quarta-feira, 31 de maio de 2023

Diário e reflexões - Abril e Maio de 2023


Hemingway e eu, em Cuba.

Refeição Cultural - Abril e Maio

Osasco, 31 de maio de 2023. Quarta-feira.


INTRODUÇÃO: UMA REFLEXÃO

Achei interessante uma ideia que vi dias atrás sobre a idade das pessoas. Pelo conceito que vi, eu não tenho 54 anos, eu só tenho o tempo que me resta de vida, eu não tenho o tempo que já passou. E nem sei se "temos todo o tempo do mundo" como diz a Legião Urbana. O que fazer com o tempo que me resta é uma questão a se avaliar o tempo todo neste exato momento.

O tempo é implacável com as coisas da natureza. Hoje eu não poderia mais ser qualquer coisa que meu cérebro estabelecesse para mim como em outros tempos já passados. Minha natureza mudou como tudo que mudou ao meu redor. Mudança é a única certeza. Biologicamente ainda posso muita coisa, o William (cérebro e identidade) está até mais preparado que antes. Sei da plasticidade do cérebro humano. Contudo, a natureza já me restringe e me lembra que sou animal, sou material, e tenho em mim as marcas do tempo.

Infelizmente, ou felizmente, vai saber!, sigo não sendo o condutor de minha vida, sigo vivendo ao acaso, me vendo em veredas da vida ora interessantes, ora complicadas. Por uma dessas veredas, conheci dias atrás Cuba. E isso após uma vida militante e dirigente sem nunca ter ido ao único país socialista de Nuestra América. Um acaso me levou até a Ilha

Vejam como são as coisas em minha jornada por este grande sertão... conheci a Espanha e a Itália por um mero acaso, fui a trabalho. Não planejei nada. Fui duas vezes aos Estados Unidos também por me pegar numa vereda que parou lá. E agora conheci Cuba assim, por aparecer o atalho que me pôs no caminho. Grande sertão: veredas...

Estou procurando... passei a vida procurando. A música que embalava minha busca era "I Still Haven't Found What I'm Looking For" (U2). A busca foi mudando ao longo do percurso. Por décadas, procurava respostas como fazem os demais humanos curiosos e filosóficos. Encontrei bem recentemente várias respostas para as perguntas que martelavam no meu cérebro. Parece que as respostas me deram até um vazio...

Agora, já que ainda estou no sertão, olho pro chão e pro horizonte, procurando atalhos, veredas, ou solos passíveis de se embrenhar e, de repente, criar novos caminhos, já que não há caminhos, já que o poeta nos diz que os caminhos se fazem ao andar. É isso... só me resta, só nos resta, caminhar adiante. Aprendi do viver que a vida é uma oportunidade... então, caminhar.

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BRASIL

Ditadura x Democracia: narrativas que prevalecem como verdade...

Neste fechamento do mês de maio, cinco meses de governo Lula, pudemos acompanhar derrotas importantes de pautas defendidas e eleitas pela maioria do povo brasileiro nas eleições de 2022. Neste momento em que escrevo, último dia do mês, o Presidente da República, Lula, está na correria para ver se o tal Lira, chefão do Parlamento, aprova a estrutura do seu governo implantada no início do ano por Medida Provisória - os ministérios -, para poder seguir os trabalhos do governo no mês de junho... Se Lira não quiser aprovar a MP, mais da metade dos ministérios do governo deixam de existir em junho... 

Ontem, 30/5, aquela maioria da Câmara Federal "eleita" através da compra de votos com o orçamento secreto, com dinheiro público, e outras falcatruas denunciadas durante o processo eleitoral de 2022, aprovou o Projeto de Lei 490, o tal "Marco Temporal", decretando a destruição da Amazônia e demais biomas do país, o genocídio dos povos indígenas, e forçando a Suprema Corte do país a se posicionar sobre a ilegalidade da decisão daquela maioria canalha de parlamentares. Supõe-se que o objetivo da pressa em votar essa lei criminosa e genocida seja para alimentar a narrativa da extrema-direita bolsonarista de que o país vive sob uma "ditadura" do judiciário.

(Post Scriptum: no final do ano, mesmo após o STF se posicionar contra o "Marco Temporal" e o presidente Lula vetar o projeto do Congresso Nacional de maioria reacionária e de direita, o parlamento derrubou o veto presidencial e manteve a lei inconstitucional...)

O pior é que de certa forma é verdade, vivemos sob algumas formas de ditaduras estabelecidas no país. O judiciário brasileiro implantou uma ditadura durante as ações penais conhecidas como "Mensalão" e "Lava Jato". Pasmem! Nestes dias, um juiz da Suprema Corte confessou em público que condenou injustamente José Genoino, um dos réus da Ação Penal 470, a de nome fantasia "Mensalão". A mais importante Corte do país assumiu que condena réus por questões políticas! Genoino quase morreu durante sua prisão injusta... E prenderam por 580 dias numa masmorra em Curitiba a figura pública mais popular e importante do país para retirá-lo das eleições de 2018, o atual presidente da república, Lula. Os tribunais responsáveis por esses crimes, essa ditadura do judiciário, seguem cometendo crimes e nada parece interromper isso: falo da 13ª Vara de Curitiba, do TRF4 et caterva.

E as tais narrativas? O que é ditadura e o que é democracia? A eleição do parlamento nacional do Brasil veio sofrendo interferências políticas decisivas do dinheiro público e privado a cada eleição nos últimos pleitos e continuam chamando de democracia o regime político brasileiro... é uma piada! Derrubaram a presidenta Dilma sem crime algum e ficaram de blá blá blá chamando isso de democracia... 

O parlamento de 2014 foi o pior da história, aí o parlamento de 2018 foi pior ainda, e o atual, de 2022, foi constituído com todo o processo de orçamento secreto e compra de votos que está vindo a público agora - com bilhões roubados da Caixa Federal, com a PRF impedindo eleitores de votar no Nordeste etc -, tudo começa a se apurar após a não-eleição do genocida mafioso que estava no poder e que vem sendo acusado de um alfabeto inteiro de crimes de todas as formas possíveis e imagináveis. 

Vivemos numa democracia? Que porra de democracia é essa com aquelas centenas de pessoas constituintes do parlamento nacional estando lá de forma injusta e grande parte de forma incorreta e à margem das regras básicas da democracia? Essa gente colocada lá assim, de formas ilegais, votando contra tudo que o povo elegeu em outubro de 2022, é uma ditadura, ditadura do 1% contra os 99%, ditadura. Que merda é essa de chamar Cuba de ditadura e chamar o Brasil de democracia? Que democracia é essa desse Congresso ilegal, eleito ilegalmente? Democracia o cacete!

