sexta-feira, 30 de abril de 2021

300421 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Tentei ler nesta sexta-feira mais um capítulo do livro fantástico do neurocientista Miguel Nicolelis - O verdadeiro criador de tudo -, mas não rolou. Acabei dedicando um tempo a escrever sobre a leitura dos primeiros quatro cantos da Odisseia de Homero e depois as horas do dia foram gastas com o gastar da vida atual. Ora ouvindo os absurdos da realidade brasileira, ora fazendo alguma coisa improdutiva; depois correndo 5K para ver se faço a minha parte na manutenção da vida. Mesmo assim, li algumas páginas a respeito de nosso cérebro. Nos põe a pensar a leitura e as explicações de Nicolelis, mesmo sonolento como estava naquela hora vagal.

No capítulo 9 do livro, Nicolelis começou descrevendo uma cena num lugarejo no ano de 1300. Às 6 horas da manhã, os sinos da construção do século VII começaram a badalar blem, blem, blem... com isso, todo e qualquer humano a quilômetros de distância era obrigado a acordar e seguir o ritmo ditado pela igreja, as 7 horas canônicas - 6h, 9h, meio-dia, 3h, por volta das 6 horas e lá pelas 9h da noite, hora de todos dormirem. O tempo, o relógio e o controle do tempo e da vida das pessoas. 

Nicolelis descreve esse cenário e essa ação, essa cultura, como uma brainet humana. Nós nos tornamos homo sapiens assim, nossos computadores orgânicos individuais - o cérebro - se juntaram aos demais e formamos essa sociedade humana na qual nos encontramos neste instante em que escrevo. Uma sociedade que mata tudo que vê pela frente, extermina tudo. E também ama e odeia, inventa deuses, sistemas políticos, transforma tudo em vida e em morte.

O papa Francisco é homo sapiens. Einstein é homo sapiens. Hitler é homo sapiens. Natasha Kinski é homo sapiens (apesar da aparência angelical). Eu sou homo sapiens. Você que lê essa reflexão é homo sapiens. São bilhões de homo sapiens vivendo e morrendo neste exato segundo em que escrevo a postagem. 

Estou ouvindo uma música enquanto escrevo... paro a postagem e vou ver o videoclipe... cara, que saudade das coisas, que vontade de viver tudo tudo tudo que a gente pode viver. Tudo! "Have You Ever Seen The Rain" (Creedance Clearwater Revival)... caralho! Me deu vontade de acampar,,, vontade de jogar sinuca de novo,,, ouvir música com amigos e tomar uma,,, andar pela estrada de noite vendo a lua bem na minha frente,,, ahhhhh!

Eu adoro montanhas, matas, cachoeiras, porra... já fiz muita coisa que meu cérebro contém até o dia em que não mais. Motos, vento. 

Chega, não dá pra postar mais hoje não. Tá bom.

William


Odisseia (Homero) - Telemaquia, Livro I a IV



Refeição Cultural

"Já farta a vista, em limpa cuba os lavam
E ungem de óleo as escravas, que, em felpudos
Albornozes, e túnicas macias,
Do soberano a par os apoltronam.
De gomil de ouro às mãos verte uma delas
Água em bacia argêntea, a mesa lustra,
Que enche a modesta afável despenseira
De pães e das presentes iguarias;
Escudelas de várias novas carnes
O trinchante apresenta e copos de ouro.
Dá-lhes a destra e fala Menelau:
'Comei, saboreai; depois da ceia,
Saberemos quem sois. De escura estirpe
Certo não vindes, mas de heróis cetrados:
Gérmen vil não rebenta em plantas nobres'.
" (LIVRO IV, v.36-50, p. 104)


Nesta quinta-feira, 29 de abril, comecei a leitura da Odisseia, de Homero. Estou centrado na leitura dos clássicos da literatura mundial e esta obra atribuída ao aedo Homero podemos considerá-la como o clássico dos clássicos. Deu um trabalhão chegar aonde queria chegar na leitura do dia - os 4 primeiros cantos ou livros, também chamados "Telemaquia" -, mas cheguei. Estou focado nos meus objetivos literários.

A escolha da Odisseia como uma das leituras da vez teve um contexto, como quase tudo na vida. Um acaso que leva a outro, veredas que escolhemos e seguimos. 

