terça-feira, 28 de maio de 2013

Jamais voltamos ao mesmo livro e à mesma página porque nós mudamos... (Alberto Manguel)



Francesco Petrarca
(Altichiero da Zefio, Wikipedia)
"No Secretum meum, Petrarca (com seu prenome cristão, Francesco) e Agostinho sentam-se e conversam em um jardim, observados pelo olhar firme da Senhora Verdade. Francesco confessa que está cansado da vã azáfama da cidade; Agostinho responde que a vida de Francesco é um livro como aqueles da biblioteca do poeta, mas um livro que ele ainda não sabe como ler, e relembra-lhe vários textos sobre o tema das multidões enlouquecidas - inclusive do próprio Agostinho. 'Eles não te ajudam?' - pergunta ele. Sim, responde Francesco, durante a leitura são muito úteis, mas 'assim que o livro deixa minhas mãos, todos os meus sentimentos por ele desaparecem'.

Agostinho: Essa maneira de ler é agora bastante comum; há uma tal multidão de homens letrados... Mas se tivesse rabiscado algumas notas no lugar adequado, poderias facilmente deleitar-te com o fruto de tua leitura.
Francesco: A que tipo de notas fazes referência?
Agostinho: Sempre que leres um livro e encontrares frases maravilhosas que te instiguem ou deleitem teu coração, não confies apenas no poder de tua inteligência, mas força-te a aprendê-las de cor e torná-las familiares meditando sobre elas, de tal forma que ao surgir um caso urgente de aflição terás sempre o remédio pronto, como se estivesse escrito em tua mente. Quando encontrares quaisquer trechos que te pareçam úteis, faz uma marca forte neles, que poderá servir de visto em tua memória, pois de outra forma eles poderão voar para longe.

O que Agostinho (na imaginação de Petrarca) sugere é uma nova maneira de ler: nem usando o livro como um apoio para o pensamento, nem confiando nele como se confiaria na autoridade de um sábio, mas tomando dele uma ideia, uma frase, uma imagem, ligando-a a outra selecionada de um texto distante preservado na memória, amarrando o conjunto com reflexões próprias - produzindo, na verdade, um texto novo de autoria do leitor. Na introdução de De viris illustribus, Petrarca observou que esse livro deveria servir ao leitor como 'uma espécie de memória artificial' de textos 'dispersos' e 'raros' que ele não apenas coletara, mas, o que é mais importante, nos quais dera uma ordem e um método. Para seus leitores do século XIV, a reivindicação de Petrarca era espantosa, pois a autoridade de um texto era auto-estabelecida, enquanto a tarefa do leitor era a de um observador de fora. Um par de séculos depois, a forma de ler de Petrarca, pessoal, recriadora, interpretadora, cotejadora, iria se tornar o método à luz do que chama de 'verdade divina': um sentido que o leitor deve possuir, com o qual deve ser abençoado, para escolher e interpretar seu caminho através das tentações da página. Mesmo as intenções do autor, quando presumidas, não têm nenhum valor no julgamento de um texto. Este, sugere Petrarca, deve ser feito mediante as lembranças que se tenha de outras leituras, para as quais dar e receber, de separar e juntar, o leitor não deve exceder as fronteiras éticas da verdade - quaisquer que sejam elas, ditadas pela consciência do leitor (pelo senso comum, diríamos). Em uma de suas muita cartas, Petrarca escreveu: 'A leitura raramente evita o perigo, exceto se a luz da verdade divina iluminar o leitor, ensinando o que procurar e o que evitar'. Essa luz (para usar a imagem de Petrarca) ilumina de modo diferente a todos nós, e também varia nos diversos estágios de nossa vida. Jamais voltamos ao mesmo livro e nem à mesma página, porque na luz vária nós mudamos e o livro muda, e nossas lembranças ficam claras e vagas e de novo claras, e jamais sabemos exatamente o que aprendemos e esquecemos, e o que lembramos. O que é certo é que o ato de ler, que resgata tantas vozes do passado, preserva-as às vezes muito adiante no futuro, onde talvez possamos usá-las de forma corajosa e inesperada." (pág. 81-83, do capítulo O livro da memória)


COMENTÁRIO

"mas tomando dele uma ideia, uma frase, uma imagem, ligando-a a outra selecionada de um texto distante preservado na memória, amarrando o conjunto com reflexões próprias - produzindo, na verdade, um texto novo de autoria do leitor"

Este blog, desde sua criação faz já alguns anos, tem um pouco disto que Agostinho sugeriria à Petrarca: eu vou lendo, lendo, vendo filmes, observando a vida, e vou anotando trechos ou situações e fazendo novos textos e reflexões a partir deles.

