sábado, 31 de dezembro de 2022

Diário e reflexões - Retrospectiva (31/12/22)



Refeição Cultural - Retrospectiva...

Osasco, 31 de dezembro de 2022. Sábado. Início da postagem no final da tarde (término às 23h30).


Olhando pela janela de casa e ouvindo os sons ao redor, meu ouvido seleciona prestar atenção na vocalização de pássaros. Os bem-te-vis são os que mais me encantam. 

A região é arborizada e temos muitos pássaros por aqui: maritacas, periquitos, carcarás, andorinhas, rolinhas, pardais, urubus, joões-de-barro, beija-flores, sabiás, pica-paus, sanhaços, quero-queros e outros que não sei o nome.

Hoje termina o ano de 2022, o 4º do governo do inominável e sua família miliciana e termina a longa noite de terror que enfrentamos desde o golpe de Estado em 2016. Quantos mortos! Quanta tragédia e destruição! O genocida que liderou a desconstrução do nosso mundo já fugiu do país. Além de corrupto, ele é um covarde de merda como todo fascista.

Daqui a poucas horas começa o ano de 2023 num dos calendários inventados por nós homo sapiens, o calendário gregoriano. Conforme o calendário, podemos estar, por exemplo, no ano 5783-4 (judaico) ou 4719-20 (chinês). Como aprendi com o neurocientista Miguel Nicolelis, tudo no mundo humano são abstrações do cérebro humano.

Amanhã começa um novo período da história brasileira com a posse do governo Lula, a maior liderança política e popular de nossa história. Eu não vou à posse em Brasília desta vez por questões particulares. Estive nas posses de Lula e Dilma e o momento é inesquecível! Desejo que seja um grande dia para todas as pessoas e para o nosso país. 

Tenho orgulho de ter participado da campanha vitoriosa que travamos contra o fascismo. Lula e a maioria das pessoas que ele escolheu para atuar com ele me representam. Desejo que tudo corra bem durante o nosso governo. E estarei à disposição para lutar e defender Lula e o projeto que venceu as eleições até com minha vida. Foi assim que aprendi a fazer política.

Fui um militante político da classe trabalhadora por quase três décadas de minha existência, o tempo que trabalhei como bancário do maior banco público do país, o Banco do Brasil. Exerci mandatos eletivos por 16 anos porque os coletivos me indicavam e convidavam para contribuir com a luta organizativa em alguma função estratégica. Dei o melhor de mim para a luta de classe e isso é o que importa. A história da classe trabalhadora é feita de cada contribuição que homens e mulheres dão ao longo da história.

Hoje também foi o dia da tradicional corrida de São Silvestre aqui em São Paulo. Participei de dez edições da prova. Não participei da corrida neste ano. Mas sou testemunha da emoção que sentimos ao participar dessa prova de 15K. Infelizmente meus sonhos de longas corridas estão prejudicados por problemas de saúde, meu quadril bichou. É a vida...

LEITURAS E CULTURA EM 2022

Li neste ano 21 livros que me acrescentaram muito conhecimento, que me fizeram refletir bastante a respeito da vida e do mundo. Li bem mais que a média de leitura do povo brasileiro. Li bem menos que os 57 livros que li no ano de 2021 (ver lista aqui). Gostaria que o povo brasileiro lesse mais. Pelo que pude encontrar na internet, a média de leitura do brasileiro é de 2,4 livros por ano por pessoa... triste demais isso!

Foram 21 livros das mais diversas formas de linguagem discursiva: romance ficcional, peça teatral, economia, socialismo, ensaio, política, sobre tecnologia das redes sociais, mangá, livros em português e inglês, livros com edições antigas e novas, em papel e digital, de autores de diversos países do mundo.

Estou mais consciente que no ano anterior porque aprendi coisas novas neste ano. Meu envolvimento com o Instituto Conhecimento Liberta (ICL) fez com que eu estudasse e lesse mais. Me inscrevi no ICL desde o ano anterior, mas foi mais para contribuir com o projeto. Neste ano passei a ver aulas e ler mais por isso. O projeto de uma universidade aberta com conhecimentos diversos disponíveis é um pouco do que idealizei para o blog e para minha vida.

Em relação à produção textual, participei com artigos na confecção de 3 livros coletivos. Fiz 152 artigos e postagens neste blog de cultura, boa parte é sobre livros que li como a série completa de comentários a respeito da leitura de Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (ler aqui). Produção assim dá um trabalho da porra!

Para minha surpresa, os acessos de leitura ao blog aumentaram bastante neste ano. O mundo virtual virou algo tão comercial e dominado por algoritmos nas plataformas das big techs que talvez textos como os que produzo (com muitas palavras rsrs) devem estar em falta nas buscas por palavras. Sei lá!

O blog A Categoria Bancária (acesso aqui) também teve dezenas de milhares de acessos aos textos de memórias que estou fazendo. Isso também me surpreendeu. É como se alguém ainda se interessasse por história da categoria bancária e pelas coisas que fizemos nas últimas duas décadas de lutas.

MORTES - Perdemos diversas personalidades da cultura brasileira neste ano. Eu não conseguiria enumerar as principais delas. A morte do rei Pelé nesta semana (futebol também é cultura) foi uma das maiores perdas do povo brasileiro e foi sentida em todo o mundo. Gal Costa, Elza Soares e Erasmo Carlos também deixaram um grande vazio e um legado para nós na música. Enfim, como disse, não vou enumerar perdas de figuras expressivas do mundo.

Enumero os livros abaixo como fiz na postagem de retrospectiva de leitura do ano anterior.

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LEITURAS em 2022 (comentários nos links)

1. O caçador de pipas - Khaled Hosseini (ler aqui)

2. As três Marias / contos - Anton Tchekhov (ler aqui)

3. O tigre branco - Aravind Adiga (ler aqui)

4. O amanhã não está à venda - Ailton Krenak (ler aqui)

5. Razão e sensibilidade - Jane Austen (ler aqui)

6. Discurso da servidão voluntária - La Boétie (ler aqui)

7. O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde (ler aqui)

8. Memória de minhas putas tristes - Gabriel G. Márquez (ler aqui)

9. Gen, pés descalços v. I - Keiji Nakazawa (ler aqui)

10. Luiz Gama, o libertador de escravos - Mouzar Benedito (ler aqui)

11. Perestroika - Mikhail Gorbachev (ler aqui)

12. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais - Jaron Lanier (ler aqui)

13. Macacos - Clayton Nascimento (ler aqui)

14. A guerra contra o Brasil - Jessé Souza (ler aqui)

15. Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (ler aqui)

16. Macunaíma - Mário de Andrade (ler aqui)

17. O casamento entre o céu e a terra - Leonardo Boff (ler aqui)

18. Stephen Hawking - A life from beginning to end - Hourly History (ler aqui)

19. Insubmissas lágrimas de mulheres - Conceição Evaristo (ler aqui)

20. Margot adormecida - Henry Bugalho (ler aqui)

21. Liberdade (1880-1882) - Luiz Gama (ler aqui)

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O AMANHÃ

Meu dia seguinte está por se construir dia a dia. Uma das coisas que farei nos próximos meses em relação à cultura será uma imersão sobre Cuba e sua história. 

É isso!

Fechando a longa noite de 2016 e começando um novo tempo, um novo amanhecer para o Brasil. Quiçá seja um amanhecer bom para todos nós.

William


sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

50. Os sertões - Euclides da Cunha



Refeição Cultural - Cem clássicos

(atualizado às 16:24h, de 07/11/23)


A retomada da leitura de Os sertões (1902), clássico famoso de Euclides da Cunha, se deu por causa do curso do ICL - "13 livros para compreender o Brasil" -, ministrado por Suze Piza e Lindener Pareto. 

Muitos anos atrás, eu havia lido as duas primeiras partes do livro - "A terra" e "O homem" - e não quis ler a 3ª parte "A luta", parte maior do livro contando sobre as 4 campanhas necessárias para que o governo republicano derrotasse os "favelados" liderados pelo beato Antônio Conselheiro.

