segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O sumiço das abelhas - Najar Tubino




Conhecido cientificamente como Desordem do Colapso das Colônias, esse fenômeno já virou um problema nos EUA e na Europa, inclusive para a polinização de culturas comerciais como a soja e o milho. Autoridades sanitárias suspeitam que o problema é gerado pelos inseticidas, apesar da negativa das grandes companhias de agroquímicos. O artigo é de Najar Tubino



O nome científico é Desordem do Colapso das Colônias, traduzido do inglês. Um fenômeno que ganhou relevância nos Estados Unidos, particularmente, na Califórnia em 2006, quando milhões de colmeias desapareceram. O cálculo do sumiço em 27 estados era de 1,4 milhão de colmeias para um total de 2,5 milhões. As abelhas não morrem, elas somem. Não deixam rastro. É como no navio fantasma Maria Celeste, cuja tripulação sumiu em 1872, daí chegaram a apelidar o evento de “Maria Celeste”.

O problema aumentou quando o sumiço atingiu vários países da Europa, incluindo, Alemanha, França, Espanha, Portugal, Suíça, entre outros. Começaram a levantar as causas do problema. Das antenas de celulares, ao estresse de percorrer milhares de quilômetros transportando abelhas dentro de caminhões acompanhando as safras de várias culturas. Das 250 mil espécies de plantas com flores, 90% são polinizadas por animais, na maioria insetos, e na sua maioria abelhas – cálculo de 40 mil espécies no mundo, três mil no Brasil.

A polinização das plantas é obrigatória para a reprodução, enfim, garante a continuidade da espécie, a variedade genética e, principalmente, a produtividade. É o caso da maioria das culturas comerciais, como soja, milho, a maioria das frutas. Enfim, calculando em dinheiro o valor atinge US$200 bilhões no mundo inteiro, US$40 bilhões nos Estados Unidos. Em janeiro desse ano, as autoridades sanitárias da Europa (EFSA), controla a segurança dos alimentos, determinou que fossem submetidos a exames detalhados três inseticidas, da classe dos neonicotinoides (origem da nicotina), fabricados pela Bayer – clotidianidina e imidacloprida – e tiametoxan, da Syngenta.


Inseticidas suspeitos

A EFSA argumenta que os inseticidas por meio de resíduos na terra, no néctar e pólen são alto e grave risco para as abelhas na forma pelo qual são aplicados em cereais, algodão, canola, milho e girassol, entre outras plantas. O órgão regulador determinou a avaliação de risco muito mais abrangente para o caso das abelhas e introduziu um nível mais alto de atenção na interpretação dos estudos de campo, ressaltando que não tem dados para concluir que os inseticidas contribuem para o colapso das colônias. Mesmo assim países como Itália, França, Alemanha e Eslovênia proibiram o suspenderam o uso dos venenos.

A Syngenta divulgou uma declaração de que “esse relatório não é digno da EFSA e seus cientistas”. Já a Bayer, que fatura 800 milhões de euros com os neonicotinoides, informou que os produtos químicos não causam danos as abelhas se usados da maneira pela qual foram aprovados na Europa. Existem 18 casos relatados na literatura mundial de mortandade de abelhas, segundo os pesquisadores Maria Cecília de Lima e Sá de Alencar Rocha, em um amplo estudo publicado no ano passado pelo IBAMA, chamado “Efeitos dos Agrotóxicos sobre abelhas silvestres no Brasil”.

“O que diferencia essa ocorrência é que as chamadas escoteiras ou exploradoras não estão retornando às colmeias, mas deixando para trás a ninhada (abelhas jovens), a rainha e talvez um pequeno grupo de adultos, provocando o enfraquecimento da colônia. Além disso, não são encontradas abelhas mortas dentro do ninho, nem ao redor das colmeias”, registra o trabalho dos pesquisadores. 

Mais interessante é que as colmeias não são saqueadas por outros insetos, como formigas ou besouros. Também é importante ressaltar que as abelhas, que existem há 60 milhões de anos, formam um sistema mutualista com os vegetais, seguramente, é um dos sistemas mais importantes de suporte da vida no planeta. O físico Albert Einstein deu uma declaração há muitos anos, dizia o seguinte:

“No dia em que as abelhas desaparecerem do globo, o homem não terá mais do que quatro anos de vida”.

