Refeição Cultural - Março de 2023
Osasco, 31 de março de 2023. Sexta-feira.
INTRODUÇÃO REFLEXIVA
"Há muito tempo não programo atividades para 'depois'. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã." (O amanhã não está à venda, Ailton Krenak)
Mais um mês avançou nos calendários humanos. No entanto, o tempo ou a passagem do tempo é uma percepção da capacidade de abstração do cérebro do homo sapiens. A percepção do tempo é algo nosso: um pássaro não pensa sobre o tempo, nem uma orquídea, nem o mar. A Natureza simplesmente é e está aí, o Universo e tudo no mundo material segue estando aí, nas mais diversas formas, e os seres animados e inanimados constituintes do mundo natural idem, estão por aí também nas mais diversas formas.
Eu sigo sendo um desses seres naturais, com nome e lugar na sociedade na qual estou inserido. Percebo a cada período de passagem do tempo que não sou mais o mesmo do período anterior. Meu cérebro vai se adaptando a novos estímulos, vai se esquecendo de coisas que vão ficando longe no tempo - nem todas - e meu corpo natural vai apresentando as marcas dos desgastes do tempo e do uso dele mesmo para o viver.
Quando olho para trás e vejo algumas coisas que já fiz e que já foram de minha responsabilidade no convívio social fico impressionado com o quanto meu cérebro foi plástico e eficiente nas tarefas que foram exigidas a ele. Não só o cérebro como também o conjunto de meu corpo animal foram eficazes por décadas. Sou um homem de sorte! Não seria justo se reclamasse da natureza, dos efeitos dela sobre mim desde a minha concepção e ao longo do uso de meu corpo no viver. As mudanças que se apresentam podem ser naturais, advindas das trocas com o meio ou consequência da forma como utilizei meu corpo natural.
Como não devo ser arrogante quanto ao amanhã - mesmo tendo alguns planos e desejos -, posso ao menos avaliar o percurso percorrido até aqui, no ano calendário gregoriano de 2023.
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MARÇO
O 31 de Março no Brasil é uma data na qual uma parte da população, uma parte pequena de gente canalha e fascista, comemora há 59 anos o golpe de Estado que desgraçou o país e a vida dos brasileiros por 21 anos. A comemoração é tão ridícula que os golpistas nem assumiram a data correta do evento, o Dia da Mentira, quando aplicaram o golpe. O governo Lula proibiu que essa infâmia de comemorar o crime de 1964 continuasse a ocorrer nos quartéis a partir deste ano. Contudo, eu fico com os analistas que avaliaram que não basta fazer de conta que o fato não aconteceu. Acho isso péssimo! Nunca estaremos livres das viúvas e viúvos do fascismo e enaltecedores desse crime de lesa-pátria enquanto não passarmos a limpo o que foi a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, e que nos legou os efeitos de violência e injustiça social contra o povo e interferência de milicos na política e vida brasileira até hoje justamente por não colocarmos na cadeia os criminosos que praticaram o golpe e os que apoiaram e apoiam atos golpistas e contrários à democracia, ao estado de direito e à vida humana.
O MUNDO
Destacaria nos temas que circularam neste mês a questão da Inteligência Artificial (IA) ou AI, na sigla em inglês. Nas últimas semanas muito se falou disso por causa de uma tal ferramenta de IA, ChatGPT, na qual a pessoa pede qualquer coisa e a coisa responde na hora como se fosse um ser humano inteligentíssimo por trás da tela. São várias dimensões a se avaliar sobre essa temática tecnológica. A mais preocupante é em relação aos efeitos da IA em relação à substituição do trabalho humano, milhões e milhões de empregos deixarem de existir por causa dos avanços tecnológicos criados por nós mesmos, os homo sapiens.
O que mais me incomoda na questão da IA é o foco das discussões por parte das mais diversas vertentes do pensamento humano, inclusive aquelas que se dizem do campo da esquerda. O problema não é a tecnologia que inventamos e a substituição da necessidade de mão de obra humana. A tecnologia é invenção nossa, se for usada de forma adequada e favorável para a humanidade e o planeta, qual o problema?
O problema é político e ideológico, pois a tecnologia no ponto no qual estamos pode inviabilizar as funções sociais da sociedade humana sob o CAPITALISMO! Se o foco fosse outro, o SOCIALISMO, por exemplo, e tivéssemos tecnologia para nos livrar do trabalho repetitivo, insalubre, desumano etc e as pessoas pudessem usar de seu tempo livre para estudar, criar arte e soluções para doenças etc, tendo todas as pessoas seus direitos básicos da cidadania garantidos pelos Estados não teríamos problema algum com a tecnologia. Mas nem o nosso lado fala mais sobre o SOCIALISMO, isso é uma merda na discussão do presente e futuro da sociedade humana! Sob o CAPITALISMO não haverá nem planeta Terra nem vida humana e diversidade de espécies. Como diz o filósofo e sábio Ailton Krenak, estamos comendo o planeta.
Aliás, outro problema central na questão da IA é desmascarar essa denominação inventada para disputar o orçamento norte-americano durante a Guerra Fria. "Inteligência Artificial" NÃO EXISTE! Aprendi isso com o professor e neurocientista Miguel Nicolelis, e vários intelectuais da área explicam isso. Hoje mesmo li um artigo que fala a respeito: "The problem with artificial intelligence? it's neither artificial nor intelligent". O artigo estava no perfil do Twitter do Nicolelis.
