sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural

"A doença não me intimide, que ela não possa
chegar até aquele ponto do homem onde tudo se
                                         [explica.
Uma parte de mim sofre, outra pede amor,
outra viaja, outra discute, uma última trabalha,
sou todas as comunicações, como posso ser triste?
" ("Os últimos dias", CDA)


Último dia do ano, último livro do ano (foram 57 obras lidas). Ano passado li A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1945. Que livro! Cinquenta e cinco poemas porradas. Neste mês de dezembro, reli o livro dentro de um projeto de ler toda a poesia de Drummond em ordem cronológica. Com isso, reli os 4 livros que já conhecia e José, de 1942.

Que livro! Perfeito para os tempos que correm. Drummond diz que o livro é um livro que traz características de um tempo, de uma época, tanto do poeta quanto do mundo, que vivia a mortandade da 2ª Guerra Mundial, nazismo, fascismos, Estado Novo de Vargas. Não falo que o livro é perfeito para os tempos que correm!

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"E a matéria se veja acabar: adeus, composição
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.
Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias
                        [grossas,
meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,
sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso
          [pessoal, ideia de justiça, revolta e sono, adeus,
vida aos outros legada.
" ("Os últimos dias", CDA)

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Difícil um poeta no qual meu Eu se veja melhor nos Eu-líricos dos poemas do que Drummond. Difícil alguém que me represente mais do que Drummond e seus personagens.

RETROSPECTIVA DE LEITURAS POÉTICAS

Com a releitura de A Rosa do Povo, encerro um ano de bastante leitura de poemas. Li os 5 livros iniciais de Drummond, são 170 poemas. Agora vou pras novidades, tudo que não conheço dele em 18 livros a ler.

No começo do ano li as poesias de Bertolt Brecht. Li uma coletânea de 260 poemas publicados entre 1913-1956. Que poemas, também! Demais!

No primeiro semestre, li poemas de outros poetas modernistas - Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira. De Mário li Pauliceia Desvairada (1922) e Losango Cáqui (1926). De Oswald li Pau-Brasil (1924). De Manuel Bandeira li Libertinagem (1930). Tudo releituras.

Em agosto li Espumas Flutuantes (1870), de Castro Alves. Reli também Distraídos venceremos (1987), de Paulo Leminski.

Finalmente, li o clássico Odisseia, de Homero, em versos, na tradução do maranhense Odorico Mendes, o patriarca da transcriação.

Por fim, li vários livros de Cecília Meireles, dentro de um projeto de ler as obras poéticas completas da poeta.

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Registro feito. Repito: de tudo que li, ninguém chega perto de Carlos Drummond de Andrade em relação à identificação entre Eu-lírico e Eu mesmo.

É isso.

William


Post Scriptum: fiz uma postagem de retrospectiva cultural do ano de 2021. Foram 57 obras lidas no ano. Para ler a postagem é só clicar aqui.


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

291221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Estou relendo as postagens do blog deste ano que se encerra. Ao mesmo tempo que releio, corrijo eventuais erros na linguagem, relembro sentimentos e contextos de cada momento, os livros que li, fatos e acontecimentos pessoais e coletivos. E já vou imprimindo para encadernar minha produção escrita do ano.

Terminei a leitura das postagens de março de 2021. Até agora, reli janeiro, fevereiro e março, são 62 postagens. Até aquele momento do ano, já havia lido 9 livros e estava em andamento a leitura de Moby Dick e a releitura de Raízes do Brasil. Havia lido livros clássicos e livros porrada como Querô, de Plínio Marcos, e Becos da memória, de Conceição Evaristo.

Minhas postagens estão muito marcadas por uma tristeza enorme, uma depressão muito motivada pelo contexto político e social no qual vivíamos. Estavam morrendo mais de 3 mil pessoas por dia por causa da pandemia de Covid-19 e por causa da forma como o regime genocida estava lidando com a pandemia.

Não havia previsão alguma de que nós tomaríamos vacina ainda neste ano. Depois a CPI no Congresso (e que já foi engavetada e não deu em nada) iria revelar que os milicianos no poder não adquiriram vacinas logo no início da pandemia porque havia uma máquina de corrupção e cobrança de propina no processo. Até aquele momento, 2/3 dos mortos por Covid-19 (300 mil brasileir@s mortos até março) morreram por causa do governo, mortes evitáveis.

Meus textos foram densos, mas servem de registro. Se os textos sobreviverem ao tempo, coisa muito difícil, alguém algum dia pode achar interessante os relatos de época contidos neles.

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O Brasil neste momento? Ixi... enchentes na Bahia causam uma tragédia humanitária neste momento. A pandemia de Covid-19 volta a ser risco de muitas mortes e sequelas porque novas ondas estão vindo por aí. Agora é a cepa Ômicron, junto com as outras que já existem, a Delta e as outras letras do alfabeto greto. Ainda temos uma pandemia de gripe que está internando muita gente, o vírus influenza tipo A cepa H3N2. Sintomas semelhantes ao da infecção por Covid. O miliciano no poder e sua gangue seguem em férias, curtindo a vida adoidado, roubando o erário público e nada acontece com a máfia, afinal de contas, ela está no poder porque a casa-grande quer. Vacinas tem, mas o povo cansou de usar máscaras e não quer mais seguir as recomendações da ciência e agora tudo voltou ao "normal" em termos de circulação e aglomeração... o vírus tá por aí, mas se as pessoas morrerem com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e outras consequências dos coronavírus e vírus influenza é porque foi Deus quem quis. 

William


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Marx e a religião



Refeição Cultural

"A luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola. [...] Consequentemente, a tarefa da história, depois que o outro mundo da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade deste mundo. A tarefa imediata da filosofia, que está a serviço da história, é desmascarar a autoalienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política" (Marx, 2005, p. 145-6. In: NETTO, 2020, p. 535-6, nota nº 48)


Certa vez, estava trabalhando no caixa do Banco do Brasil ao lado de uma colega. Nós dois estávamos atendendo a uma fila enorme de clientes e usuários. Durante o trabalho, a gente ia conversando à medida que o tempo passava. Não me lembro bem qual foi o início da conversa entre nós, mas sei que ela me falou alguma coisa sobre Deus e eu disse a ela que não acreditava em Deus, que era ateu. Pra que!?

Nunca vou me esquecer da cena. Ela me olhou com olhar fixo, paralisado, chocado, vocês sabem como um olhar diz muita coisa... Foi um momento de silêncio e espanto, boca semiaberta e após alguns segundos ela disse:

- Nossa! Eu achava você um cara tão legal!...

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Fui criado em um ambiente religioso, predominantemente católico como a maioria dos ambientes do Brasil dos anos setenta e oitenta do século vinte. Um catolicismo sincrético, lógico. Ao longo de quase três décadas de vida crente, indo às missas aos domingos, a família ia também a um centro de umbanda, e às vezes a sessões espíritas, e sempre éramos benzidos contra qualquer mal; Dona Nenzinha, por exemplo, sempre me tratou a espinhela caída, na infância lá em Uberlândia.

Relembro arrepiado e com lágrimas nos olhos momentos na infância e adolescência e até na fase adulta nos quais eu não sei se teria resistido e suportado se não tivesse me agarrado na fé que tinha para atravessar tantos momentos duríssimos que passei. Os trabalhos braçais, as injustiças que via no meu cotidiano, as diversas formas de sofrimento e miséria que permeiam a nossa vida. Sei que a fé teve o seu papel na minha vida.

Eu fui muito religioso na época em que cria em Deus, em santos e santas, e anjos e arcanjos e demônios, almas e espíritos. A religião me moldou como pessoa até a fase adulta. Com o passar do tempo, os dogmas e as contradições naturais das diversas formas de religião e fé passaram a não se encaixar mais na minha visão de mundo. O processo de crer e não crer em explicações místicas sobre a vida e o mundo foi se dando de forma natural, eu diria.

Agora começo a estudar um pouco sobre Karl Marx e o marxismo. Estou lendo a biografia de Marx feita pelo professor José Paulo Netto. Estou no começo da leitura.

Já passei dos cinquenta anos de idade. A leitura é a leitura de um homem brasileiro vivendo num país destruído por um golpe de Estado e governado por um regime genocida e corrupto colocado no poder pela elite do atraso brasileira, a casa-grande. É a leitura de um ateu que já foi religioso por décadas; é a leitura de um ex-dirigente sindical quando atuou na categoria bancária.