Quando li Moby Dick, nas últimas seis semanas, um amigo decidiu ler o clássico de Melville também. Ao terminarmos, ele me propôs lermos Ulisses, de Joyce. Topei. Vamos viajar por Dublin e pela linguagem joyceana nas próximas semanas. Para incrementar minha releitura de Ulisses, resolvi ir à fonte de referência e inspiração do escritor irlandês: a Odisseia. E em versos, que não é tarefa fácil. Eis porque Homero foi o desafio linguístico do dia e dos próximos dias.

Desde que passamos a viver sob a condição de isolamento social e perda da normalidade no cotidiano de nossas vidas, com a pandemia mundial de Covid-19, passei a perseguir com um pouco mais de firmeza o meu desejo de ler uma centena de obras clássicas. A primeira leitura de peso dessa fase pandêmica foi a leitura do Decameron, de Giovanni Boccaccio, de 1353. Foram mais de 800 páginas. Li uma narrativa por dia, em cem dias. Depois fui lendo outros clássicos e não clássicos. E aqui estou com mais uma empreitada literária.

------------

ODISSEIA

Li os 4 primeiros cantos da Odisseia na tradução de Odorico Mendes e numa edição especialíssima da Edusp a cargo do professor Antonio Medina Rodrigues. Poderia dizer que li a "transcriação" do nosso tradutor maranhense, como diz o crítico e poeta Haroldo de Campos. O professor Medina nos diz que os 4 cantos iniciais podem ser chamados de "Telemaquia" porque têm o jovem Telêmaco como objeto. Telêmaco vai voltar lá no Canto XV.

A leitura não é fácil. É um tremendo exercício para meus 86 bilhões de neurônios que atuam em conjunto dentro do cérebro - O verdadeiro criador de tudo -, como nos explica em livro o neurocientista Miguel Nicolelis (estou lendo o livro).

Uma das coisas que me chamam a atenção desde a época das aulas sobre a cultura grega é a forma de tratamento aos forasteiros, aos outros. Primeiro, as pessoas eram acolhidas em casa, tinham suas mãos e pés lavados, eram alimentadas e só depois disso é que se perguntava aos forasteiros quem eram, de onde vinham, o que queriam, como se poderia ajudá-los. Na Odisseia esse traço cultural aparece a todo momento (veja na citação acima).

CAVALO DE TRÓIA

O herói Ulisses (Odisseu no original em grego) será imortalizado na cultura mundial, assim como outros heróis gregos (Ajax, Aquiles etc). Uma passagem bastante clássica é uma referência sobre o Cavalo de Tróia, uma ideia do nosso herói Ulisses, o "engenhoso". Nesta passagem abaixo, Menelau fala com a esposa, Helena, sobre o engenho de Ulisses. Helena é aquela tida como responsável pela guerra entre gregos e troianos.

"O marido aplaudiu-a: 'Sim, consorte,
Muito hei peregrinado, heróis vi muitos;
Paciente, engenhoso, e forte e sábio,
Quando ideou, quanta mostrou constância,
No cavalo artefato, em que os melhores
Clade e exício aos Trojúgenas levamos!...
" (LIVRO IV, v.210-216, p. 109)

A linguagem poética não é simples porque não é prosaica e por diversos outros motivos. Mas com um pouco de esforço, os leitores conseguem vencer a barreira linguística e seguir adiante. Muitos livros têm notas explicativas que ajudam bastante. Esta edição a cargo do professor Medina tem notas muito boas.

Demorei quase uma hora por canto ou "livro", sério mesmo! Mas fiz a leitura do jeito que acho ideal. Lia em voz alta, relia. Só o Canto IV foi mais truncado, porque o dia avançava e tive muitas interrupções, aí ficou mais difícil.

Enfim, seguimos nas leituras clássicas.

William


Bibliografia:

HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).


terça-feira, 27 de abril de 2021

Viagens linguísticas



Refeição Cultural

Terminada a aventura a bordo do Pequod, passando um tempo de meus dias atribulados junto ao capitão Acab e sua tripulação, à caça da baleia branca Moby Dick, me preparo agora para novas aventuras literárias, novas viagens a novas culturas e novas viagens para dentro de mim mesmo, meu cérebro e o que sou.

Eu e o amigo Sérgio Gouveia vamos embarcar na companhia de Leopold Bloom e vamos perambular pela Dublin do início do século XX durante o longo dia 16 de junho de 1904. Para meu amigo, será a novidade de um dos romances mais icônicos da literatura mundial; para mim, será a releitura da obra duas décadas após minha epopeia joyceana. 

Ulisses, de James Joyce, é sobretudo uma viagem linguística. Assim como outras obras do gênero romance com linguagens pouco comuns aos leitores, o romance de Joyce é uma leitura exigente. Me deu trabalho da primeira vez. Vamos ver agora.