Um estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard realizado em Wocester Country, Massachussets, com 20 colmeias, usando aplicação dos inseticidas citados, determinou que a partir da 23ª semana, 15 de 16 colmeias tinham desparecido. Usaram uma dosagem do inseticida menor do que a encontrada no ambiente. O Programa de Meio Ambiente da ONU (PNUMA) apresentou um relatório sobre o caso em 2011, também faz referência ao uso indiscriminado de agrotóxicos no mundo.


Circula com a seiva

Claro, o desmatamento também é outra causa. Nos últimos anos, mais de 100 milhões de hectares de floresta foram perdidos no mundo, se contar outros usos das terras, a agricultura avançou em quase 500 milhões de hectares. Dos 13,066 bilhões de hectares ela ocupa 38,3%. Mas também está mais do que evidente que o consumo de agrotóxicos aumentou muito mais do que a área expandida da agricultura. 

Os neonicotinoides são considerados uma classe de inseticidas que agride menos o meio ambiente, comparado com os organofosforados, piretroides e carbamatos. Mas a função dele é matar insetos. Todos eles. Além disso, tem ação sistêmica, ou seja, ele se espalha pela planta e atinge a seiva e passa a percorrer todo o organismo. Outro ponto: os agricultores fazem tratamento das sementes com os inseticidas. Isso significa que, ao germinar, a planta já traz o veneno na seiva, contaminando o pólen e o néctar, alimento das abelhas e das suas crias.

No Brasil não existe avaliação sobre colapso ou contaminação de colmeias. Existem muitos casos registrados em vários estados, como o Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas e São Paulo. Todos ligados a produção de colmeias localizadas nas cercanias de áreas agrícolas, como soja, cana ou milho. O presidente da Federação Internacional de Apicultura, Gilles Ratia, diz que no Brasil em função do uso indiscriminado de agrotóxicos a perda das colônias atinge 5 a 6%, das cerca de dois milhões de colmeias consideradas, um número em torno de 350 mil apicultores. Esta é uma atividade da agricultura familiar no Brasil, e o grande crescimento ocorre no Nordeste, onde a atividade cresceu 290% nos últimos anos. O Piauí é o segundo produtor nacional de mel, com quase cinco mil toneladas, atrás do RS, que produz quase oito mil toneladas. Os dados são do SEBRAE, de 2009.


Perde o rumo

Entretanto, nos países desenvolvidos a taxa de mortandade por contaminação de agrotóxicos alcança 40%, segundo Gilles Ratia.

A abelha “apis mellifera” é a espécie mais usada na polinização, principalmente das culturas comerciais. É um inseto social, que trabalha coletivamente e de forma organizada. É capaz de voar quase três quilômetros em volta da colônia. Ela avisa suas companheiras sobre o local onde está a fonte de alimentação, através de uma dança circular, e também por contato olfativo. Qualquer interferência nesse processo, ela perde a referência, não informa suas companheiras e, como está acontecendo agora, não memoriza o local da colmeia. Perde o rumo.

É conhecido internacionalmente o poder de fogo dos venenos usados nas plantações comerciais. O objetivo deles é atingir o sistema nervoso dos insetos. Por um motivo simples: eles foram fabricados para matar humanos, e o ponto central, era atingir o sistema nervoso. O sujeito contaminado entra em convulsão e morre rápido. O veneno penetra no espaço entre as células e acelera o processo, devido à transmissão contínua e descontrolada dos impulsos nervosos. O sistema nervoso central entra em colapso. 

O Brasil que é o campeão no uso de agrotóxicos com mais de um milhão de toneladas de consumo, sem contar o que entra contrabandeado. Até a aprovação da lei que regulamenta o uso desses venenos em 1989, as indústrias registravam os produtos com uma facilidade enorme, inclusive muitos já proibidos nos países de origem das mesmas empresas, como Estados Unidos e Alemanha. Aliás, ainda durante a ditadura, quando ocorreu a ocupação do Centro-Oeste e parte da Amazônia existia um Plano Nacional de Defensivos Agrícolas. O agricultor que procurava crédito rural destinava 20% na compra de insumos técnicos, como fertilizantes, venenos e sementes industriais.


Flores em Nova Friburgo

Agora, há quase três anos a ANVISA tenta reavaliar 14 princípios ativos desses agrotóxicos. Conseguiu banir um (tricloform), e outro já proibido em vários países – metamidofós -, está para ser banido. Mas o SINDAG, que representa as maiores indústrias recorreu na justiça, e nove ainda estão impedidos de ser reavaliados. Incluindo o glifosato, que foi aprovado como um agrotóxico classe IV, de baixa toxicidade.