Na época da leitura das duas primeiras partes achei o texto difícil por causa da linguagem utilizada por Euclides da Cunha. Os textos eram repletos de termos técnicos sobre geologia, engenharia e ciências em geral, inclusive com palavras e expressões inventadas pelas pseudociências que existiam para que a elite intelectual arrotasse preconceitos contra tudo e todos.

Antes de retomar a leitura diretamente na 3ª parte - A luta - eu dei uma repassada nas duas partes introdutórias e, com meu olhar de hoje, fiquei horrorizado com tanta merda, tanto preconceito sem qualquer fundamento científico utilizado à época para desqualificar e diminuir segmentos populacionais e regiões do país. Sei que tenho que considerar o lugar de enunciação do texto no século 19, mas que é muita merda, é!

Enfim, já que comecei a fazer um apanhado geral das obras clássicas que já li ou que estou lendo, abro essa postagem de um livro com leitura em andamento para retomar o texto toda vez que eu achar necessário registrar alguma coisa que tenha me chamado a atenção na leitura. 

Este blog é minha biblioteca de estudos e ao mesmo tempo acaba servindo de fonte de leitura para os milhares de leitores e leitoras que acessam ele todos os meses.

Sigamos lendo, pois é melhor ler que não ler os clássicos, como nos ensinou Italo Calvino.

William

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EXCERTOS DE OS SERTÕES

Diz Euclides:

"O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas." (in: Nota preliminar)

Pergunto a mim mesmo um século depois: será?

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A TERRA

Os campos gerais

Euclides descreve o locus do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, meio século antes.

"Estiram-se então planuras vastas. Galgando-as pelos taludes, que as soerguem dando-lhes a aparência exata de tabuleiros suspensos, topam-se, a centenas de metros, extensas áreas ampliando-se, boleadas, pelos quadrantes, numa prolongação indefinida, de mares. É a paragem formosíssima dos campos gerais, expandida em chapadões ondulantes - grandes tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros..." (in: A terra, capítulo 1, preliminares)

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"Acredita-se que a região incipiente ainda está preparando-se para a Vida: o líquen ainda ataca a pedra, fecundando a terra. E lutando tenazmente com o flagelar do clima, uma flora de resistência rara por ali entretece a trama das raízes, obstando, em parte, que as torrentes arrebatem todos os princípios exsolvidos - acumulando-os pouco a pouco na conquista da paragem desolada cujos contornos suaviza - sem impedir, contudo, nos estios longos, as insolações inclementes e as águas selvagens, degradando o solo.

Daí a impressão dolorosa que nos domina ao atravessarmos aquele ignato trecho do sertão - quase um deserto - quer se aperte entre as dobras de serranias nuas ou se estire, monotonamente, em descampados grandes..."  (in: A terra, capítulo 1, Um sonho de geólogo)

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O HOMEM

(Postar excertos marcados na edição que tenho da Ediouro, o de capa vermelha)

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A LUTA

Na última etapa do conflito, já esgotados os lutadores do Arraial de Belo Monte, já falecido Antônio Conselheiro (em setembro daquele ano de 1897), como se soube depois, o exército brasileiro, com milhares de soldados ao redor de Canudos, passou a praticar as maiores barbaridades contra aquela gente desvalida, faminta e acuada.

"A degola 

Chegando à primeira canhada encoberta, realizava-se uma cena vulgar. Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e, francamente exposta a garganta, degolavam- na. Não raro a sofreguidão do assassino repulsava esses preparativos lúgubres. O processo era, então, mais expedito: varavam-na, prestes, a facão." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)


Como confiar num exército bárbaro e imoral, que tortura e mata covardemente as pessoas que se entregam no cenário do conflito?

"Os próprios jagunços, ao serem prisioneiros, conheciam a sorte que os aguardava. Sabia-se no arraial daquele processo sumaríssimo e isto, em grande parte, contribuía para a resistência doida que patentearam." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)


Um exército sem leis, sem regras, sem autoridades. Um bando de soldados sanguinários, na base do olho por olho, dente por dente.

"A degolação era, por isto, infinitamente mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a vingança. Dente por dente. Naqueles ares pairava ainda, a poeira de Moreira César, queimado; devia-se queimar. Adiante, o arcabouço decapitado de Tamarindo; devia-se degolar. A repressão tinha dois pólos — o incêndio e a faca." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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Um exército fortemente armado contra casebres miseráveis da favela de Canudos

"A soldadesca varejando as casas pusera fora, às portas, entupindo os becos em monturos, toda a ciscalhagem de trastes em pedaços, de envolta com a farragem de molambos inclassificáveis: pequenos baús de cedro; bancos e jiraus grosseiros; redes em fiapos; berços de cipó e balaios de taquara; jacás sem fundo; roupas de algodão, de cor indefinível; vasilhames amassados, de ferro; caqueiradas de pratos, e xícaras, e garrafas; oratórios de todos os feitios; bruacas de couro cru; alpercatas imprestáveis; candeeiros amolgados, de azeite; canos estrondados, de trabucos; lascas de ferrões ou fueiros; caxerenguengues rombos..." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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Enfim, venceram o "poderoso" inimigo miserável!

"Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos mulambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros — a vitória tão longamente apetecida decaía de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana — do mesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos..." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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(segue...)



Bibliografia:

CUNHA, E. Os sertões. [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. 516 p.

CUNHA, Euclides da, 1866-1909. Os sertões: (Campanha de Canudos). 20ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

CUNHA, Euclydes da, 1866-1909. Os sertões: campanha de Canudos / Euclydes da Cunha - 39ª ed. - Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora; Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro)

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

49. Grande Sertão: Veredas - Guimarães Rosa



Refeição Cultural - Cem clássicos

(atualizado às 10h31 de 5/01/23)


A leitura desse clássico da literatura brasileira é um marco na vida de qualquer leitor. Eu demorei muito tempo para ler Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa. Demorei, mas li. Sigo lendo, buscando referências pra nominar as coisas.

Ao ler, a gente passa a ter referências para denominar as coisas no mundo. A natureza, o amor, o ódio, a covardia, as relações humanas, as dúvidas... tudo que o ser humano com sua natureza humana sente e lida no dia a dia do viver está dito pelo jagunço aposentado - de range rede - Riobaldo Tatarana, em suas reminiscências contadas ao hóspede que o escuta por longos dias.

Durante e após a leitura dessa obra, a vida para mim ficou mais clara, até no conceito-chave do viver: a vida é um e está num grande sertão e o viver é um eterno ir pra lá ou pra cá nas escolhas diárias: veredas... e é claro que viver é muito perigoso! E não é que estou eu de range rede neste momento do viver...

Talvez esse seja um dos clássicos mais marcantes que já tenha lido na vida até hoje.

Essa postagem talvez não termine, porque vou voltar nela e incluir ideias-conceitos e frases-pensamentos que sigo coletando na obra de Guimarães.

É ensinamento de Riobaldo Tatarana pra nós, são referências do viver, especulações da ideia.

Cada uma delas, um momento do viver da gente...

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O MUNDO INTEIRO NUM MOMENTO DE FALA DE RIOBALDO

Pegue-se como exemplo, a página 41 de minha edição: em poucos parágrafos, Riobaldo fala tanta coisa para o forasteiro de passagem que a gente fica admirado ao ver a profundidade das informações e reflexões feitas, mesmo lendo meio século depois da enunciação do personagem, pois são muito atuais.

1. Pode-se vender o que não é seu? Se não, não existe essa de pacto com o demônio, porque se houver alma, ela é de Deus e não nossa... 2. Ele não quer que o forasteiro vá embora logo, antes de ouvi-lo, porque o povo do local é tudo igual a ele, forjado naquela dureza e ruindade, numa espécie de "incultura" coletiva, o de fora teria algo novo que opinar, visão diferente das coisas. Pensei no povo pobre de comunidades carentes... as milícias, a miséria, viver pelo básico. 3. Pede que o forasteiro fique ao menos 3 dias: terça, quarta e pode ir na quinta de manhã. Mas, alerta, o lugar não é mais o mesmo... agora ex-jagunço pede esmola e os bois são mansos, os fazendeiros são metidos a besta no trajar, e é uma miséria só pro povão... "Viver é muito perigoso..."