Para tornar mais interessante a leitura do Ulisses de Joyce, decidi ler ao mesmo tempo a obra referência de Ulisses, a Odisseia, de Homero. E vou ler a Odisseia em versos, coisa que nunca terminei, pois comecei e larguei. Já li a Odisseia em prosa para tomar conhecimento do clássico e atender às necessidades acadêmicas.

Sendo assim, daqui a poucos dias começo a viagem pela Dublin de Leopold Bloom, Molly Bloom e Stephen Dedalus. Antes, vou fazer a arrumação necessária da casa, deixada um pouco de lado durante a viagem a bordo do baleeiro Pequod.

Para iniciar as novas viagens linguísticas, li entre ontem à noite e hoje de manhã mais de 50 páginas de ensaios e textos críticos contidos na minha edição especial da Odisseia, uma edição da Edusp à cargo do professor Antonio Medina, já falecido. Tive aula com o Medina na FFLCH e nunca mais vou me esquecer daquelas aulas. Eram fantásticas! 

Os textos que li do professor Medina e do poeta e crítico Haroldo de Campos foram centrais para iniciar a leitura da Odisseia e de Ulisses. Os textos abordaram a questão da linguagem, das traduções e foram motivados por causa da figura polêmica do tradutor da edição que tenho, Manuel Odorico Mendes, um grande intelectual maranhense do século XIX.

Odorico Mendes é tratado de forma dura e até descortês pelo crítico de literatura brasileira Sílvio Romero e também por nosso mestre Antonio Candido. Em sua defesa lemos Haroldo de Campos e o professor Medina. Quanta reflexão pude ler nas 50 páginas de críticas de minha edição! Talvez comente durante as leituras dos clássicos parte dos conceitos apreendidos ali.

E não é que fui até a estante para dar uma olhada em qual tradução em verso eu tinha da Ilíada de Homero e para minha surpresa também é uma tradução de Odorico Mendes! A gente nem sabe tudo o que tem em casa...

Enfim, vamos começar a arrumação da casa, porque depois vamos embarcar em longas viagens, em viagens fantásticas, sem dúvida! Alguém mais se habilita para essas viagens?

Boas leituras, amigas e amigos leitores!

William


segunda-feira, 26 de abril de 2021

26. Moby Dick - Herman Melville



Refeição Cultural - Cem clássicos

Contar entre minhas leituras de clássicos da literatura mundial a leitura de Moby Dick é uma satisfação. É um feito para mim. Tudo bem que eu tenha conhecido aos 52 anos essa estória que já virou história, haja vista que o embate entre a baleia branca Moby Dick e o capitão Acab (Ahab) está inserida na cultura mundial há 170 anos.

Lendo sobre o escritor e poeta Herman Melville, percebemos as dificuldades que marcaram a vida de grandes autores da história da literatura, das ficções literárias. Melville ficou órfão cedo, trabalhou desde jovem para sustentar a si e à família. Depois se aventurou pelo mundo. Na volta aos Estados Unidos, escreveu algumas ficções de sucesso e a ficção que não obteve reconhecimento do público foi justamente Moby Dick. Vai entender! Alguém conhece hoje alguma outra obra de Melville?

A partir de agora, eu, um leitor tardio de romances, coloco a leitura de Moby Dick na minha galeria de façanhas literárias realizadas nesta breve caminhada pela existência humana. Algumas obras são difíceis de se ler até pelo tamanho, além das dificuldades na linguagem, no conteúdo etc.

Cito algumas leituras de peso no meu percurso: Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes; Ulisses, de James Joyce; Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway; A montanha mágica, de Thomas Mann; Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez; Os irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiéviski; Decameron, de Giovanni Boccaccio; Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Esses são alguns dos grandes clássicos da literatura que tive o privilégio de conhecer.

Faltam tantos clássicos ainda pra serem lidos que desejo realmente que a natureza e o acaso me permitam seguir vivendo mais um tempo com um mínimo de saúde para poder conhecer um pouquinho mais da cultura humana produzida ao longo da história. 

Como diz o pensador Italo Calvino, de forma humorada ao final do ensaio com diversos motivos para se ler os clássicos, é melhor ler do que não ler os clássicos. Concordo com ele. Aliás, uma das coisas que Calvino fala é que devemos ter os livros a ler, os livros a reler e os livros a serem lançados ainda. Após 20 anos, vou reler Ulisses, para acompanhar a leitura de um amigo. Vamos curtir juntos a viagem na linguagem joyceana.