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LEITURAS

Antes de fazer essa postagem fechando os primeiros cinco meses do ano, reli todas as postagens de fechamento de mês e reli as postagens sobre os livros e mangás que li. Foi bom relembrar o percurso cultural até agora, há um esforço honesto de minha parte em buscar conhecimento e melhorar minha consciência em todas as dimensões humanas.

Em janeiro li dois romances, o livro A estranha vontade de um morto, do amigo Sandro Sedrez (ver aqui) e o de Itamar Vieira Junior, Torto arado (aqui). Em fevereiro li um belo livro de poesia - rio pequeno - abordando a região onde nasci, Rio Pequeno (aqui), e li o diário do bandeirante Roberto Buzzo (aqui). Reli o Manifesto do Partido Comunista, em seu 175º aniversário (aqui).

Em março finalizei a leitura de mais quatro livros: A vida não é útil, de Krenak, que me deixou muito pensativo (ver aqui); li livros relacionados à política, história e literatura: A Ilha, de Fernando Morais (aqui), Os sentidos do lulismo, de André Singer (aqui) e O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura (aqui). 

Entre abril e maio, um período marcado pela minha viagem a Cuba, li mais três livros: O trono no morro, de José J. Veiga (aqui), O governo no futuro, de Noam Chomsky (aqui) e o livro de Henry Bugalho, A impureza da minha mão esquerda (aqui), perfazendo 12 livros até aqui.

Também estou lendo mangás, uma forma de cultura que não manuseava até pouco tempo, mas que incluí no meu cotidiano de leitura.

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VEREDAS E CAMINHOS 

Os meses de abril e maio foram os meses da realização de nossa viagem a Cuba, planejada por quase um ano. Nosso grupo de professores e bancários aposentados e um estudante, meu filho, esteve em Cuba entre os dias 27 e 11 de maio. Correu tudo bem na viagem, voltamos com novas experiências e temos um olhar e impressões muito melhores hoje em relação ao país socialista de Nuestra América. Tenho feito postagens sobre a viagem a Cuba aqui no blog.

As veredas da vida já me levaram por alguns caminhos neste ano. Fomos à Praia Grande em janeiro, nós adoramos a simplicidade da colônia dos professores do Sinpro SP. Conheci Guarapari (ES) em viagem com a esposa. Vi a família em Uberlândia (MG). E agora conheço um novo país, a República Socialista de Cuba.

Corri na calçada do Capitólio em Cuba.

Fico feliz por meus familiares adoecidos estarem resistindo e estarem entre nós. Fico feliz por meu filho ter retomado os estudos. Sigo atento a fazer a minha parte para estar vivo e com a oportunidade de estar entre pessoas que nos consideram. Corri 8 vezes nesse período, inclusive em Havana, imaginem vocês, corri 30' ao redor do Capitólio Nacional de Cuba! Demais, né não?

Fecho o registro desses cinco meses do ano. Estou refletindo sobre novos objetivos a perseguir, objetivos de curto e médio prazo. Não posso me esquecer das palavras de Ailton Krenak, para sermos menos arrogantes e lembrarmos que não sabemos se haverá amanhã, o amanhã não está à venda.

William

Leitura: A impureza da minha mão esquerda - Henry Bugalho



Refeição Cultural

Osasco, 31 de maio de 2023. Quarta-feira fria e chuvosa.


Li A impureza da minha mão esquerda (2021), livro de contos de Henry Bugalho, durante um voo entre o Brasil e Cuba, com escala no Panamá. Escolhi o livro aleatoriamente entre os livros que tinha no Kindle. Foi uma leitura agradável e fácil.

É o segundo livro que leio do jovem escritor e youtuber Henry Bugalho. Se calhar de ler o próximo livro dele durante uma viagem, vai parecer que os livros do Bugalho são livros para viagens (rsrs) porque Margot Adormecida li durante uma viagem de ônibus para Uberlândia (MG) no final do ano passado (comentário aqui).

Os contos estão reunidos no livro em três grupos temáticos: Nostalgia (8), Fissuras (8) e Tragédias (5). 

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A IMPUREZA DA MINHA MÃO ESQUERDA

O conto de entrada, que dá nome ao livro, é de temática forte, pesada.

"O Canhoto. Este é um dos nomes do diabo. E este era o meu apelido na escola: o Canhoto.

   Em uma sala com trinta alunos, eu era o único a escrever com a mão esquerda. O único invertido. O único do avesso..."

Tem uma passagem no conto que aborda a questão do preconceito em sua forma estrutural na sociedade brasileira, e a fala do personagem me lembrou muito do locus onde passei a infância e a adolescência.

"Era um tipo de discriminação sutil e que eu nem sabia ser discriminação. Não era o tipo de coisa que faziam com que as pessoas me apontassem na rua, como ocorria com o Bambi, o bicha da minha turma; nem que me batessem no recreio, como vi várias vezes com o Tiziu, aquele 'neguinho fedido' segundo os meus colegas; nem que levasse os meninos a passarem a mão em mim, como com a Tati, a 'vagabunda' que todos tinham catado; nem que fosse motivo de piadas diárias, como a Rafa, que tinha a mãe desquitada."

Nossa! Numa frase temos quase todas as formas de preconceito que destroem pessoas e que compõem a sociedade brasileira do passado e do presente, infelizmente.

E com a frase seguinte, foi impossível não me lembrar do meu caso pessoal de ter nascido canhoto, sinistro, e ter sido forçado a usar a mão direita porque era feio, era pecado... fui descobrir isso depois dos vinte anos de idade.

"Ser canhoto era um pecado leve num mundo repleto de pecados muito maiores e muito mais visíveis."

O conto é meio macabro. Leiam pra ver.

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Os outros contos dessa primeira parte, Nostalgia, são de temáticas variadas e bem interessantes: o caso do cãozinho Cotó; o rapaz com trauma de café; a vovó que fazia pães caseiros, achei a estória o máximo; o conto do galo Harrison...; o conto "A Alma da Capital" é muito bonito! 

A primeira parte fecha com o conto "O doutor adevogado". O conto poderia também estar no grupo das narrativas trágicas. Na verdade, nos três grupos as temáticas transitam entre o drama e a melancolia.

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O MEU GALO

"Ele desfilava com imponência pelo quintal da minha vó: o meu galo. O mais lindo de todos, alto, quase do meu próprio tamanho no auge de meus oito anos, com uma penugem reluzente, o pescoço de um azul vivo e brilhante, e esporas ameaçadoras como lâminas, mesmo sendo um galo pacífico, até onde eu podia perceber..."

