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Ruínas das Missões - Foto: Renato Costa (Wikipedia) |
A FONTE
COMENTÁRIO:
Esta parte é importante para se conhecer o locus (as missões jesuíticas espanholas)
onde surge Pedro, chamado missioneiro. Ele é filho de uma índia que morreu após
o parto. Ele conhecerá Ana Terra no futuro. Ele também portará o punhal que
acompanhará as gerações da família Terra Cambará.
Pedro foi educado pelo Pe. Alonzo nos Sete Povos de Missões
(era domínio Espanhol), depois trocado pelos reis com a Colônia de Sacramento (era domínio
Português) - Tratado de Madri (1750).
Achei a leitura muito interessante e me fez pesquisar um
pouco sobre o tema por curiosidade e para melhorar meus conhecimentos.
Não há subtítulos no livro. Estes na postagem são criados
por mim para melhor apresentação dos excertos.
(3)
A VIDA NAS MISSÕES EM
1745
Carta de Pe. Alonzo à família na Espanha:
“Se pensais que vivo
no meio de bárbaros, estais completamente enganados. Nos Sete Povos começa a
nascer uma das mais belas civilizações de que o mundo tem notícia. Enquanto vos
escrevo, vejo através da janela a nossa bela catedral, toda de arenito
vermelho, com seu tímpano grandioso, o seu átrio com uma longa fileira de
colunas, e a sua resplandecente cruz de ouro. Seu estilo lembra o de certas
igrejas do fim do Renascimento italiano (o que não é de admirar, pois foi ela
construída por um milanês).
Os índios das reduções vivem hoje
mais cristamente que muitos brancos de Pamplona, Madrid ou Lisboa. Estão já redimidos
do feio pecado da promiscuidade, pois todos se casam de acordo com as leis da
Igreja e guardam o sexto mandamento; temem a Deus, são batizados e fazem
batizar os filhos; no leito de morte nunca deixam de receber o Viático; e
quando morrem são encomendados e finalmente enterrados em campo-santo.
Pois muitos desses chamados
selvagens sabem, além da língua nativa, o latim e o espanhol, e são hábeis
escultores, pintores, oleiros, ourives, tecelões, fundidores de bronze, e músicos.
Um destes dias, escutando um sexteto de índios que tocava com sentimento e
correção peças dum compositor bolonhês, fiquei de tal maneira comovido que não
pude reprimir as lágrimas.” (pág. 32)
(4)
A MÚSICA COMO
CATEQUESE PARA OS ÍNDIOS NAS MISSÕES
“(...) Havia na redução
excelentes organistas, harpistas, corneteiros e cravistas. Os instrumentos em
sua maioria eram fabricados na redução pelos próprios índios, dirigidos pelos
padres. A música havia sido e ainda era para os missionários um dos meios mais
efetivos de catequização. Tocando seus instrumentos e cantando, eles se haviam
aproximado pela primeira vez dos guaranis, desarmando-os espiritual e
fisicamente e conquistando-lhes a confiança e a simpatia. No princípio a música
fora a linguagem por meio da qual padres e índios se entendiam. E não teria
sido porventura a música a língua do Paraíso – o primeiro idioma da humanidade?
Por meio da música os jesuítas induziam os índios ao estudo, à oração e ao
trabalho. Era ao som de música e cânticos que eles iam para a lavoura, aravam a
terra, plantavam e colhiam – e era sempre debaixo de música que voltavam para a
redução ao anoitecer. A música era por assim dizer o veículo que levava aquelas
almas a cristo.” (pág. 34)
MISSÕES: A SOCIEDADE
PROMETIDA NOS EVANGELHOS
“Uma tarde, à hora do
crepúsculo (foi no ano de 1750, por ocasião da Páscoa) Alonzo parou no centro
da praça, contemplou a catedral e sonhou de olhos abertos com o Mundo Novo. Havia
de ser algo tão belo e sublime que a mais rica das imaginações mal poderia
conceber.
Os povos não mais seriam
governados por senhores de terras e nobres corruptos. Seria a sociedade
prometida nos Evangelhos, o mundo do Sermão da Montanha, um império teocrático
que havia de erguer-se acima das nações, acima de todos os interesses materiais
da cobiça, das injustiças e das maquinações políticas.
