Refeição Cultural
"- E agora, Visconde? Que fazer?
O Visconde coçou as palhinhas do pescoço. Não achou remédio. Os sábios são criaturas indecisas; não resolvem nada." (Monteiro Lobato, O Picapau Amarelo, p. 148)*
O Sítio do Picapau Amarelo e seus personagens fez parte de minha infância de alguma forma, pelo que me lembro. Acho que assistia às aventuras de Pedrinho, Narizinho, a boneca Emília e o Visconde de Sabugosa através da televisão nos anos oitenta.
Ao pesquisar a respeito da série televisiva que tive contato na infância, vi que foi a da adaptação da Rede Globo em parceria com a TVE e MEC, exibida entre os anos de 1977 e 1986, período no qual eu tinha entre 8 e 17 anos.
Os livros, contos ou textos políticos de Monteiro Lobato eu nunca tinha lido. Essa edição que li foi dessas que compramos em bancas de livros expostas em corredores de shopping center. Foram 15 reais bem investidos, na minha avaliação. O que se faz hoje com esse valor? Pode-se comprar um livro de Monteiro Lobato!
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FÁBULAS E FAZ DE CONTA ENTRE CRIANÇAS E ADULTOS
Ao ler os livros de fantasia e mundo do faz de conta das fábulas infantis e infanto-juvenis que fizeram parte da infância de muita gente e avaliar o que virou o mundo humano nas primeiras décadas do século XXI, mundo no qual grupos de pessoas põem celular na cabeça para contatar extraterrestres para salvá-los de uma suposta ditadura esquerdista no Brasil, fico pensativo sobre a condição lastimável da espécie humana neste momento da história.
A fantasia e faz de conta atualmente dominam a mente de adultos como, por exemplo, aqueles seguidores de uma seita messiânica liderada por um certo clã de políticos de extrema-direita no país.
Acho que são diferentes as fantasias e abstrações criadas na literatura e outras formas de cultura e as manipulações de massa feitas pelos donos do poder e suas máquinas com objetivos de ganhos pessoais em detrimento de prejudicar as massas manipuladas.
Ou seja, vamos ler mais literatura e acessar mais formas de cultura e ficar menos nas redes sociais cujas donas são as corporações chamadas big techs que hoje atuam para mudarem o comportamento de seus usuários de forma criminosa.
É minha opinião.
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PRODUÇÕES CULTURAIS RETRATAM OS MUNDOS
Uma questão do mundo atual que se discute em relação à produção de cultura de outras épocas é sobre as qualidades e defeitos dos criadores das produções culturais em suas épocas e contextos. Escritores e outros intelectuais das artes são seres sociais e são sujeitos de suas épocas.
A linguagem e formas de tratamento no livro de Monteiro Lobato, escrito em 1939 no Brasil, pode ser considerada hoje inadequada, racista e preconceituosa. O leitor que leu o livro agora em 2025 acha isso.
No entanto, as obras literárias e culturais ao longo da história humana retratam o mundo e a visão das pessoas daquele mundo em qualquer tempo e lugar.
Óbvio que cada pessoa é diferente em uma determinada comunidade humana. O ser humano Monteiro Lobato em 1939 pode ser que seja racista, xenófobo, misógino, elitista ou qualquer outra forma de avaliar comportamentos e ideias das pessoas em 2025.
No entanto, achar que só Monteiro Lobato ou só fulano ou cicrano usava a linguagem que o escritor usa para criar romances ficcionais na primeira metade do século XX no Brasil é tapar o sol com a peneira, ou seja, não considerar aquele mundo no qual vivia o escritor.
É isso que penso após décadas de vivência e contato com a educação e formação política que tive a oportunidade de acessar como ser humano que já mudou radicalmente de opinião e visão de mundo por causa do contato com outras formas de pensamento nas suas mais diversas formas de apresentação aos outros.
Mais complicado para uma criança ou adolescente do que ler um romance de Monteiro Lobato com linguagem da época do Brasil da primeira metade do século XX é uma criança ou adolescente em 2025 conviver no meio de gente que põe celular na cabeça em grupo no meio da rua pedindo intervenção de extraterrestres por qualquer que seja o motivo. O exemplo que essas crianças estão recebendo de seus adultos vai ferrar geral o mundo no qual todos nós vivemos hoje e amanhã.
Vou ler mais Monteiro Lobato.
William
*Post Scriptum: ia me esquecendo. Por que usei a citação acima sobre os sábios que não resolvem nada? No instante que li, me lembrei na hora dos debates que tinha quando sindicalista e acadêmico a respeito das diferenças abissais entre a academia e o mundo sindical na hora de definir reivindicações, estratégias e táticas e soluções para os conflitos entre capital e trabalho. Os sindicalistas, mesmo acadêmicos ou com bagagem intelectual, têm uma diferença enorme em relação aos professores e intelectuais que tanto admiramos: na hora do conflito, da greve por exemplo, os sindicalistas estão com milhares de pessoas na busca de solução para aquele conflito real nas ruas e nos locais de trabalho, o ideal passa longe da solução para aquele conflito. Aprendi isso e respeito muito essa condição do sindicalista, que busca achar solução intermediária que seja decidida pelo conjunto de trabalhadores envolvidos. Via de regra, o acadêmico vai espinafrar a solução encontrada porque ela não leva ao socialismo ou à mudança de condição social etc. Muitas vezes, greves longas sem acordos intermediários acabam por só negociar os dias parados, sem avanço algum para os trabalhadores.
Bibliografia:
LOBATO, Monteiro. O Picapau Amarelo. Ilustrado por Jótah. São Paulo: Lafonte, 2019.