve correr dos dias 

Sob o azul do céu, — tais são 

Limites no mar da vida: 

Saudade ou aspiração; 

Ao nosso espírito ardente, 

Na avidez do bem sonhado, 

Nunca o presente é passado, 

Nunca o futuro é presente. 


Que cismas, homem? — Perdido 

No mar das recordações, 

Escuto um eco sentido 

Das passadas ilusões. 

Que buscas, homem? — Procuro, 

Através da imensidade, 

Ler a doce realidade 

Das ilusões do futuro. 


Dois horizontes fecham nossa vida.


Crisálidas (1864)

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COMENTÁRIO:

Essa experiência de buscar o novo na leitura de poesia tem sido interessante. 

Para escolher uma poesia com a qual eu me identifique ou goste do objeto ou tema tratado pelo poeta, leio uma certa quantidade de poemas e quando algum deles me chama a atenção, leio mais algumas vezes e começo uma análise simplória do poema, uma fração do que aprendemos na faculdade, lógico. Vejo o significado das palavras, algo sobre o autor, a época da enunciação etc.

Machado de Assis publicou quatro livros de poesia e ficou mundialmente conhecido por seus romances, contos, crônicas e outras produções literárias. Entretanto, muito pouco se fala do poeta Machado.

Crisálidas é o primeiro livro de poesia do Bruxo do Cosme Velho. É dele o poema que me tocou no dia de hoje.

Estou numa fase da existência na qual poderia dizer que o autor fez este poema para uma pessoa como eu, passando por momentos de reflexões e análises da vida após cinco décadas de vivência, unindo uma ponta à outra, como o próprio Machado chegou a fazer com personagens ligando as pontas da vida: Bentinho, Conselheiro Aires etc.

No horizonte da saudade, penso até nos pertencimentos que já tive, amor e respeito de familiares e amigos. No horizonte da esperança, não ser determinista e acreditar na mudança através de nossas ações.

Não nego que tenho estado muitas vezes mergulhado "Perdido/No mar das recordações,".

E a dificuldade de achar respostas ainda é uma realidade. "Que buscas, homem?"

Talvez minha resposta seja mais ou menos a do Eu-lírico.

"- Procuro,/Através da imensidade,/Ler a doce realidade/Das ilusões do futuro."

Amig@s, vale a pena conhecer esse lado poético de nosso mestre Machado.

Sigamos descobrindo poesias em dezembro.

William Mendes


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Crisálidas. Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, vol. II, Nova Aguiar, Rio de Janeiro, 1994.


Natais - 1981


Meu minuto no paraíso: Parque do Sabiá.

Refeição Cultural

Uberlândia, 16 de dezembro de 2024. Segunda-feira.


Vim visitar meus pais e familiares alguns dias antes do Natal deste ano. Nossa porção paulista não virá a Minas Gerais como fizemos nos dois últimos anos.

Felizmente, pude rever a abraçar pais, irmã e cunhado, sobrinhos e família, tia e primo. Tenho muitos familiares na cidade, mas a correria dos afazeres que tento encaminhar quando venho aos meus pais dificulta fazer outras visitas a tios e primos. Mas sei que estão bem, é o que nos deixa feliz.

Vim pensando muito nas questões da temporalidade da vida e no instante presente, que é único. Estou ainda com a frase que ouvi de uma entrevista antiga de Fernanda Montenegro, ao responder sobre medo da morte e dizer que tem pena de morrer, porque viver é poder ver o céu azul, estar com pessoas que se ama, ter acesso a conhecimento e cultura etc.

É isso, querida Fernanda Montenegro, pode acreditar que ontem, ao passar por uma floreira cheia de borboletas coloridas em festa, sob um céu azul intenso, parei e fiquei lá vários minutos VIVENDO...

Viver é a oportunidade de ver um céu azul e 
flores e borboletas coloridas num instante único.

Outra coisa que me preocupa sobre a efemeridade da vida é a questão da memória, da essência do que nós seres humanos somos, nossas memórias e nossa identidade, guardadas em nossa mente, em nosso cérebro de bilhões de neurônios que nos fazem ser o que somos, a partir do aculturamento que cada um de nós teve ao longo da vida.

Tenho um desafio enorme como cada semelhante nosso: viver o presente e o amanhã, caso ele exista para mim.

