domingo, 26 de junho de 2011

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury, 1953



Foto divulgação do livro

CLÁSSICO AMERICANO

Pois é, mais uma lacuna cultural preenchida.

A obra de Bradbury é um clássico assim como 1984 de George Orwell e Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. São clássicos que discutem sociedades futuristas, controladoras e totalitárias. Obras futuristas que viraram realidade.

O autor nos faz refletir sobre os veículos de comunicação de massa (isso nos anos 50!). Jornais e canais de TV que induzem e criam um efeito imagético de verdade incondicional nas populações.


"- Imagine o quadro. O homem do século XIX com seus cavalos, cachorros, carroças, câmera lenta. Depois no século XX, acelere sua câmera. Livros abreviados. Condensações. Resumos. Tablóides. Tudo subordinado às gags, ao final emocionante (...)

- Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livros de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário, num verbete e dez a doze linhas (...)"


E O AUTOR NÃO CHEGOU A IMAGINAR O TWITTER!! 140 TOQUES...


O efeito criado pela rede mundial, A VELOCIDADE DA INFORMAÇÃO, tudo ao mesmo tempo, é o TUDO e é o NADA!

Na mesma homepage você tem um milhão de informações para lhe desviar pro nada.

Então, assim como descrito no livro, as pessoas pararam de pensar...

Ninguém suporta mais que 140 toques ou, no máximo, um ou dois parágrafos de leitura...


O livro é muito bom. Li com muita facilidade, mesmo com o zumbido infernal dentro de minha cabeça por causa de uma infecção no ouvido.

Vou rever o filme de François Truffaut, 1967, assim que encontrá-lo em casa, no meio de minhas fitas VHS.


Post Scriptum:

Um desabafo (26/6/11): cara, já se passaram oito dias desde o início de uma infecção de ouvido agravada por um voo. É impressionante, mas não sarou e continuo mal, não ouço direito e convivo com um zumbido infernal na cabeça. É deprimente!

sábado, 25 de junho de 2011

Refeição Cultural 75 - Preenchendo lacunas culturais

A quantas andam as coisas?

A quanto tempo não faço minhas refeições culturais? Pelo que consultei aqui no blog desde maio.

Ando lendo, ouvindo e assistindo boas refeições culturais? Até que sim, apesar do foco todo voltado para a agenda que tive no movimento sindical.

Em termos de leitura, consegui ler UTOPIA de Thomas More, que era uma lacuna cultural que sempre tive. Que mais? Li um livrinho sobre a vida de Rosa Luxemburgo, outra lacuna cultural preenchida, apesar de ter que estudar muito mais sobre ela ainda. Também consegui ler umas 80 páginas sobre o professor Florestan Fernandes, outro belo exemplo de vida que eu não conhecia.

Na USP comecei uma matéria de leituras  hispano-americanas, que acabei de largar para não fazer uma prova com qualidade inferior à que a matéria e a professora merecem, pois faltei muito e estou sem condições de ler e reler os textos para um bom trabalho. Conheci autoras argentinas muito interessantes e que deixam o desejo de leituras mais atentas algum dia na vida: Silvia Molloy e Victoria Ocampo.

Em relação a filmes, vi o excelente documentário TRABALHO INTERNO (inside jog) sobre a atual crise mundial. Também assisti a um filme espanhol, indicato por meu primo mineiro Jorge, que é bem real em relação às técnicas de entrevista coletiva para se contratar trabalhadores para grandes empresas. O nome do filme em espanhol é EL MÉTODO. Filme chocante e que dá raiva por saber que acontece diariamente.

Também assisti CAPITALISM: A LOVE STORY do gênio sarcástico Michael Moore. Recomendo todos esses filmes aos amantes de filmes críticos e que abrem nossa percepção das coisas.


Que mais tive de digestões culturais?

O TEMPO...
.......AS ESTAÇÕES DO ANO...
...............O NOSSO TEMPO ANIMAL...