Tudo isso, Guimarães (Riobaldo) descreve em 4 parágrafos entre a página 40 e 42. Demais! Confesso aos 53 anos que acho muito difícil um leitor pouco experiente capturar todas essas informações quando se lê pela primeira vez uma obra dessa magnitude... difícil, sô!

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IDEIAS-CONCEITOS E FRASES-PENSAMENTOS

O SERTÃO...

"O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte." (p. 24)

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ESTAR DE RANGE REDE

"Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias..." (p. 26)

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VIVER É PERIGOSO

"Viver é negócio muito perigoso..." (p. 26)

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JAGUNÇO PERGUNTA SE VISITA ACREDITA NO DEMO

"Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia." (p. 26)

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QUERER O BEM PODE SER QUERER O MAL

"Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo." (p. 32)

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QUE DEUS VENHA ARMADO!

"Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinhozinho de metal..." (p. 35)

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O PESSOAL HOJE É BOM DE CORAÇÃO (SERÁ?)

"Vi tanta cruez! (...) Me apraz é que o pessoal, hoje em dia, é bom de coração. Isto é, bom no trivial. Malícias maluqueiras, e perversidades, sempre tem alguma, mas escasseadas. Geração minha, verdadeira, ainda não eram assim. Ah, vai vir um tempo, em que não se usa mais matar gente... Eu, já estou velho." (p. 38)

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AS PESSOAS NÃO ESTÃO TERMINADAS

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou." (p. 39)

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DIADORIM É MINHA NEBLINA (AMOR PROIBIDO)

"De mim, pessoa, vivo para minha mulher, que tudo modo-melhor merece, e para a devoção. Bem-querer de minha mulher foi que me auxiliou, rezas dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também - mas Diadorim é a minha neblina..." (p. 40)

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SE TEM ALMA, ELA É DE DEUS

"Pois. Se tem alma, e tem, ela é de Deus estabelecida, nem que a pessoa queira o não queira. Não é vendível. O senhor não acha?" (p. 41)

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TER QUE SER MAIS DURO QUE O LUGAR ONDE SE VIVE

"Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso..." (p. 41)

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SAUDADE

"O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração..." (p. 43)

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ÓDIO COM PACIÊNCIA

"E ele suspirava de ódio, como se fosse por amor; mas, no mais, não se alterava. De tão grande, o dele não podia mais ter aumento: parava sendo um ódio sossegado. Ódio com paciência; o senhor sabe?" (p. 46)

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CIÚMES

"Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente - o escuro, escuros." (p. 52)

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FALAR CONSIGO MESMO AO FALAR COM UM ESTRANHO

"O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isso mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo." (p. 55)

(segue...)


Bibliografia:

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Leitura - Liberdade 1880-1882 - Luiz Gama



Refeição Cultural

Osasco, 27 de dezembro de 2022. Terça-feira.


Graças à participação em um curso do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) - "13 livros para compreender o Brasil" -, curso ministrado por Lindener Pareto e Suze Piza, tive contato com a história e a obra deste homem extraordinário: Luiz Gama (1830-1882).

O livro Liberdade (1880-1882) é um dos volumes das Obras Completas de Luiz Gama, projeto que está sendo editado pela Editora Hedra com cerca de 800 textos do advogado, poeta, jornalista, militante da causa republicana e abolicionista negro que se destacou nas lutas pela democracia e pela liberdade no Brasil do século XIX. São inéditos na coleção cerca de 600 textos.

O acesso aos textos de Luiz Gama, boa parte deles, é fruto de uma pesquisa de quase uma década do jovem Bruno Rodrigues de Lima, advogado e historiador do direito. Ao ver a entrevista de Bruno ao Lindener Pareto no programa Provocação Histórica (programa nº 30, de julho de 2021) é possível avaliar a grandeza do trabalho de pesquisa que Bruno realizou. Sorte nossa!

Se o curso do ICL tivesse somente esse livro e essa figura histórica - Luiz Gama - já teria valido a pena participar do projeto de educação e cultura do Instituto. Por mais que eu tenha passado duas décadas envolvido diretamente nas lutas sindicais e populares da classe trabalhadora brasileira, eu não conhecia Luiz Gama. Sei que o fato é uma lacuna imperdoável, mas tod@s nós temos essas lacunas culturais e temos que ter a humildade de reconhecer isso e seguir estudando enquanto tivermos condições para aprender algo novo em nossas vidas.

Luiz Gama tem uma história de vida incrível! Nasceu livre na cidade de Salvador (BA), filho de uma mulher de luta - Luíza Mahin -, guerreira pela liberdade de seu povo. Quando sua mãe desaparece lutando pela causa, seu pai o vende como escravo aos dez anos de idade. Escravizado em São Paulo até os 18 anos, se alfabetiza, foge do cativeiro, prova ser um homem livre, trabalha na força pública paulista e depois começa sua atuação intelectual e engajada na libertação de escravizados e pelo fim da monarquia e instituição de uma república democrática no Brasil. A história desse homem é incrível! E quase ninguém o conhece!

O livro tem uma edição e organização muito favorável à leitura. Li com facilidade as 446 páginas do volume (comprei na versão digital). Bruno comenta e introduz todos os textos de Luiz Gama, explicando o contexto no qual o texto foi publicado na imprensa paulista e carioca ao longo da segunda metade do século XIX. Uma certeza fiquei da leitura desse primeiro volume que conheci das Obras Completas: é fundamental que os brasileiros e brasileiras conheçam Luiz Gama.

CENTENAS DE ESCRAVIZADOS LIBERTADOS POR GAMA

Eu não sabia quase nada sobre Luiz Gama, apenas conhecia o nome de ouvir falar. O advogado e intelectual foi um homem da teoria e da prática revolucionária na luta pela libertação de homens e mulheres e pela construção de uma sociedade democrática e libertária e com educação pública para toda a população.

Através do livro e dos textos de Luiz Gama conheci bem mais sobre o processo da escravidão no Brasil. O advogado era muito conhecido em São Paulo e libertou mais de 500 pessoas escravizadas dentro das normas jurídicas que ele conhecia como ninguém. Eu não sabia que tivemos um homem que conseguia libertar escravizados com base em leis e normas do início do século XIX (leis desde 1818), muito antes das leis de 1850 (Lei Eusébio de Queirós) e 1871 (Lei do Ventre Livre). Ele se baseava em leis anteriores que proibiam a escravização de pessoas sequestradas na África e "comercializadas" no Brasil.

Gama rompe com seus companheiros republicanos e liberais ao entender que eles estavam pusilânimes em acelerar o fim da escravidão. Os caras falavam da boca para fora sobre democracia e liberdade, mas no fundo queriam que a escravidão durasse até o século seguinte. O interesse dos capitalistas prevalecia na hora do vamos ver.

Esse período de 1880 a 1882 foi uma fase radical na luta pelo fim da escravidão como sistema e pela exposição dos algozes dessa tragédia humanitária. O livro é de formação histórica, humanista, jurídica, e de conhecimentos gerais. 

Saí da leitura muito mais consciente do que significa a escravidão no Brasil. Saí da leitura como grande admirador de Luiz Gama.

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Uma postura tocante de Luiz Gama e que demonstra o homem que ele foi se deu ao final de sua vida. Amigos coletaram recursos para fazerem um quadro em sua homenagem. Educadamente, ele pediu que não desperdiçassem dinheiro com isso e sim que libertassem um escravizado com o recurso... esse foi Luiz Gama!

William


Bibliografia:

GAMA, Luiz. Liberdade 1880-1882, org. Bruno Rodrigues de Lima. 1ª edição. Editora Hedra: São Paulo, 2021.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Leitura: Margot Adormecida - Henry Bugalho



Refeição Cultural

Sexta, 23 de dezembro de 2022.