Por fim, ao mesmo tempo em que me sinto realizado ao terminar mais um livro clássico - não diria feliz porque não estou feliz com o atual estado das coisas no mundo -, fico também pensativo a respeito da vida na Terra. As leituras mais recentes têm me feito pensar muito. Isso é bom e é raro porque as pessoas estão deixando de pensar. Somos seres autômatos e o homo sapiens está em risco de extinção.

O ser humano produz coisas fantásticas como as ciências e as artes e ao mesmo tempo produz as maiores tragédias e destruições. Em pleno século XXI temos um país sob bolsonaros... não tem sentido algum isso. 

No nível em que estamos, a humanidade e a vida em geral não durarão nem alguns séculos a mais e olha que somos muito recentes no planeta, 100 mil anos de história do homo sapiens não é nada para o tempo do Planeta e do Universo.

É isso! Eu estou cansando dos seres humanos, de verdade. E pior é que a vida humana não tem muito sentido sem as relações humanas. Não sei como isso vai acabar, pelo menos para mim.

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: Publifolha, 1998.

domingo, 25 de abril de 2021

A história de Moby Dick e Acab ainda emocionam



Refeição Cultural

"Moby Dick fez uma aparição espetacular! Porque desta vez a baleia branca não revelou a sua proximidade pelos jorros tranquilos e indolentes, nem pelos borbotões pacíficos da fonte mística da sua cabeça, e sim pelo fenômeno mais maravilhoso do salto. Erguendo-se a toda velocidade das mais insondáveis profundezas, o cachalote lança assim todo o seu volume ao elemento puro do ar, e empilhando uma montanha deslumbrante de espuma, mostra o lugar onde se encontra, até uma distância de sete ou oito milhas. Em momentos como esses, as ondas quebradas e furiosas que sacode parecem ser a sua juba; em alguns casos, o salto é o seu gesto de desafio." (p. 629)


Foi emocionante! Terminei a leitura de Moby Dick (1851), de Herman Melville. Foi emocionante!

Neste domingo, quando faltavam umas 15 páginas para acabar o romance, comentei com minha esposa algo que para mim é essencial na leitura de obras clássicas: eu estava ansioso para saber o final da estória!

Sei que é difícil acontecer isso com uma obra literária que tem 170 anos de existência. Mas comigo foi assim. Eu dificilmente vejo um filme baseado em livros de ficção que pretendo ler um dia. Neste caso, deu certo! Até a última página, eu não sabia o desfecho da história de Moby Dick, o capitão Acab e sua tripulação e o baleeiro Pequod.

E vivi a tensão que se desenvolvia naquele cenário, céu e mar, junto com as personagens da trama, até o último instante. E me surpreendi com o final. E não conto pra ninguém que ainda não saiba.

E com a viagem no Pequod por quase dois meses - li o clássico em 19 sentadas - pude abstrair por algumas horas diárias de toda a desgraça que assola o nosso mundo sob as pandemias mortais do novo coronavírus e da gestão genocida dos criminosos alçados ao poder em meu país após um golpe de Estado para destruir nossas vidas em benefício de alguns canalhas lesas-pátrias.

Leiam, leiam! A leitura pode contribuir para a salvação da humanidade, porque a leitura salva parte da humanidade, uma parte que pode reconstruir o mundo por ser menos ignorante e mais instruída com valores universais que dignificam os seres humanos e a vida no planeta.

Preenchida mais uma lacuna cultural em minha vida. Outras aventuras virão. Eu não conheço ainda e terei o prazer da novidade na leitura sobre Gulliver, sobre Robson Cruzoé e outros grandes clássicos da literatura universal. 

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: Publifolha, 1998.


25. Libertinagem - Manuel Bandeira



Refeição Cultural - Cem clássicos

"Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avó
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
"


Neste sábado à noite, 24 de abril, reli o livro de poesias de Manuel Bandeira, Libertinagem (1930). Foi a enésima leitura. Li em voz alta, declamei, interpretei. Até chorei com a "Evocação do Recife". Também me emociono muito com outros poemas do livro.

Durante minhas viagens a trabalho a Recife, tanto no Sindicato quanto na Cassi, era comum nas conversas com os recifenses falarmos do poema de Bandeira e citar as ruas. Ainda hoje esse poema é muito presente para os pernambucanos.