O esquilinho da mongólia de meu filho já não consegue triturar em minutos os rolinhos de papel higiênico que damos pra ele brincar. Nem mesmo uma folha de papel ele tritura inteira; antes era um tá-tá-tá... com seus dentinhos de roedor que era uma graça! Ele está chegando na expectativa de vida. Vivem em média três anos. Ai Ai Ai, vamos sofrer muito quando ele se for. Ele come paozinho na minha mão sempre que estou em casa.

O nosso hamster anão russo (é uma bolinha) também está chegando em sua expectativa de vida: dois anos. Ai Ai Ai de novo.

O animal humano aqui tem percebido a passagem das estações do ano, o nosso tempo animal. Comecei faz alguns anos a frequentar enterros de familiares, depois dos meus trinta e cinco anos. Será bem difícil para mim os próximos que virão em ordem natural (se assim ocorrer).

Outra percepção da máquina corporal que sente o tempo passando é em relação aos estados de não-saúde que demoram mais em voltar ao equilíbrio adequado. Continuo quase não ficando doente, é verdade, principalmente quando comparo com as pessoas de meu cotidiano no trabalho e em família. Não gosto de ir em hospital ou médico. Vou quando não tem mais jeito. Nesta semana, voltei de uma viagem a trabalho com grande problema de inflamação na garganta e infecção no ouvido. Segurei alguns dias e não teve jeito. Fui ao médico. Cara, estou surdo há uma semana e apesar de ter passado a inflamação de garganta, não sei mais o que faço para tirar o zumbido do ouvido e voltar a ouvir. SÃO SINAIS DO TEMPO marcando o nosso velho corpo...

LEITURA DO DIA
Hoje li um terço do livro de Ray Bradbury - FAHRENHEIT 451, escrito em 1953. Vamos ver se acabo antes de segunda. A adaptação para o cinema em 1966, de François Truffaut, já vi em casa duas vezes, em uma velha fita de VHS. É muito boa.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Causas da 1ª Guerra Mundial - Artigo prof. Osvaldo Coggiola

Não tenho conseguido postar muitos textos neste Refeitório Cultural, mas vou incluindo textos de qualidade quando aqui venho.

Assisti hoje a um dos vídeos da coleção "Grandes dias do século XX". Vi o vídeo sobre a 1ª GM com imagens originais. A coleção é muito boa para aqueles que gostam de história.

No encarte há um texto do professor Coggiola - da FFLCH/USP - texto que é o mais claro que já li sobre as prováveis causas daquele conflito mundial. Reproduzo-o abaixo em nome do livre conhecimento (2 horas e 1/2 de digitação).


IMPÉRIOS EM ROTA DE COLISÃO

por Osvaldo Coggiola

A disputa pelo controle dos mercados mundiais a partir da segunda metade do século XIX acirrou as rivalidades entre as potências europeias. O jogo pela dominação global terminaria de forma trágica em 1914

Há muito tempo, pesquisadores se esforçam para explicar os motivos que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial. Ao longo dos últimos 90 anos, eles recorreram às mais variadas explicações, desde as que enfatizam as questões diplomáticas até as que se concentram nos aspectos propriamente militares. Nenhuma delas, no entanto, conseguiu oferecer uma interpretação global do fenômeno que articulasse crise econômica, expansão colonial, exportação de capitais, auge do nacionalismo expansivo e do racismo, disputas geopolíticas e conflito global.

As raízes da Primeira Guerra Mundial se encontram na segunda metade do século XIX. Depois de viver um período de forte crescimento econômico e abertura comercial ao longo das décadas de 1850 e 1860, as economias europeias enfrentaram um período de relativa depressão nos negócios na década de 1870.

Nesses anos de crise, o protecionismo econômico ganhou força. Com exceção da Grã-Bretanha, os demais países levantaram barreiras à importação para fortalecer a produção nacional. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se um novo surto de conquista colonial, que agora tinha como alvos a Ásia e a África. Esses dois fenômenos estavam relacionados, como disse o filósofo alemão Friedrich Engels no final do século XIX: "A colonização é hoje efetiva filial da bolsa, no interesse da qual as potências europeias partilharam a África, entregue diretamente como butim às suas companhias".