Eu não tenho vergonha de reconhecer minha ignorância em quase tudo na vida. Não sou acomodado. Gosto de estudar e o que não sei ainda é porque não pude conhecer. Confesso que não conheço Marx e o marxismo para me dizer marxista. Eu dizia isso quando era representante da classe trabalhadora. Eu tinha algumas referências sobre o tema porque a leitura básica havia feito, li algumas vezes o Manifesto do Partido Comunista, de 1848. E só.

O excerto acima, copiado da nota nº 48 do livro sobre a biografia de Marx, livro de José Paulo Netto, é uma preciosidade! É uma reflexão profunda de Karl Marx a respeito da religião. Eu me vejo nela nesses anos todos de minha vida.

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"A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma..."

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Os seres humanos são explorados e têm vidas miseráveis. Os seres humanos por serem racionais sabem e sentem a dura realidade da miséria e sabem inclusive que vamos todos morrer, talvez na dor e na miséria. A análise de Marx não é desrespeitosa de forma alguma. Não é.

Quando ouvia só o excerto que dizia que Marx dizia que "A religião é o ópio do povo." sem conhecer a reflexão inteira, me parecia algo agressivo contra a fé das pessoas. Eu sei que temos que respeitar a fé de cada um, assim como eu tive a minha fé religiosa durante quase trinta anos.

A reflexão de onde sai a religião como "ópio do povo" tem uma lógica que avalia a miséria da imensa maioria das pessoas sob o jugo de algum explorador ou manipulador local.

É isso. É isso. Tenho respeito pelo momento de cada pessoa, pela forma que cada um tem de dar sentido ao seu viver, e sigo buscando sentidos, procurando saber e compreender o que ainda não sei e não compreendo. 

Andei, andei, andei e ainda vejo sentido no refrão da música do U2 que diz "I Still Haven't Found What I'm Looking For". Por ironia da vida, tenho há décadas essa música como um tema de minha vida... pura ironia da Providência... talvez.

William


Post Scriptum: e pra finalizar o post, tentando me concentrar na releitura por causa dos barulhos ao redor, coloquei a música "One Of Us", de Joan Osborne, outra música gospel... rsrs.


Bibliografia:

NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. 1ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2020.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

42. As aventuras de Robinson Crusoé - Daniel Defoe



Refeição Cultural - Cem clássicos

Concluída a leitura de Robinson Crusoé. Mais um clássico da literatura mundial lido e incluído em meus conhecimentos literários.

Encerro este ano de leituras literárias com algumas realizações importantes em meu percurso de leitor. Agora conheço dois clássicos que por muito tempo me incomodou muito o desconhecimento de ambos: Moby Dick e Robinson Crusoé. Dois livrões enormes!

Uma postagem como essa contém algum tipo de spoiler. Então, caso alguém não queira saber sobre a obra porque vá ler o romance, é melhor não ler a postagem.

ROBINSON CRUSOÉ

Li o clássico de Daniel Defoe entre os dias 11 de novembro e hoje, 27 de dezembro. O livro foi publicado em 1719. Achei que a estória não acabaria nunca mais depois da metade do livro. Aquilo que imaginava a respeito do romance - um náufrago perdido numa ilha deserta - foi até a metade da história do personagem. Agora sei o quanto foram longas as aventuras de Crusoé.

Antes de mais nada, é necessário registrar sempre minha admiração por alguém conseguir escrever um romance e publicá-lo séculos atrás. As dificuldades de sobrevivência do próprio escritor, de confecção de textos literários ou filosóficos, de publicação dos textos e ideias do escritor são coisas quase inimagináveis para um cidadão do mundo no século XXI. E não quero dizer com isso que não existam dificuldades hoje para se produzir e publicar um livro.

O livro é dividido em 36 capítulos. A técnica narrativa é no formato de diários e memórias do personagem principal, Robinson Crusoé, um cidadão inglês dos séculos XVII e XVIII. Ao longo das narrativas, Crusoé fala com o leitor, antecipa que vai contar tal coisa mais pra frente e deixa claro que narra de forma cronológica as aventuras.

Entre os capítulos I e XVIII conhecemos as desventuras de Crusoé, que deixa a casa de seus pais de classe média para se aventurar pelos mares do mundo. Crusoé atribui à Providência tudo que lhe ocorre, tanto de bom quanto de ruim. Naufraga algumas vezes, até que se vê sozinho numa ilha na região do Caribe. 

Depois de muitos anos sozinho, passa a conviver com um nativo local, ao qual lhe dá o nome de Sexta-Feira. Aos poucos vão aparecendo mais personagens em "sua" ilha.

Na outra metade do livro, do capítulo XIX ao XXXVI, Crusoé nos conta sobre suas aventuras ao redor do mundo. O inglês foi para Madagascar, para o Oriente e para a Ásia. Visitou a China, a Rússia, Camboja e vários lugares do mundo até os 72 anos de idade.

A obra toda foi marcada por um ponto de vista religioso, o olhar de um protestante. Uma visão cultural de superioridade de determinada crença religiosa, o cristianismo, em relação às demais formas de mitos e crenças de diversos povos do mundo.

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"Imaginava eu durante a viagem que ao passo que nos avizinhássemos da Europa, encontraríamos povos mais civilizados e regiões mais povoadas. Não sucedeu como eu julgava. Passamos ainda pela região dos tártaros tongues, onde vimos os mesmos vestígios de paganismo grosseiro, em algumas partes talvez mais pronunciado do que o outro que nos causou tanta náusea. Diferenciam-se apenas dos mongóis em ser menos insolentes e perigosos; mas em compensação não cedem a nenhum outro povo bárbaro do mundo na grosseria das maneiras, na idolatria e no número das suas divindades, que é prodigioso..." (p. 507)

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LUGAR DE FALA - Uma característica marcante no romance e no personagem é o lugar de fala deles: Crusoé (e eu diria seu autor) é um homem branco inglês, protestante, oriundo de um país colonizador na época das grandes navegações e descobrimentos de novas terras no mundo por parte dos europeus. 

Sim, é uma obra de ficção, mas quem disse que obras ficcionais não têm lugar de fala, ou do autor, ou da personagem, ou da época, do contexto, do lugar de origem etc. Robinson Crusoé é um romance inglês do início do século XVIII.

O leitor vai lendo o romance e conforme sua formação intelectual e política vai tomando birra do personagem, o náufrago inglês. Robinson Crusoé se acha representante do melhor e mais evoluído povo do mundo. São melhores que tudo e que todos, o mundo para além da Inglaterra é lixo pra ele (eles).

Sexta-Feira, o nativo, nunca foi mais que um mero serviçal, escravo de Crusoé. As aventuras vão ocorrendo e o cara se vê na China falando mal dos chineses e falando que as muralhas da China são uma merda. Depois ele vai falar a mesma coisa do povo russo, tudo gente bárbara pra ele. Durante seus acessos de arrogância e intolerância, destrói ídolos religiosos de outros povos, e a justificativa é que a abstração religiosa do povo dele - a fé cristã - é a verdadeira (!?).

Em termos de construção narrativa e de conteúdo histórico gostei bem mais de Moby Dick, do norte-americano Melville. Ele traz mais curiosidades históricas do que o romance de Defoe. 

Os dois romances são enormes, envolvem aventuras pelos mares do mundo e são bem diretos ao demonstrarem como nós humanos lidávamos (e lidamos) com a natureza (nós, os bárbaros): somos uns destruidores de tudo. Nesse sentido, a leitura vale muito a pena.

As aventuras de Robinson Crusoé não foi uma leitura prazerosa. Mesmo assim, valeu a leitura do romance. Vamos adiante lendo e conhecendo os clássicos.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

sábado, 25 de dezembro de 2021

Lugar de fala (e Feliz Natal)



Refeição Cultural

Osasco, 25 de dezembro de 2021.


Nunca é tarde para aprendermos alguma coisa. Ouvi uma entrevista de Guilherme Terreri, mais conhecido por Rita Von Hunty, do canal Tempero Drag, entrevista ao portal Phenno, falando a respeito do conceito de "lugar de fala" e percebi que eu não sabia o que significava corretamente o conceito. Sugiro que as pessoas que queiram ouvir as explicações a respeito do tema ouçam o vídeo na internet. É fácil localizar.