Neste mês de abril, dei uma atenção aos modernistas. Reli Oswald de Andrade e Mário de Andrade, 3 livros daquele e o Pauliceia Desvairada deste. Quero reler Macunaíma, mas vou começar duas leituras clássicas pesadas e o nosso herói sem caráter vai esperar um pouco (ou seja, "sem caráter" significa sem característica bem definida, já nos explicava o professor Wisnik).

Essas leituras dos modernistas são leituras de descansos das leituras engajadas, a do Moby Dick, um catatau de 650 páginas que pretendo acabar hoje, e a do neurocientista Miguel Nicolelis sobre o cérebro humano, criador de tudo. Uma leitura de ciência.

É difícil escolher um ou dois poemas do Libertinagem, ele é muito marcante. Muitos poemas são bastante conhecidos como, por exemplo, "Vou-me embora pra Pasárgada", "Andorinha" e "Poética", que já declamei em sarau.

Difícil escolher um poema para brindar essa postagem...

Pelo contexto no qual vivemos hoje, escolhi o "Profundamente", poema que tive o privilégio de ver analisado em sala de aula na Universidade de São Paulo.

O "Poema de Finados" também é muito forte e muito adequado a milhares de famílias que enterram seus familiares vitimados pelo genocídio da pandemia, genocídio causado pelo regime político que viu no vírus uma oportunidade de barbarizar o país.

Enfim, esse é um clássico a se ler toda hora, todo dia, a vida toda.

William


Bibliografia:

BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.


sábado, 24 de abril de 2021

240421 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

"Em essência, como um todo, a crença tem o poder de formar e refinar a maioria, senão todo, o conteúdo do ponto de vista próprio do cérebro. Portanto, não é surpresa que os seres humanos sejam extremamente proficientes em criar uma enorme variedade de descrições mitológicas e religiosas, além de uma vasta lista de deuses, divindades, heróis e vilões, em uma tentativa de explicar, sem qualquer outro tipo de informação ou necessidade de validação empírica ou factual, toda sorte de fenômenos naturais que, em uma primeira inspeção superficial, desafiam a nossa compreensão. Seria possível argumentar que é graças ao poder universal e sedutor de crer na existência de causas sobrenaturais que a maioria da humanidade suportou por milênios, com apenas esporádicas manifestações de protesto, condições de vida altamente precárias que lhe foram impostas rotineiramente, quer pela natureza, quer pelos diferentes sistemas econômicos e políticos, bem como um sem-número de religiões." (NICOLELIS, 2020, p. 217)


Manhã de sábado, 24 de abril. Nesta noite dormi melhor. Na sexta, tive mais uma noite com incômodos corporais que me impediram dormir bem. Sou só um animal humano. Uma vida. "Viver é dissipar energia para poder embutir informação na massa orgânica do organismo", nos diz o neurocientista Miguel Nicolelis.

Tenho pensado muito sobre a vida e sobre a morte. As mortes. Muita gente está morrendo. Vivemos um genocídio no país onde sobrevivo. A morte é projeto de governo. O governo é apoiado por milhões de pessoas neste lugar do mundo. Eu conheço diversos humanos que apoiam esse regime de morte, maldade, desgraças.

Quando me sentei para escrever, tinha um monte de coisas na cabeça, as sinapses nos neurônios eram intensas. Mas agora passou o momento.

Dia 23 foi aniversário de minha esposa. Do meu primo. De outros conhecidos. E foi o dia da morte de mais um companheiro do movimento sindical, vítima do vírus do governo genocida. Pinheiro foi uma das 2.914 mortes do dia. Companheiro Pinheiro, presente! Também faleceu a jovem Lorena, que trabalhou conosco na Cassi. Que tristeza! Lorena, presente!

Nesta semana morreram diversos conhecidos de lutas. Agora temos 386.416 mortos oficialmente por Covid-19 no país jabuticaba dos bolsonaros, da casa-grande, do PIG.

Já li oito capítulos do livro do neurocientista Miguel Nicolelis. Se vivo estiver neste fim de semana inteiro, vou terminar a leitura do clássico de Herman Melville. 

Embutindo informação na massa orgânica que sou. E num instante qualquer o que era já não serei mais. Tenho claro isso.

Fiquei pensando em muita coisa ao ler Nicolelis. Os humanos registrando nas paredes das cavernas dezenas de milhares de anos atrás. Foram os primeiros registros fora do cérebro daqueles animais, registros de acontecimentos, pensamentos, memórias, desejos, coisas, registros para fora do cérebro dos animais humanos e para a posteridade, para além do indivíduo.