Essa não era uma colonização igual àquela dos séculos XVI, XVII, XVIII. O objetivo agora era garantir o controle sobre novos territórios, nos quais os empresários pudessem investir um excedente de capital que os mercados europeus não eram mais capazes de absorver.

A África se tornou palco principal da nova expansão. Em 1884, os dirigentes das grandes potências se reuniram na Conferência de Berlim para definir as regras da partilha do continente negro. Segundo Charles Faure, a corrida pelas colônias seria vencida por "aquele que primeiro chegasse e hastiasse a bandeira de seu país em qualquer lugar da costa da África que ainda não estivesse sob dominação de uma nação europeia".

Esse processo era consequência da maturidade atingida pelo capitalismo nas metrópoles europeias, onde se tornara o modo de produção dominante no final do século XIX. A partir do Velho Continente, ele penetrou também nas colônias na África e Ásia, além de países com escasso desenvolvimento industrial, mas que conservaram sua soberania nacional, como a Rússia e a maior parte da América Latina.


Caricatura do fim do século XIX mostra Inglaterra, Alemanha, Rússia, França e Japão (da esq. para a dir.) repartindo a China. (Torta chinesa, caricatura, Henri Meyer, 1898

O desenvolvimento do comércio mundial, cujo volume decuplicou entre 1848 e 1914, fez com que o novo modo de produção se instalasse de forma desigual em cada lugar: nos países centrais, sua consolidação promoveu o desenvolvimento da indústria, o aumento da renda nacional e a aceleração do processo de urbanização. Nos outros países também houve "modernização" mas em ritmo mais lento. O fosso econômico entre a periferia e o centro do capitalismo aumentou muito e, em alguns casos, as economias dos países menos desenvolvidos estagnaram ou até regrediram. E eles eram a maioria: no alvorecer do século XX, mais da metade da superfície e mais de um terço da população do planeta se encontrava nas colônias.

Dentro da Europa, o velho monopólio industrial da Inglaterra passou a ser ameaçado por outros países, no último quarto do século XIX. Defendendo-se por meio de políticas alfandegárias protecionistas, diversas nações tinham se transformado em Estados capitalistas independentes. O aumento da concorrência se refletiu nas exportações que chegavam ao Velho Continente, vindas da periferia: em 1860, metade do total das exportações da Ásia, África e América Latina se dirigiu a um só país, a Grã-Bretanha. Por volta de 1900, a participação britânica caíra a um quarto, e as exportações periféricas para outros países da Europa ocidental já superavam as destinadas à Grã-Bretanha.

O próprio capitalismo estava se transformando: ele já não era mais pautado pela livre concorrência, mas sim pelo monopólio. Essa mutação foi sintetizada por Lenin em um texto publicado em 1916: "O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital".

No alvorecer do século XX, as economias dos países capitalistas desenvolvidos eram dominadas por grupos monopolistas, e alguns poucos países ricos concentravam a acumulação do capital, que alcançara proporções gigantescas. O capitalismo gerara uma enorme "poupança excedente". Os donos de fábricas, bancos e empresas em geral tinham mais dinheiro do que podiam investir em seus próprios países, pois não havia compradores suficientes para novos produtos.

Diante dessa situação, os grandes investidores tinham três alternativas: aumentar os salários reais para ampliar o mercado interno, fazendo cair ainda mais a taxa de lucro; manter os salários iguais e canalizar toda a acumulação para o progresso técnico, aumentando o investimento na própria empresa; ou investir no exterior, onde a taxa de lucro do capital era maior.

A terceira alternativa era a melhor para os capitais excedentes nas metrópoles, pois significava investir em espaços econômicos vazios, com mão de obra e matérias-primas baratas e em abundância. A tendência do movimento do capital foi definida pela diferença da taxa de lucro de região para região, até que a partilha econômica e política do mundo finalmente se completou, incluindo as últimas zonas não ocupadas. Começou então a luta pela sua redistribuição entre os grupos monopolistas e seus Estados, na procura de novos mercados e fontes de matérias-primas: "As etapas de repartição pacífica são sucedidas pelo impasse em que nada resta para distribuir. Os monopólios e seus Estados procedem, então, a uma repartição pela força. As guerras mundiais interimperialistas se transformam em uma componente orgânica do imperialismo", explicou Lenin.