"- Não se engane, David, o futuro está do outro lado da porta - Margot disse -, quando você vê, ele nem bateu e já está aqui, sentado ao seu lado, cobrando alguma posição de você. Quando eu tinha a sua idade, os anos pareciam tão longos, intermináveis. Eu me inquietava para saber se um dia eu conseguiria fazer faculdade, conseguir um bom emprego, um marido decente, e todas estas preocupações de jovens. Mas o tempo voa e, quando você se dá conta, tudo isto já passou e seus melhores anos se escorreram por seus dedos. Talvez, para você, o futuro esteja distante, mas, quando você menos esperar, você terá a mesma idade que eu e verá que não fez nem conseguiu nada do que planejava. Então, você realmente começará a se preocupar pelos anos que ainda virão, pois frescor da juventude já se foi, e os anos que lhe restam serão para estabelecer quem você será até o dia de sua morte." (Margot Adormecida, H. Bugalho)


Finalmente, li um romance do escritor e filósofo Henry Bugalho. Ele é mais conhecido por ser um youtuber e falar sobre política e temas gerais da sociedade humana. Bugalho se apresenta como escritor porque esse era o seu desejo desde jovem, escrever.

Tenho alguns romances dele no formato virtual, no Kindle, e venho tentando me acostumar a ler livros também por esse tipo de mídia, já que prefiro sempre ler em livros de verdade, impressos, com cheiro e peso, com marcas do tempo impregnadas no volume que se tem em mãos.

Gostei do romance Margot Adormecida (2014). A estória do jovem David e Margot me fez olhar o tempo todo para minhas memórias do passado. Não porque minha vida tenha se parecido com a história de David ou de Margot, mas alguma coisa do enredo me fez passar algumas horas olhando para o horizonte - eu estava em um ônibus de viagem na estrada - e me fez pensar a vida.

O romance tem um enredo até simples, sem muitas surpresas. O personagem principal, David, conta sua história com Margot, um romance da juventude com uma mulher mais velha que ele. Ela, uma mulher em busca de liberdade, ele, um rapaz com um destino meio traçado pela família, ambos, uma paixão doida e até violenta. A leitura é tão fácil e gostosa que li em poucas horas. 

O romance de Bugalho me fez viajar nas possibilidades e nas cenas da vida. Todos nós já fomos jovens e tivemos os mesmos dilemas que os personagens. Terminei a leitura com interesse em ler os outros livros de ficção que tenho dele.

A citação que deixei acima ilustra um momento na vida de Margot e David: sobre a velocidade do tempo, sobre o presente e futuro, sobre os dilemas que vivemos nesta breve experiência que é sermos animais humanos.

É isso! Vamos ler os romances de Henry Bugalho. O escritor é bom romancista.

William


Bibliografia:

BUGALHO, Henry. Margot Adormecida. Oficina Editora: 2014.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Diário e reflexões (21/12/22)


Um trabalhador em 2009.

Refeição Cultural

Osasco, 21 de dezembro de 2022. Quarta-feira.


Soledades

Freud e outros estudiosos da psicologia humana dedicaram suas vidas na busca por compreender esse animal tão complexo que somos, os homo sapiens, animais dotados de um cérebro com 86 bilhões de neurônios, o verdadeiro criador de tudo, como nos ensina o neurocientista Miguel Nicolelis. O ser humano é um animal fantástico e contraditório, capaz das melhores e das piores ações e criações dentre todas as espécies que habitam o planeta Terra. Como compreender e lidar com esse ser que somos?

Após acordar mais uma vez e perceber que estava sonhando com o mundo do trabalho ao qual passei a maior parte da minha vida, mundo que me deu um sentido ao viver e que me definiu como aquilo que sou até hoje, fiquei pensando a respeito dos porquês de sempre sonhar com fragmentos de imagens e momentos de minha vida até o dia no qual me despedi do trabalho, do banco e do movimento sindical. Foi um dia solitário.

Foi um dia solitário. Não tive um rito de passagem com despedidas e confraternizações. Acho que isso interferiu de alguma forma na minha psique e até hoje estudo uma maneira de seguir adiante, de me reinventar, de ser alguém com um lugar definido no mundo, ao menos para si mesmo. 

Pra tornar mais complexa minha busca por sentidos, o mundo para o qual eu "voltei", o mundo familiar, é um mundo daqueles mais comuns de tudo, um mundo de relações partidas, difíceis, de incomunicabilidades, bem típico do padrão global. Ninguém ouve ninguém, vemos as pessoas infelizes e cheias de carências e não podemos ajudar, sequer tentar. Ninguém ouve ninguém. É o nosso mundo.

Quando terminei minha última função de representação da classe trabalhadora estava sofrendo um processo destrutivo de lawfare, uma gente canalha ligada ao centro do poder patronal, mais uma traidora do nosso lado da gestão eleita, inventaram um processo administrativo contra mim para que eu passasse os últimos meses de meu mandato eletivo com as energias todas voltadas a me defender de acusações estapafúrdias, ridículas, infundadas, tanto é que depois se provou que tudo que me acusavam era o inverso da verdade. O processo tinha um objetivo claro de me destruir física e psicologicamente, de me impedir de estar 100% na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores que representava. Isso foi entre o final de 2017 e o primeiro semestre de 2018.

O processo de destruição psicológica que enfrentei não terminou ao finalizar meu mandato eletivo em 2018. Durante um ano, até que eu completasse tempo e idade mínima para me desligar do trabalho ao qual dediquei o melhor de mim e de minha vida, em abril de 2019, vivi sob ameaças constantes de não ter salário, de sofrer a continuidade dos processos de lawfare, enfim, vivi no limbo enquanto fui vinculado ao meu mundo do trabalho. Terminei uma história de quase três décadas de trabalho no maior banco público do país me desligando através de uma agência na qual nunca me vinculei ao dia a dia de trabalho, um estranho, um nome no prefixo da dependência. Assim terminei meus dias no banco.

Da mesma forma, foi assim que terminou minha relação de quase trinta anos de movimento sindical. Durante uns meses após o desligamento do banco dessa forma incompatível com a vida que tive no mundo do trabalho, no movimento sindical fui sendo cancelado talvez por ser quem sou, por ser um militante da época na qual podíamos ter opiniões próprias, da época do movimento sindical no qual nos trancávamos em salas de reuniões e exercíamos o pleno da democracia até que uma posição fosse tomada com todos dizendo o que pensavam, mesmo sendo opiniões divergentes. Talvez eu tenha sido cancelado por ser dessa época. Isso não faz mais parte do momento político e sindical.

Fim de ano. Fim da longa noite que durou o golpe de Estado de 2016. Desejo tudo de melhor para o nosso querido presidente Lula e para a classe trabalhadora tão sofrida deste país.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Leitura: Insubmissas Lágrimas de Mulheres - Conceição Evaristo



Refeição Cultural

Osasco, 19 de dezembro de 2022. Segunda-feira nublada e chuvosa.


"Dizem que algumas pessoas escrevem para não morrer, outras pintam, algumas representam, e há também as que cantam, as que tocam instrumentos, as que bordam... Eu danço." (Rose Dusreis)


Li relativamente rápido as 13 histórias contidas na obra Insubmissas Lágrimas de Mulheres (2016), livro de Conceição Evaristo. Li as narrativas em três dias. 

As histórias das personagens são duras, são a realidade, sejam elas inspiradas em casos de pessoas reais, sejam elas inventadas, ficções que retratam o mais duro cotidiano de mulheres brasileiras, sobretudo mulheres negras, pardas, trans, sem recursos financeiros e sem acesso aos direitos básicos da cidadania e da plenitude humana.

A oportunidade de ler mais um livro de nossa grande escritora Conceição Evaristo se deu pelo fato de o livro em questão ser uma das obras escolhidas para fazermos uma leitura coletiva no curso "13 livros para compreender o Brasil", ministrado por Lindener Pareto e Suze Piza no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). O livro de Evaristo é o 10º que estamos trabalhando, alguns eu já li, outros serão lidos ainda por mim.

Meu estado de espírito durante a leitura das Insubmissas Lágrimas de Mulheres foi de certa forma propício a cada história trágica que lia. Minha tristeza pessoal destes dias me colocou numa condição de imensa solidariedade com cada personagem das histórias que li: violência, injustiça, impotência diante dos fatos, resignação, uma noção de que se deve seguir mesmo sem achar satisfatório o viver.