Para completar o caso do sumiço das abelhas, vou citar alguns dados do trabalho de mestrado em saúde pública da pesquisadora da Fiocruz, do Rio de Janeiro, Marina Favrin Gasparini, sobre trabalho rural e riscos socioambientais, na região de Nova Friburgo, onde aconteceu a tragédia conhecida, com o desmoronamento de parte da serra. Ela morou na região e fez a pesquisa, entrevistando muitos produtores, todos pequenos, propriedades em média de 1 a 12 hectares, após o acidente. A região serrana do Rio de Janeiro é o segundo maior polo produtor de flores do país, atrás de Holambra, em São Paulo. Também é um dos maiores na produção de hortigranjeiros, como tomate e couve-flor. 

Tem um dos maiores índices de aplicação de agrotóxicos por área e por trabalhador, é cinco vezes maior que a média do Sudeste e 18 vezes a média do estado- 56,5 Kg por trabalhador rural/ano. Segundo levantamento da empresa de pesquisa agropecuária do Rio – PESAGRO -, dos 32 agrotóxicos mais usados, 17 sofrem restrições em outros países, oito já foram proibidos. “Elevados índices de contaminação ambiental e humana foram encontrados nessa região, como decorrência do uso intensivo destes agentes químicos”, registra a pesquisadora.


Rosa fluminense envenenada

Começando pelo deslizamento, dos 657 pontos vistoriados na região serrana pelo Ministério do Meio Ambiente, 92% já tinham sofrido algum tipo de alteração, somente 8% mantinham mata nativa original. A produção de flores iniciou em Nova Friburgo na década de 1950, por descendentes de suíços e alemães que ocuparam a região desde 1819. Mas ganhou forma depois dos anos 1970, quando a Holanda, maior produtor mundial de flores – 85% da Europa -, começou a implantar polos nos países latinos. Casualmente, logo depois que o livro de Rachel Carson sobre os efeitos dos venenos no ambiente e para a saúde humana foi publicado. A Holanda, se considerarmos o uso de agrotóxicos per capita e por área, é a campeã no uso.

As flores mais produzidas são de clima temperado – rosa, crisântemo e palma. Mas outras 30 variedades são produzidas. Também mudas de rosa. Com toda a beleza, a cultura da rosa é a que mais aplicações recebe. No mínimo, uma por semana, no verão, quando os insetos e fungos atacam mais, de duas a três aplicações por semana. Trata-se de uma produção familiar onde todos os membros da família estão expostos. Os produtores, em função do envolvimento intensivo na produção e comercialização, compram os produtos dos representantes da indústria ou das casas comerciais da cidade. Ganham em troca análise de solo baratinho, ou de graça.

Não reconhecem o risco de usar os agrotóxicos. Vários dos entrevistados sentiram problemas de contaminação, mas não chegam a registrar o caso. Procuram atendimento médico em último caso. É assim em todo lugar. A indústria além de fabricar o veneno, ainda joga no usuário o problema da contaminação. É sempre ele o culpado. Nova Friburgo é cortada por três rios e está integrada em duas zonas de conservação permanente- Macaé de Cima e o Parque Estadual Três Picos.

Pegando esse gancho, vou sugerir aos sambistas da Vila Isabel, que receberam R$3,5 milhões da BASF, para produzir o samba enredo campeão do carnaval carioca de 2013, que se inspirem em outro tema para 2014. Quem sabe: “a rosa fluminense envenenada”. A BASF comemorou como ninguém o campeonato do carnaval. O patrocínio “faz parte de uma estratégia maior da companhia em ações de valorização do produtor rural, conseguimos levar nossa mensagem a uma audiência enorme”, como declarou ao site da empresa, o vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos, Maurício Russomano, como eles chamam a unidade que vende inseticidas, fungicidas e herbicidas, e faturou em 2011, 4,1 bilhões de euros. Ela é líder mundial na venda de “defensivos agrícolas”, como eles chamam os venenos.


Fonte: Carta Maior

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Reflexão - Incomunicabilidade



Refeição Cultural

Estava pensando sobre a validade de escrever ou não na contemporaneidade. Quem lê? Os jovens que decidirão sobre o mundo amanhã estão lendo? Eu sinceramente não sei.

Se estão lendo, estão lendo o que? Mangás, tutoriais para roubar em fases de jogos virtuais, alguns talvez os livros da moda sobre vampiros que dão beijo na boca e se apaixonam...