UM NOVO CAPITALISMO

Em 1902, o economista liberal John A. Hobson publicou em livro seminal chamado O imperialismo, no qual destrinchou a nova dinâmica de funcionamento do capitalismo. Segundo Hobson: "Nação atrás de nação entra na máquina econômica e adota médotos industriais avançados e, com isso, se torna mais e mais difícil para seus produtores e mercadores venderem com lucro seus produtos. Aumenta a tentação de pressionar seu governos para lhes conseguir a dominação de algum Estado subdesenvolvido distante. Em toda parte há excesso de produção, excesso de capital à procura de investimento lucrativo. Todos os homens de negócios reconhecem que a produtividade em seus países excede a capacidade de absorção do consumidor nacional, assim como há capital sobrando que precisa encontrar investimento que o remunere além-fronteiras. São essas condições econômicas que geram o imperialismo".

A demanda de bens de consumo caía em função da distribuição desigual e da acumulação crescente de capital. Parte do lucro acumulado não podia ser reinvestido, o que o tornava improdutivo e fazia cair a taxa de expansão do capital. Para fazer frente à superprodução derivada do consumo insuficiente era preciso conquistar mercados externos, motivando a expansão imperialista.

Em um relatório da época, o cônsul austro-húngaro em São Paulo explicava como isso funcionava na prática, informando que "a construção das estradas de ferro brasileiras realiza-se, na sua maior parte, com capitais franceses, belgas, britânicos e alemães". O novo capital financeiro estendia assim as suas redes por todos os países do mundo, o que explica o papel central desempenhado pelos bancos das metrópoles e suas filiais "coloniais".

Os países europeus não eram mais o destino dos grandes investimentos externos. Eles perdiam terreno diante dos investimentos nas regiões periféricas ou nas colônias: por volta de 1850, Europa e Estados Unidos recebiam cerca de metade das exportações de capital inglês. Entre 1860 e 1890, os investimentos externos para a Europa caíram sensivelmente (de 25% para 8%) e o investimento nos EUA começou a declinar até sofrer uma queda importante durante a guerra (de 19% para 5,5%). O capital financeiro passava a comportar-se como um agiota internacional, criando um sistema de dívidas cada vez maior.

A principal consequência do imperialismo foi acirrar as disputas entre as potências europeias. Ganhou força a ideia de que cada país devia transformar-se em uma potência mundial, cujo prestígio dependia do grau de influência que podia exercer no mundo. Desde 1870, quando Itália e Alemanha concluíram seus processos de unificação nacional, a concorrência internacional e as relações entre os países se tornaram mais complexas.

Surgiram grandes blocos de poder. Os Estados, levados a uma concorrência política crescente com os vizinhos, estabeleceram alianças para evitar o isolamento. A primeira foi a que uniu a Alemanha e o Império Autro-Húngaro em 1879. Três anos depois, ela seria expandida com a entrada da Itália, dando origem à Tríplice Aliança em 1882. A França, isolada, buscou seus próprios aliados: primeiro a Rússia, com a qual firmou uma aliança em 1894, e em seguida a Grã-Bretanha, com quem se associou em 1904. Finalmente, o acordo anglo-russo de 1907 deu origem à Entente Cordiale, também conhecida como Tríplice Entente. Assim nasceram os blocos que se enfrentariam na Primeira Guerra Mundial.

A formação de um império colonial por parte de um país era vista como instrumento de força e prestígio que podia romper o equilíbrio entre as potências. Já as potências chegadas tardiamente à corrida colonial utilizaram a ideia de sua superioridade nacional como instrumento político e ideológico contra seus rivais.