A solidariedade e a identificação com cada personagem ocorreram naturalmente, mesmo sendo eu um leitor homem branco cinquentenário, porque as injustiças e violências descritas no livro estão nas reminiscências do meu passado, nas ambiências nas quais cresci e vivi. 

As "escrevivências" de Evaristo me fazem voltar nos ambientes do meu viver, no mundo machista e violento no qual fui aculturado nas primeiras décadas de minha vida. Brasil.

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INSUBMISSAS LÁGRIMAS DE MULHERES

Mulheres e crianças violentadas, espancadas, vítimas dos piores abusos de homens e do sistema machista no qual vivemos há centenas de anos. A injustiça cotidiana de nosso mundo.

Mulheres com uma resiliência incrível e uma insistência inspiradora em viver e seguir e lutar por um lugar ao sol e pelo direito à vida em toda a sua plenitude.

Cada personagem de Evaristo que conhecia e sua respectiva história de vida me fazia ver uma espécie de flash back do passado. Nas veredas de meu viver, a violência era a regra e não a exceção. Toda forma de violência, desde a verbal até a física, da violência da hierarquia social à violência da discriminação. Fomos criados para sermos cínicos e hipócritas. Brasil.

O curso que estamos fazendo sobre as leituras de livros e autores que nos fazem compreender o Brasil e o que somos tem um olhar interessante sobre a questão da "permanência": o que permanece desde sempre nesse país, em nós, nas relações sociais? A violência em todas as suas formas causa injustiça e isso é uma permanência insuportável em nossas vidas ontem e hoje.

Se olharmos ao nosso redor, em nosso contexto de vida, veremos tudo o que acontece com cada uma das 13 personagens de Insubmissas Lágrimas de Mulheres. É foda! É permanência demais toda a violência e injustiça que se pratica nesta terra há cinco séculos de invasão e apropriação ao modo ocidental capitalista de estabelecer o mundo.

É isso! Eu já estava triste quando comecei a ler o livro, fatos familiares que me impedem de aproveitar os instantes de felicidades pontuais através das notícias sobre a chegada do novo governo que ajudamos a eleger, bloqueando a continuidade do Mal representado pelos desgraçados que estavam no poder.

Vale a pena ler este livro e todos os livros de Conceição Evaristo. Já li dela Ponciá Vicêncio (ler a respeito aqui), Becos da Memória (comentários aqui) e Olhos D'água (comentei aqui). E quero ler as obras que não li ainda de Evaristo. As obras da autora me fazem pensar demais no ontem e no hoje de nossa sociedade brasileira.

SOLIDÃO

Termino a postagem com uma passagem que me fez pensar muito na solidão que sentia no momento no qual li a narrativa "Mary Benedita", umas quatro e tanto da manhã, um sentimento muito pessoal e que dói fundo no ser. Na voz da personagem Mary Benedita ficou bonita a imagem da soledad.

"Nesses concertos íntimos, um dia, depois que eu estava morando definitivamente com ela, assisti a uma das cenas mais comoventes de minha vida. Tia Aurora tocava o violino, eu de olhos fechados, tal era o enlevo que a música me causava, quando, de repente percebi um som diferente. Abri os olhos, a musicista chorava, soluçava... Ela e o violino. Um dia, hei de retomar essa imagem em uma pintura... Mas como pintar a concretude da solidão de uma mulher? Como pintar a concretude da soledad humana?" (Mary Benedita)

Talvez eu escreva alguns rabiscos desde a mais tenra juventude "para não morrer" como nos conta a personagem Dusreis, que citei na abertura do texto.

William


Bibliografia:

EVARISTO, Conceição. Insubmissas Lágrimas de Mulheres. 3ª ed. Rio de Janeiro: Malê, 2020.


sábado, 17 de dezembro de 2022

Tudo não passa de acasos na natureza


Vidas proletárias nas veredas...
Potencialidades, acasos.

Refeição Cultural

Osasco, 17 de dezembro de 2022. Sábado.


O que é a vida? O que é a vida? O que define o que vai ser uma vida? Que tipo de ser vivo faz essas perguntas? Pra que servem essas questões?

O homo sapiens que tece esse texto é um ser vivo. Quem é ele? O que é ele? O que é a vida pra ele? O que é a vida dele pra outrem?

A vida dos seres vivos é uma sequência de acasos da natureza do primeiro momento em que ela ocorre até o último instante, o momento do fim daquela forma de vida.

A vida do ser que tece esse texto é um exemplo banal e corriqueiro de uma forma de vida na natureza.

Tudo é acaso da natureza ou na natureza? Ambos. Tudo é na natureza e da natureza, é do mundo natural.

O dia que passei aqui no planeta Terra foi um dia corriqueiro. Cheguei até o fim da noite por pura casualidade. Não enfartei. Não me engasguei. Não sofri um acidente vascular nem um acidente externo, um tiro ou atropelamento. Acasos.

O mesmo não se deu com milhões de seres vivos, que deixaram de existir ao longo desse dia terrestre. Milhares de árvores foram derrubadas. Diversas formas de vida morreram nos rios e mares e demais biomas. Milhares de vidas da minha espécie morreram hoje. Inclusive Nélida Piñon, aos 85 anos de idade. Meus sentimentos aos familiares e amigos.

Acasos, tudo na natureza é casualidade, eventualidade, mesmo quando é planejado e supostamente controlado. Não existe controle sobre nada, a ideia de controle e planejamento é mais uma das abstrações do fantástico cérebro da espécie humana.

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Ao observar o mundo e eu mesmo - olhar pra fora e pra dentro -, ao tentar visualizar meu passado através da fantástica fábrica de abstrações humanas - o cérebro -, ao imaginar o que poderia fazer amanhã, caso queira, sinto uma espécie de consciência de minha fragilidade, e sorte, e potencialidade. Quase tudo poderia fazer ainda, e pode ser que não possa fazer mais nada ou quase nada. Quem sabe? O acaso é deus!

Poderia comprar uma boa moto e sair rodando por aí, sonhei com isso por tanto tempo! Mas não. Poderia fazer uma casa-galpão como planejei na adolescência. Poderia fazer rapel, paraquedismo de novo. Mergulho. Poderia escalar montanhas, poderia fazer quase tudo, mas... me falta o sentido dessas coisas. Coisas da lista de objetivos que fiz décadas atrás.

Poderia começar a estudar qualquer coisa, qualquer coisa, Matemática, Paleontologia, História, Filosofia, línguas porque sempre quis ser poliglota. Poderia fazer de novo o curso de Educação Física que precisei interromper por falta de dinheiro, fato que me marcou profundamente pela tristeza que senti por isso. O tempo avançou no seu ritmo. Eu não sou mais aquele. O rio correu. O tempo passou. Não sou hoje o que fui ontem. Nem sei o que posso ou quero ser amanhã.

Ainda tenho visão e poderia ler qualquer coisa! Poderia começar a ler tudo de Proust, tudo que falta dos russos, daria pra ler dezenas de obras clássicas...

Não daria mais pra correr uma maratona. Meu quadril já era. Que tristeza! Menos uma coisa a fazer.

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Uma das coisas que mais dá origem a narrativas humanas ao longo da história dessa espécie é o instante que marca algo ou alguém, o evento que muda algo ou começa algo, que termina algo. Veredas...

Meus pais decidem mudar de São Paulo para Minas Gerais. Duas pessoas da classe trabalhadora brasileira com dificuldades financeiras para sobreviver na Grande São Paulo no final dos anos setenta. Hoje sei que o período era a ditadura civil-militar e o povo passava uma necessidade desgraçada, a carestia era a regra para a gente como nós. 

O que sei é que tenho boas lembranças de minha infância em São Paulo. O que me lembro é que a vida foi muito dura na minha infância e adolescência em Minas Gerais. Acasos. Veredas... por quantas vezes quase me perdi, quase fiquei pelo caminho. As merdas que poderia ter feito e mudado pra sempre minha vida... muita sorte avalio que tive.