Registrar no blog, uma coisa virtual, guardada de forma digital numa máquina lá num canto do mundo, é um registro frágil demais para permanecer na Terra. Já pensou se as pinturas rupestres estivessem nas nuvens, as tais nuvens digitais? 

Eu procuro informações das lutas sindicais dos últimos 20 (vinte) anos e não encontro. Eram virtuais, digitais, e viraram nuvem, se dissiparam... (a seguirmos assim, só vai sobrar a história contada pelos bolsonaros, pela casa-grande, pelo PIG)

Não somos nada. E sem registro, só somos informações acumuladas nessa massa orgânica que somos, que deixa de ser a qualquer instante.

É isso. Deixo nessa nuvem, nesse instante, meus sentimentos sinceros a todas as famílias que perderam seus entes queridos no dia de ontem, nesse período de mortes severinas, mortes temporãs, fora de época, que não deveriam ocorrer. 

Ah, sobre a citação de Nicolelis, eu posso dizer das experiências que tive na vivência desse organismo que sou. As crenças religiosas, crenças em coisas sobrenaturais, crenças na luta sindical, nos ideais da esquerda etc. Elas foram a base do que fui até uns trinta anos de idade e do que sou depois disso. 

Eu compreendo o estágio em que cada ser humano está (compreender não é aceitar, já dizia Hobsbawm, mas compreendo). Nessas cinco décadas de sobrevivência, foi a fé em alguma abstração mental que me manteve vivo, afinal tudo é abstração mental, deuses, demônios, relações com o mundo externo ao organismo, coisas que chamamos pátria, família, dinheiro, socialismo, amizade, amor...

William


Bibliografia:

NICOLELIS, Miguel. O verdadeiro criador de tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. São Paulo: Planeta, 2020


quinta-feira, 22 de abril de 2021

Leitura: Losango Cáqui (1926) - Mário de Andrade



Refeição Cultural

O dia está nublado, com chuviscos. Meio friozinho na Pauliceia arlequinal. É tudo que se precisa para ler Mário de Andrade. Estou com os modernistas nesses dias. Depois de três livros de Oswald de Andrade, li a Pauliceia Desvairada e agora conheci Losango Cáqui. Sigo na procura, como diz o poeta na "Advertência" contida no início da obra.

"Porém peço que este livro seja tomado como pergunta, não como solução que eu acredite siquer momentânea. A existência admirável que levo consagrei-a toda a procurar. Deus queira que não ache nunca... Porque seria então o descanso em vida, parar mais detestável que a morte. Minhas obras todas na significação verdadeira delas eu as mostro nem mesmo como soluções possíveis e transitórias. São Procuras. Consagram e perpetuam esta inquietação gostosa de procurar. Eis o que é, o que imagino será toda a minha obra: uma curiosidade em via de satisfação." (ANDRADE, 1976, p. 81)

O livro de Mário de Andrade é bem curioso. Achei interessante.

Eu não tive a capacidade de aprender toda aquela física quântica das nominações impronunciáveis que inventaram para os fenômenos da gramática e da linguagem poética. Male male fui aprender a ler poesia depois dos trinta anos de idade. Sigo assim nas últimas duas décadas, um curioso lendo poesia, conhecendo um pouco os poetas mais aclamados, e tendo claro que não sou um entendido em poesia. Sou um ignorante, mas um ignorante consciente e que busca preencher suas lacunas culturais.

Deixo na postagem um dos poemas que mais gostei de Losango Cáqui:


------------------

XXIV

A ESCRIVANINHA

Meu pai com seu nariz judeu...
Eu vivia quási sem ruído.
Dúmas Terrail Zóla escondidos,
Si ele souber... Meu pai? Meu Deus?

Duas pessoas num só terror.
Meus quatorze anos sorrateiros:
Leituras pobres, vícios feios,
Quanto passado sem valor!

Eu não vivi no meu país.
Zóla Terrail Dúmas franceses...
Que gramáticas portuguesas
Pro miserável de Paris!

Depois a Vida me ensinou
A vida. Meu pai morreu. Quando
Órfão me vi, chora-chorando,
Minha miséria se acabou.

Anjo-da-Guarda, Solidão!
Zóla voltou pra escrivaninha
De meu pai. Que grandeza estranha
Pôs esse gesto em minha mão?...
        Não sei.

------------------

Vamos lendo enquanto vivos. As lacunas culturais são cada dia maiores... você lê uma coisa e aparecem as referências que são lacunas a se preencherem em nossas vidas de curiosos, de leitores. Ainda não li um livro sequer de Émile Zola... É f...