Um mundo de igualdade que teria
como base a dignidade da pessoa humana e seu amor e obediência a Deus. Nesse regime
mirífico o homem não mais seria escravizado pelo homem. Não haveria mais
exaltados e humilhados, ricos e pobres, senhores e servos. Que direito tinha de
se apossar de largas extensões de terra? A terra, Deus a fizera para todos os
homens. O que era de um devia ser de todos, como nos Sete Povos. Todas as
criaturas tinham direito a oportunidades iguais. Não era, então, maravilhoso
transformar-se um índio pagão num cristão, num artista, num músico, num
escultor, num ourives, num arquiteto? Quantos milhares de seres havia no globo
que vegetavam na ignorância e na miséria por falta apenas de quem lhes
iluminasse o entendimento, despertando-lhes o desejo de melhorar, de criar
coisas úteis e belas com a mão e o espírito que Deus lhes dera? Mas para
conseguir esse mundo ideal era primeiro necessário combater todos aqueles que por
indiferença ou egoísmo se negavam a baixar os olhos para os humildes. Alonzo,
que fora sempre um estudioso da História, sabia que os homens em todos os
tempos foram sempre levados ao pecado pelo diabo, e a arma de que o diabo mais
se servia era o desejo de riqueza, poder e gozo. Para conseguir essa riqueza,
essa força e esses prazeres, não hesitavam em escravizar as outras criaturas. E
a melhor maneira de conservá-las em estado de escravidão era mantê-las na ignorância...”
(pág. 40)
O PAPEL REVOLUCIONÁRIO
DA COMPANHIA DE JESUS NO NOVO MUNDO
“Pagavam soldados não só para defender-lhes as vidas e os
bens como também para alargar-lhes as conquistas. Mas esses senhores consistiam
numa minoria. Ah! Um dia esses eternos humilhados, esses eternos escravos
haveriam de tomar consciência de sua força e erguer-se! Mas era indispensável
que tal levante se fizesse não em nome do ódio, da vingança e da destruição,
mas sim em nome de Deus e da Suprema Justiça. A missão da Igreja – e neste ideal extremado Alonzo sabia que estava só
– devia ser a de promover essa Revolução. O trabalho da Companhia de Jesus já
havia começado na América. Era preciso primeiro conquistar o Novo Continente,
livrar o índio da influência do homem branco, organizar uma grande república
teocrática que depois, aos poucos, poderia estender a outras terras a sua influência
e o seu exemplo. Ah! Mas para conseguir esse supremo bem os jesuítas seriam
obrigados a usar meios aparentemente ignóbeis. Teriam de ser obstinados e
implacáveis. No princípio seria necessário exercer uma ditadura justa mas
inexorável. Não havia outra alternativa. Seriam os fiadores dessa Revolução em
Nome de Deus, pois o povo não estava ainda esclarecido, não sabia o que lhe
convinha, e portanto podia ser facilmente ludibriado pelos poderosos. Era pois
imprescindível que os sacerdotes exercessem na terra a ditadura em nome de Deus
até que um dia (Dali a quantos anos? Cem? Duzentos? Mil? Que importava o
tempo?) fosse possível atingir aquele estado ideal, conseguir a igualdade entre
as criaturas, a paz e a felicidade universal...” (pág. 41)
COMENTÁRIO FINAL:
Este trecho de reflexões acima é apresentado pelo Pe. Alonzo
no momento em que ele fica sabendo que houve um acordo entre as coroas
portuguesa e espanhola (Tratado de Madri - 1750):
“(...) Portugal e
Espanha, para pôr termo às rixas em que viviam empenhados, tinham assinado um
tratado iníquo, segundo o qual os portugueses cediam a seus velhos inimigos a
Colônia do Sacramento, e os espanhóis, em troca, lhes entregavam os Sete Povos
de Missões” (pág. 41)
A história de nosso país e de nossa América está o tempo
inteiro entranhada na estória narrada por Érico Veríssimo. Muito legal!
Bibliografia:
VERÍSSIMO, Érico. O
Tempo e o Vento – O Continente I. Editora Globo. 31ª edição. 1995