Depois dessa vereda trilhada aos dez anos foram tantas outras, quase cotidianas. Uma trilha, um destino, outra trilha, outro destino... Poderia ter seguido no Kung Fu e ser professor e não segui. Poderia ter terminado o curso técnico de Eletrônica e não terminei. Foram tantas veredas. Poderia ter seguido em Uberlândia, poderia ter ido para fora do país como planejei...

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Chega por hoje.

Tudo não passa de acasos na natureza...

William


quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Diário e reflexões (15/12/22)



Refeição Cultural

Osasco, 15 de dezembro de 2022. Quinta-feira.


A leitura dos textos produzidos por Luiz Gama, grande intelectual negro do século 19, só é possível a mim - um homem do século 21 - porque sua produção foi feita em veículos de comunicação impressos, graças ao fato de haver desde a vinda da Corte para o Brasil jornais e revistas circulando entre os poucos letrados desta terra.

Se posso ler confortavelmente através de um livro a reunião de textos de Luiz Gama é porque o jovem Bruno Rodrigues de Lima, advogado e pesquisador da vida e obra de Luiz Gama, passou a última década dedicando seu tempo e suas energias para que pudéssemos ler e conhecer a produção intelectual de um dos homens mais impressionantes que tivemos no Brasil do período colonial e imperial.

NOVOS CONHECIMENTOS

Estou buscando sentidos para o viver (como sempre). Uma das formas de dar sentido ao viver é estudar e aprender coisas novas diariamente. Cada informação nova que adquirimos se soma às experiências que já temos registradas em nosso ser e com mais conhecimento melhor a chance de tentarmos compreender o mundo e a vida.

Na adolescência eu já tinha uma curiosidade interessante pelo conhecimento. Do passado só guardamos fragmentos, instantes marcantes por algum motivo. Me lembro de terminar livros de matemática sozinho porque na escola pública sempre íamos até a metade ou menos do livro. Me lembro que às vezes estudava matemática ouvindo rock - AC/DC e Iron Maiden -, por exemplo. Fragmentos de instantes... é o que vemos ao olhar para trás.

Ao trabalhar de entregador numa drogaria aos 14 anos, subindo e descendo de bicicleta pelos bairros da cidade de Uberlândia, também estava aprendendo coisas novas, mesmo no sofrimento da labuta pesada (eu sei o que sofrem esses entregadores de aplicativo sem direito a nada). 

Me fizeram aprender a aplicar injeções, no músculo e na veia... uma loucura se pensarmos o mundo de 2022, mas era o ano de 1984. "Quadrante superior externo" para definir onde aplicar quando era na bunda. 

Aprendi coisas novas mesmo quebrando concreto e mexendo em esgoto de residências velhas trabalhando com o seu Joaquim. É impossível hoje imaginar minhas mãozinhas finas tendo sido calejadas e grossas ao trabalhar de ajudante de encanador na adolescência. Eu esquentava marmita com um pouco de álcool numa latinha sobre uma madeira com 4 pregos. Ao apagar o álcool, a comida estava quente.

A vida seguiu. Quando trabalhei em lanchonetes, aprendi a fazer pão de queijo e outras coisas que já me esqueci porque nosso cérebro é plástico e se adapta às necessidades e estímulos do momento do viver. O corpo inteiro se adapta ao viver, o que não quer dizer que não nos matamos um pouquinho todo dia por causa do tipo de exploração ao qual somos obrigados a nos submeter. Ou às loucuras de moda que matam pessoas tanto quanto necessidades do viver em sociedade.

Quando trabalhei em escola de idiomas sabia inglês. Quando fui bancário sabia bastante sobre o cotidiano do sistema financeiro. De bancário nos locais de trabalho virei dirigente sindical a convite de lideranças do movimento e passei a organizar uma categoria de um milhão de pessoas, metade formalizada com direitos profissionais. Estudei e conheci muito sobre nossas lutas e nossa história. Cheguei a negociador nacional. Era responsável por desenvolver estratégias, teses, documentos e contratos que resultaram em milhões de reais para a nossa categoria. 

A vida seguiu e me vi ainda dirigente de uma autogestão em saúde. Nunca me imaginaria estudando e aprendendo tanta coisa sobre sistemas de saúde públicos e privados, modelos de organização de cuidados e atendimento em saúde de grandes grupos sociais. Os funcionários da associação que geri, que os liberais chamam de "empresa", me relatavam impressionados ("feedback") a respeito do quanto aprendi rápido sobre aquela função que desempenhei em nome de centenas de milhares de associados. 

Essas memórias acima, sobre novos conhecimentos, me fazem pensar muitas coisas a respeito da vida humana. Uma delas é sobre a plasticidade de nosso cérebro como nos ensina o neurocientista Miguel Nicolelis. Outra é sobre a capacidade ilimitada de aprendizagem que qualquer ser humano traz consigo, podemos aprender qualquer coisa que quisermos. A educação e a formação podem mudar as pessoas, e as pessoas podem mudar o mundo. Juro pra vocês que isso é verdade. Mudei várias vezes em uma vida tão curta como essa minha.

Por fim, uma outra coisa que tenho pensado é sobre as relações utilitaristas que prevalecem na sociedade humana contemporânea, por mais conhecimento que tenhamos só seremos chamados a contribuir se houver algum tipo de relação de interesses nos grupos sociais nos quais vivemos. Se você não estiver mais nas graças das pessoas nas posições de poder, seu conhecimento não será utilizado nos espaços de poder. Mas fique tranquilo! Você segue com todo o potencial humano que traz consigo, não se preocupe com isso. Viver é uma oportunidade, sempre!

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AINDA A QUESTÃO DOS NOVOS CONHECIMENTOS

Os fragmentos de memória acima mostrando quarenta anos de novas aquisições de conhecimento em relação ao mundo do trabalho, pois não falei de conhecimentos em outras dimensões sociais, me trazem à lembrança uma preocupação que tem pautado meu viver nos últimos anos: novos conhecimentos pra quê? O que vou fazer com os novos conhecimentos diários que busco desenvolver como um ser humano?

A pergunta parece ser contraditória até em relação ao que eu mesmo escrevi acima, mas diria que é e não é. 

Conhecimento novo nos modifica e pode nos ajudar até a compreender melhor o mundo e a vida em toda a complexidade que isso significa. Mas como fazer o conhecimento novo ser incorporado a uma dimensão social coletiva, além da questão pessoal?

Cara, por duas décadas fui um militante da classe trabalhadora e tinha a consciência de que eu não sabia quase nada sobre nós e nossa história e por isso passei duas décadas estudando diariamente para tentar fazer uma representação honesta de meus pares. Quanto mais eu estudava sobre nós, mais eu tinha conteúdo para fazer um bom papel social. Isso preenchia minha vida de forma satisfatória naquilo que chamaríamos de dar sentido ao viver.

Minha busca por conhecimentos nas três décadas anteriores ao meu viver político foi de outra natureza. Eu era outro. A busca pessoal preenchia a totalidade do viver, o que não quer dizer que isso fosse algo ideal para o tipo de homem que sou hoje: um cidadão politizado e de esquerda. Todos os meus objetivos naquela época eram pessoais, não eram coletivos. É como eu era. Me arrisco a dizer que é como é a maioria absoluta dos seres humanos não politizados, a multidão não politizada da classe trabalhadora explorada e moldada a partir da ideologia da classe dominante.

É nesse ponto que estou do viver como um cidadão do mundo neste espaço geográfico chamado Brasil, neste fim de ano e próximo ao alvorecer de 2023, após uma longa noite que durou no Brasil desde o golpe de Estado em 2016 até a eleição e diplomação do presidente Lula nesta semana. O que fazer da vida no próximo período de existência? Não sou e nem poderia voltar a ser aquele que fui até os trinta anos, com minha perspectiva de vida individualista e egoísta do mundo. Não vejo que haverá oportunidades de voltar a viver o que vivi nos últimos vinte anos, com uma dimensão de vida toda voltada a servir à coletividade.

Chega por hoje. De começar pensando na pessoa fantástica e revolucionária que foi o cidadão Luiz Gama no século 19, homem que eu não conhecia até ontem, divaguei pra cacete olhando fragmentos de quarenta anos de minha própria vida.