Honestamente, avalio que as relações humanas estão ruins, em todos os âmbitos sociais, aqui e acolá, e não podemos desistir de mudar o comportamento humano individualista, intolerante e sem paciência alguma para a alteridade e a diversidade de pensamentos e características pessoais. A mesmice em qualquer espécie é a morte dela.

Tenho tanta coisa nas ideias para falar sobre isso que vou fazer o contrário, não vou rabiscá-las aqui.

Conversando com minha mãe ontem, só poderia dizer que ambos lamentam nossas experiências e pequenas sabedorias não servirem para nada para as pessoas que amamos. A gente vai se cansando de tentar passar alguma coisa de boa que aprendemos por sobreviver neste mundo duro que sobrevivemos. Ninguém quer saber de nossa opinião, nem no ambiente familiar, nem nos grupos onde um dia convivemos socialmente.

Eu tenho consciência sobre as coisas do mundo. Burro não diria que sou. Sei do meu lugar no mundo. E sei que no momento atual desse mundo nenhum de meus conhecimentos e acúmulos tanto pessoais como coletivos serve para nada, sequer para as pessoas mais próximas a mim. Isso é um fato e a vida de todo mundo segue neste minuto e no seguinte, até não seguir mais.

Enfim, tenho a impressão nesta véspera de mais um Natal que há um espírito de pouca solidariedade entre as pessoas, tenho a leitura que algumas daquelas recomendações do cristianismo estão fora de moda: o perdão de forma gratuita, acolher a quem pensa diferente, não querer ao outro o que não se quer para si mesmo e vários ensinamentos que o homem Jesus Cristo pregou em sua passagem por este mundo.

Eu sou ateu há mais de duas décadas, mas por três décadas fui criado e aculturado na ambiência do cristianismo da igreja católica. Às vezes, acho que sou hoje mais dogmático e seguidor das palavras de Jesus do que muita gente que se diz religiosa e só usa o nome de Deus e do Cristo para arrotar ódio, violência, vingança, individualismo, intolerância e manifestações demoníacas do tipo, caso houvesse demônios por aí.

Enfim, estou procurando equilíbrio, algum sentido para a vida minha e de todos nós, e acredito na inteligência humana e na educação e formação política. Não sou determinista. Nós podemos criar e mudar tudo porque é da nossa natureza humana fazer isso.

Sigamos tentando viver, contribuir para o mundo e as pessoas no mundo e lutando por salvar o próprio mundo, a natureza onde todos nós vivemos.

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NATAL DE 1981

Nosso Natal deve ter sido em Uberlândia (MG), para onde nos mudamos desde o início do ano anterior. 

A gente morava numa casa de fundo na Av. Comendador Alexandrino Garcia, no Marta Helena. Na casa da frente, a proprietária era a Dona Nenzinha, benzedeira da região. 

Me lembro que ela me dava uns trocados para copiar rezas em folhas de papel para ela dar aos fiéis. Ela me benzia de "espinhela caída". 

Fiz da 5ª a 8ª série na E. E. Hortêncio Diniz. 

Foi um tempo de mudanças para mim. Me lembro da casa pequena e do quintal com pés de frutas. 

É incrível como meu mundo de criança mudou! Tirando bolinhas de gude, que segui jogando e ganhando latas de bolinhas - que em MG se chamavam bilocas -, eu não empinei mais pipas porque ninguém brincava disso e de outras coisas que fazíamos em São Paulo. 

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Mundo

Tenho uma leve lembrança dos atentados que Ronald Reagan (EUA) e o Papa João Paulo II sofreram em 1981. Eles foram baleados. 

Ainda na política, sei que os desgraçados dos milicos iriam promover um atentado num festival de MPB para culpar a resistência civil e democrática na véspera do dia dos trabalhadores, mas se ferraram, a bomba explodiu no colo de um dos fdp. 

O evento é conhecido como Atentado do Riocentro.

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Os milicos em 2022 - A história no Brasil é um treco bem jabuticaba, só aqui mesmo. Décadas depois de impunidade e anistias a fdp golpistas, não é que meses atrás, uns milicos de merda, junto com um "presidente" de merda (ele é cagão mesmo), organizaram um novo golpe de Estado até com listinha de assassinatos de autoridades da República! Iam explodir o Aeroporto de Brasília, matar Lula, Alckmin e um ministro do STF etc. Esse mundo é um lugar velho... as coisas são antigas e vêm de longe.