A Alemanha foi um caso exemplar de como a ideologia nacionalista serviu de base para o expansionismo territorial. Em 1894 criou-se a Liga Pan-Germânica (Alle-Deutscher Verband), que começou reivindicando os territórios onde se falava alemão, ou algum dialeto germânico, e em seguida passou a defender a anexação de territórios que no passado tinham sido "alemães" (teoria da "Grande Alemanha"). Até mesmo a ideia da raça eleita já começava a se manifestar. Em 1897, Fritz Sely publicava seu Die Weltstellung des Deutschtums (A situação mundial do poder alemão), livro no qual exaltava as qualidades dos alemães como "o povo mais capaz em todos os domínios do saber e das belas-artes".

RIVALIDADES IMPERIAIS

A alteração sofrida pelo conceito de Estado conciliador, baseado no ideário liberal, acompanhou o fim do capitalismo da livre concorrência. No capitalismo monopolista, a ideologia que prevalecia era a que assegurava à própria nação o domínio internacional. A expansão do capital era justificada ideologicamente pelo desvio conceitual da ideia de nação, onde uma poderia sobrepujar outras por considerar-se "eleita" entre as demais.

Neste contexto era natural que se acirrassem rivalidades entre as nações. Ingleses e franceses disputaram o controle da Indochina durante as últimas décadas do século XX, e a briga só foi resolvida pelos acordos de 1896 e 1907, que estabeleceram áreas de influência na região.

A rivalidade anglo-russa, por sua vez, tinha sido uma constante no embate entre as potências europeias pelos despojos do decadente Império Otomano. Essa rivalidade também se manifestou na competição pelo controle da Ásia central na década de 1880, que quase levou a uma guerra entre as duas potências.

A rivalidade russo-japonesa pela supremacia na bacia do Pacífico levou à guerra de 1905. O conflito foi vencido pelo Japão e terminou com a assinatura do Tratado de Portsmouth, em 5 de agosto de 1905, com a mediação dos EUA. O episódio mostrou para o mundo que americanos e japoneses estavam definitivamente entrando para o clube das superpotências.

Enquanto isso, na Europa, a França preparava a opinião pública para uma guerra contra a Alemanha, ao reivindicar a região da Alsácia-Lorena, que havia sido anexada pelos germânicos em 1870. A Inglaterra pretendia manter sua condição de principal potência colonial preservando o equilíbrio de poder no continente e apresentando-se como defensora da paz (britânica). A Rússia se arrogava o papel de protetora dos povos eslavos que permaceciam sob domínio otomano. A Itália, potência menor, reivindicava territórios do decadente Império Austro-Húngaro e alguns despojos do próprio Império Otomano.

A perspectiva de uma guerra europeia (e, pela extensão dos interesses coloniais das potências, mundial) era já visível no final do século XIX. Em 1914, quando a guerra de fato explodiu, não era sobre terreno virgem que Lenin se apoiava para afirmar: "A guerra europeia, preparada durante dezenas de anos pelos governos e partidos burgueses de todos os países, começou. O crescimento dos armamentos; a exacerbação da luta pelos mercados no atual estágio imperialista de desenvolvimento dos países capitalistas avançados; os interesses dinásticos das monarquias mais atrasadas - as da Europa oriental - tinham de, inevitavelmente, conduzir à guerra, e conduziram". A Primeira Guerra Mundial só poderia ser entendida, portanto, como revolta das forças produtivas sociais contra o quadro, tornado historicamente estreito, das relações capitalistas e dos Estados nacionais.


O ESTOPIM DA GUERRA

Desde o fim do século XIX, a Rússia e o Império Autro-Húngaro disputavam o controle das províncias otomanas na região dos Bálcãs. Em 1878, Romênia, Sérvia e Montenegro se tornaram independentes, e a Bósnia-Herzegóvina passou a ser administrada pelo Império Austro-Húngaro. A Sérvia independente, respaldada pela Rússia, passou a apoiar movimentos nacionalistas em regiões de maioria eslava.