Sou um homem branco, tenho mais de cinquenta anos, tenho remuneração mensal certa e moradia própria. Avalio que sou heterossexual e sou ateu. Será que poderia ou deveria falar sobre racismo, pessoas LGBTQIA+, feminismo, xenofobia, religião e fé, movimento das pessoas sem teto ou sem terra ou qualquer outra questão que envolva grupos e segmentos humanos?

Pelo que Rita Von Hunty (Guilherme Terreri) explicou aos ouvintes da entrevista, posso e devo me manifestar sim sobre essas questões e todas as demais questões, até porque todas as pessoas são livres para se manifestarem sobre o que bem entenderem. 

Ficar atento ao lugar de fala é algo importante para os ouvintes de determinado discurso para saberem identificar de onde vem aquele discurso. É uma lupa que ajuda e ver o lugar daquela fala. A fala não é neutra, nenhuma fala é neutra, ela tem "sexo, gênero, raça, cor, classe social...". Essa explicação de Rita Von Hunty é fundamental.

E seria danoso avaliarmos que só mulheres podem falar sobre questões das mulheres, que só negros podem falar sobre as questões das pessoas negras etc. Uma das justificativas para se deixar essas temáticas em bolhas é dizer que só quem vive a questão pode falar sobre ela... Já pensou se só suicidas pudessem falar sobre a questão do suicídio?

Não vou tentar resumir o que Rita Von Hunty nos explica com toda aquela didática e conhecimento que já conhecemos. Na entrevista, nos é explicado de forma simples que o importante no lugar de fala é sabermos se o lugar do discurso da pessoa traz estudo e conhecimento também, além de costumes, preconceitos, mitos, crenças etc. 

Os exemplos que Rita nos dá são excelentes para esclarecer o conceito. O falecido Clodovil, conservador de direita, seria nossa referência para falar sobre LGBTQIA+? Aquele sujeito bolsonarista inominável na Fundação Palmares seria nossa referência para falar das causas dos negros e negras do Brasil? 

Profissionais de saúde que estudam e trabalham com a questão do suicídio podem e devem falar sobre o tema, por exemplo. Um homem branco que estuda e milita nas causas contra a discriminação e o racismo pode e deve falar sobre o tema. O mesmo serve para qualquer questão de orientação sexual, gênero, raça, religião, xenofobia, desigualdade social etc. Aliás, uma das discussões atuais é que não basta não ser racista, é necessário ser antirracista.

Como eu não poderia falar e ou me engajar em qualquer das grandes causas que os movimentos sociais e de esquerda defendem no cotidiano das lutas se eu passei boa parte da minha vida nessas lutas?

E mais: como eu não poderia falar e opinar sobre religião e fé sendo que passei décadas de minha vida estudando a religião católica, o cristianismo, frequentei ativamente umbanda e candomblé, estudei livros sobre espiritismo, li sobre budismo etc? Posso e devo sim, se eu achar conveniente, me expressar a respeito das religiões e das crenças e fé das pessoas e da não crença em deus algum.

Enfim, obrigado Rita Von Hunty pelo esclarecimento e por compartilhar conosco esses conhecimentos que você nos traz porque estuda, porque milita nas causas, porque atua na educação e na construção de uma sociedade mais justa, igualitária, inclusiva e diversa.

Presente de Natal (rsrs) ganhei da Rita com um novo conhecimento. Natal que significa para o cristianismo o nascimento de Cristo, mas que nas culturas diversas dos últimos vinte séculos significa momentos de confraternização com pessoas que amamos, momento de reflexão sobre a vida, as vidas, solidariedade etc. Viva o Natal! Feliz Natal a todas as pessoas!

(Não é porque sou ateu que não posso desejar feliz Natal para as pessoas que conhecemos e gostamos e até para aquelas que não conhecemos. Eu desejo amor, fraternidade, paz, igualdade, distribuição de renda, tolerância à alteridade, o perdão, oportunidades para todos etc todos os dias de minha breve existência como ser humano)

Feliz Natal!

William


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé, 30 capítulos lidos




Refeição Cultural

"Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
" ("Infância", C.D.A.)


(Contém spoiler)

Ufa! Ô vida longa essa do Robinson Crusoé! O cara passou vinte e oito anos na ilha onde naufragou. Sua história na ilha foi até a metade do livro. Agora sei que As aventuras de Robinson Crusoé vão muito além dos anos que passou na ilha.

O personagem já é um sexagenário e não perdeu seu espírito irrequieto, que não consegue ficar quieto em lugar nenhum e quando acha que vai parar em algum lugar, algo o chama para partir.

Depois de visitar sua ilha por quase um mês, saiu pelos mares do mundo de novo. Lá na ilha, alguns capítulos de seu diário trataram dos arranjos que fez para deixar todo mundo arrebanhado pela religião cristã, parte "papista" (ou seja, católicos) e parte protestante.

Andando a bordo de navio cujo capitão é um sobrinho, viajou para mares distantes e na ilha de Madagascar a tripulação se pôs em guerra com os nativos e a diferença de tecnologia armamentista a favor dos europeus foi responsável por um massacre local.

Crusoé passou um tempão acusando a tripulação de assassina e com isso foi expulso e deixado em terras distantes. As aventuras seguiram e o inglês se tornou grande comerciante naquela região do mundo.

Ufa! O cara é sexagenário e suas aventuras são de alguém no auge do vigor adulto.

Faltam 6 capítulos. 

Daqui um pouquinho terei preenchido mais uma lacuna cultural e saberei da história de Robinson Crusoé, aquela que o Eu-Lírico de Drummond cita no poema "Infância".

Sigo lendo os clássicos. Sempre lembrando de Italo Calvino: é melhor ler que não ler os clássicos.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

211221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Ontem li mais um capítulo do clássico de Daniel Defoe - As aventuras de Robinson Crusoé (1719). Gostaria de terminar a leitura do livro ainda este ano, mas não será fácil. Faltam dez capítulos.

RELIGIÕES

O capítulo XXVI tem uma longa abordagem sobre religião, apontando divergências e convergências entre a religião católica e a religião protestante, a católica dos personagens espanhóis e do padre francês que acompanha Crusoé em uma visita a sua ilha e a protestante dos ingleses.

A convergência de ambas seria a fé cristã, como descreve o padre católico que acompanha Crusoé:

"Embora não professemos a mesma religião, estou todavia seguro de que nós, como cristãos que somos, teríamos o maior prazer em ver as pobres escravas do demônio instruídas nos preceitos do cristianismo, na crença do Redentor, na Ressurreição, na vida eterna e no Juízo final, dogmas estes sobre que não há divergências de doutrina." (p. 373)

A divergência seria a própria estrutura de poder e hierarquia da igreja católica frente ao modelo protestante.

"Na minha qualidade de católico, conheço suficientemente a diferença radical que há entre um protestante e um pagão, entre aquele que invoca o nome de Jesus, embora de uma forma que julgo não ser de acordo com a verdadeira fé, e um bárbaro ou selvagem, que desconhece por completo Deus e o seu Cristo, Redentor da humanidade. Se os protestantes não estão dentro dos umbrais da igreja, pelo menos estão mais perto do que aqueles que nunca ouviram falar dela..." (p. 386)

Enquanto lia, refletia e me lembrava de uma vida longa que tive acreditando nessas abstrações da mente e cultura humanas: o meu ambiente de criação foi o católico apostólico romano. Essas criações dos seres humanos são muito poderosas, tenho plena clareza a respeito disso. E tenho plena compreensão da necessidade humana de encontrar pontos de apoio e suporte para significar a vida e suportar as dificuldades existenciais percebidas pelo animal humano.

Cada pessoa e cada sociedade tem sua cultura e seu momento na busca de consciência e compreensão da vida na Terra.

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KARL MARX

Li mais um pouco do primeiro capítulo do livro de José Paulo Netto sobre a vida de Karl Marx. Muito interessante a forma leve com que Netto nos conta a respeito do grande pensador Marx.

O capítulo I. ADEUS À MISÉRIA ALEMÃ (1818-1843) nos conta o ambiente onde a família de Marx viveu.

Na parte que fala de sua adolescência, crescimento e conclusão de sua educação fundamental - "Os primeiros anos: 1818-1835" - gostei muito de um trecho de um de seus trabalhos de conclusão de curso, um texto com o título "Reflexão de um jovem em face da escolha de uma profissão".