Conversando com meu sobrinho em Uberlândia neste fim de semana, fiquei encantado com o jeito que ele próprio está encantado com as aulas de filosofia e com as possibilidades que ele viu na biblioteca da UFU. Ali tem o mundo e ele me lembrou a sensação que eu sentia quando entrava na biblioteca da FFLCH na USP. Se eu pudesse, viveria ali, lendo, refletindo e escrevendo.

Graças aos governos Lula e Dilma, jovens pobres e de origem afrodescendente como meus sobrinhos estão nas universidades públicas do Brasil tendo oportunidades de estudar e acessar todo o conhecimento disponível no mundo.


Bibliografia:
MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. Companhia Das Letras. Edição 1999, 4a reimpressão.

domingo, 26 de maio de 2013

Amor, uma fortaleza!


Tia Lúcia, minha mãezinha Dirce e meu paizinho Gercir.

Refeição Cultural - Amor

Rápida passagem por Minas Gerais para estar algumas horas com minha família. A vida está difícil. Nossa vida está difícil.

O amor incondicional como o que sinto por meus pais me dá fôlego para as batalhas diárias da vida na luta que empreendo contra o capitalismo, contra as traições, contra a falta de ética e de valores que encontramos diariamente pelo caminho.

Sou um privilegiado de ter pais como estes.

Amor, uma Fortaleza!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

"Scripta manent, verba volant" - O inverso do que se pensa



Capa do livro.
"As palavras escritas, desde os tempos das primeiras tabuletas sumérias, destinavam-se a ser pronunciadas em voz alta, uma vez que os signos traziam implícito, como se fosse sua alma, um som particular. A frase clássica scripta manent, verba volant - que veio a significar, em nossa época, "a escrita fica, as palavras voam" - costumava expressar exatamente o contrário: foi cunhada como elogio à palavra em voz alta, que tem asas e pode voar, em comparação com a palavra silenciosa na página, que está parada, morta. Diante de um texto escrito, o leitor tem o dever de emprestar voz às letras silenciosas, a scripta, e permitir que elas se tornem, na delicada distinção bíblica, verba, palavras faladas - espírito. As línguas primordiais da Bíblia - aramaico e hebreu - não fazem diferença entre o ato de ler e o ato de falar; dão a ambos o mesmo nome" (pág. 62, do capítulo "Os leitores silenciosos")


COMENTÁRIO

Sigo pensando que este livro do Alberto Manguel é uma "bíblia" do leitor, um livro de cabeceira dos amantes da leitura. Nele, vemos um diário de cada pessoa que algum dia leu neste nosso pálido ponto azul no Universo - o Planeta Terra.

Bibliografia:
MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. Companhia Das Letras. Edição 1999, 4a reimpressão.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Vida no pálido ponto azul do Universo



Refeição Cultural

Dias atrás, em meio ao meu estresse das cerca de quinze horas de trabalho diárias (há várias semanas) para preparar o 24º Congresso Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil, me veio por acaso, em um instante, este vídeo de Carl Sagan sobre o nosso Mundo, nosso único e solitário ponto de vida no vasto Universo.

Quedei perplexo naquele instante, emocionado com um vídeo de astronomia que tanto me falou.

Acabei decidindo passá-lo na abertura do congresso para pedir tratamento respeitoso e gentil àquelas pessoas especiais que ali estariam para debater formas de combater as mazelas de um banco aos seus funcionários e, por que não dizer, debater as formas de mudar o rumo suicida que nossa civilização capitalista está levando adiante.