DE NOVO, UM CASO PESSOAL - Gente, eu tive um galo índio quando morava no terreno de minha avó lá em Uberlândia. Ganhei o bicho pequeno e fui ficando com ele, treinando o galinho pra ser bem bravo. O galo cresceu e virou uma fera no terreno. As visitas iam visitar a minha avó, fazer uma fezinha ou tomar café e o galo atacava elas, pulando com as esporas afiadas nas pernas das visitas (rsrs)... tive que dar o galo pra levarem pra uma fazenda. Juro que é verdade, não é um conto mineiro.

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FISSURAS

O primeiro conto dessa parte é comovente: "Os trens da morte". Também é muito bonito o conto "A Ceia dos Solitários".

Essa parte do livro tem contos incríveis. O mais hilário deles é "Seu Tomás vai ao parque", texto curto e direto. Me lembrei de algumas pessoas ao ler esse conto (rsrs).

TRAGÉDIAS

Na última parte do livro, todos os contos são bons. As temáticas vão do sobrenatural à violência e luxúria. Destaco o conto "A Mulher do Alfaiate".

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COMENTÁRIO FINAL

Para fazer a postagem sobre a leitura do 12º livro do ano, um livro de contos de Henry Bugalho lido durante o dia no qual passei voando entre São Paulo e Havana, acabei relendo praticamente todos os 21 contos. São narrativas muito boas. Gostei!

A leitura desse segundo livro do Bugalho confirmou o que avaliei após a leitura do romance Margot Adormecida: o autor é bom escritor. Seguirei lendo outros livros dele que já tenho adquiridos.

William


Bibliografia:

BUGALHO, Henry. A impureza da minha mão esquerda. 2020.


terça-feira, 30 de maio de 2023

Leitura: O governo no futuro - Noam Chomsky



Refeição Cultural

Osasco, 30 de maio de 2023. Terça-feira.


Tive pouco tempo para me dedicar à leitura de livros em abril e maio. Só finalizei três livros: O trono no morro, de José J. Veiga, A impureza da minha mão esquerda, de Henry Bugalho e este do Chomsky. Outros estão em andamento, mas ainda vai um tempo para a conclusão das leituras iniciadas. 

A leitura como prática diária é um esforço, como costumo dizer em meus textos e comentários em redes sociais. Ler é uma necessidade vital para quem deseja manter o bom funcionamento do cérebro humano.

Noam Chomsky é um dos maiores intelectuais vivos de nosso tempo. Meu primeiro contato com seus conhecimentos foi na área da linguística e da linguagem, pois o linguista é um dos estudiosos que revolucionou a ciência das linguagens com a Teoria da Gramática Gerativa. Foram os meus anos do curso de graduação em Letras na USP que me apresentaram este intelectual linguista.

Neste livro - O governo no futuro - Chomsky responde a uma pergunta feita em uma conferência ministrada em 1970, em Nova York. 

A questão "Qual o papel do Estado em uma sociedade industrial avançada?" permite ao intelectual abordar quatro posições idealizadas de comunidades humanas:

- a liberal clássica

- a socialista libertária

- a socialista de Estado

- a capitalista de Estado

De cara, o autor se posiciona e diz ter preferência pelos conceitos socialistas libertários:

"Penso que os conceitos socialistas libertários - uma esfera do pensamento que abrange do marxismo esquerdista ao anarquismo - são fundamentalmente corretos e extensões naturais e apropriadas do liberalismo clássico na atual era da sociedade industrial avançada." (p. 5 e 6)

LIBERALISMO CLÁSSICO

Chomsky aponta Wilhelm von Humboldt e seu livro Limites da ação do Estado (1792) como uma referência na questão.

"Segundo Humboldt, o Estado tende a 'fazer do homem um instrumento para seus fins arbitrários, deixando de lado os propósitos individuais'... " (p. 7)

Com isso o Estado seria "anti-humano":

"e, uma vez que os homens são por essência seres livres que se aperfeiçoam, que buscam, o que se conclui é que o Estado é uma instituição profundamente anti-humana." (idem)

Interessante o ponto de vista do intelectual.

HUMBOLDT E ROUSSEAU

- O atributo central do homem é a sua liberdade: indagar e criar, estes são o centro em torno do qual giram todas as buscas do homem.

Chomsky nos lembra que Humboldt escreveu antes do século 19, antes do auge da implantação do modo de produção capitalista. Se ele visse o capitalismo em ação, entenderia a importância do Estado para preservar a vida humana e o meio ambiente porque o capitalismo sem controle inviabiliza a vida e a natureza.

O autor aproxima as ideias de Humboldt aos primeiros textos de Marx em relação à alienação do trabalho: 

"Creio que seja bastante revelador e interessante se o compararmos com Marx, com os primeiros manuscritos de Marx, particularmente às considerações deste sobre 'a alienação do trabalho, quando o trabalho é externo ao trabalhador, (...) e não parte de sua natureza, (...) [de forma que] ele não se realiza no trabalho, mas nega a si mesmo (...). [e] se sente fisicamente esgotado e mentalmente enfraquecido', a alienação, que 'lança alguns trabalhadores de volta à barbárie de certo tipo de trabalho e transforma outros em máquinas', com isso privando o homem de seu 'caráter de espécie', da 'atividade de livre consciência' e da 'vida produtiva'." (p. 11)

Humboldt não previu que o capitalismo destruiria os ideais liberais em uma democracia:

Chomsky diz que é claro que ele não tinha ideia, ao escrever em 1790, do modo como viria a ser reinterpretada a noção de pessoa privada na era do capitalismo corporativo. 

Ele não previu - e cita o historiador anarquista Rudolf Rocker - que "a democracia, com seu lema de 'igualdade de todos os cidadãos perante a lei', e o liberalismo, com seu 'direito do homem sobre sua própria pessoa', naufragariam nas realidades do modelo econômico capitalista.