E agora, José?

William


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Discurso de Lula em sua diplomação no TSE


Presidentes Lula e Dilma Rousseff.
Foto antiga de rede social de Dilma.


Comentário do blog:

Osasco, 12 de dezembro de 2022. Segunda-feira. 

Um dia histórico! Hoje fomos agraciados com a luz da manhã de um novo dia, uma manhã de sol após uma longa noite de terror que começou em 17 de abril de 2016, quando uma organização criminosa retirou do poder a presidenta Dilma Rousseff, roubando o voto de 54,5 milhões de brasileiras e brasileiros e ferindo de morte a democracia no país. Foram quase 7 anos de caos e destruição do Brasil e dos direitos sociais do povo simples e trabalhador. 

Muita gente morreu para que esse dia de luz chegasse e nossas companheiras e companheiros que ficaram pelo caminho de luta não puderam ver esse dia luminoso. Deixo minha homenagem a todas as vítimas dessa luta que travamos pelo Brasil, pelo povo e pela democracia, em especial à nossa querida companheira Marisa Letícia Lula da Silva, falecida em 3 de fevereiro de 2017, vítima da Operação Lava Jato e desse processo de destruição do país. Vocês estão tod@s conosco em memória e na esperança coletiva de dias melhores.

Por causa do que fizeram com o Brasil em 2016, muitos seres vivos morreram pela destruição causada com o golpe de Estado e por culpa dos celerados que dominaram o país durante essa longa noite trágica que vivemos. Nossos biomas e nossos povos originários foram brutalmente atacados. Quanto sofrimento e destruição!

Hoje foi um dia importante para todas e todos que lutam por um mundo melhor para tod@s, um mundo mais justo e solidário, mais acolhedor, com amor e respeito aos diferentes, um mundo mais sustentável. Nós que somos de esquerda e que somos democratas não queremos o extermínio dos diferentes, queremos o convívio com regras definidas como se definem as leis decididas coletivamente. E queremos punição para os responsáveis pela miséria e mortandade de nosso povo e pela destruição que causaram ao Brasil.

Lula, como tenho dito e escrito há tanto tempo, você é uma referência para mim e para milhões de homens e mulheres. Obrigado por se dispor a seguir nos representando e liderando. Estamos contigo, presidente Lula!

William

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Diplomação do presidente Lula.
Foto: TSE - Secom.

Leia abaixo a integra do discurso proferido pelo nosso querido presidente Lula durante a cerimônia de diplomação realizada no TSE.

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Em primeiro lugar, quero agradecer ao povo brasileiro, pela honra de presidir pela terceira vez o Brasil.

Na minha primeira diplomação, em 2002, lembrei da ousadia do povo brasileiro em conceder – para alguém tantas vezes questionado por não ter diploma universitário – o diploma de presidente da República. 

Reafirmo hoje que farei todos os esforços para, juntamente com meu vice Geraldo Alckmin, cumprir o compromisso que assumi não apenas durante a campanha, mas ao longo de toda uma vida: fazer do Brasil um país mais desenvolvido e mais justo, com a garantia de dignidade e qualidade de vida para todos os brasileiros, sobretudo os mais necessitados.

Quero dizer que muito mais que a cerimônia de diplomação de um presidente eleito, esta é a celebração da democracia.

Poucas vezes na história recente deste país a democracia esteve tão ameaçada.

Poucas vezes na nossa história a vontade popular foi tão colocada à prova, e teve que vencer tantos obstáculos para enfim ser ouvida.

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A democracia não nasce por geração espontânea. Ela precisa ser semeada, cultivada, cuidada com muito carinho por cada um, a cada dia, para que a colheita seja generosa para todos.

Mas além de semeada, cultivada e cuidada com muito carinho, a democracia precisa ser todos os dias defendida daqueles que tentam, a qualquer custo, sujeitá-la a seus interesses financeiros e ambições de poder.

Felizmente, não faltou quem a defendesse neste momento tão grave da nossa história.

Além da sabedoria do povo brasileiro, que escolheu o amor em vez do ódio, a verdade em vez da mentira e a democracia em vez do arbítrio, quero destacar a coragem do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que enfrentaram toda sorte de ofensas, ameaças e agressões para fazer valer a soberania do voto popular.

Cumprimento cada ministro e cada ministra do STF e do TSE pela firmeza na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral nesses tempos tão difíceis.

A história há de reconhecer sua coerência e fidelidade à Constituição.

Essa não foi uma eleição entre candidatos de partidos políticos com programas distintos. Foi a disputa entre duas visões de mundo e de governo.

De um lado, o projeto de reconstrução do país, com ampla participação popular. De outro lado, um projeto de destruição do país ancorado no poder econômico e numa indústria de mentiras e calúnias jamais vista ao longo de nossa história.

Não foram poucas as tentativas de sufocar a voz do povo.

Os inimigos da democracia lançaram dúvidas sobre as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é reconhecida em todo o mundo.

Ameaçaram as instituições. Criaram obstáculos de última hora para que eleitores fossem impedidos de chegar a seus locais de votação. Tentaram comprar o voto dos eleitores, com falsas promessas e dinheiro farto, desviado do orçamento público.

Intimidaram os mais vulneráveis com ameaças de suspensão de benefícios, e os trabalhadores com o risco de demissão sumária, caso contrariassem os interesses de seus empregadores.

Quando se esperava um debate político democrático, a Nação foi envenenada com mentiras produzidas no submundo das redes sociais.

Eles semearam a mentira e o ódio, e o país colheu uma violência política que só se viu nas páginas mais tristes da nossa história.

E no entanto, a democracia venceu.

O resultado destas eleições não foi apenas a vitória de um candidato ou de um partido. Tive o privilégio de ser apoiado por uma frente de 12 partidos no primeiro turno, aos quais se somaram mais dois na segunda etapa.

Uma verdadeira frente ampla contra o autoritarismo, que hoje, na transição de governo, se amplia para outras legendas, e fortalece o protagonismo de trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, cientistas e lideranças dos mais diversos e combativos movimentos populares deste país.

Tenho consciência de que essa frente se formou em torno de um firme compromisso: a defesa da democracia, que é a origem da minha luta e o destino do Brasil.

Nestas semanas em que o Gabinete de Transição vem escrutinando a realidade atual do país, tomamos conhecimento do deliberado processo de desmonte das políticas públicas e dos instrumentos de desenvolvimento, levado a cabo por um governo de destruição nacional.

Soma-se a este legado perverso, que recai principalmente sobre a população mais necessitada, o ataque sistemático às instituições democráticas.

Mas as ameaças à democracia que enfrentamos e ainda haveremos de enfrentar não são características exclusivas de nosso país.

A democracia enfrenta um imenso desafio ao redor do planeta, talvez maior do que no período da Segunda Guerra Mundial.

Na América Latina, na Europa e nos Estados Unidos, os inimigos da democracia se organizam e se movimentam. Usam e abusam dos mecanismos de manipulações e mentiras, disponibilizados por plataformas digitais que atuam de maneira gananciosa e absolutamente irresponsável.

A máquina de ataques à democracia não tem pátria nem fronteiras.

O combate, portanto, precisa se dar nas trincheiras da governança global, por meio de tecnologias avançadas e de uma legislação internacional mais dura e eficiente.

Que fique bem claro: jamais renunciaremos à defesa intransigente da liberdade de expressão, mas defenderemos até o fim o livre acesso à informação de qualidade, sem mentiras e manipulações que levam ao ódio e à violência política.

Nossa missão é fortalecer a democracia – entre nós, no Brasil, e em nossas relações multilaterais.

A importância do Brasil neste cenário global é inegável, e foi por esta razão que os olhos do mundo se voltaram para o nosso processo eleitoral.

Precisamos de instituições fortes e representativas. Precisamos de harmonia entre os Poderes, com um eficiente sistema de pesos e contrapesos que iniba aventuras autoritárias.

Precisamos de coragem.

É necessário tirar uma lição deste período recente em nosso país e dos abusos cometidos no processo eleitoral. Para nunca mais esquecermos. Para que nunca mais aconteça.