Leiam, leiam, raros amig@s leitores. Leiam!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Mário de. Poesias Completas. Círculo do Livro S.A. São Paulo, 1976.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

Moby Dick - Por fim, notícias de Moby Dick



Refeição Cultural

"Em tais momentos, sob um sol fraco, flutuando o dia inteiro sobre ondas suaves, de pouca elevação, sentados nos botes leves como canoas de bétula, e misturando-se socialmente com as próprias ondas que, como gatos domésticos, ronronam contra a borda, nesses momentos de quietude sonhadora, ao contemplar a beleza tranquila e brilhante da pele do oceano, a gente esquece o coração de tigre que palpita sob ela e não deseja pensar que esse manto de veludo oculta unhas implacáveis." (p. 556)


Nesta quarta, 21 de abril, peguei firme na leitura de Moby Dick. Foi o dia que mais li de uma vez o clássico de Melville. Agora sim, caminho para o fim da narrativa. Li 75 páginas e parei no capítulo no qual outra embarcação dá notícias sobre a baleia branca, o capítulo 128 - "O Pequod passa pelo Rachel". Estou na página 601 da minha edição. 

Nenhuma crítica, filme, aula, comentário ou resumo substitui a leitura de uma obra literária. Essa é uma afirmação que ouvi diversas vezes dos professores de literatura e afirmo que ela tem sentido. Na falta de tempo ou se tiver que escolher entre textos sobre uma obra e a própria obra, vá direto para a obra.

Estou finalizando a famosa obra de Herman Melville, narrativa que navegou pelo imaginário dos leitores nos séculos XIX e XX, e agora no XXI. A estória sobre Moby Dick e o capitão Acab (Ahab em inglês) é muito mais que uma estória de caça ou pesca a uma baleia branca ou um cachalote gigante dos mares do Sul. O livro é um almanaque de usos e costumes e pensamentos daquele momento do mundo.

Quanta coisa já li nas 600 páginas de leitura! Tem muita reflexão (que chamo de "filosofada" nas anotações ao lado do texto)! Quanta informação a respeito da pesca à baleia em meados do século XIX! Quanta inferência podemos tirar daquele mundo no qual vivia o escritor Melville!

É muito bom ler um livro de literatura, um romance, uma obra de ficção. 

Hoje passei mais um dia sem ligar celular, sem saber das desgraças que os homens maus do mundo nos legaram: a destruição da natureza e da vida em benefício de uns poucos canalhas. Se estivesse nas redes sociais e na internet, meu cérebro e minha atenção seriam fisgados pela Matrix que nos emburrece e nos faz autômatos e peixes (gado).

Tem sido bem melhor viajar pela literatura nestes dias de pandemia, fascismo, negacionismo, ignorância e banalidade do mal.

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: Publifolha, 1998.


terça-feira, 20 de abril de 2021

24. Pauliceia Desvairada - Mário de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos

"A gramática apareceu depois de organizadas as línguas. Acontece que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de línguas organizadas. E como Dom Lirismo é contrabandista..." ("Prefácio interessantíssimo", Pauliceia Desvairada, 1922)


Estou nuns dias de desconstrução, e quem sabe reconstrução de algo, talvez até de descobertas de sentidos, sabendo que não há sentido nas coisas. A coisa até parece o Modernismo e seus participantes centrais, Oswald de Andrade e Mário de Andrade (além, é claro, de meu predileto, o 3º Andrade, o Drummond).

Interrompi a leitura de Moby Dick por uns dias, para ler uns livros intercalados. Estou bem na leitura do clássico de Melville. Faltam pouco mais de cem páginas para acabar o livrão. 

Nesses dias de desconstrução, li primeiro o Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade. Depois li o livro de poesia Pau-Brasil, dele também. Para finalizar as obras centrais de O. A. que tenho, li o Serafim Ponte Grande. Livros fundantes do Modernismo brasileiro. Já havia lido essas obras duas décadas atrás, quando entrei na USP.

Aí fui pegar para ler os textos críticos de Haroldo de Campos, contidos nos livros do Oswald de Andrade. O texto crítico de Campos contido no João Miramar li no dia da releitura da obra. Faltavam mais dois textos críticos e o contido na edição de Pau-Brasil é enorme, mais de 50 páginas. Enfim, peguei pra ler as críticas. São muito boas!