"Humboldt não previu que, numa economia capitalista predatória, a intervenção do Estado seria uma necessidade absoluta para preservar a existência humana e evitar a destruição do ambiente físico." (p. 13)

SOCIALISMO LIBERTÁRIO

Chomsky cita sua preferência por Bakunin e Haymarket ao lembrar que "um anarquista coerente deve se opor à propriedade privada dos meios de produção" (p. 19) e que "um anarquista coerente também fará oposição à 'organização da produção pelo governo" (idem): Daí se tem claro um conceito:

"O objetivo da classe trabalhadora é libertar-se da exploração. Este objetivo não é atingido e não pode ser alcançado por uma nova classe dirigente e governante em substituição à burguesia." (p. 19)

Citando um texto de William Paul (1917): "a República do Socialismo será o governo da indústria administrada pelo bem de toda a comunidade (...) representará a liberdade econômica de todos - será, portanto, uma democracia verdadeira." (p. 21)

Chomsky diz: "Proudhon, em 1851, escreveu que o que colocamos no lugar do governo é organização industrial, e podemos citar muitos comentários semelhantes. Esta, em essência, é a ideia fundamental dos revolucionários anarquistas." (idem)

COMUNISMO DE CONSELHOS

Chomsky defende: "Pode-se argumentar, pelo menos eu o faria, que o comunismo de conselhos - no sentido da longa citação que interpreto - é a forma natural de socialismo revolucionário numa sociedade industrial." (p. 12)

Diferenças táticas entre o marxismo de esquerda e o anarquismo, segundo o autor:

"Ora, pode parecer quixotesco agrupar o marxismo de esquerda e o anarquismo sob a mesma rubrica, como fiz, dado o antagonismo em todo o século passado entre marxistas e anarquistas - a começar pelo antagonismo entre Marx e Engels de um lado e, por exemplo, Proudhon e Bakunin de outro. No século XIX, suas diferenças com relação à questão do Estado eram significativas mas, de certa forma, táticas." (p. 24/25)

Chomsky explica que enquanto anarquistas eram a favor de destruir o capitalismo e o Estado juntos, Engels, por exemplo, entendia que o Estado tomado pelos trabalhadores seria "o único organismo por meio do qual o proletariado vitorioso pode afirmar seu poder recém-conquistado, controlar seus adversários capitalistas e realizar essa revolução econômica da sociedade sem a qual toda vitória deve terminar numa nova derrota e numa carnificina em massa dos trabalhadores semelhante à que se seguiu à comuna de Paris." (p. 25)

SOCIALISMO DE ESTADO E CAPITALISMO DE ESTADO

O intelectual dá um resumo geral do que pensa em relação à essas duas formas:

"Em resumo, o sistema democrático, na melhor das hipóteses, funciona dentro de uma faixa estreita em uma democracia capitalista, e mesmo dentro desta faixa estreita seu funcionamento tende enormemente a concentrações de poder privado e aos modos autoritários e passivos de pensamento que são induzidos por instituições autocráticas como as indústrias. É um truísmo, mas um truísmo que deve ser constantemente enfatizado, que capitalismo e democracia sejam basicamente incompatíveis." (p. 38/39)

Logo em seguida, Chomsky nos conta sobre o poder das burocracias não eleitas nas democracias capitalistas. Os diversos escalões da máquina do Estado são indicados e ocupados por representantes dos donos do poder econômico e os eleitos chegam e quase nada podem fazer para alterar profundamente as lógicas da estrutura.

UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL - Eu vivi isso numa estrutura nacional burocrática até a medula espinal e como diretor eleito pelos associados numa autogestão em saúde tive que mover rios e mares para cumprir minimamente o projeto apresentado e eleito pelos donos da associação. O presidente Lula enfrentou e enfrenta isso o tempo todo em seus mandatos eletivos.

GUERRA FRIA, SISTEMA DE CONTROLE - Como a conferência de Chomsky é no início dos anos 1970, ele acaba abordando o papel estratégico do conceito de Guerra Fria para as potências - principalmente os EUA capitalista, mas também a URSS:

"(...) Na verdade, acredito que esta provavelmente seja a função da Guerra Fria: ela serve como mecanismo útil para os administradores da sociedade americana e suas contrapartes na União Soviética controlarem o povo em seus respectivos sistemas imperiais." (p. 45)

A economia de guerra dos EUA após a 2ª GM trouxe o maior poder econômico já registrado para um país, o fornecedor de armas para todo o mundo. Guerra é lucro certo para o imperialismo norte-americano. Ontem e hoje! Olha a Guerra na Ucrânia aí para não nos deixar enganar...

CONCLUSÃO DO AUTOR - O SOCIALISMO LIBERTÁRIO É POSSÍVEL

Cito integralmente o parágrafo final com a conclusão de Noam Chomsky sobre a temática abordada neste livro. A palestra foi em 1970, mas guardadas as devidas mudanças do cenário mundial neste meio século, a essência do que ele trata segue a mesma em 2023: modelos de organização econômica, política e social.

"Temos hoje os recursos técnicos materiais para atender às necessidades animais do homem. Não desenvolvemos os recursos culturais e morais - ou as formas democráticas de organização social - que possibilitam o uso humano e racional de nossa riqueza e poder materiais. É concebível que os ideais liberais clássicos, expressos e desenvolvidos em sua forma socialista libertária, sejam realizáveis. Mas se assim forem, o serão apenas por um movimento revolucionário popular, baseado em um amplo estrato da população e comprometido com a eliminação de instituições repressoras e autoritárias, estatais e privadas. Criar esse movimento é um desafio que enfrentamos e que devemos cumprir, se quisermos escapar da barbárie contemporânea." (p. 54)

COMENTÁRIO FINAL

De forma até irônica, quero terminar a postagem sobre a leitura desse livro, fruto de uma conferência de Chomsky sobre o papel do Estado numa sociedade industrial, com a citação que ele faz de Mark Twain, ironizando a democracia nas formas de Socialismo de Estado e Capitalismo de Estado:

"Mark Twain certa vez escreveu que 'é pela bondade de Deus que em nosso país temos aquelas três coisas indescritivelmente preciosas: liberdade de expressão, liberdade de consciência e a prudência de nunca praticar nenhuma delas'." (p. 52)

É isso!

Fim da leitura dessa aula de Chomsky. Foi o 11º livro lido no ano. Neste caso, lido e relido hoje enquanto fiz a postagem.

William


Bibliografia:

CHOMSKY, Noam. O governo no futuro. Tradução de Maira Parula. 2ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2021.


domingo, 28 de maio de 2023

Diário e reflexões - Cuba XXII (28/05/23)



Refeição Cultural - Cuba (XXII)

Osasco, 28 de maio de 2023. Domingo. (este texto começou a ser escrito em Uberlândia, em 14 de abril, e termino ele agora, após voltar de Cuba, onde passei 15 dias)


Dando sequência aos meus estudos a respeito da história de Cuba e do povo cubano, projeto de leitura que defini para os primeiros meses do ano, terminei o primeiro capítulo do livro Cuba insurgente: identidade e educação (2023), da doutora e mestra em educação Maria Leite.