"Se [o homem] trabalha apenas para si mesmo, poderá talvez tornar-se um célebre erudito, um grande sábio ou um excelente poeta, mas nunca será um homem completo, verdadeiramente grande [...]. Se escolhermos uma profissão em que possamos trabalhar ao máximo pela humanidade [...] não fruiremos uma alegria pobre, limitada, egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões [de pessoas]. (NETTO, 2020, p. 42)

Que coisa linda! Um jovem de 17 anos!

Demais!

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Na parte "Dois semestres de boêmia: Bonn, 1835-1836" o leitor fica sabendo das loucuras do jovem estudante Marx, loucuras muito semelhantes às dos jovens estudantes de hoje e de sempre.

O rapaz não faltava a um rolê regado a bebida e tabaco. A faculdade tinha os grupos de afinidades dos filhos dos ricos e os dos não ricos, onde se situava Marx. Ele chegou a duelar com sabre com um rapaz e por pouco não deu merda. Feriu-se apenas acima do olho esquerdo.

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Na parte seguinte - "Os anos de Berlim: de 1836-1837 a meados de 1841) - que estou lendo ainda, já soube da paixão entre Marx e Jenny, mais velha que ele 4 anos. Ao ler sobre o amor e a vida que tiveram juntos, me lembrei de Machado de Assis e sua companheira de toda a vida, Carolina Augusta Xavier de Novais. Marx sentiu muito a morte da esposa em 1882. Machado idem, a morte da esposa em 1904 abalou muito o nosso escritor.

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Enfim, paro por aqui minhas reflexões e registros após meus estudos.

Seguimos em busca de conhecimento, em busca de consciência de classe e na expectativa de contribuir de alguma forma para o fim do regime capitalista e pela construção de um mundo melhor para a humanidade e para o planeta Terra.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. 1ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2020.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

201221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 20 de dezembro de 2021. Segunda-feira.


Comecei a ler uma biografia de Karl Marx, a biografia escrita por José Paulo Netto. Se não for entusiasmo passageiro, pretendo ler e estudar Marx e o marxismo e me tornar um conhecedor das ideias e estudos de Karl Marx. Se for fogo de palha, logo logo o livro e a necessidade de estudar o marxismo ficarão pelos cantos do meu mundo onde ficam as coisas começadas e não terminadas.

Li cerca de 40 páginas do livro sobre Marx. Muito interessante o que já li. O autor nos conta sobre a Alemanha do início do século XIX, a Alemanha onde nasceu Karl Marx em 1818. O que hoje conhecemos como Alemanha é bem diferente do que ela era naquela época. E a Alemanha estava numa condição muito diferente da Inglaterra, França e países baixos, em relação ao contexto econômico, social e político. Enfim, vamos estudar sem pressa, repito, sem pressa, Marx e o marxismo.

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RETROSPECTIVA E MEMÓRIAS

Estou revendo meus escritos e minhas realizações no ano de 2021. A base de minha retrospectiva pessoal é o que escrevo e registro nos blogs que mantenho. Já fiz uma postagem com uma breve retrospectiva de minha participação política nas lutas sociais deste ano (ver aqui).

A retrospectiva que vai dar bastante trabalho é a da revisão dos textos no blog Refeitório Cultural. Ao tempo em que releio o que escrevi, corrijo e melhoro a redação, vou contando quantos livros li neste ano, relembro momentos vividos, e vou imprimindo para encadernar a produção textual do ano. Neste ano a produção foi grande, voltei a escrever intensamente como fiz em 2016, o ano do golpe de Estado no Brasil.

Ao revisar as 22 postagens de janeiro, vi que li ou terminei a leitura de 3 livros naquele mês, leituras diversificadas porque li em português e espanhol: li Julio Cortázar, conheci as poesias de Bertolt Brecht, e li José J. Veiga. 

Naquele mês alimentava ainda o sonho de correr uma maratona, estava correndo longões muito bons, na casa dos 15K. Pensei em escrever narrativas curtas, cheguei a fazer três textos ficcionais, mas depois voltei aos gêneros discursivos aos quais estou mais acostumado.

Vai dar trabalho essa retrospectiva cultural porque são quase 300 postagens neste ano. Mas ler e reler e me ver nelas é parte do processo de me fazer e de me burilar. Sigamos.

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CLÁSSICOS

Estou em algumas trilhas de leituras que vão demorar a serem percorridas, mas isso é bom. Nas poesias, estou para ler as completas de Drummond e Cecília Meireles. São centenas e centenas de poesias feitas em décadas. Mas não tenho pressa, vou lendo. 

Ainda tenho programados nessas veredas da linguagem poética os livros a Ilíada, a Eneida, a Divina Comédia e depois vou reler Os Lusíadas. Por fim, Mensagem, de Fernando Pessoa. É coisa pra cacete! 

No entanto, se eu for sobrevivendo a esse mundo e a essa vida instável... seguirei lendo, estudando, tentando ser menos ignorante.

Após terminar a leitura de Crusoé, tenho trilhas enormes a percorrer em relação aos romances. O livro seguinte é o clássico de Jonathan Swift, Gulliver. Mas a sequência é enorme...

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Marx e outras leituras biográficas, políticas e filosóficas, romances clássicos, poesias, muita coisa pra estudar e escrever comentários até como forma de memorizar e apreender o que se leu e estudou. O blog tem esse papel.

O outro blog, A Categoria Bancária, é uma outra relação de amor. É uma vida dedicada às lutas políticas, sociais, sindicais. Dá um trabalho talvez maior ainda reler, corrigir, diagramar etc. É história, história minha e de nós todos. Ao revisar e reler, estou escrevendo memórias. Vou tentar seguir essa vereda também.

William


domingo, 19 de dezembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (VIII) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

(contém spoiler)

Avancei na leitura de Robinson Crusoé desde a última postagem no blog (ler aqui). Daquele dia até hoje li dos capítulos XIX ao XXV. A história teve mudanças importantes de onde havia parado na semana passada. Quando terminou o capítulo XVIII, Crusoé havia ajudado o capitão de um navio inglês a se livrar de rebeldes que se insubordinaram e lhe tomaram o navio.

A história de Crusoé toma outro rumo. Após 28 anos, 2 meses e 19 dias na ilha, o náufrago inglês vai embora, levando consigo seu escravo e serviçal Sexta-Feira. Como eu não conhecia o clássico, me surpreendi pelo fato de o livro não acabar aí. Imaginem vocês que o livrão enorme está na metade...

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Nos capítulos XIX e XX Crusoé vai para a Inglaterra, descobre que quase todos os seus parentes já faleceram. Vai a Lisboa resolver questões relativas a suas propriedades e bens no Brasil. Volta para a Inglaterra por via terrestre a maior parte do tempo e enfrenta grandes alcateias de lobos nas montanhas geladas. Casa-se e constitui família, tendo três filhos.

A característica inglesa do homem branco de tratar como coisas outros povos e mulheres segue impecável:

"(...) e eu resolvi aumentar a minha criadagem com um marinheiro inglês para me servir de lacaio durante a jornada, atendendo a que Sexta-Feira não era suficiente para o meu serviço, em países de que apenas tinha uma leve ideia." (p. 260)

Com a morte da esposa, decide viajar novamente e visitar sua ilha. Crusoé estava com 62 anos em 1694.

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Nos capítulos XXI e XXII Crusoé volta aos mares. Salva tripulação de navio avariado e aporta em sua ilha.

TÉCNICA NARRATIVA:

"Creio que vale a pena narrar a história da sua chegada e permanência na ilha, tão cortada foi de incidentes de todo gênero, os quais têm ligações com outros fatos já por mim relatados. Por isso vou descrevê-la aqui com as particularidades que julgar mais interessantes, consoante me ocorrerem à memória, e em narração seguida, para não perturbar a cabeça dos leitores com os 'disse eu, replicou ele, perguntei eu, respondeu ele', que servem somente para tornar a dicção fastidiosa." (p. 304)

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Nos capítulos XXIII, XXIV e XXV, soubemos dos eventos ocorridos na ilha durante a ausência de Robinson Crusoé. Conhecemos os desentendimentos entre seus "súditos" espanhóis e ingleses, os confrontos com tribos canibais que invadiram a ilha algumas vezes, o povoamento da "colônia" etc.