William Mendes


Post Scriptum: o texto anterior desta série pode ser lido aqui.


domingo, 15 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (15) - Instinto de preservação da alma alheia, Marili Santos



INSTINTO DE PRESERVAÇÃO DA ALMA ALHEIA

Espero que goste e sirva.

Nossa, que linda você está hoje.

Não, eu juro, eu adorei, inclusive a cor.

Diz que saí e volto logo.

Não, obrigada, mas estava uma delícia.

Gozei.

A papelada está pronta, entretanto...

Desculpe, não pude ligar estava viajando.

Emagreceu, heim!

Sim, já enviei, não recebeu?

Enquanto juntos, sempre te amei.

Você não aparenta a idade que tem.

Li e achei incrível, principalmente aquela parte, qual é mesmo...


Do blog Valsa Literária, janeiro de 2011.

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COMENTÁRIO:

Adorei este poema de Marili Santos. A poeta e cronista é professora da rede pública em São Paulo e nos conhecemos faz pouco tempo. Marili faz parte de uma família de professoras e professores. Minha companheira é professora e nossas famílias se conheceram na Colônia de Férias do Sinpro SP.

A poeta tem uma produção incrível disponível para nós amantes dos bons textos literários, sejam eles crônicas, cartas, poemas, haicais, elegias, contos, apólogos, declamações e tantas outras formas discursivas da criação humana.

A página Valsa Literária contém centenas de textos incríveis e apesar de conhecer textos mais recentes da autora, quero mergulhar em sua produção literária de forma cronológica, desde o início das publicações.

As variações temáticas e formas de textos demonstram a versatilidade da autora, que consegue universalizar muitos temas desenvolvidos partindo de um caso específico e pontual. 

Vejam que extraordinária esta frase, esta surpresa:

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"Que coisa!

Recolhi no jardim de minha casa alguns fragmentos do medo que havia enterrado por lá, outrora, e que hoje brotaram verdes e prontos para crescerem novamente." (fev/2011)

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Estou no começo da obra de Marili Santos, e sei que vou encontrar muitos textos legais. Outro exemplo, ainda nas primeiras publicações do blog é o miniconto "Olhar xadrez", muito bom! Final surpreendente!

Assim como a crônica ou miniconto "Ainda sem nome" (fev/2011), com outro final que sensibiliza qualquer um de nós que já passou por situação parecida.

É isso. Sigamos lendo poesias em dezembro.

William Mendes


Fonte: valsaliteraria.blogspot.com


sábado, 14 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (14) - Marília de Dirceu, Lira XVIII, Parte 1, Tomás Antônio Gonzaga



Marília de Dirceu, Lira XVIII, Parte 1 - Tomás Antônio Gonzaga


"Não vês aquele velho respeitável

          Que à muleta encostado

Apenas mal se move e mal se arrasta?

Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo!

          O tempo arrebatado,

          Que o mesmo bronze gasta.


Enrugaram-se as faces, e perderam

          Seus olhos a viveza;

Voltou-se o seu cabelo em branca neve;

Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo;

          Nem tem uma beleza 

          Das belezas, que teve.

Assim também serei, minha Marília, 

          Daqui a poucos anos, 

Que o ímpio tempo para todos corre:

Os dentes cairão e os meus cabelos. 

          Ah! sentirei os danos

          Que evita só quem morre." (Lira XVIII, Parte 1)

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Comentário:

Comecei a ler Tomás Antônio Gonzaga em setembro deste ano. Coincidentemente, estava em Uberlândia. Não terminei ainda as três partes de Marília de Dirceu.

Para essa leitura de poesia diária em dezembro, de autores ou obras ainda não conhecidas por mim, reli os primeiros dezoito poemas do livro, e de todos eles, de fato o que mais gostei e me identifiquei com a temática foi essa Lira XVIII.

O tema sobre o envelhecimento e a efemeridade da beleza e da saúde é atualíssimo. Tenho pensado muito nesses dias sobre a brevidade da vida, e a importância do carpe diem! Aliás, um dos motes do arcadismo.

É isso! Sigamos lendo poesia em dezembro. Depois de um dia cansativo aqui em Uberlândia, estou precisando dormir. Queria refletir mais sobre esta Lira, mas tô cansadão.