Qual a validade de escrever aqui neste blog? Fiquei pensando se um dia, ao menos meu filho viesse a ele, sei lá, talvez depois de minha morte, para saber um pouco sobre o que o pai pensava.

Assisti a três filmes de Almodóvar e fiquei pensando muito sobre eles. O diretor é muito bom. Ele consegue trabalhar com todas as temáticas e dramas que envolvem o universo das minorias: preconceito, machismo, drogas, violência, problemas de saúde e misérias. O cara é muito bom. Mas hoje estou perguntando a mim mesmo pra que escrever sobre os filmes.

É isso. Não vou escrever nada não. Em meu diário, escrevi um pouco mais sobre a incomunicabilidade que sinto no mundo atual. Pra onde vai a língua e a linguagem humana?

William

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Libertação - Quando terei a minha?


Arquivo X.
Episódios do 7º ano da série.


Refeição Cultural

Por que será que ando em busca de filmes, livros e coisas relacionadas com a liberdade, busca da liberdade ou atos de libertação?

Creio que a ideia de liberdade acompanha todo ser humano. Não sou diferente da grande maioria humana que vive em busca da liberdade.

Por que não sou livre ou não me sinto livre? Talvez esta seja a pergunta apropriada a ser feita e que mereça a reflexão necessária para a resposta.

Eu não estou preso neste momento, no sentido de estar privado de locomoção ou do direito de ir e vir. Então, por que não sou livre?

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ARQUIVO X - LIBERTAÇÃO (episódios 1 e 2)

Assisti novamente a um episódio duplo da antiga série Arquivo X. Os episódios são do 7º ano e se chamam Libertação - parte 1 (Sein und Zeit) e Libertação - parte 2 (Closure).

Os episódios são da mitologia da série, ou seja, episódios que não são casos independentes dos Arquivos X. Pelo contrário, episódios mitológicos têm relação com a vida dos personagens Mulder, Scully, Skinner, Dogget, Mônica Reyes, Canceroso etc.

O nome do episódio 1 faz referência a uma obra do filósofo Heidegger - "Ser e Tempo" - e tem relação com a busca pelo sentido da existência. O episódio 2 tem a palavra Closure que significa "encerramento, fim" em inglês, mas que também pode ter relação com a obra de Heidegger, quando ele se refere a World Disclosure (mundo revelado, manifestação das coisas e das relações delas no mundo).

No episódio duplo, Mulder busca por uma criança desaparecida nas mesmas circunstâncias em que desapareceu sua irmã Samantha quando era criança. Há muita tristeza nos episódios porque abordam o tema de rapto e assassinato de crianças, além de ser o episódio em que morre a mãe de Mulder, a senhora Teena. Mas tanto a garotinha desaparecida quanto a irmã dele não foram encontradas entre as dezenas de corpos de crianças mortas por um serial killer com décadas de crimes.

A teoria que prevaleceu sobre as desaparições sem corpos das crianças vitimadas (incluindo a irmã de Mulder) é que elas foram levadas pelos anjos andarilhos da luz, que salvam crianças momentos antes de mortes marcadas por grande sofrimento. Elas passam a andar nas luzes das estrelas.

Após Mulder ver sua irmã e outras crianças entre as luzes, ele afirma para sua parceira Scully que ele está livre... Sua busca terminou ali. A cena é muito forte e é difícil não se emocionar.

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AINDA NÃO ENCONTREI O QUE PROCURO

Minha existência tem sido uma busca desesperada por algo que ainda não encontrei ou que talvez não saiba nominar. Fui levado pela vida para situações às mais diversas possíveis nestas quatro décadas de existência. E tudo que sei é que falta algo, falta.

Se eu sou livre, por que é que não leio todas as obras literárias que desejo? Por que não me conduzi para viver e me sustentar em função da leitura e do estudo dos grandes autores?

Nos últimos anos, ficava olhando meu pangasius no aquário e refletia o que fazer com ele, porque eu não sabia se a condição dele era favorável ou não. Por um lado, ele tinha comida, água tratada e regularidade. Por outro lado, ele havia crescido, vivido mais de uma década e eu não tinha um habitat maior que aquele aquário de 200 litros para ele.

Eu pensava às vezes se ele não queria se libertar daquele lugar ou daquela existência "regular" e sem liberdade e perspectiva. Quantas vezes eu não fiquei deitado olhando pra ele e pensando que eu me sentia na mesma situação que ele, eu também vivia num aquário! Aí pensava quem se libertaria primeiro...