Em uma das aventuras na ilha, três dos ingleses que só arrumavam confusão com os demais, foram embora e depois voltaram com nativos escravizados, tendo entre eles 5 índias. Elas foram divididas entre os ingleses. O tratamento delas foi o de sempre: coisas. 

O capítulo XXV termina com a vitória dos colonos após grande batalha com centenas de canibais. O narrador nos conta sobre a colonização que vai se fazendo na ilha por conta das mulheres índias que passaram a conviver com os colonos ingleses.

"A mais velha dessas crianças tinha seis anos de idade, na época da minha visita à ilha; e havia sete anos que os ingleses tinham para lá levado as mulheres. Foram todas fecundas, umas mais que as outras; a que coube ao segundo-cozinheiro estava grávida pela sexta vez. Eram meigas, modestas e laboriosas, sempre prontas a auxiliar as companheiras, e de obediência rara aos seus senhores, aos quais só impropriamente posso chamar maridos. Faltava-lhes apenas a educação no cristianismo e o casamento legítimo; o que afinal obtiveram, por minha intervenção, ou pelo menos como consequência da visita aos meus antigos domínios." (p. 357)

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COMENTÁRIO FINAL

Esse final de capítulo na ficção de Daniel Defoe foi realidade ao longo de séculos de invasão e colonização nas Américas e nas demais terras que foram sendo alcançadas pelos europeus.

É isso. Aos poucos vou avançando para o final da história de Robinson Crusoé, que não conhecia, apesar de seus 300 anos de existência na cultura ocidental.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.


sábado, 18 de dezembro de 2021

Retrospectiva política 2021


#29M na Paulista.

Em 2021 estive em algumas atividades populares que pautaram as grandes questões políticas do Brasil. A pandemia mundial de Covid-19 e a falta de vacinas no país por causa da estratégia do regime genocida de não seguir as recomendações mundiais de combate e prevenção ao vírus dificultaram as atividades de mobilização, mas aos poucos os movimentos de esquerda foram organizando atos país afora.

#29M

#29M com Deise.

O ato do dia #29M foi o primeiro que participei em 2021. O receio de contrair o vírus era real, pois grande parte de nós não estava vacinada ainda. Não consegui ficar em casa. Meu coração falou mais alto e fui ao evento me somar ao povo nas ruas.

#19J

#19J com Sandra e Carlão.


Escrevi no dia nas redes sociais - Novamente, meu coração martelou forte me dizendo que era preciso estar nas ruas com o povo lutando pelo fim desse regime genocida e pelo resgate dos direitos do povo. Sei que o risco é grande, mas me somei ao povo nas ruas. Temos que libertar o Brasil e o povo desses manipuladores canalhas. São 500 mil mortos sob responsabilidade desse regime. Só com milhões de pessoas nas ruas vamos mudar a situação e frear essa minoria violenta e armada contra o povo. Lutar pela vida de tod@s!

#3J

#3J com Toninho, Sílvia, Rodrigo e uma
companheira que não sei o nome.


Julho - Cheguei à Paulista pouco depois das 15 horas, horário definido para o ato #ForaBolsonaro. Mais uma vez, foi encantador ver a quantidade enorme de jovens ocupando os espaços públicos de lutas. Além dos jovens, foi bom voltar a ver os movimentos organizados. Foi bom demais ver as gerações que tanto lutaram antes de nós e nos legaram direitos que estão ameaçados ou sendo retirados. A Paulista estava lotada! No fim da noite, as matérias apontavam que aquela foi a maior das 3 manifestações na Paulista: a de #29M, a de #19J e a #3J.

#24J

#24J com Roseli.


No dia da manifestação, postei avaliação do dia de luta e encontrei pessoas conhecidas: "Encontrei companheiros e companheiras de lutas mais uma vez, coisa que não é fácil por causa da multidão e por causa das máscaras de proteção contra a Covid-19. Encontrei a companheira Roseli, grande lutadora da área da educação e companheir@s dos bancários, Deise Recoaro e Edvaldo, da Caixa. Conversamos bastante sobre a organização do movimento sindical, estratégias de lutas nos bancos públicos BB e Caixa Federal, dentre outras questões."

#2Out

#2Out com militância de luta, entre ela amig@s
dos tempos de Contraf-CUT: Alice, Plínio, Coelho e Dulce.


A Av. Paulista estava lotada de pessoas que fazem a gente acreditar que a vida no planeta ainda pode ter uma chance. Parte do povo brasileiro esteve nas ruas do país por isso: em defesa de pautas progressistas, solidárias e em defesa das coisas públicas, pautas de esquerda e por um mundo coletivo melhor.

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2022, 2023...

Minha participação política nas lutas sociais tem sido modesta desde que deixei de ser dirigente sindical e representante da classe trabalhadora em 2018. 

Em 2021 participei desses eventos de rua chamados por grupos e organizações sociais e participei de alguns fóruns e debates do movimento sindical e da comunidade Banco do Brasil. 

Registro o que sempre disse e repito: nunca fui de me oferecer a cargos e funções (não acho isso errado), nunca me coloquei candidato e me convidei a nada no movimento social estudantil e sindical, minha participação nas estruturas de poder popular sempre se deram por convite e não por me colocar candidato. Contribuí com a luta organizada enquanto acharam interessante. Isso é normal.

Ao longo do ano fui convidado a falar para algumas diretorias de sindicatos e militância bancária a respeito de questões inerentes à Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi. Como fui gestor eleito da associação, acumulei algum conhecimento técnico e político a respeito da autogestão.

Nos últimos dias do ano fui surpreendido mais uma vez por não ter participado dos fóruns de base que debateram projetos e perspectivas de lutas para 2022 nas duas caixas - de assistência à saúde e previdência - às quais participo na comunidade Banco do Brasil como associado e beneficiário - a Cassi e a Previ. 

Política é assim mesmo, conheço por dentro essas questões de "esquecimento", exclusão e cancelamento de lideranças por certos grupos no poder momentâneo. Às vezes incomodamos demais (rsrs)! Fico na torcida pelo bom êxito de nosso lado da classe. Alguns mais velhos no movimento sempre nos alertam que o movimento é assim mesmo, não há gratidão nem reconhecimento de nada, tudo é momento e o poder se define com quem está no poder.

Se for para registrar um parágrafo sobre o que penso de 2022 no campo político da luta de classes, diria que não compartilho do otimismo que meu lado da classe deposita numa suposta democracia em funcionamento com uma eventual eleição de Lula à presidência. Francamente, na minha opinião, dessa vez estão enganados: não haverá conciliação de classes como a CUT e o PT fizeram nos últimos 40 anos - de forma acertada, na minha modesta opinião (pois nunca vi por aqui perfil algum de revolução popular). No entanto, os tempos são outros e as técnicas de golpes e lawfare vieram pra ficar. As conciliações duradouras acabaram. 

Sem eventos disruptivos (construídos ou por acaso) que interrompam os efeitos do golpe de Estado em 2016 e a ascensão do regime político que assumiu as instituições do Brasil durante esse período de Temer e Bolsonaro e seus comparsas nos 3 (três) poderes, falo da dominação total dos espaços de poder nacional tomados por uma canalha da casa-grande e do imperialismo estadunidense, nada mudará em 2022, 2023 e talvez nunca mais.

Não é o que parece acreditar grande parte das lideranças do PT, da CUT e do Novo Sindicalismo nascido no final dos anos oitenta. A aposta é numa nova conciliação com essa canalha que nos colocou nessa desgraça na qual afundamos em 2016. Temerário demais! Somos apenas mortais. Mas desejo sucesso nessas frentes amplíssimas com nossos inimigos de classe. Sucesso que só se realizará se trouxer benefícios para os 99% do povo à margem dos direitos da cidadania neste momento.

William

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

151221 -- Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 15 de dezembro do ano de 2021.