Os subtemas abordados no capítulo "A sociedade formada por retalhos" nos permitem compreender melhor a história de luta do povo cubano e avaliar melhor como a cubanidad e a cubanía influenciaram decisivamente o povo em sua libertação do jugo imperialista espanhol e norte-americano. O desejo de liberdade conjugado com o desejo de saber são centrais na formação da identidade do povo cubano.

Seguem abaixo os subtítulos abordados no capítulo:

1.1 A nacionalidade cubana

1.2 As insurgências pedagógicas em Cuba

1.3 A mescla de tradições, sonhos e conflitos

1.4 A pedagogia na sociedade do açúcar

1.5 Martí e a insurgência como princípio educativo

1.6 A neocolônia

1.7 Os confrontos ideológicos da primeira metade do século XX

1.8 A educação na República Mediatizada

1.9 Pontos de contato, fontes de conflito

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CUBANIDAD E CUBANÍA

"(...) La cubanidad es principalmente la peculiar calidad de una cultura, la de Cuba. Dicho en términos currientes, la cubanidad es condición del alma, es conplejo de sentimientos, ideas y actitudes." (Ortiz, 2002a, p. 1; nota 4 do livro)

e

"(...) Assim, na concepção de Ortiz (2002a), é possível argumentar que os primeiros lampejos da cubanía estão calcados em uma cultura de resistência, base de um processo de elaboração ideológica transmitido como herança, que assumiu formas de rejeição ao que é imposto sob forma de castigo e de espoliação. Para expressar o modo pleno do 'ser cubano' criou-se o neologismo ortiziano de cubanía, inspirado no vocábulo hispanía criado por Unamuno." 

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28/05/23

Além de ler o capítulo antes de partir para a viagem a Cuba, reli o capítulo após voltar de lá, e me pareceu que ler conhecendo os ares da Ilha deu um sabor diferente na leitura. A gente lê alguma informação contida no livro e se lembra de alguma cena ou vivência na Ilha. Acredito que a sequência da leitura será muito interessante.

Estudantes em Cuba.

Uma das primeiras imagens que me veio à lembrança em relação aos dias passados em Cuba é a imagem das crianças uniformizadas pelas ruas e praças das cidades. A professora Maria Leite nos fala sobre isso no início do livro. Realmente, a educação é foco central na República Socialista de Cuba.

Percebe-se uma altivez no povo cubano que nos faz admirá-los desde o início do contato. 

Por outro lado, me preocupou ver nas ruas e praças tanta gente com a cara na tela do celular como no resto do mundo. As bombas atuais do inimigo são comandadas por essas coisas, redes sociais manipuladas por algoritmos. O ser humano não está preparado para resistir a isso. 

Ouvi de revolucionários antigos que "o maior perigo contra nós é isso", apontando para os celulares...

Enfim, sigamos estudando. Meu objetivo nas leituras e estudos de janeiro até aqui era me preparar um pouco para conhecer Cuba pessoalmente. Lá estive e cresceu em mim a vontade de conhecer mais sobre o país, o regime socialista, os problemas e as vantagens para o povo e as possíveis soluções.

Tenho que pensar objetivos de estudos e cultura para o restante do ano. Vou seguir com a temática "Cuba", mas tenho que pensar outros focos culturais também. E novas viagens.

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Lançamento do livro em São Paulo:

Neste domingo, às 15h, a professora Maria Leite faz o lançamento do livro na Av. Paulista, na Martins Fontes. Convido a tod@s para o evento. É uma oportunidade de adquirir o livro e conhecer nossa educadora estudiosa da pedagogia em Cuba. 

William


Post Scriptum: texto anterior da série sobre Cuba pode ser lido aqui.


Bibliografia:

LEITE, Maria do Carmo Luiz Caldas. Cuba insurgente: Identidade e Educação. Editora CRV, Curitiba, 2023.


quarta-feira, 24 de maio de 2023

Viagem a Cuba (V)


Cuba: Patria o Muerte!

Refeição Cultural - Cuba (XXI)

Osasco, 24 de maio de 2023. Quarta-feira.


Estou refletindo a respeito da experiência de viajar para Cuba e lá ficar por 15 dias, conhecendo Havana, a capital do país socialista, e mais 3 cidades: Trinidad, Santa Clara e Varadero (ver aqui a 1ª postagem). 

Estivemos em Cuba entre 27 de abril e 11 de maio. Nosso grupo paulista de 8 pessoas ficou hospedado em casas de cidadãos cubanos e não em hotéis - fomos acolhidos metade na Casa de Isabel e outra metade numa casa próxima -, o que dá outra característica à nossa experiência. Além de tornar a viagem muito mais barata, o contato com as pessoas é de outra natureza.

Nosso domingo começou pegando
o ônibus na Pça. Central, em frente
ao Gran Teatro Alicia Alonso
.

Cada viagem é única e como disse em outras postagens, não acho correto dar hierarquias a viagens e roteiros, dizendo que umas são melhores ou piores que outras. Cada pessoa deve avaliar em qual tipo de roteiro de viagem se sente melhor. 

Eu, por exemplo, não acho que faria hoje uma viagem na porraloquice, sem programação, sem informação alguma, no estilo deixa o vento me levar... viagem assim não é mais pra mim, que já passei dos 50 anos. Acreditem, já fiz muita viagem na porraloquice. Hoje, não mais.

Pai e filho na Praça da Revolução,
La Habana, Cuba.

Nossa viagem a Cuba foi um sucesso, correu tudo como planejado, não passamos nenhum perrengue desses que estragam o passeio, e deu tudo certo porque foi organizada pela companheira Miriam, colega aposentada do BB, e com o suporte da educadora Maria Leite e porque toda a viagem teve a Casa de Isabel como referência em Havana e para as locomoções pelo país. Até o fato de ninguém ter tido nenhum problema de saúde ou alguma ocorrência policial e política tem relação com planejamento. É o que avalio.

Casa de Isabel e Luis, ao fundo em azul,
situada na quadra do Capitólio Nacional.

Eu vejo esses viajantes que têm milhões de visualizações em perfis de YouTube contando suas experiências sobre Cuba e sobre o povo cubano e confesso que fico entre triste e curioso. É triste ver pessoas às vezes despolitizadas e "neutras" igualando as razões ideológicas do governo socialista cubano com os desejos do império de tomar de volta a Ilha para seu bel-prazer e exploração. Fico curioso também para ver o que contam sobre Cuba, afinal sempre tem algo interessante para se saber sobre hábitos e costumes de outros países.

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Monumento a José Martí,
Praça da Revolução, Havana.