William Mendes


sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (13) - La noche que en el Sur lo velaron, J. L. Borges



La noche que en el Sur lo velaron - Jorge Luis Borges


                  A Letizia Álvarez de Toledo


Por el deceso de alguien

- misterio cuyo vacante nombre poseo y cuya realidad 

            [no abarcamos -

hay hasta el alba una casa abierta en el Sur,

una ignorada casa que no estoy destinado a rever,

pero que me espera esta noche

con desvelada luz en las altas horas del sueño,

demacrada de malas noches, distinta,

minuciosa de realidad.


A su vigilia gravitada en muerte camino

por las calles elementales como recuerdos,

por el tiempo abundante de la noche,

sin más oíble vida

que los vagos hombres de barrio junto al apagado 

            [almacén

y algún silbido solo en el mundo.


Lento el andar, en la posesión de la espera,

llego a la quadra y a la casa y a la sincera puerta 

             [que busco

y me reciben hombres obligados a la gravedad

que participaron de los años de mis mayores,

y nivelamos destinos en una pieza habilitada 

               [que mira al patio

- patio que está bajo el poder y en la integridad 

                [de la noche -

y decimos, porque la realidad es mayor, 

                [cosas indiferentes

y somos desganados y argentinos en el espejo

y el mate compartido mide horas vanas.


Me conmueven las menudas sabidurías

que en todo fallecimiento se pierden

- hábitos de unos libros, de una llave, de un cuerpo 

                 [entre los otros -.

Yo sé que todo privilegio, aunque oscuro, 

                  [es de linaje de milagro

y mucho lo es el de participar en esta vigilia,

reunida alrededor de lo que no se sabe: del muerto,

reunida para acompañar y guardar su primera noche 

                   [en la muerte.


(El velorio gasta las caras;

los ojos se nos están muriendo en lo alto como Jesús.)


¿Y el muerto, el increíble?

Su realidad está bajo las flores diferentes de él

y su mortal hospitalidad nos dará

un recuerdo más para el tiempo

y sentenciosas calles del Sur para merecerlas despacio

y brisa oscura sobre la frente que vuelve

y la noche que la mayor congoja nos libra:

la prolijidad de lo real.


Vocabulário: 

(de la Real Academia Española)


Abarcar: abrazar, rodear, comprender algo.

Demacrada: adj.: consumida, macilenta, enfermiza.

Mayor/mayores: anciano, viejo, longevo, veterano.

Menuda: adj.: pequeña, chica, insignificante.

Oíble: adj.: que se puede oír.


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COMENTÁRIO:

Um poema sobre a morte, sobre a antiga tradição do velório na casa do falecido. A cada leitura do poema, mais encantado fiquei com a descrição respeitosa de um momento real da vida de todas as pessoas: o destino nivelado de todos nós: a morte.

"y nivelamos destinos en una pieza habilitada que mira al patio"


Belíssimo poema! E tema tratado com sensibilidade poética ímpar!

Os leitores e leitoras jovens do Brasil, do século 21, que talvez já tenham ido a algum velório realizado em salas apropriadas nos cemitérios, talvez nem imaginem que até pouco tempo, as pessoas falecidas eram "veladas" em suas casas.

Eu vivenciei velórios desde os anos setenta e o cenário descrito pelo poeta de forma tão sensível, respeitosa e com reflexões para além da morte me fez pensar no quanto a sociedade atual perdeu com os atuais velórios frios e sem capacidade alguma de se refletir sobre a mortalidade dos seres vivos e o quanto o fechamento de um ciclo de vida pode trazer ensinamentos e fortalecimentos de laços humanos e sociais.

Enfim, estou gostando muito de conhecer os poemas de Jorge Luis Borges escolhidos por ele mesmo nesta coletânea.

Estou me sintonizando com sua poética e já percebo o que ele nos alerta no prólogo da coletânea:

"Yo desearía que este volumen fuera leído sub quadam specie aeternitatis*, de un modo hedónico, no en función de teorías, que no profeso, o de mis circunstancias biográficas. Lo he compilado hedónicamente: sólo he recogido lo que me agrada o lo que me agradaba en el instante en que lo elegí."

*sub quadam specie aeternitatis: sob uma certa espécie de eternidade. (Google tradutor)

As leituras dos poemas de Borges estão sendo exatamente assim, leituras hedônicas, que dão prazer ao leitor.

Sigamos lendo poesia neste mês de dezembro.