O pangasius viveu sua vida de peixe de aquário. Eu ainda vivo num aquário. Tenho as mesmas rotinas... não tenho tempo para minhas grandes leituras... não tenho rotina para uma atividade física regular... vivo em tese "livre", porém longe longe do sentimento de liberdade.

Mulder buscou por sua irmã por mais de vinte e cinco anos até que um dia encontrou a verdade. Se libertou.

Eu procuro uma resposta para minha insatisfação e incompletude há mais de trinta anos. Ainda não encontrei minha verdade e aquilo que me pacificará o ser. O pior é que no aquário em que vivo, jamais surgirão as oportunidades de encontrar o que procuro porque minha resposta não está naquele habitat.

Fim.

William 


domingo, 3 de fevereiro de 2013

"O diabo, na rua, no meio do redemunho..." - Grande Sertão: Veredas


Redemoinho. Foto: Wikipedia.
Autor: Jeff T. Alu


Refeição Cultural

"Diadorim levantou o braço, bateu mão. Eu ia estugar, esporeei, queria um meio-galope, para logo alcançar os dois. Mas, aí, meu cavalo f'losofou: refugou baixo e refugou alto, se puxando para a beira da mão esquerda da estrada, por pouco não deu comigo no chão. E o que era que estava assombrando o animal, era uma folha seca esvoaçada, que sobre se viu quase nos olhos e nas orêlhas dele. Do vento. Do vento que vinha, rodopiado. Redemoinho: o senhor sabe - a briga de ventos. O quando um esbarra com o outro, e se enrolam, o dôido espetáculo. A poeira subia, a dar que dava escuro, no alto, o ponto às voltas, folharada, e ramarêdo quebrado, no estalar de pios assovios, se torcendo turvo, esgarabulhando. Senti meu cavalo como meu corpo. Aquilo passou, embora, o ró-ró. A gente dava graças a Deus. Mas Diadorim e o Caçanje se estavam lá adiante, por me esperar chegar. - "Redemunho!" - o Caçanje falou, esconjurando. - "Vento que enviesa, que vinga da banda do mar..." - Diadorim disse. Mas o Caçanje não entendia que fosse: redemunho era d'Ele - do diabo. O demônio se vertia ali, dentro viajava. Estive dando risada. O demo! Digo ao senhor. Na hora, não ri? Pensei. O que pensei: o diabo, na rua, no meio do redemunho... Acho o mais terrível da minha vida, ditado nessas palavras, que o senhor não deve nunca de renovar. Mas, me escute. A gente vamos chegar lá. E até o Caçanje e o Diadorim se riram também. Aí, tocamos." (p.262)


O PODER DOS MITOS

Essa ideia do "algo" dentro do redemoinho é impressionante. Não sei como está isso nas grandes cidades, mas creio que até hoje no interior essa crença mexe com as pessoas.

Eu cresci cismado de nunca estar na frente de um redemoinho e deixar me envolver por ele.

Quando não é o saci-pererê é o demo...

Aff...

William


Bibliografia:

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Fronteira. 19ª edição.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Riobaldo e Diadorim - Metáforas de todos nós


Veredas mineiras: um amanhecer.
Foto: William Mendes


Refeição Cultural

Riobaldo e Diadorim – Metáforas de todos nós


GRANDE SERTÃO: VEREDAS


Neste nosso viver, nesse mundo duro e trágico, todo mundo, desde criança, precisa se fazer um pouco Riobaldo para sobreviver em seu meio.

Nesta nossa vida de desejos e sonhos impossíveis, todo mundo, tem o seu Diadorim; a sua saudade, seus amores e seus pesares.

“Ao tanto com o esforço meu, em esquecer Diadorim, digo que me dava entrante uma tristeza no geral, um prazo de cansado. Mas eu não meditava para trás, não esbarrava. Aquilo era a tristonha travessia, pois então era preciso. Água de rio que arrasta. Dias que durasse, durasse; até meses. Agora, eu não me importava. Hoje, eu penso, o senhor sabe: acho que o sentir da gente volteia, mas em certos modos, rodando em si mas por regras. O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses desesperos? – desespero é bom que vire a maior tristeza, constante então para o um amor – quanta saudade... –; aí, outra esperança já vem... Mas, a brasinha de tudo, é só o mesmo carvão só. Invenção minha que tiro por tino. Ah, o que eu prezava de ter era essa instrução do senhor, que dá rumo para se estudar dessas matérias...” (p. 248)

O entardecer em uma vereda da vida.
Foto: William Mendes


CISMANDO COM AS VEREDAS DO SERTÃO

Eu recheguei a uma conclusão: o Grande Sertão: Veredas não se lê de uma vez não.