Está acabando mais um ano de acordo com os calendários de referência. Na verdade, eu diria que não vai acabar nada no dia 31 de dezembro e nada novo vai começar no dia seguinte. Vivemos no Brasil o mesmo ano de 2016, desde que mais um golpe de Estado foi efetivado contra o povo brasileiro, o povo pobre, o povo da classe trabalhadora, o povo preto pardo ou descendente de escravos ou povos originários de nossas terras. Seguimos e me parece que seguiremos em 2016 por um longo tempo ainda, maior do que os dias corridos do calendário de 2022. Eu não compartilho do otimismo esperançoso de meus pares da classe que veem mudanças no Brasil porque o homem Lula está disparado nas pesquisas eleitorais neste momento da história. Acho de uma inocência quase infantil acharem que os golpistas nos deixarão retomar por conciliação e sem violência o caminho das lentas mudanças que vínhamos fazendo em favor do povo antes do golpe. Meus pares ainda acreditam em conciliação de classes, entre nós e o 1%. Ou não aprenderam nada com a história recente ou preferem o conforto do autoengano. O tempo é um marco. As pessoas preferem olhar o tempo de suas vidas ao invés do tempo histórico de nossa classe. (Se olharmos qualquer notícia sobre a política sob o governo Bolsonaro, veremos que cada milímetro de espaço das instituições do Estado nacional está sendo ocupado pela canalha toda da mesma forma que fizeram os regimes de Hitler, Mussolini, Stalin, Salazar, Franco etc. Não vamos nos livrar do regime bolsonarista dos golpistas retirando Bolsonaro do poder formal)

Estou lendo um livro clássico que estava nos meus objetivos de leitura: As aventuras de Robinson Crusoé (1719), do inglês Daniel Defoe. Que dureza! Não estou gostando do romance, e não vou deixá-lo pela metade, vou ler até o fim. Mas vai ser foda acabar a leitura. Que personagem símbolo dessa merda toda que o mundo humano está vivendo nesse momento da história! Trezentos anos depois da publicação do romance de Defoe, nada mudou! A mentalidade do homem branco do Norte é a mentalidade que vigora destruindo o mundo todo. Crusoé é a representação do imperialismo, do racismo, da xenofobia, o personagem é a cara dos brancos que dominaram o mundo nos últimos séculos e que neste momento não se importam em acabar com a vida e o planeta. Eu não sei por que tomei tanta birra do personagem arrogante, sendo que conheço outros do mesmo tipo, personagens são personagens, ficção é ficção, eu sei disso. Brás Cubas, por exemplo, nos dá muito nojo porque ele é a representação da burguesia tacanha do país, mas sei que o romance é uma crítica e a técnica machadiana é a ironia feroz. Não acho que esse seja o caso do romance e do personagem do inglês Daniel Defoe. Mas vou até o fim na leitura. Estou me arrastando pelas páginas. Cada página me dá mais cansaço, e ainda faltam 200 páginas... 

Registro feito. Muitas coisas aconteceram e seguem acontecendo na vida pessoal. Mas tenho que parar de escrever a respeito disso. Isso não deveria interessar a ninguém. (seria uma contradição escrever diários sem falar de coisas pessoais? É. Mas o animal humano é contradição pura)

William


domingo, 12 de dezembro de 2021

José (1942) - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
" ("José", p. 129)


Aproveitei o cansaço que sentia ao acordar neste domingo para ler um pequeno livro de poesias de Carlos Drummond de Andrade: José (1942). São 12 poemas. Mas não são quaisquer 12 poemas... a começar pelo poema "José", que nos deixa sem saber o que responder até hoje!

"você marcha, José!
José, para onde?
" (p. 131)

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O primeiro poema - "A Bruxa" parece ter sido feito pra mim, hoje. Poderia ser o Eu-Lírico.

"A BRUXA

Nesta cidade do Rio, 
de dois milhões de habitantes, 
estou sozinho no quarto 
estou sozinho na América.

(...)

Mas se tento comunicar-me,
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
" (p. 113/14)

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O segundo poema é demais - "O Boi", parece feito pra nós, hoje. Enquanto lia e relia ficava vendo as pessoas em situação de rua, a miséria do povo sem terra e sem teto, sem emprego e sem direitos sociais, as casas vazias de bilionários da especulação imobiliária.

"O BOI

Ó solidão do boi no campo,
ó solidão do homem na rua!
Entre carros, trens, telefones,
entre gritos, o ermo profundo.

Ó solidão do boi no campo,
ó milhões sofrendo sem praga!
Se há noite ou sol, é indiferente,
a escuridão rompe com o dia.

Ó solidão do boi no campo,
homens torcendo-se calados!
A cidade é inexplicável
e as casas não têm sentido algum.

Ó solidão do boi no campo!
O navio-fantasma passa
em silêncio na rua cheia.
Se uma tempestade de amor caísse!
As mãos unidas, a vida salva...
Mas o tempo é firme. O boi é só.
No campo imenso a torre de petróleo.
" (p. 114/15)

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O poema "O Lutador" é maravilhoso! Talvez ainda escreva na vã esperança de lutar com palavras. Nesse momento não tenho acreditado nelas, mas tenho que me esforçar e acreditar nas palavras.

"O LUTADOR

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.

(...)

Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue...
Entretanto, luto.
" (p. 121/22)

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CONHECENDO DRUMMOND

Passei anos conhecendo poucos poemas de nosso poeta modernista C.D.A., basicamente os poemas dos três primeiros livros dele - Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934) e Sentimento do Mundo (1940). Ano passado, nas leituras durante a pandemia mundial de Covid-19, li o livro A Rosa do Povo (1945). E só. É o que conheço até agora. 

Tenho em casa a obra completa de poesia de Drummond. São 23 livros. Resolvi expandir meu conhecimento em relação à produção poética de nosso poeta maior. Com a leitura do livro José (1942), conheço agora 5 livros. São 170 poemas reunidos nesses livros.

É isso. Estou fazendo o mesmo com a obra poética de Cecília Meireles.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião: 23 livros de poesia - volume 1. 3ª edição - Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.


Bebida alcoólica é uma droga!



Refeição Cultural

Fico tão triste quando vejo pessoas que amo alcoolizadas! A palavra usada pela sociedade para a condição é "bêbadas". Na verdade, pessoas alcoolizadas estão drogadas, ou seja, com seu estado alterado pela ingestão ou contato com algum componente químico.

Fico triste porque as pessoas estão bebendo muito, as pessoas estão se destruindo no álcool. As pessoas estão se expondo à condição de perda da consciência ou razão durante o tempo em que estão alcoolizadas e ficam vulneráveis num mundo duro, violento, ruim. Isso é muito triste!

As bebidas alcoólicas fazem parte da história das sociedades humanas desde sempre, sociedades antigas ou primitivas, sociedades dos dias atuais. As pessoas bebem pra comemorar, pra esquecer, pra tomarem coragem, pra relaxar, pra se excitar, as pessoas bebem por qualquer motivo.

Quem não perdeu uma ou mais pessoas queridas para as drogas? Para o álcool? Quem? As pessoas queridas que bebem em excesso se vão, morrem em decorrência de algum ato durante a bebedeira - atos impensados, estimulados ou que não ocorreriam sem o efeito do álcool -; morrem em decorrência da falência de alguma parte do corpo por efeito da ingestão do álcool.

As pessoas morrem porque outras pessoas beberam e as mataram.

Eu fui um bêbado durante muitos anos em minha vida. Comecei a tomar bebida alcoólica desde uns doze ou treze anos naquele mundo miserável e violento onde cresci no Bairro Marta Helena, em Uberlândia. Como a maior parte das pessoas, continuei bebendo durante as graduações escolares, quando estava com ódio, triste, feliz, sempre, com ou sem motivo.

Como bêbado, coloquei a minha vida e a dos outros em risco por quase duas décadas. Bebia e dirigia motos, ficava valente e me alterava com os outros, brigava, vivia pensando em morrer de morte morrida, matada ou suicidada. Quantas vezes vomitei de tanto beber! 

Em qualquer lugar do mundo, bêbado é tudo a mesma coisa, apesar de cada caso ser único porque as pessoas são únicas e cada consequência é diferente também. Diria que na maior parte das vezes a consequência é nenhuma, e algumas vezes dão merdas irreparáveis.

O álcool arrebenta diversos órgãos e sistemas do corpo humano. Rins, fígado, sistema digestivo, células etc. Essa droga é uma merda! E mesmo assim, bebemos. Uns mais, outros menos ("socialmente"). É o livre-arbítrio. É a "liberdade", aquela que a poeta diz que mesmo sem saber conceituar, todo mundo sabe o que é...

Pelo texto acima, ficou claro que não sou ninguém para falar de alguém a respeito do álcool. Não sou. Cada um, cada um. Cada uma, cada uma... me parece que as mulheres estão bebendo mais que nunca. Liberdade. Livre-arbítrio.