Democracia, por definição, é o governo do povo, por meio da eleição de seus representantes. Mas precisamos ir além dos dicionários. O povo quer mais do que simplesmente eleger seus representantes, o povo quer participação ativa nas decisões de governo.

É preciso entender que democracia é muito mais do que o direito de se manifestar livremente contra a fome, o desemprego, a falta de saúde, educação, segurança, moradia. Democracia é ter alimentação de qualidade, é ter emprego, saúde, educação, segurança, moradia.

Quanto maior a participação popular, maior o entendimento da necessidade de defender a democracia daqueles que se valem dela como atalho para chegar ao poder e instaurar o autoritarismo.

A democracia só tem sentido, e será defendida pelo povo, na medida em que promover, de fato, a igualdade de direitos e oportunidades para todos e todas, independentemente de classe social, cor, crença religiosa ou orientação sexual.

É com o compromisso de construir um verdadeiro Estado democrático, garantir a normalidade institucional e lutar contra todas as formas de injustiça, que recebo pela terceira vez este diploma de presidente eleito do Brasil – em nome da liberdade, da dignidade e da felicidade do povo brasileiro.

Muito obrigado.

Luiz Inácio Lula da Silva

Fonte: Site do PT

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Leitura: Stephen Hawking - A life from beginning to end, Hourly History



Refeição Cultural

Osasco, 8 de dezembro de 2022. Quinta-feira.


"“Hello. My name is Stephen Hawking: physicist, cosmologist and something of a dreamer. Although I cannot move, and I have to speak through a computer, in my mind I am free.” —Stephen Hawking" (from "Stephen Hawking: A Life From Beginning to End (Biographies of Physicists Book 4) (English Edition)" by Hourly History)


Terminei a leitura da biografia de Stephen Hawking. Que história incrível de superação pessoal e busca de conhecimento! 

Li através do Kindle, aparelho ao qual estou tentando me adaptar para ler alguns livros. Sou um leitor que prefere as obras impressas. 

A biografia de Hawking, de autoria de Hourly History, publicada em 2019, tem os seguintes capítulos:

Introduction, Early Years, Studies at Oxford and Cambridge, Hawking's Terminal Illness, Playing the Game of the Universe, Hawking Radiation and Black Holes, The Hawking Family, Information Loss, A Brief History of Time, A Gambling Man, Late Life and Death, Conclusion.

A leitura foi de muito proveito para mim. Além de conhecer a história do grande cientista Stephen Hawking que dedicou sua vida a pesquisar o Universo, nossas origens, Cosmologia, Física, Astronomia, o funcionamento do mundo, os buracos negros e outras áreas afins, sua vida é inspiradora porque ele desafiou o senso comum e a medicina ao não aceitar que morreria em dois anos após ser diagnosticado ainda jovem com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica).

Ler em inglês me fez dedicar algumas horas na revisão da língua estrangeira, usando o próprio dicionário do Kindle e outras fontes de pesquisa. Tenho consciência da importância de exercitar meu cérebro todos os dias, o tempo todo. Eu sou meu cérebro de 86 bilhões de neurônios como nos ensina o neurocientista Miguel Nicolelis.

FRASES E INFORMAÇÕES MARCANTES

Algumas ideias de Hawking são dignas de muita reflexão. Tanto aquelas que falam sobre a forma de encarar a vida cotidiana quanto as ideias a respeito do Universo e do funcionamento das coisas no mundo.

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A CURIOSIDADE FILOSÓFICA

"I am just a child who has never grown up. I still keep asking these how and why questions. Occasionally I find an answer." ( do 1º capítulo, Early Years)

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ATMOSFERA DOMÉSTICA À LA DICKENS

A família de Hawking, tanto a de seus pais quanto a própria família depois de adulto, nunca teve muita folga de recursos financeiros, apesar de serem da classe média. Era uma família da classe trabalhadora. Veja essa passagem que fala sobre o uso de estantes de livros para ajudar no aquecimento do ambiente interno nos invernos:

"In the post-war years, most families, even those who were once wealthy, lived frugaly. The Hawkings took this to the extreme. In the place of central heating, bookshelves stacked with books lined the walls. There was no carpet, broken windows, few electric lights, and an overall atmosphere of Dickensian gloom." (1º capítulo)

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MATA-BORRÃO SORVENDO TUDO

O jovem Stephen não ligava muito para tirar as melhores notas nas classes, mas era um garoto que absorvia tudo que podia.

"Stephen had no desire to prove that he already understood what they trying to teach him"

mas...

"he was 'like a bit of blotting paper, soaking it all up'" (1º capítulo)

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PESSOAS QUIETAS TÊM MENTES BARULHENTAS

"Quiet people have the loudest minds." (2º capítulo)

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SEJA CURIOSO, QUESTIONE A EXISTÊNCIA OLHANDO AS ESTRELAS NO CÉU

"Remember to look up at the stars and not down at your feet. Try to make sense of what see and wonder about what makes the universe exist. Be curious." (Cap. 4)

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O BIG BANG

"However, as Hawking pointed out, time does have boundaries, a beginning, and an end. If Friedmann's first model of the universe was correct, then the universe began with a Big Bang, with zero space between galaxies." (Cap. 4)

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A VIDA É UMA OPORTUNIDADE

O pensamento abaixo de Stephen Hawking é muito ilustrativo do que tenho pensado a respeito da vida desde que superei a forma negativa com a qual eu via a vida até uns trinta anos de idade. Após me tornar um dirigente da classe trabalhadora passei a ver a vida de uma forma mais positiva.

"However bad life may seem, there is always something you can do, and succeed at. While there's life, there is hope." (Cap. 6)

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CRIATURAS INSIGNIFICANTES DEMAIS PARA TERMOS A ATENÇÃO DE DEUS

"He once said, 'We are such insignificant creatures on a minor planet of a very average star in the outer suburbs of one of a hundred thousand million galaxies. So it is difficult to believe in a God that would care about us or even notice our existence'." (Cap. 6)

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PODE HAVER VIDA EXTRATERRESTRE, MAS É POUCO PROVÁVEL QUE ELA SEJA INTELIGENTE

"He offered his opinion that although the probability of life existing on other planets is high, the probability that the life is inteligent is low." (Cap. 10)

Nesta parte do livro, é dito que após essa afirmação de Hawking algumas pessoas na plateia fizeram um comentário irônico dizendo que a probabilidade de encontrar inteligência aqui na Terra também é pequena.

Hoje, após o aparecimento dos seguidores de Trump e a pandemia de demência coletiva dos brasileiros seguidores do inominável (bolsonaristas) tivemos reforçada a dúvida a respeito da inteligência da espécie humana, ao menos parte dela.

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UM CONCEITO DE LIBERDADE, A DE NOSSO ESPÍRITO

"Hawking's fierce intellect and sharp sense of humor reminded everyone that 'people need not be limited by physical handicaps as long as they are not disabled in spirit.'" (nas Conclusões)

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É isso!

Mais uma leitura, mais um momento de aprendizagem e ginástica para meu eu, meu cérebro.

O livro de Hourly History sobre a biografia de Stephen Hawking pode ser adquirido sem custos no site da Amazon. Pelo menos foi assim que adquiri.

William


Post Scriptum (08/01/23):

Assisti ao filme sobre a vida de Stephen Hawking - A teoria de tudo (2014), filme baseado em um livro escrito por sua ex-esposa, Jane Hawking. A interpretação do ator Eddie Redmayne é espetacular e lhe rendeu o Oscar de melhor ator! Outra interpretação brilhante foi a de Felicity Jones como Jane Hawking. Gostei do filme, sensível e cuidadoso em relação à vida do casal. Eles tiveram três filhos, viveram casados entre 1965 e 1991. O cientista depois viveu uma década com outra esposa - Elaine (1995 a 2006) - e, após a 2ª separação, ele e Jane voltaram a ter uma boa relação de trabalho e apoio. Hawking faleceu em 2018 e Jane é casada até hoje com um amigo comum da família Hawking. (informações Wikipedia)


Bibliografia:

HISTORY, Hourly. Stephen Hawking - A life from beginning to end. 2019.