Refeição Cultural
Domingo, 22 de maio de 2022. Osasco.
Saí mais uma vez para caminhar, andar andar andar, e talvez com isso cansar e pensar menos nas tristezas. Quero dizer com isso que enquanto andava (triste) também pensava a vida, o passado, o presente, pensava os porquês das coisas. Hoje tenho uma compreensão muito melhor das coisas, isso não resolve nada, mas a compreensão deixa claro muita coisa.
Hoje caminhei rumo ao passado. Enquanto caminhava, passei por cinco endereços onde morei por um tempo em minha vida. Deve ter muita gente que nunca morou em cinco locais diferentes na vida, morei numa porrada de lugares... Locais nos quais morei com os outros e sozinho. Morei com avó e primos; morei com os pais em casa dos outros, de favor; morei com conhecidos e estranhos; morei de novo com avó, tio e primo; morei sozinho em casas pequenas, casas de fundo. Passei também na frente da casa onde nasci.
Andei uns 17 Km desta vez, umas 3 horas e meia. Como as dores em meu quadril dão a impressão que vieram pra ficar, tenho evitado correr porque quando corro fico entrevado uns dois ou três dias. Já que decidi tentar fazer mais uma vez a caminhada da Romaria lá em Minas Gerais, o jeito que tem é caminhar e caminhar e ver se o corpo segura a onda e eu me condiciono para andar uns 80 Km de uma vez só. Dia desses, andei 25 Km no Parque do Sabiá em Uberlândia, foi de boa a caminhada.
Na primeira parte da caminhada, decidi passar na frente do prédio onde morei com amigos e um estranho com o qual não me dei bem. O cara era um palhaço, era gerente de banco e me destratava pra caralho. Saí de lá pra não fazer uma merda com aquele sujeito. Edifício Juliana, na Avenida Jaguaré. Me lembro que da janela do banheiro dava pra ver a Universidade de São Paulo. Depois acabei indo estudar lá. Na época, pegava o ônibus na avenida para ir trabalhar no Unibanco (CAU), na Raposo Tavares.
De lá, segui para o próximo endereço do passado, este o mais forte nas emoções, a casa onde nasci. Entrei pela Avenida do Rio Pequeno e fui até próximo à padaria Cinco Quinas, que ainda está lá, ela existe há décadas. Desci pela Rua Prof. Adolfino de Arruda Castanho, fui até o fim, onde era o Córrego do Rio Pequeno (hoje canalizado como Av. Politécnica) e subi pela Rua Dr. Sérgio Ruiz de Albuquerque. Passei na frente do conjunto de sobrados onde nasci, no número 166. Antes do sobrado onde nasci, não consegui identificar qual seria a casa do conhecido de infância no fim da rua, as casas estão mudadas demais. Naquela esquina dos sobrados (Rua Miguel Sevílio) brinquei muito, brincamos.
Segui pela Av. do Rio Pequeno até o fim. Caraca! Quantas coisas na cabeça! Aquele lugar parece que não mudou nada nas últimas décadas. Os bares com gente na calçada e música antiga em caixas de som. Vi gente soltando pipa perto dos fios de alta tensão. Pensei nas questões políticas, nas posições políticas das pessoas... como exigir de alguém ali ser de "esquerda", militante e engajado e o caralho? (só fui exceção na família e virei militante de esquerda por causa do Sindicato dos Bancários)
Me lembrei da música dos Racionais MC... ali só tem o padre para tomar a benção (agora o pastor), me lembrei de São Cosme e São Damião. Até ouvi uma mulher falando com outra sobre Pomba Gira (no segundo que passei ao lado delas na calçada)... as religiões são as únicas proteções ali como diz a música (ou o conforto para tanta miséria como disse Marx: "o ópio do povo"). Eu convivi com a fé católica e com as religiões de matriz africana.