Até essa minha condição de alguém que vivia bebendo em excesso e colocando em risco a minha vida, a dos outros e os sistemas de saúde mudou quando me tornei um dirigente sindical no início dos anos dois mil. (ainda bem que não recaí na bebedeira agora que fui excluído do coletivo político de forma dura, até desleal)

Me perceber na condição de uma pessoa que representava dezenas de milhares de colegas trabalhadores me deu um peso no ombro, um "sentimento do mundo" em minhas mãos como diz o poeta, que decidi que nunca mais beberia até ficar bêbado, até perder a minha consciência, o meu estado de alerta, porque meus inimigos de classe poderiam se aproveitar daquela condição contra mim e meus pares. (como líder e representante não era apenas um, era legião)

Até isso devo à politização que tive e à representação que exerci durante quase duas décadas. Eu bebo com amigos, bebo quando estou triste, alegre, pra relaxar, pra comemorar, pra esquecer um pouco, mas não posso ficar bêbado, não me dou esse direito. O mundo está muito foda! Temos que estar alertas para qualquer merda contra nós, no mínimo para morrer lutando ou se defendendo.

Vou reencontrar amig@s e vou beber um pouco, como quase todo mundo faz, mas as pessoas precisam beber menos, beber sem se destruírem.

Paro por aqui. Termino como comecei. Fico muito triste ao ver as pessoas que amo beberem até perderem o sentido, até ficarem alcoolizadas e vulneráveis e colocarem a saúde em risco.

Como estará meu fígado depois de tudo que fiz a ele? Meus rins? Meu sistema digestivo? Minhas células? Como estarão? Somos hoje o que sobrou de ontem...

A bebida alcoólica é uma droga lícita no país hoje, coisas da política. A maconha não é, coisas da política. Somos livres. Liberdade. Livre-arbítrio. Podemos beber porque somos livres, gozamos de liberdade e temos livre-arbítrio. Então, tomemos nossa cervejinha, nossas doses de cachaça, vinho etc.

Mas repito a mim mesmo: não vou me colocar na condição vulnerável de estar alcoolizado até a perda da consciência, do estado de alerta. Nossos inimigos estão por aí. E o azar também.

William


sábado, 11 de dezembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (VII) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

Neste sábado resolvi dar uma focada na leitura de Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe. Completando um mês de leitura, consegui ler vários capítulos e cheguei à metade do livro, capítulo XVIII.

O romance teve um andamento até o capítulo XIII e agora a narrativa deu uma guinada. Acabaram-se os dias de solidão. Foram 24 anos solitários na ilha, Ilha do Desespero, como Crusoé a chamou.

No capítulo XIV, o náufrago inglês sonha acontecimentos que depois ocorreriam na vida real. Lembrando que Crusoé avistou pegadas na praia alguns capítulos antes. Ele nunca mais teve sossego desde que descobriu que canibais aportavam à ilha para rituais de canibalismo. Sonhou um dia que uma das vítimas fugia dos canibais e ele dava guarida a ela. 

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CRUSOÉ, UM IMPERIALISTA, CLARO! 

O capítulo marca a bronca que passei a ter do desgraçado Robinson Crusoé. É verdade! Como leitores, sabemos que as obras literárias carregam as marcas de seu tempo, local, contexto, ideologias etc. O livro é do início do século XVIII, escrito por um inglês, período das navegações e dos impérios colonialistas. Difícil escaparmos das marcas e influências das ideias desses séculos.

O náufrago Robinson Crusoé está na situação que está porque mesmo estando bem estabelecido no Brasil como latifundiário que plantava cana-de-açúcar e tabaco, com mão-de-obra escrava, resolveu ir à Guiné buscar mais escravos e se ferrou na viagem. Então já sabemos que não se trata de um santo.

Mas o personagem carrega de forma excepcional aquele ar arrogante dos homens de seu tempo, brancos, imperialistas, que se acham superiores aos demais povos do mundo que iam descobrindo com as navegações de conquista de novas terras. Defoe é bom em transpor para Crusoé os valores ingleses.

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UM ESCRAVO, NÃO UM AMIGO

Após 24 anos de solidão na ilha, o náufrago inglês não queria uma companhia humana, um amigo, alguém para conviver de igual para igual. O desgraçado queria um escravo, um serviçal, alguém para servir a ele. E é isso que ele faz ao salvar um selvagem de ser comido pelos inimigos. Robinson Crusoé tem a partir daquele momento um serviçal, um escravo, que nomeia de Sexta-Feira.

"Sonhei que uma manhã, saindo do castelo como de costume, vi duas canoas perto da praia, das quais desembarcaram onze selvagens com um prisioneiro destinado a sua refeição canibalesca. No momento em que o iam matar, o mísero fugiu (...) ajudei-o a subir pela escada, trouxe-o para a minha habitação, e ficou sendo meu escravo. Fiquei satisfeitíssimo com este incidente, persuadido de ter adquirido um homem capaz de me servir de piloto na empresa projetada, e de dar-me os conselhos necessários para evitar todo o gênero de perigos." (p. 185)

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O SENHOR E O ESCRAVO

"A cútis não era negra, sim muito trigueira, mas nada parecida com a desagradável cor pardacenta dos habitantes do Brasil e da Virgínia..." (p. 190)

Essa foi a descrição que Crusoé fez em seu diário do homem jovem de cerca de 25 anos que fugiu dos canibais e foi salvo por ele.

"Uma das primeiras coisas que lhe ensinei foi o nome que entendi dever dar-lhe: o de Sexta-Feira, em memória do dia da semana em que o tinha salvo. Aprendeu também a chamar-me meu senhor e a dizer a propósito sim e não." (p. 190)

Sigamos adiante. Se trata de um romance, um livro clássico com trezentos anos de história.

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O DEUS DOS INGLESES É MELHOR QUE OS DEUSES DOS OUTROS

No capítulo seguinte, o XV, Crusoé ensina inglês para o jovem, ensina a sua religião e descobre que os povos locais também têm a religião deles, mas o inglês explica a Sexta-Feira que o Deus dele é melhor que o dos indígenas locais: Benamuckee.

"Aproveitei a oportunidade para o instruir nas noções do verdadeiro Deus." (p. 199)

Conversando com Sexta-Feira, consegue mais informações sobre a localização em que está, perto da desembocadura do rio Orinoco, região do Caribe.

Na página 202, sabemos pelo personagem que se passaram 3 anos amenos de convivência entre ele e Sexta-Feira. São 27 anos na ilha, os últimos 3 na companhia do seu "serviçal". 

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No capítulo XVI mais aventuras acontecessem. Vão chegando canibais e vão aumentando os "vassalos" salvos pelo "monarca" Crusoé. Agora faz parte do grupo o pai de Sexta-Feira e um espanhol naufragado.

"Eis a minha ilha povoada, e eu rico em vassalos! Era caso para ter vaidade, considerando-me um minúsculo monarca, visto que toda ela era domínio meu por títulos incontestáveis. Os súditos eram-me fiéis e submissos; eu arrogava-me como árbitro supremo e legislador despótico. Salvara-lhes a vida, e em compensação estavam prontos a arriscar a sua no meu serviço. O mais singular é que havia nos meus estados três religiões diferentes: Sexta-Feira era protestante, o pai, pagão e canibal, e o espanhol, católico romano. Eu, como príncipe sábio e justo, decretava a liberdade de consciência em todo o meu reino." (p. 219)

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Nos capítulos XVII e XVIII novas aventuras acontecessem. Um navio inglês ancora na ilha, e após diversas peripécias, inclusive tendo como herói e salvador Crusoé novamente, ele passa a ter agora um navio à sua disposição e uma tripulação. 

Agora veremos o que acontecerá a seguir...

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COMENTÁRIO FINAL

Século XVIII. Relações humanas utilitaristas, de interesses. Senhores e serviçais. 

Século XXI. Relações humanas utilitaristas mais que nunca, de interesses... senhores e serviçais.

Não mudou muita coisa em 300 anos.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (VI) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

A leitura do clássico de Daniel Defoe, As aventuras de Robinson Crusoé (1719), tem sido lenta como imaginei. Estou completando um mês do início da leitura e após ler mais quatro capítulos estou chegando perto de 2/5 da obra. Gostaria de terminar a leitura em dezembro, mas não sei se será possível.