No dia 28 de junho de 1914, o bósnio Gavrilo Princip assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro. Ciente do apoio da Sérvia aos nacionalistas bósnios, o governo de Viena enviou um ultimato a Belgrado exigindo a punição dos responsáveis. A recusa dos sérvios em atender a todas as exigências de Viena desencadeou uma reação em cadeia que levou à guerra:

28/07/1914
Império Austro-Húngaro declara guerra à Sérvia

31/07/1914
Mobilização geral das tropas russas

1º/08/1914
Alemanha declara guerra à Rússia

2/08/1914
França mobiliza suas tropas em apoio à Rússia

3/08/1914
Alemanha declara guerra à França

4/08/1914
Inglaterra declara guerra à Alemanha


OSVALDO COGGIOLA, professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (In: História Viva)

sábado, 11 de junho de 2011

Para que serve a empresa nacional? - João Sayad


Procurei esse texto em casa até encontrá-lo. O autor não é nenhuma referência no que se refere ao tipo de progressista que defendo, pois ele defende o nacional e não necessariamente o público, como eu defendo. Mas sempre gostei muito desse texto dele. Vale a pena a leitura, que agora digitei e disponibilizo aqui.

(O TEXTO É DO ANO 2000)


João Sayad

Na maior parte dos últimos 2.000 anos, o sentido de tudo era dado por Deus e tudo era feito para “a maior glória de Deus”.

É verdade que as guerras religiosas tinham motivações territoriais, comerciais e dinásticas. Mas isso era segredo, interpretação de intelectuais. Reis, cavaleiros e escudeiros lutavam e morriam “ad majorem Dei gloriam”.

Os tempos mudaram, os sentidos se modificaram, embora continuássemos sempre com pelo menos dois sentidos: o que podia ser dito e o que não podia ser dito, a intenção e o resultado.

A Revolução Francesa criou novos sentidos: liberdade, igualdade, fraternidade.

Mais tarde, os marxistas estragavam os discursos e as cerimônias oficiais afirmando que tudo era feito em nome do lucro e do capital. “Liberdade” era apenas o direito de pobres e ricos dormirem embaixo da ponte. “Povo”, outro nome para os interesses da burguesia nacional.

Nos primeiros 80 anos deste século, o sentido era dado pela autonomia dos povos, pelo desenvolvimento nacional das ex-colônias, dos países pobres, inclusive os brasileiros.

Queríamos ser donos do nosso destino, livres para determinar a nossa vida, o nosso país.

Há 20 anos que tudo isso mudou.

Assumimos um compromisso embaraçoso e até um pouco deselegante com a verdade. Agora, temos discurso único, falamos a verdade.

Desde 1980, tudo é justificado em nome do lucro. Só o lucro dá sentido a qualquer coisa.

O que era denúncia passou a ser explícito e justificável.

O que dá lucro passou a ser natural, real, espontâneo, aceitável, justo, duradouro, estável, compreensível e explicável.

O que não dá lucro é metafísico, estranho, subsidiado, temporário, instável, falso e postiço.

Converse com os mais jovens – alunos, jornalistas, empresários – e verifique. Eles foram educados assim.

Eles têm razão, é verdade. Entretanto, é um sentido estranho, que não satisfaz, não entusiasma. Uma lógica que nos leva a lugares estranhos e a falsas conclusões.

Para que serve a empresa nacional?

Se empresa serve apenas para dar lucro, lucro nacional é igual a lucro estrangeiro, sendo simplesmente lucro. Portanto, a empresa nacional serve para a mesma coisa que a empresa estrangeira.

Se empresa serve apenas para produzir bens ou serviços (automóveis ou tratamento de saúde) e se a empresa nacional produz a mesma coisa que a estrangeira, mais uma vez, conclui-se que empresa nacional não serve para nada. Perdão, serve para a mesma coisa que a estrangeira.

Se uma empresa serve para dar emprego, qual a diferença entre trabalhar na General Motors ou na Vale do Rio Doce? No Pão de Açúcar ou no Carrefour? No Bradesco ou no Santander?

Se lucro é critério único, qual a diferença entre ler a Folha, a “Folha da Time Warner” ou o “Estadão do Figaro”? Faz diferença vender o “Pravda” para o Murdoch? Assistir novela da Globo ou da Globo/NBC?

A Nasa poderia ser vendida aos franceses? A Embraer poderia comprar a Boeing? As forças armadas de cada país poderiam ser terceirizadas?