Já contornando pela Praça Wilson Moreira da Costa, passei lentamente na frente dos portões das casas da R. Tomé de Lara Falcão. Morei em uma casa de fundo ali, um dos lugares mais precários onde morei, quarto e cozinha com banheiro coletivo no quintal com algumas casas. Cara, que lembranças duras! Foi um dos banheiros onde mais enfrentei baratas na minha vida! Me lembrei também que eu andava por aquela Avenida do Rio Pequeno pra lá e pra cá, em qualquer horário. Eu ia com frequência para as casas dos familiares lá na outra ponta da avenida, perto do colégio Adolfino.
Na volta, parei um pouco no ponto de ônibus em frente a Cinco Quinas. Eu imaginava que a padaria fosse maior. É pequena. Tem uma existência mais antiga que eu, que nasci ali em 1969. Desde muito pequeno ia lá buscar pão, subindo a rua. A rua que dava enchente sempre que chovia forte. As enchentes de minha infância...
Na próxima etapa da caminhada, a subida do morro pela R. Profª Ana Maria Lélis da Silva, e a escola onde fui alfabetizado, E.E. Prof. Adolfino Arruda Castanho. Eu, minha irmã e a minha mãe subimos por ali muitos anos, quando fizemos as primeiras séries do ensino fundamental. Depois, passei nos endereços de longa parte da minha vida, as casas de meu tio na R. Prof. Antônio Filgueira de Lima, na Antônio de Bonis e na Ricardo Cipicchia. Várias fases da vida - infância, adolescência, vida adulta. Foram tempos diversos, como é a vida, tempos felizes, tristes, duros, amenos... vida.
Para voltar para Osasco, desci pela Avenida N. Sra. da Assunção, passei em frente da escolinha onde minha companheira deu aula quase a vida toda. Encarei mais uma hora de caminhada pela Av. Corifeu de Azevedo Marques.
Carrego comigo lembranças boas e ruins desses lugares, ali nasci, ali vivi, dali fui embora, pra'li voltei. Ali estava quando fui criança, quando fui feliz, brincando. Frequentei a Paróquia São Patrício, na Av. Otacílio Tomanik, em diferentes épocas, na infância e na adolescência.
Ali estava quando voltei pra São Paulo, vindo de Uberlândia (MG) quando fui trabalhador braçal, depois bancário, e quando trabalhei em escola de idiomas, e quando trabalhei em lanchonete no Itaim Bibi etc...
Foi uma caminhada boa. Cheguei cansado. Felizmente, o quadril parece que vem resistindo bem a essas caminhadas longas. Já rodei nesse mês algo como 90 Km. Vamos ver se faço mais uma Romaria entre Uberlândia e Água Suja.
Vai que eu volte a pensar na grande caminhada já protelada várias vezes nas últimas décadas... a caminhada na Espanha, o Caminho de Santiago, no qual pensei fazer o longo percurso do Caminho Francês, saindo de San Jean Pied de Port, França, e atravessando todo o Norte da Espanha, quase mil quilômetros.
Por enquanto, preciso caminhar andar andar e andar, e lidar com essas tristezas de ver meu mundo destruído pelo golpe e pelo mal representado pelo bolsonarismo.
E ainda tem outras tristezas domésticas... vi numa entrevista dias atrás a psicanalista Viviane Mosé explicando que os donos do poder (o 1%) têm uma estratégia de fazer as pessoas infelizes e tristes, é um projeto do capitalismo. Assim as pessoas ficam paralisadas, não lutam, se entregam aos vícios, desistem da vida, dos sonhos, de tudo...
Isso é verdade! Há um projeto dos capitalistas para deixar as pessoas tristes. É só vermos dentro de nossas casas... como as famílias podem ser tão problemáticas nessa vida e por tão pouca coisa, às vezes! Muitas das infelicidades dentro de casa não precisariam existir... Precisamos de mais amor, de mais paciência, entre todos nós. A começar dentro de casa!
Tristeza faz parte da vida, que é dura. Mas não essa tristeza como projeto do capitalismo, essa temos que combater. Não podemos desistir da vida. A vida é uma oportunidade única e diária de acontecer coisas boas, coisas boas podem ser as coisas mais simples que se possa imaginar, coisas boas podem acontecer a nós tod@s.
Seguimos caminhando, mesmo sem ter caminhos, caminhamos... e fazemos caminhos ou atalhos.
William