A leitura é de fácil andamento, com linguagem prosaica e com a técnica narrativa baseada em um narrador que conta ele mesmo suas aventuras e desventuras na forma de um diário. Até o momento em que estou no romance, o capítulo XIII, Crusoé está na Ilha do Desespero há 24 anos. Ele diz ter chegado à ilha com 36 anos, então estaria com cerca de 60 anos.

"A minha salvação miraculosa na ilha depois do naufrágio foi no dia do aniversário do meu nascimento, 30 de setembro, trinta e seis anos antes..." (p. 136)

Robinson Crusoé passou todo esse período sem uma companhia humana. Sua "família" se resumiu a um cão, um papagaio e gatos. E alguns cabritos amansados. Ele nos disse que o cão morreu de velhice com 16 anos (p. 174).

Às vezes, tenho dúvidas nas contagens de tempo e idade do personagem, mesmo fazendo uma leitura atenta. Calculo que ele está com 60 anos por causa das marcas que vou encontrando no texto. Sei que saiu de casa com 19 anos e daí por diante vou anotando as referências de tempo que ele mesmo nos dá.

"Fui feliz em não tornar a avistá-los até maio do vigésimo quarto ano da minha vida solitária, no qual tive com eles um encontro estupendo que a seu tempo relatarei..." (p. 175)

Terminei a leitura do capítulo XIII com novidades em relação ao cotidiano regular em que ele viveu durante alguns anos na ilha. Um navio naufragou nas costas da ilha, como ocorreu com o dele décadas atrás. Ele visitou os destroços e encontrou mortos. Vivo, só um cachorro.

Crusoé passou os últimos anos com muito medo e precavido porque descobriu que canibais de alguma ilha vizinha aportavam em "sua" ilha para alguns rituais de canibalismo. Há anos ele espera um confronto com os canibais. Após a descoberta da existência deles nunca mais teve paz para fazer sequer os barulhos que fazia como atirar para caçar.

Na edição que estou lendo, há um resumo do capítulo na entrada do texto. Acho isso terrível. Nunca leio. É um spoiler do que o leitor vai ler. O Decamerão, de Giovanni Boccaccio, que li ano passado, também tinha esses spoiler. Eu só leio os resumos após ler o capítulo, para relembrar alguma coisa.

ATENÇÃO - Aqui nas postagens, local onde reflito para mim mesmo sobre o que estou lendo e para leitoras e leitores que acompanham o blog, parto do princípio que se alguém está lendo esta postagem é porque resolveu seguir a sequência dessas postagens sobre a leitura de Robinson Crusoé, categoria ou tag "Daniel Defoe", e já leu as anteriores, que fui fazendo desde o início da leitura do livro. Então, não considero que estou dando spoiler aqui porque conto o que já li em quase 200 páginas do clássico.

Abaixo, vou deixar um exemplo dos cabeçalhos dos capítulos que dizem o que vai ser o destaque naquele texto. Quem não leu a obra e não quer saber antes mais detalhes, pare por aqui.

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CAPÍTULO X

"Ponho com bom êxito a nova canoa a nado. - Parto para uma viagem costeira no sexto ano do meu reinado ou cativeiro. - Contratempos no mar. - Arribo a uma praia depois de grandes dificuldades. - Adormeço e acordo a uma voz chamando pelo meu nome. - Imagino vários planos para apanhar cabras vivas e sou bem-sucedido." (p. 140)

O capítulo tem uma filosofada interessante:

"É assim a natureza humana: só apreciamos o valor das coisas quando as perdemos ou experimentamos os inconvenientes de outras." (p. 142)

Nesse capítulo Crusoé acelera o tempo e vamos de 6 a 11 anos na ilha. Ele já dominou a técnica para fabricar diversos utensílios de seu cotidiano. Após domesticar cabras, o seu cardápio era farto e diversificado. Melhor do que o dos milhões de seres humanos da atualidade, em completa insegurança alimentar em meio a tanta riqueza produzida pelo homem do século XXI.

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CAPÍTULO XI

"Descrição pitoresca da minha figura. - Descrição da minha morada, dos cercados e das tapadas. - Medonho terror e sobressalto de que sou assaltado por distinguir na areia de uma praia pegadas humanas. - Reflexões. - Tomo medidas de precaução contra prováveis invasores." (p. 150)

Nesse capítulo Crusoé descreve de forma até engraçada sua aparência e situação de conforto na ilha. Reforça sua crença religiosa na Providência de Deus.

Após descobrir as pegadas na praia, sua tranquilidade vai por água abaixo. Reflete muito a respeito. Dilemas entre querer e não querer encontrar um humano após todos os anos de solidão.

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RELIGIÃO E FÉ, ABSTRAÇÕES QUE DÃO CONFORMIDADE AOS DILEMAS DA VIDA HUMANA - Eu fui uma pessoa criada na cultura e ambiência das religiões. Criado na cultura católica por meus pais e família, tive contato também com matrizes diversas de crença religiosa como candomblé, espiritismo etc. 

Essa experiência do viver me permite entender um pouco por onde passa toda essa situação em que nos encontramos no Brasil em 2021, momento no qual alguns segmentos religiosos avançam em seus projetos de dominar o país através da política, dominar o Estado nacional. Parte dos neopentecostais apoiadores do bolsonarismo tem um projeto de poder agressivo e totalitário, na minha opinião. 

Enfim, como fui religioso por décadas consigo compreender minimamente o que sente uma pessoa religiosa. É algo muito forte, a pessoa faz qualquer coisa em função daquilo que crê ou que é levada a crer.

Por que fiz esse comentário? Para citar um trecho do diário do personagem Robinson Crusoé que marquei como uma forma de pensamento que tive por quase 30 anos de minha vida.

"Efetivamente, apenas serenaram um pouco tamanhas apreensões, considerei que a minha situação era o efeito de uma Providência, infinitamente boa e sábia; e que sendo eu incapaz de penetrar as suas vistas a meu respeito, era da minha parte gravíssima audácia tentar subtrair-me à soberania do Ente Supremo, que, como meu criador, tem o direito absoluto de dispor da minha sorte, e como juiz, o de punir-me quando assim o entender, pois que se pelos meus pecados atraí a sua indignação, devia também sujeitar-me aos castigos. Pensei que Deus, sendo onipotente e justo, assim como julgou bom afligir-me, assim também podia livrar-me da infelicidade e da desgraça; e que, se em seus altos desígnios resolvesse continuar a tribular-me, só me restava aguardar com perfeita resignação os seus decretos, continuando a confiar n'Ele e a dirigir-lhe as minhas súplicas." (p. 156)

Pois é! Quantos e quantos amigos e amigas tenho que pensam exatamente assim nesse momento do viver... e cabe a nós respeitarmos a opinião de cada uma e cada um deles. Cada ser humano tem a sua vida, a sua crença, o seu tempo, as suas veredas.

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O MEDO NOS TIRA A RAZÃO

"Pensei nessa insânia toda a noite, quando o meu ridículo terror estava no seu auge; o que mostra que o receio do perigo é mil vezes mais insuportável do que ele próprio, e que a imaginação exagerada de um mal longínquo nos inquieta mais do que quando ele se declara francamente." (p. 158)

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CAPÍTULO XII

"Avisto uma embarcação ao longe no mar. - Descubro na praia os restos de um banquete de antropófagos. - Horror a propósito. - Redobro o meu armamento pessoal. - Terrível susto causado por uma cabra. - Dou com uma caverna ou gruta singular, da qual faço celeiro. - Continua o meu receio e medo de que os selvagens venham desembarcar na ilha." (p. 161)

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CAPÍTULO XIII

"A minha situação no 23º ano de residência na ilha. - Avisto selvagens nus na costa onde ficava a minha habitação, em redor de uma fogueira. - Meu horror quando contemplo o espantoso festim, em que se estão banqueteando. - Resolvo-me de novo a exterminar os bandos a todo o transe. - Navio perdido no mar em frente da ilha. - Vou a bordo da embarcação naufragada, que julgo ser espanhola. - Aproveito grande quantidade de objetos." (p. 172)

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É isso! Sigo lendo os clássicos da literatura mundial da maneira que é possível. Estou também escrevendo memórias em relação ao período central de minha vida adulta, o período no qual fui um representante dos trabalhadores da categoria bancária. Isso está dividindo meu tempo com as leituras clássicas e literárias. Mas sinto que preciso fazer isso, apesar de ter uma lista imensa de clássicos na estante para ler enquanto vivo estou.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.