Para que serve um violinista brasileiro? Um tenor, um pizzaiolo, uma bailarina, um professor, um operário ou um juiz brasileiros? Por que precisam ser brasileiros?

Quando existe similar estrangeiro, por que usar o nacional?

Se os estrangeiros forem iguais ou melhores, podemos nos livrar de todas essas escolas, conservatórios, tribunais, teatros, pagar menos impostos e ter mais lucros.

Para que serve o governo brasileiro? Precisamos apenas de governo, não precisa ser brasileiro. Talvez outros governos sejam mais baratos. Poderia ser equatoriano ou português, desde que nos dessem um passaporte.

Vale a pena votar?

Por que ensinar português nas escolas? Se alfabetizássemos em inglês, uma língua a menos, um professor a menos e mais um consumidor pronto para usar a Internet.

Para que serve o Brasil?


João Sayad é economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney); é autor de Que País é Este? (Editora Revan).


Texto publicado na Folha de S. Paulo em 31.01.2000, na seção Opinião Econômica.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O Nome - Rubem Alves

Nós utilizamos esse belo texto de Rubem Alves em nosso curso de formação de dirigentes sindicais bancários. O texto é uma preciosidade desse grande escritor.

Apreciem sem moderação e REFLITAM!


Rubem Alves.


O NOME

Rubem Alves



Meu amigo Amílcar Herrera é um homem sábio. Isso é surpreendente, considerando-se que ele é um cientista. O fato é que ciência e sabedoria são coisas muito diferentes. Ciência é conhecimento do mundo. Sabedoria é conhecimento da vida. A exuberância do conhecimento científico vai, frequentemente, lado a lado com uma total penúria de sabedoria. Nisso o conhecimento científico pode ficar parecido com aquela praga conhecida pelo nome de “erva-de-passarinho”, uma parasita terrível que se aloja nos troncos das árvores e, à medida que cresce, a árvore morre. Estou cansado de ver Ph.Ds tolos.


Uma das características das palavras do sábio é que elas sempre nos surpreendem. Guimarães Rosa cita um intrigante aforismo que diz assim: “Aquilo que vou saber sem saber eu já sabia”. Mas não sabia. Sabia sem palavras. Aí o sábio abre a boca e a gente se surpreende por ouvir dito aquilo que já morava adormecido no silêncio do corpo. O Amílcar falou e eu me surpreendi. Ele me disse:


Rubem, eu tenho um sonho. Sonho que um dia qualquer eu vou acordar e vou ter esquecido o meu nome. Quem sou eu? – eu vou me perguntar. E eu não saberei o que responder. Não terei memória do meu nome. O ruim é quando a gente esquece o nome, mas os outros continuam a saber quem somos. Aí os psiquiatras dizem que tivemos um ataque de amnésia. E tratam de nos curar, de fazer-nos lembrar o nome para que saibamos quem somos. O nome é uma gaiola onde o que somos mora. Declaram-nos curados quando o nosso ser aparece de novo dentro da gente. Aí eles teriam perdido a memória da gaiola que prendia o nosso ser. E o nosso ser se transformaria em pássaro e voaria livre por espaços por onde nunca havia voado. O nome é uma prisão.


É preciso confessar que não foram essas, precisamente, as palavras do Amílcar. Faz muito tempo que tivemos essa conversa. Mas foram essas as associações que sua declaração provocou em mim. E isso que ele falou, coisa na qual eu nunca havia pensado, foi para mim uma revelação. Vi repentinamente, o que eu nunca tinha visto. É isso mesmo. Nomes são gaiolas. Neles se guardam as coisas que fizemos. Existem até os currículos, gaiolas que já fizemos. Aí, com base naquilo que já fizemos, as pessoas e nós mesmos imaginamos aquilo que se pode esperar da gente.


Peirce, lógico respeitável, no seu ensaio sobre “Como tornar claras as nossas ideias”, oferece-nos a seguinte fórmula para nos ajudar a ter clareza sobre a natureza de um objeto qualquer: “Considere quais os efeitos práticos que imaginamos que esse objeto possa ter. Então, a soma desses efeitos é o que é o nosso conceito desse objeto”.