Ele é um livro como aquele que usam chamar de "Minutos de Sabedoria".

É um belo livro como a bíblia, que é um antigo volume de histórias, salmos e sabedorias para aqueles que creem em um deus ou no mundo metafísico, pois ali se fala de amor, de solidariedade e também fala de vingança e poder – coisas tão humanas!

Eu posso viver com o Grande Sertão na cabeceira e ir colhendo minutos de profunda reflexão sobre a existência humana.

A beleza pura e agreste das e nas veredas.
Foto:  William Mendes


DIADORIM

Quando comecei a leitura do dia, acabei quedando e viajando nas ideias com as primeiras duas páginas. Pensei o mundo todo. Pensei a vida toda no dizer de Riobaldo citado acima.

Quem não tem na vida o seu Diadorim? Quem não está preso em uma circunstância ou vive com aquele vago desejo impossível ou aquela gastura daquilo que já se foi, passou e ficou queimando dentro de si – “é só o mesmo carvão só”.

Cada um de nós... Penso, por exemplo, meu pai com seu amor pela cidade de São Paulo...

Eu poderia citar uma espécie de Diadorim de cada pessoa próxima que conheço. E olha que o Diadorim de cada um vive lá no fundo no fundo e muitas vezes não é pronunciável...

Um certo luar nas veredas mineiras.
Foto: William Mendes


RIOBALDO

 “Eu estava meio dúbito. Talvez, quem tivesse mais receio daquilo que ia acontecer fosse eu mesmo. Confesso. Eu cá não madruguei em ser corajoso; isto é: coragem em mim era variável. Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho – caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade!” (p. 62)


Aí, lembrei-me do Riobaldo de cada um de nós. Eu cresci um menino de bom coração, até meio bobo lá naquela infância até meus dez anos. Aí, mudei pra Minas Gerais e caí num mundo estranho, duro, rude.

Tive que me fazer Riobaldo no bairro Marta Helena em Uberlândia, pra andar no meio das gangues, da Falange. Tive que olhar no espelho e fazer cara de ruindade. Pus muito esforço nisso. Deve ter dado certo. Passei a adolescência assim; carreguei isso comigo pra vida adulta. Hoje, vejo meu filho tentando fazer isso. E sei que o coraçãozinho dele é dos bons...

Sertões...

William


Bibliografia:

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Fronteira. 19ª edição.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Grande Sertão: Veredas - Sabedorias




Refeição Cultural

O VAZIO QUE FICA DA FALTA-DE

"Aí, ái, ôi, espécie de dor em meus cantos, o senhor sabe. Agora eu pateteava..." (p. 244)

"Vou reduzir o contar: o vão que os outros dias para mim foram, enquanto. Desde que da rede levantei, com aquele peso anoitecido, amanhecido nos olhos. Tempo de minha vazante. A ver como veja: tem sofrimento legal padecido, e mordido e remordido sofrimento; assim do mesmo que ter roubo sucedido e roubo roubado. Me entende? (p. 245)

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QUERER UMA OPINIÃO SÁBIA

"Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba. Agora, o senhor exigindo querendo, está aqui que eu sirvo forte narração - dou o tampante, e o que for - de trinta combates." (p. 245)

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MANÉRA NO SANGUE!

Riobaldo diz ao visitante que, se ele quiser, pode contar dezenas de batalhas da jagunçagem porque ele tem lembrança de todas. Aí, ele cita vários tipos de batalhas e termina falando que tem até aquelas de armas brancas, na faca. Mas consulta o visitante e concorda com ele que é melhor pular essa parte toda sanguinária.

"Isso é isto. Sobejidão. O senhor mais queria saber? Não. Eu sabia que não. Menos mortandades. Aprecio uns assim feito o senhor - homem sagaz solerte." (p. 246)

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TER RAIVA DE ALGUÉM É DEIXAR ELA MANDAR NAS SUAS IDEIAS

Riobaldo se lembra de uma sabedoria que Zé Bebelo uma vez explicou pra ele:

"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é. Zé Bebelo falava sempre com a máquina de acerto - inteligência só. Entendi. Cumpri." (p. 253)

William


Bibliografia:

ROSA. João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Fronteira. 19ª edição.