Somente o homo sapiens é dotado de inteligência por causa de seu cérebro analógico de 86 bilhões de neurônios. As máquinas trabalham com o passado registrado, com dados, com estatísticas e com velocidade de processamento. Com algoritmos. Ponto. Mas não criam nada. As máquinas não vão se revoltar e dominar o mundo como no filme O exterminador do futuro. Mas... as máquinas podem ser usadas por algum humano por trás delas para nos dominar e destruir o mundo. Entendem?
E as tecnologias e as redes sociais estão emburrecendo os seres humanos, nossa linguagem está diminuindo, o QI das novas gerações está diminuindo, estamos perdendo diversas capacidades que adquirimos ao longo de centenas de milhares de anos de evolução. Isso é muito sério! Tenho uma teoria que podemos até perder a capacidade de sermos alfabetizados, usar uma invenção chamada "escrita", com signos linguísticos, uma invenção humana de poucos milhares de anos atrás.
É isso!
BRASIL
Uma preocupação que tenho como alguém politizado e com consciência política é o fato de termos tão poucas opções políticas quando pensamos o presente e o futuro do Brasil. Tanto no Brasil quanto no mundo estamos passando por um período triste da história das sociedades humanas. Nos faltam lideranças políticas com grande capacidade de liderar multidões e governar comunidades para a busca de paz social, para a igualdade e a justiça distributiva, para o respeito à diversidade, e para o uso mais sustentável do planeta Terra. Que carência da porra que vivemos de lideranças!
O presidente Lula precisou adiar uma importante viagem à China neste março por causa de uma pneumonia. Nosso líder e governante tem 77 anos de idade e é um ser humano, e temos poucos como ele no Brasil e no mundo. Que preocupação que tenho com isso!
O restante das questões brasileiras me dá enjoo falar, sobre aquele juizeco canalha e sua "conge" e a Lava Jato e o cara do power point (foram denunciados pelo Tacla Duran); sobre a tristeza do assassinato da professora Elisabeth e as demais vítimas feridas à facadas, na escola próxima aqui de casa, na Vila Sônia, por um adolescente de 13 anos; sobre o ladrão de joias, miliciano, genocida de parte importante dos 700 mil homens, mulheres e crianças mortos pela Covid-19, o verme voltou dos Estados Unidos ontem e algo me diz que ele sairá livre dos diversos crimes cometidos, assim como os criminosos da ditadura militar e torturadores que o inominável venera. Enfim, aqui é o Brasil, um país que não conseguiu desfazer as mazelas de sua origem desde que virou colônia de exploração 5 séculos atrás.
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MEU MARÇO
"Uma operação de resgate tem como intuito salvar o corpo que está sendo flagelado e levá-lo para um outro lugar, onde será restaurado. Quem sabe, depois de uma reabilitação, ele pode até seguir operante na vida. Isso partindo da ideia de que a vida é útil, mas a vida não tem utilidade nenhuma. A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária." (A vida não é útil, Ailton Krenak)
Um dos livros que li neste mês me deixou pensativo pra caramba! Eu me agarro muito ao período de minha vida no qual me senti útil, foi um dos períodos de minha vida laboral, no qual contribuí para a vida de muita gente pelas funções que desempenhava. Aprendemos sobre isso, que o trabalho dá sentido ao nosso viver.
O ponto de vista de Ailton Krenak, dos povos Krenak, nos mostra outra perspectiva da vida, da Terra, dos seres que pertencem ao planeta. Que a vida é fruição, que não temos que basear tudo em nossa vida em ser ou não ser "útil".
É um conceito incrível esse de "A vida não é útil", de Krenak, algo a se pensar. Essa ideia ainda martela em minha mente. Ainda mais agora que não tenho mais "utilidade" como tinha na época em que estava envolvido nas relações sociais e utilitaristas do mundo humano. Os tempos são de relações fortemente utilitárias, se a pessoa não terá utilidade para alguma coisa nas disputas e relações de poder, ela não existe.
Enfim, os povos indígenas têm uma perspectiva diferente em relação ao viver.
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Neste mês de março, li mais alguns livros e completei 9 obras no ano, leituras que me colocaram a pensar bastante. Consegui provocar e estimular meu cérebro de 86 bilhões de neurônios. Viajei com a esposa e conheci Guarapari, no Espírito Santo. Foi legal! Fui ao cinema com o filhão e amigos dele. Corri 6 vezes no mês, duas corridas de 8K e isso para mim é um esforço grande por causa de meu quadril ferrado. Busquei ajudar a sociedade e as pessoas da forma que pude, inclusive escrevendo neste blog o que aprendi. Encontrei pessoas queridas algumas vezes. Isso foi legal: a vida é fruição...
Acho que vou parar por aqui meu registro atomizado do mundo neste mês de março. Enumero abaixo os livros que li e que valem a pena a leitura.
- A vida não é útil, de Ailton Krenak (ler comentário aqui)
- A Ilha, de Fernando Morais (ler aqui)
- O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura (aqui)
- Os sentidos do lulismo, de André Singer (aqui)
Sigamos para o mês de abril...
William
Post Scriptum: aqui é possível ler a reflexão do mês anterior, a de fevereiro.