Exemplificando: o objeto “galinha” – que efeitos práticos, em nosso pensamento, são invocados por esse nome? Respondo: cacarejo, ninho, ovo, cocô, ciscar na terra, molho pardo, canja etc. Esses efeitos práticos, somados, são aquilo que, na minha cabeça, está contido dentro do nome “galinha”. Aí eu pergunto: “Como foi que cheguei a associar esses efeitos práticos ao nome galinha?”. Resposta: “Pela minha experiência passada com essa entidade penosa cacarejante”.O nome, assim, é um saco onde se deposita a experiência passada. E é baseado nessa experiência que se conclui sobre o que esperar no futuro. Ninguém vai imaginar que uma galinha vai cantar como pintassilgo, nem que vai botar ovos azuis, nem que vai fazer ninhos parecidos com os dos beija-flores. Galinha é galinha, para todo o sempre. Está dito no nome.


Isso que foi dito sobre a galinha vale para tudo. Para as pessoas também. Quando o meu nome é pronunciado, eu sou imediatamente informado do que fiz no passado. E, ao ser informado, pelo som enfeitiçador do meu nome, daquilo que fiz no passado, sou também informado do meu ser e daquilo que se espera de mim no futuro. O nome, assim, obriga-me a ser de um jeito que se espera. O nome contém o programa do meu ser.


O Amílcar sabia das coisas. Imagino que aquela confissão – “Sonho que, um dia qualquer, eu vou acordar e vou ter esquecido o meu nome...” -, imagino que essa confissão nasceu de uma dor, a mesma dor que Álvaro de Campos colocou num verso: “Sou o intervalo entre o que desejo ser e o que os outros me fizeram”. Ele acorda numa manhã, com vontade sei lá de quê ´há pessoas cuja presença numa feira ou numa igreja é impensável, não combina; o lindo cirurgião de roupa branca, ele é impensável numa feira, comprando cebolas, de bermudas e sandálias, e também não se pode imaginar que o professor de economia ateu confesso ponha-se a chamar por Santa Bárbara no meio da tempestade de raios (sobre as invocações a Santa bárbara vale ler o Alberto Caeiro). Pois imagino que o Amílcar acordou com um desejo estranho qualquer, não previsto no seu nome, desejo que nunca tivera, ou que sempre tivera, mas cujo reconhecimento fora sempre proibido pelo seu nome. Mas logo veio a interdição: “Essa ação não é permitida pelo nome Amílcar Herrera. Essa ação não está prevista no programa Amílcar Herrera”.


Compreendi, então, o curioso costume de um povo primitivo que sempre dá dois nomes às pessoas. O primeiro deles é o nome igual ao nosso, anunciado, falado, escrito, conhecido, a gente grita o nome e a pessoa responde, o nome é falado e todo mundo sabe sobre quem estamos falando. O outro nome só a própria pessoa sabe. O primeiro nome é nome falso, apenas para efeitos práticos, uma mentira socialmente necessária. O outro nome, secreto, é o lugar onde mora o meu ser verdadeiro, que é muito diferente do outro. Assim, por meio desse artifício, todo mundo sabe que ninguém está preso dentro de uma gaiola de sons, que não se pode exigir que a pessoa seja, no futuro, aquilo que foi guardado no saco do nome, no passado. Cada pessoa tem, dentro de si, um segredo, um mistério. Cada burrinho pedrês tem, dentro de si, um cavalo selvagem. Cada pato doméstico tem, dentro de si, um ganso selvagem. Cada velho tem, dentro de si, uma criança que deseja brincar.


Acho que era isso que o Amílcar estava dizendo:


Se eu esquecer o meu nome e se os outros não exigirem que eu continue a ser o que sempre fui, então alguma coisa nova poderá nascer da velha: uma fonte no deserto. Afinal de contas, esta é a suprema promessa do evangelho: que os velhos nascerão de novo e virarão crianças.


Fonte:
(Do livro: "A festa de Maria" - Campinas, SP: Papirus: Speculum, 1996 - p. 15-19)