Nesta postagem cito alguns trechos que achei interessantes neste capítulo. A metodologia do autor em descrever sistemas e como eles devem funcionar é impressionante. A leitura deste capítulo e dos dois seguintes me pareceram estar lendo a constituição federal (de algum país). Os subtítulos antes das citações e comparações políticas feitas aqui são de minha total responsabilidade.
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Thomas Hobbes |
CAPÍTULO XXII
DOS SISTEMAS SUJEITOS, POLÍTICOS E PRIVADOS
"Depois de ter falado da geração, forma e poder de um Estado, cabe agora falar das partes que o constituem.
E em primeiro lugar dos sistemas, que se parecem com as partes semelhantes, ou músculos de um corpo natural. Por
sistema entendo qualquer número de homens unidos por um interesse ou um negócio.
De entre os sistemas, alguns são regulares e outros são irregulares. Os
regulares são aqueles onde um homem ou uma assembleia é instituído como representante de todo o conjunto. Todos os outros são
irregulares.
Dos regulares, alguns são
absolutos e
independentes, sujeitos apenas a seu próprio representante, e só são deste tipo os Estados, dos quais já falei nos cinco últimos capítulos. Outros são
dependentes, quer dizer, subordinados a um poder soberano, do qual todos, incluindo seu representante, são
súditos.
Dos sistemas subordinados, uns são
políticos e outros são
privados. Os
políticos (também chamados
corpos políticos ou
pessoas jurídicas) são os que são criados pelo poder soberano do Estado. Os
privados são os que são constituídos pelos próprios súditos entre si, ou pela autoridade de um estrangeiro..."
Percebam o quanto Hobbes é metódico para descrever os sistemas de seu Leviatã. Ao longo deste e dos outros capítulos ele vai comparando a estrutura do Estado às partes do corpo humano.
UM FÓRUM SÓ DELIBERA SOBRE O QUE TEM PODER E ALÇADA
"Num corpo político, se o representante for um homem, qualquer coisa que faça na pessoa do corpo que não seja permitida por suas cartas ou pelas leis, é seu próprio ato, e não o ato do corpo, ou de qualquer dos membros deste além de si mesmo. Porque para além dos limites estabelecidos por suas cartas e pelas leis ele não representa a pessoa de ninguém a não ser a de si próprio."
IMPORTÂNCIA DA DECLARAÇÃO DE VOTOS
"Fica assim manifesto que, nos corpos políticos subordinados e sujeitos ao poder soberano, por vezes se torna não apenas legítimo, mas também útil, que um indivíduo abertamente proteste contra os decretos da assembleia representativa, fazendo que sua discordância seja registrada ou testemunhada. Caso contrário esse indivíduo poderia ser obrigado a pagar dívidas contraídas, ou tornar-se responsável por crimes cometidos por outrem."
Porém vale esclarecer que aqui Hobbes está falando de um fórum ilegítimo ou fazendo algo ilegítimo. Outro caso é se o fórum for legítimo para tal deliberação:
"Mas numa assembleia soberana essa liberdade desaparece, tanto porque quem aí protesta ao mesmo tempo nega a soberania da assembleia, quanto porque tudo o que é ordenado pelo poder soberano é perante o súdito (embora nem sempre aos olhos de Deus) justificado pela própria ordem, pois de tal ordem um dos súditos é autor."
CONCEITO DE "PROVÍNCIA" NA OBRA DE HOBBES
"A palavra 'província' significa um cargo ou função que aquele a quem pertence a função delega a um outro, para que este o administre por ele e sob sua autoridade."
TENDÊNCIA: QUEM ESTÁ NO PODER, SÓ O DELEGA ÀQUELE AO QUAL TEM CONFIANÇA
"Pois embora todo homem, quando por natureza pode estar presente, deseje participar do governo, apesar disso quando não pode estar presente se inclina, também por natureza, a delegar o governo de seus interesses comuns a uma forma monárquica, de preferência a uma forma popular de governo. O que também é claramente visível nos homens que têm grandes propriedades territoriais, que quando não querem dar-se ao cuidado de administrar seus negócios preferem confiar num único servo a confiar numa assembleia, quer de seus amigos, quer de seus servos."
SEGUNDO HOBBES, VALE PAGAR PARA DEFENDER INTERESSES NOS FÓRUNS (DESDE QUE NÃO PERTENÇA AO PRÓPRIO FÓRUM DELIBERATIVO)
Nesse trecho, ficou evidente que não podemos concordar com tudo o que o pensador defende para o seu sistema social.
"Mas que aquele cujo interesse particular vai ser objeto de debate, e julgado pela assembleia, faça o maior número de amigos que puder, não constitui nenhuma injustiça, porque neste caso ele não faz parte da assembleia. Ainda que suborne esses amigos com dinheiro (salvo se houver uma lei expressa contra isso), mesmo assim não há injustiça. Porque às vezes (dados os costumes humanos como são) é impossível obter justiça sem dinheiro, e cada um pode pensar que sua própria causa é justa até o momento de ser ouvida e julgada."
MESA DE NEGOCIAÇÃO NÃO É ASSEMBLEIA COM CENTENAS DE PESSOAS
Lembrei-me do que vivo explicando aos grupamentos de oposição sindical que, por não ganharem a eleição dos sindicatos, ficam querendo transformar mesa de negociação entre os bancos e as comissões de negociação da Contraf-CUT / Comando Nacional (10 federações representadas) em assembleias, pois a proposta dessas oposições é eleger na base representantes para as negociações. Como são mais de cem sindicatos, a mesa não seria uma mesa de negociação, seria uma assembleia entre empresa e trabalhadores. Não dá né?
"Pode ser legítimo que um milhar de pessoas faça uma petição para ser apresentada a um juiz ou magistrado, mas se um milhar de pessoas for levar essa petição trata-se de uma assembleia tumultuosa, porque para tal fim um ou dois são bastantes."
SISTEMA MUSCULAR DO LEVIATÃ
"E isto é tudo quanto eu tinha a dizer relativamente aos sistemas e assembleias de pessoas, que podem ser comparados, conforme já disse, às partes semelhantes do corpo do homem: os que forem legítimos, aos músculos, e os que forem ilegítimos aos tumores, cálculos e apostemas, engendrados pelo afluxo antinatural de humores malignos."
COMENTÁRIO FINAL SOBRE O CAPÍTULO
Cara, Hobbes é polêmico com suas preferências políticas ou religiosas, mas tem uma maneira incrível de descrever e dissertar defendendo seus sistemas.
Bibliografia:
HOBBES DE MALMESBURY, THOMAS. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. Nova Cultural, edição 1999.