Fiquei pensando em tanta coisa. Fizemos o congresso. Avalio que foi positivo e, em geral, as pessoas foram tolerantes e bastante solidárias nos debates.

***

Sigo pensando sobre a Vida e o sentido de tudo que estamos fazendo, em tudo que estou fazendo.

Faz tempo que escrevo que não estou cansado de lutar, porque nasci na classe trabalhadora, pertenço a ela e vou lutar até morrer. Aliás, não tenho nenhum desejo de mudar de lado e pertencer à classe dominante do sistema capitalista. Quero derrubar o sistema capitalista. Não quero mudar de lado e virar algoz e explorador.

Mas me preocupa muito o rumo que nós humanos estamos dando ao nosso único e pálido ponto azul no Universo, da maneira como estamos lidando com ele nesses duzentos e poucos anos de exploração capitalista.

O ser humano, como o conhecemos, tem vivido há algumas dezenas de milhares de anos sobre as partes sólidas do planeta Terra. As populações originárias viveram modificando o planeta com suas tecnologias de adaptação e melhorias para a vida humana.

Mas não fizemos com o planeta em dezenas de milhares de anos o que fizemos nestes últimos duzentos anos. O sistema capitalista baseado na criação do desejo no fetiche da matéria e no modelo seguinte de qualquer bugiganga faz com que se comece a temer pela vida nas próximas décadas. Estamos exterminando com velocidade exponencial o mundo vegetal e animal que se constituiu em milhões de anos.

***

Eu sempre quis um tempo pra ler, escrever e refletir sobre a Vida em si, sobre a razão da existência das coisas e sempre busquei sentido e um pouco de paz neste curto espaço de tempo que é uma vida humana neste pálido ponto azul no Universo.

Nos últimos anos, não tenho tido um átimo de tempo sequer para esta minha busca. Já perdi minha vovó Cornélia, minha tia Alice. Pessoas que me davam um sentido em lutar por um mundo melhor pelo quanto elas eram inocentes e puras em suas simplicidades. Minha mãezinha Dirce e meu paizinho Gercir são ainda dois fortes vínculos de amor puro e simples neste meu instante de existência neste pálido ponto azul em que respiramos. São idosos e estão cheios de problemas de saúde e nas filas intermináveis de espera do SUS. E eu mal tenho visto meus paizinhos lá em Minas Gerais. Quando eles não estiverem mais comigo, não vai adiantar me lamentar sobre o tempo perdido.

***

Não liguei o celular pela manhã. Não consegui levantar cedo porque ainda estou mal de saúde. Mesmo assim, saí para correr um pouco pra ver se acho a Vida em mim. Vou pro trabalho agora. Sou bancário dirigente sindical. Meu salário é de seis horas de trabalho como escriturário, mas ainda vou trabalhar umas dez horas hoje. Sei disso.


domingo, 12 de maio de 2013

Nova York sitiada – 1998 (The Siege)


Poster do filme de 1998.

Filme com Denzel Washington, dirigido por Edward Zwick.


Refeição Cultural – Uma questão de Valores


Sinopse do filme (ao final do texto há revelações do enredo)

A estória do filme começa com o sequestro de um líder religioso iraquiano pela CIA após um ataque terrorista a bases americanas na região do Oriente.

Começa então em Nova Iorque uma série de ataques terroristas que vão se ampliando em relação ao poder de estrago e número de vítimas.

O herói bonzinho do filme é o agente do FBI Anthony “Hub” Hubbard (Denzel Washington). O americano que faz o lado ambíguo do Tio San é o general William Devereaux (Bruce Willis). A agente dupla da CIA que atuou por longo tempo no Oriente e que tem participação importante no que está ocorrendo em Nova Iorque é Elise Kraft / Sharon Bridger (Anette Bening).


A tragédia do terrorismo

Uma das questões que nos leva a muitas reflexões é sobre a eterna tragédia do terrorismo e da violência contra as pessoas e o assassinato de cidadãos de qualquer parte do mundo.