William Mendes


Bibliografia:

BORGES, Jorge Luis. Antología poética 1923-1977. Biblioteca Borges, Alianza Editorial. Madri, 2005.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural 

Quinta-feira, 12 de dezembro de 2024.


(18h30 a 19h00) 

Estou na estrada a caminho de Uberlândia. Estou sozinho. Não estamos indo para passar o Natal com a família. Estou indo visitar os pais uma semana antes.

Eu previa que isso pudesse acontecer. As relações atuais não estão muito propícias a confraternizações de amor e amizade. Falo isso como impressão geral. É minha leitura dos tempos.

Estava olhando pela janela do ônibus e pensando em uma frase da Fernanda Montenegro sobre a vida, frase que ouvi numa entrevista antiga dela ao jornalista e escritor Eric Nepomuceno.

Ao responder à pergunta se ela tinha medo de morrer, Fernanda disse que tinha pena, pena de morrer. Por não se saber a resposta para algo além dessa vida, seria uma pena não ver mais o céu azul, ter acesso às maravilhas da cultura, estar com pessoas que se gosta etc. Fiquei muito pensativo após essa fala de nossa querida atriz. 

Aí, olhando a paisagem pela janela do ônibus, refleti sobre a vida, imagens de décadas passaram por minha visão da memória, e concluí que a minha vida foi muito satisfatória. Muito. Efetivamente, fui uma pessoa de sorte, como tenho escrito em minhas reflexões. 

O rapaz que saiu de Uberlândia em 1987 sobreviveu em São Paulo, viveu a vida do jeito que tinha que viver pelas veredas que entrou. Foi uma jornada dura, foi. Teve contradições características do que somos, seres humanos, sobreviventes de um dos países mais violentos e miseráveis do mundo, por causa de sua história de séculos de exploração por parte de uma minoria dominante desgraçada. 

Eu vivi odiando a gente da casa-grande, que nem de burguesia poderia ser chamada, porque não produz um parafuso, não defende a indústria e a produção com valor agregado, é a mesma gente escravocrata de sempre, quer ser nobre sendo uma merda de gente, isso são os ricos do Brasil. Gente escrota.

Voltando a Uberlândia 37 anos depois que fui embora, e ainda podendo encontrar meus pais, minha irmã, meus sobrinhos e mais familiares que vivem nessa bela cidade onde cresci, é um privilégio, sou mesmo uma pessoa de sorte. Como diria Fernanda Montenegro, seria uma pena não poder viver esses instantes da vida.

E sei dos problemas que existem nas casas de todos, todos nós.

É isso. A vida é uma oportunidade diária. Nunca sabemos do instante seguinte de nenhum de nós. Nem o meu, nem o de vocês, nem o do mais poderoso e fdp da Faria Lima e de alguma casa-grande.

A vida de todos nós é um instante. 

Então, viva este momento.

William Mendes 


Leitura de poesia (12) - Martín Fierro II, José Hernández



El gaucho Martín Fierro - José Hernández


II

Ninguno me hable de penas,

porque yo penando vivo,

y naides se muestre altivo

aunque en el estribo esté,

que suele quedarse a pie

el gaucho más alvertido.


(...)


Martín Fierro vai se lembrar nesta parte 2 do tempo em que vivia feliz com sua família. 


Entonces... cuando el lucero

brillaba en el cielo santo,

y los gallos con su canto

nos decían que el día llegaba,

a la cocina rumbiaba

el gaucho... que era un encanto.


(...)


Tudo muda para os gauchos quando chegam as "autoridades" para sequestrá-los para trabalhos forçados nas fazendas e fronteiras.


Pues si usté pisa en su rancho

y si el alcalde lo sabe

lo caza lo mesmo que ave

aunque su mujer aborte...

¡no hay tiempo que no se acabe

ni tiempo que no se corte!


Y al punto dése por muerto

si el alcalde lo bolea,

pues áhi no más se le apea

con una felpa de palos 

Y después dicen que es malo

el gaucho si los pelea.


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COMENTÁRIO:

O poema de José Hernández, um intelectual e político de seu tempo (1872), retrata bem a forma cruel e impiedosa de tratamento aplicada aos povos originários e ou oriundos de séculos de colonização das classes dominantes vindas da Europa através das navegações a partir da Idade Média. 

Sigamos lendo poesia neste mês de dezembro. 


William Mendes 

12/12/24 (na estrada)