30/4/23, DOMINGO, TEMPORAL EM HAVANA

O domingo, véspera do 1er de Mayo em Cuba, foi o dia que o grupo definiu para conhecer a Praça da Revolução, local histórico e conhecido por grandes aglomerações humanas em datas e eventos importantes do país. Discursos históricos já foram proferidos ali pelas lideranças revolucionárias do povo cubano.


Já sabíamos que as atividades do Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras não seriam como nos anos anteriores, com uma manifestação gigante pelas ruas de Havana terminando na Praça da Revolução. 

Dias antes, o governo havia definido que cada província realizaria seu 1er de Mayo porque a questão da falta de combustíveis estava muito séria e o deslocamento de grandes massas para Havana seria muito custoso para a República Socialista. Na capital, o evento seria no Malecón, na avenida beira-mar de Havana. 

(O 1er de Mayo seria transferido naquele domingo 30 para o dia 5, sexta, por questões climáticas e nosso grupo participou dos atos em Trinidad)

Nosso 1er de Mayo foi em Trinidad
porque o governo mudou a data para a
sexta 5, por causa do risco de temporal.

Tomamos o Habana Bus Tour (10 dólares/euro) e descemos na Praça da Revolução. Eu fiquei emocionado por estar lá. Para quem é de esquerda e socialista e estuda um pouco de história, estar na Plaza de la Revolución em Cuba é um momento único na vida. Além das clássicas imagens de Che Guevara e Camilo Cienfuegos (murais), temos o Monumento a José Martí - Torre e Estátua do herói revolucionário. 

Ainda no local, vimos a mudança do tempo, com nuvens negras tomando conta da cidade e meia hora depois caiu uma tempestade imensa. Já estávamos dentro do ônibus na hora da tormenta, para nossa sorte, e ficamos quase duas horas circulando por Havana sob forte tempestade com ruas alagadas e árvores caídas. 

Após a tempestade, almoçamos no La Roca,
restaurante com preços muito bons, perto
do Hotel Nacional de Cuba.

Soubemos após a tormenta que as estruturas no Malecón para o 1er de Mayo foram seriamente comprometidas. O ato do dia seguinte foi transferido para a sexta-feira 5 de maio em todo o país. Em outra postagem falarei sobre a nossa experiência do 1er de Mayo em Trinidad, Cuba. Foi um evento fantástico!

Entrada do Hotel Nacional de Cuba.

Após a tormenta, almoçamos em um dos restaurantes estatais, cujos preços são bem populares e mais baratos em relação aos restaurantes privados. Fomos ao Restaurante-bar La Roca, próximo ao Hotel Nacional de Cuba, que visitamos na parte da tarde. 

Olha o nosso querido grupo voltando
para nossas hospedagens após as
aventuras do dia em Havana.

Terminamos o passeio pegando o ônibus de volta ao Capitólio Nacional, região onde estávamos hospedados.

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Vista do Malecón, a partir do
Hotel Nacional de Cuba.

VIVA A REPÚBLICA SOCIALISTA DE CUBA!

Uma observação sobre o tema comunicação e informação:

Desde o início do ano, tenho lido algumas notícias de Cuba diretamente nas páginas de internet disponíveis para qualquer pessoa no mundo. Sites como Granma.cu e Cubadebate.cu e mais alguns. É notório que o ponto de vista das notícias é o do governo socialista do país.

Se alguém de fora do Brasil der uma "googlada" sobre o nosso país, os algoritmos das big techs disponibilizarão aos leitores as notícias e os pontos de vista dos veículos de comunicação de nossos inimigos de classe, as páginas da mídia empresarial e da casa-grande brasileira, manipuladora e mais canalha que tudo na sociedade humana.

Aí algumas pessoas de boa-fé vão avaliar que em Cuba não há liberdade de imprensa e que no Brasil há... é um longo e legítimo debate a ser feito, diria eu, que já fui secretário de imprensa em confederação de trabalhadores e que mantenho blogs há mais de 15 anos na internet.

Enfim, como disse, tenho lido sobre Cuba e o povo cubano. E me interesso mais a cada dia e torço para que o povo cubano resista aos ataques do imperialismo e do capitalismo. 

O capitalismo está destruindo o planeta Terra e as possibilidades de manutenção da vida humana e das demais formas de vida.

Seguimos refletindo sobre Cuba, o socialismo, o capitalismo, o imperialismo, e o destino dos povos do mundo.

William


Post Scriptum: para ler o texto anterior, é só clicar aqui. O texto seguinte pode ser lido clicando aqui.

Post Scriptum II: um amigo escritor me disse dias antes de ir que se tivesse oportunidade de ir a Cuba iria perguntar ao povo se eles eram felizes. Fiquei pensando nisso... cara, é impossível destrinchar essa coisa de pegar alguém e perguntar "você é feliz?". Quem é feliz? Se sim, em que circunstância, onde, como, por quê? Aliás, qualquer pessoa pode se aproveitar de contextos específicos para conseguir respostas diametralmente opostas, do mais feliz ao mais infeliz momento da vida. Enfim, pensei nisso, mas não rola perguntar algo assim para as pessoas, na minha opinião sincera.


domingo, 21 de maio de 2023

Diário e reflexões (21/05/23)



Refeição Cultural

Osasco, domingão de 21 de maio de 2023.


A leitura de cada frase do livro da professora Maria Leite - Cuba insurgente: identidade e educação (2023) -, sobre a pedagogia em Cuba, sobre José Martí, me faz parar e pensar o Brasil, Lula, nós povo brasileiro, o PT, a CUT, a Articulação Sindical, esse mundo complexo que as religiões e as mentiras simplificam... 

Estudar determinados temas e conhecer a cada dia do viver a nossa ignorância geral e a nossa dificuldade em alterar a realidade material é obrigação de alguém politizado. Mesmo sentindo certa impotência por não conseguir no tempo de uma vida humana alterar significativamente o rumo da sociedade, sei pela razão que devemos seguir todos os dias com certa ética que nos formou como seres humanos humanistas.

Abaixo, alguns excertos que me puseram a pensar, extraídos do item "Martí e a insurgência como princípio educativo", do livro da professora Maria Leite:

Martí sobre a liberdade:

- "El mundo tiene dos campos: todos los que aborrecen la libertad, porque sólo la quieren para sí, están en uno; los que aman la libertad, y la quieren para todos, están en otro. (José Martí)"

Martí e sua reflexão após ver o julgamento dos anarquistas de Chicago, em 1886:

- "Uma vez reconhecido o mal, o ânimo generoso sai a buscar remédio. Uma vez esgotado o recurso pacífico, o ânimo generoso recorre ao remédio violento." (me lembrei de Mandela ao chegar à mesma conclusão na luta contra a violência do regime Apartheid)

Martí após questionar o mito do eurocentrismo e da picaretagem de dizer que o colonialismo incluiu as Américas na História:

- "A inteligência americana estava no penacho indígena e quando se paralisou ao índio, se paralisou a América." (Acosta)

Martí e as bases da criação do conceito de Nuestra América:

- "(...) ele então projeta um horizonte humanista para a região que denominou Nuestra América. A originalidade desta proposta é a autoctonia, com suas raízes políticas e culturais próprias, sintonizadas com a identidade latino-americana."