O filme antecipou em ficção o que viria a ocorrer em Nova Iorque após o ataque terrorista contra as Torres Gêmeas em 2001 com a morte de mais de 3 mil pessoas. Antecipou também o que viria a ser a linha adotada pelo governo norte-americano na “guerra contra o terrorismo” com sua política de violações aos direitos humanos e contra toda e qualquer razoabilidade no que diz respeito às violações das liberdades civis nos Estados Unidos e também no mundo com as invasões americanas em diversos países após o 11 de setembro.

Se já ficamos enojados no filme com o que os agentes da CIA fizeram com aquelas 1.500 pessoas de origem árabe do bairro do Brooklin durante a perseguição e busca de alguns terroristas árabes, o que dirá do absurdo que é até hoje a existência e manutenção da Base de Guantánamo violando todos os direitos humanos e civis e todas as leis internacionais!


A importância da preservação dos Valores Éticos e Morais

O filme me fez refletir sobre a questão dos valores que nos movem, que nos definem e que nos dão alguma razão em fazer o que fazemos.

Na estória de Nova York sitiada, o que aparentemente é uma “simples” questão de guerra entre mundos (Ocidente x Oriente; árabes x americanos), se trata mais especificamente de vingança por traições, se trata de pactos não cumpridos, de quebra de limites e valores éticos e morais com reflexos para todos os lados.

A agente Sharon / Elise da CIA criou uma célula terrorista no Iraque com apoio de um líder religioso local para derrubar Saddan Hussein. Depois os EUA mudaram de ideia e deixaram sua célula local iraquiana ser destroçada. O líder religioso e seu grupo dão o troco nos americanos com um sanguinolento ataque suicida em uma base americana no Oriente. Os EUA replicam de novo e sequestram o líder religioso.

A agente Sharon da CIA acabou levando alguns dos sobreviventes de seu grupo terrorista contra Saddan Hussein para Nova Iorque. Imaginem quem eram os terroristas que estavam sitiando a cidade para que seu líder religioso fosse libertado pela CIA?

Durante os momentos decisivos da trama, o agente "Hub" do FBI viu os agentes da CIA violando de todas as formas os direitos civis e humanos, além das normas internacionais.


Reflexões sobre os Valores Éticos e Morais de meu mundo

Passei a última década lapidando meu ser, aprendendo a ser um militante orgânico de movimento político e sindical.

Avalio que desde moleque já tinha bons valores morais e éticos passados a mim por meus pais e alguns de meus parentes em suas simplicidades benfazejas. É lógico que fiz um monte de coisa errada como todo mundo faz.

No movimento sindical, aprendi com os meus companheiros do Sindicato, principalmente lideranças do funcionalismo do Banco do Brasil, o que é ser um militante de corrente política e sindical, o que é respeitar os fóruns e fazer o debate político democraticamente e depois encaminhar o que ficou deliberado por maioria ou por consenso progressivo.

Os valores que aprendi e pratiquei foram permeados de solidariedade e de espírito de coletividade, antagônicos do personalismo e do cupulismo, contrários às traições. Os projetos sempre foram políticos e não pessoais. Foi desta forma que acabei indo de função em função, após definições nos fóruns políticos de projetos a se realizar.

Tenho visto e sentido instabilidade e quebras nos valores éticos e morais do movimento de esquerda e humanista nos últimos tempos. É claro que lutamos todos os dias para manter o bom caminho e o norte a perseguir. Mas em alguns dias enfrentamos várias “crocodilagens” ao mesmo tempo... É foda!


Que sobrevivam os valores humanistas da esquerda

Ao final do filme, vence o agente "Hub" do FBI, o mocinho dos valores éticos e morais. Aqueles que traíram os valores, que violaram todos os princípios, foram presos ou morreram. Só tem uma coisa: filme é ficção!

A vida real no mundo em crise capitalista, no mundo da chamada esquerda, no mundo do movimento sindical e social, enfim, a coisa está feia na vida do mundo real.

Espero que consigamos resgatar um pouco dos valores éticos e morais da esquerda e do humanismo: a liberdade, a solidariedade, o valor da vida e a democracia valorizando mais a coletividade que a predominância do querer individual de alguns poucos.