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IMPULSOS ELÉTRICOS NO CÉREBRO

- O homem José Martí era originário de um país colonizado por povos imperialistas da época. Espanha na época de suas lutas e suas ideias libertárias, depois Estados Unidos, após sua morte e entrado o século seguinte. Martí já sabia que os EUA iriam tomar o lugar da Espanha no imperialismo e colonialismo... Décadas depois, Fidel Castro, um martiano, liderou o povo cubano na libertação do país das garras da águia do Norte. Desde então, o império atua para matar de fome o povo que escolheu a liberdade... e os homens do mundo, do tipo G7, aceitam numa boa esse genocídio.

- Lula falou ontem em Hiroshima (Japão) sobre paz no encontro do G7, uma sigla para lembrar do imperialismo desta época. O homem Lula foi um preso político do imperialismo para que a ex-colônia Brasil voltasse a ser colônia do imperialismo atual. Os animais humanos são tão cínicos que os homens do G7 se reuniram na cidade destruída pela bomba atômica para organizar nova guerra total contra a Rússia e a China... e o cristão do Lula querendo paz entre os povos...

- Após conhecer Cuba - por poucos dias, é verdade - só aumentou a minha perplexidade em saber que até hoje, até este momento, o povo cubano e seu regime político - uma república socialista - resiste aos ataques violentos e perversos do imperialismo para derrubar o governo e fazer de Cuba um Haiti "capitalista". O bloqueio norte-americano a Cuba é genocida. Minha suspeita é que a resistência do povo cubano até agora é por causa da educação dada desde a mais tenra idade e desde 1959. Na verdade, desde antes, já que a pedagogia cubana vem de Martí e outros educadores desde meados do século XIX...

- No Brasil capitalista não temos uma educação cubana. Cada povo e cada cultura é uma experiência única, mesmo num mundo globalizado. Após uns 40 anos lendo e estudando alguma coisa dentro das possibilidades às pessoas de minha origem, fora da classe dominante, fica fácil entender como se dão as coisas no Brasil. A casa-grande e os banqueiros e coronéis do Agro deram o golpe, entregaram tudo de valor ao império, e fizeram as reformas trabalhista, sindical, previdenciária e da educação. O novo ensino médio, que o Lula não quer peitar, é para nunca termos aqui um povo cubano...

São tantos impulsos elétricos em meu cérebro, essa máquina de 86 bilhões de neurônios, como nos ensina o neurocientista Miguel Nicolelis, tantos impulsos que dá até preguiça para seguir escrevendo... pra quê?

Paro aqui e vou pedalar um pouco pelas ruas de Osasco e Butantã, meu mundo colonizado.

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EI, QUAL A CONCLUSÃO DO TEXTO?

Espera aí, meu! Pra quê você citou os excertos sobre Martí se não alinhavou nada de seus impulsos elétricos com os conceitos ali contidos?

Verdade, tenho que alinhavar o texto: 

Acho que não adianta estar do lado daquele grupo que defende a liberdade pra todos se não soubermos utilizar essa liberdade para libertar a mente das pessoas. Os governos do PT, o Lulismo, não libertaram a mente de nosso povo pobre e trabalhador. Não deu tempo ou não era estratégico peitar a casa-grande e libertar a mente de nossa classe através da educação. 

Durante os 13 anos deixamos a formação de nossa gente ser a formação colonizadora dos donos do poder... óbvio que a inclusão pelo consumo sem mudar as ideias daria no que deu. Nos tiraram do poder sem guerra e sem resistência. 

Enfim... vamos repetir isso? Me respondam vocês que estão dentro do NOSSO governo, porque estou de fora e não sei quais são as estratégias para não repetirmos a história de nosso fracasso após a experiência positiva de estarmos no governo por 3 mandatos em mais de 5 séculos de dominação deles.

Qual a nossa estratégia em relação ao povo que precisamos para nos apoiar no enfrentamento aos nossos inimigos de classe?

William


Bibliografia:

LEITE, Maria do Carmo Luiz Caldas. Cuba insurgente: identidade e Educação. Editora CRV, Curitiba, 2023.


sábado, 20 de maio de 2023

Viagem a Cuba (IV)


Centro Fidel Castro Ruz.

Refeição Cultural - Cuba (XX)

Osasco, 20 de maio de 2023. Sábado.


Aproveitamos a manhã de sábado em Havana, nosso 3º dia na cidade, para visitar o Centro Fidel Castro Ruz, no bairro El Vedado, um bonito bairro arborizado e com casarões onde morava parte da gente endinheirada antes da Revolução de 1959. Esses ricos fugiram e deixaram tudo para trás. 

Local que nos deixou
emocionados. Viva Fidel!

Hoje El Vedado abriga muitos órgãos estatais e de delegações estrangeiras e estabelecimentos comerciais. Também moram lá muitas famílias cubanas. Aliás, por toda a cidade vemos o povo cubano morando em imóveis situados em áreas de monumentos e pontos históricos da cidade. Exemplo: ao lado do Capitólio tem dezenas de casas com famílias.

¡Hasta la victoria siempre, Fidel!
Notícia do diário Granma.

A experiência da visita guiada ao Centro Fidel Castro Ruz é incrível, vale muito a pena! As visitas guiadas acontecem às 9h e 11h da manhã e duas na parte da tarde. Ao pesquisar para fazer a postagem, me emocionei ao ver o vídeo na página do Centro de Estudos: ver aqui. A entrada é gratuita.

El Malecón. São mais de 7 Km
de estrutura: muro e calçamento.

Após a visita, nosso grupo saiu andando pelo bairro El Vedado. O objetivo era conhecer a famosa sorveteria Coppelia. A sorveteria estatal foi criada em 1966 a pedido de Fidel Castro e um dos objetivos era disponibilizar ao povo cubano sorvetes de boa qualidade e a preço baixo. 

Pai e filho caminhando pelo Malecón...

Eu e o filhão decidimos caminhar mais e enquanto o grupo entrou na fila para experimentar os sorvetes cubanos, nós demos uma bela caminhada até El Malecón, a avenida beira-mar de Havana.

Hotel Nacional de Cuba. Exuberante!

Chegamos ao Hotel Nacional, um marco da construção hoteleira de Cuba, construído nos anos 30. Ele é imenso! É como uma fortaleza olhando para o mar. Cumprimos nosso objetivo da caminhada, andamos alguns quilômetros pelo Malecón, até chegarmos ao Capitólio e à Casa de Isabel.

Brasileiros e cubanos
celebram o 1er de Mayo.

A Casa de Isabel faria para nós um almoço no dia 1er de Mayo, na segunda-feira. Neste ano, porém, a família de Isabel e Luis fez o almoço no sábado e foi uma tarde deliciosa e de confraternização entre nós brasileiros e cubanos.

Terminamos o dia assim,
vendo essa imagem...

Enfim, nosso dia em Havana foi muito legal. Muita cultura e história e muita confraternização entre nós da classe trabalhadora.

Para ver a postagem anterior, é só clicar aqui. A postagem seguinte pode ser lida aqui.

William


Post Scriptum:

Como se dá a produção de uma postagem como esta? Estou revivendo os dias que passamos em Cuba, uma experiência marcante em nossas vidas. Ao ver as fotos do dia, recordo nossa agenda e comento alguma coisa a respeito daquilo que nos impressionou. 

Pode não parecer, mas cada frase do texto demanda uma pesquisa anterior para tentar escrever corretamente sobre o local e sobre o país. 

Para falar sobre o bairro El Vedado, li a respeito, depois idem para El Malecón, depois o Centro Fidel Castro Ruz, sorveteria Coppelia etc. 

Ou seja, ganho eu com a pesquisa e ganha a pessoa que ler uma postagem feita com respeito e honestidade intelectual. 


quinta-feira, 18 de maio de 2023

Viagem a Cuba (III)


Havana, vista a partir da Fortaleza
San Carlos de la Cabaña
.

Refeição Cultural - Cuba (XIX)

Osasco, 18 de maio de 2023. Quinta-feira.


Terminamos o nosso segundo dia em Havana vendo o pôr do sol a partir da Fortaleza San Carlos de la Cabaña

A cidade de Havana já conta com cinco séculos de existência, ela foi fundada em 1519, e até meados do século XVIII era cercada por uma muralha enorme e com diversos portões.

Parte de muralha preservada
em Havana, Cuba.


Além de apreciar o magnífico pôr do sol em Havana, nós fomos até a fortaleza para assistir ao "Cañonazo de las nueve", uma cerimônia secular que é preservada até hoje no país. Todos os dias, às 9 horas da noite, a cerimônia rememora os tempos nos quais a população era alertada sobre o fechamento dos portões da cidade, sendo abertos somente na madrugada do dia seguinte.

Muralha da fortaleza que
protegeu a cidade por séculos.

Na cerimônia, jovens soldados vestidos com roupas de época executam os ritos cerimoniais, com marchas, tochas e danças para a preparação do tiro de canhão. É belíssimo o espetáculo! Quando chega a hora, o disparo é feito e nos ensurdece. É grandioso o evento! Recomendo vivenciar essa experiência a quem estiver na Ilha ou visitá-la.

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Parque de la Fraternidad, em frente
ao Capitólio de Havana.

Nosso dia começou com um recorrido por Habana Vieja, tendo o senhor Luis como nosso guia, lembrando que nosso suporte em Havana foi a Casa de Isabel, na qual Isabel e Luis nos acolhem com carinho e presteza. 

Sugestão: sai muito mais em conta ficar hospedado nas casas de cidadãos cubanos do que em hotéis. As diárias variam até uns 30 dólares/euros com café da manhã. Em hotéis são várias vezes mais caras as diárias.

Durante a caminhada por Habana Vieja, conhecemos diversas praças, edifícios e monumentos históricos com as explicações do senhor Luis. Vocês não imaginam quanta cultura e história adquirimos nessa caminhada que fizemos. 

Estátua de Eusebio Leal em frente ao
Palacio de los Capitanes Generales,
atual Museu da Cidade.

Ao saber sobre o senhor Eusebio Leal Spengler, o historiador da cidade de Havana, pude compreender melhor os motivos por perceber em Havana a quantidade de imóveis reformados, em reforma ou preservados sem serem demolidos pela especulação imobiliária como ocorre no Brasil. 

Ele foi muito importante no aconselhamento ao governo socialista para o tombamento de milhares de imóveis em Cuba preservando a história de séculos da Ilha. Como faltam recursos materiais ao país por causa do bloqueio e por outras prioridades da cidadania, é muito comum vermos imóveis aguardando reforma.

Pátio interno do Capitólio.

Na parte da tarde, nós fizemos a visita guiada ao Capitólio, que passou por reforma e restauração recentemente. Que construção magnífica! Recomenda-se muito que os visitantes conheçam esse edifício espetacular.

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Informações a turistas: o valor da entrada na fortaleza para ver o espetáculo do Cañonazo é bem barato, são 200 pesos (menos que 2 dólares). O caro no momento (maio/2023) é o transporte para lá porque os taxistas estão cobrando valores abusivos para se andar pequenas distâncias na cidade, a desculpa é a falta de combustíveis. 

Dos poucos lugares onde se pode pagar com tarjeta, o Capitólio é um deles, são 20 dólares (ou euros) a entrada. O ônibus que percorre os pontos turísticos da cidade ao longo do dia também se paga com cartão, são 10 dólares e a pessoa pode subir e descer para ver os pontos turísticos da cidade. 

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Gran Teatro de la Habana
Alicia Alonso.

Cuba preserva sua história

Uma certeza se tem ao visitar a única república socialista de Nuestra América: o foco na educação é notório e também a importância da cultura e da história das lutas do povo cubano por sua liberdade e por sua autonomia em relação aos países imperialistas.

Cuba é um país que valoriza as pessoas que se dedicaram às causas coletivas de seu povo. José Martí é figura central na história de Cuba e quando o povo alcançou sua independência ao libertar o país do ditador que era um representante do império, em 1º de janeiro de 1959, Martí já era uma referência para os revolucionários liderados por Fidel Castro.

É isso! Seguirei revendo as imagens que captei na viagem, lendo e estudando sobre Cuba e o povo cubano e refletindo sobre Nuestra América e o Brasil de Lula, que busca a reconstrução nacional após o desastre que vivenciamos após o golpe de 2016.

Clique aqui para ver a postagem anterior.

William


Post Scriptum: o texto seguinte pode ser lido aqui.