Ao começar a leitura de Haroldo de Campos falando sobre a poesia Pau-Brasil e Oswald de Andrade, não teve jeito de ficar só nisso. Mário de Andrade era tão citado, juntamente com sua Pauliceia, que tive que parar o texto crítico e reler a Pauliceia Desvairada (1922). Mário de Andrade foi outro modernista que conheci ao estudar nas Letras da USP.

Foi assim minha manhã desta terça-feira, 20 de abril. A cada dia, menos vontade de ligar o celular eu tenho. Estamos vivendo um período de guerra, destruição do mundo, mortes nos campos de batalha, perdas de pessoas conhecidas, depressões. Explico: pandemia de Covid-19 no Brasil do regime fascista e genocida de um psicopata apoiado pela casa-grande, que acabou com a parca democracia que tínhamos ao dar um golpe de Estado em 2016. Tem horas que não queremos mais saber do mundo.

Enfim, voltando à Pauliceia Desvairada, a leitura de Mário de Andrade foi muito impactante quando a li pela primeira vez na Letras. Naquela época, eu fiz Modernismo com o professor Wisnik: foi legal demais! 

Fizemos uma greve na faculdade em 2002, a maior greve da história da FFLCH, e eu cheguei a declamar "Ode ao burguês" nas escadarias do prédio da Gazeta na Avenida Paulista. Eu declamava cada verso e um monte de gente repetia em seguida... foi "arlequinal!".

Na sala de aula, o professor fazia leituras em voz alta conosco, gritando poemas da Pauliceia. Era uma loucura! Inesquecível!

É isso. Anotado mais um clássico que tive o privilégio de conhecer nesta vida.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Mário de. Poesias completas. Círculo do Livro S.A. São Paulo, 1976


domingo, 18 de abril de 2021

23. Serafim Ponte Grande - Oswald de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos

"Fatigado
Das minhas viagens pela terra
De camelo e táxi
Te procuro
Caminho de casa
Nas estrelas
Costas atmosféricas do Brasil
Costas sexuais
Para vos fornicar
Como um pai bigodudo de Portugal
Nos azuis do clima
Ao solem nostrum
Entre raios, tiros e jaboticabas
"

(Serafim Ponte Grande, O. A.)


Entre minhas leituras engajadas do momento, os dois livrões que estou lendo nestes dias - Moby Dick (1851), do romancista norte-americano Herman Melville e O verdadeiro criador de tudo (2020), do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, eu descanso lendo algo leve ou revejo leituras que já fiz.

Foi em uma dessas pausas de descanso dos livros lidos como desafios novos, que li neste domingo (18/4) o 3º livro do modernista Oswald de Andrade. Na verdade, foram releituras das obras dele estudadas por mim há duas décadas, quando entrei na faculdade de Letras da USP.

E com a leitura de hoje de Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade, encerro a trilogia do autor. Li Memórias sentimentais de João Miramar (1924) e Pau-Brasil (1924) dias atrás. Postagens aqui e aqui, respectivamente.

Gostei mais da leitura de Serafim Ponte Grande do que da leitura de João Miramar. A linguagem de ambos os romances é inovadora, lógico, mas no Serafim o escritor está mais maduro naquilo que queria desenvolver. O prefácio de 1933 feito por Oswald de Andrade é forte, é de ruptura com uma fase do modernismo que ele e seus colegas vivenciaram. Vejam o que ele diz:

"Publico-o no seu texto integral, terminado em 1928. Necrológio da burguesia. Epitáfio do que fui." (p. 39)

Nas minhas releituras e leituras de descobertas de personagens da literatura brasileira, pretendo identificar o esforço de nossos autores mais conhecidos e clássicos em representar os tipos brasileiros, os caracteres de nossa gente na visão desses autores.

João Miramar e Serafim Ponte Grande são, na minha opinião, personagens literários que ocupam essas tentativas autorais de descrever tipos sociais de nossa gente. Sei que O. A. apresentou nesses romances toda uma concepção de linguagem, de críticas a outras formas de linguagem poética e literária anterior ao movimento ao qual ele estava engajado, o Modernismo Brasileiro.

Enfim, mais um clássico contabilizado nas minhas metas literárias.

------------------

MEMÓRIAS E REFLEXÕES

Os livros trazem muita história, falo aqui em relação aos livros físicos, os volumes que temos em mãos quando lemos. Minhas edições de Oswald de Andrade foram adquiridas há duas décadas. Nelas, tomei contato com o autor no momento que comecei uma faculdade de Letras. Estava tendo aulas fantásticas sobre Literatura Brasileira e Modernismo.

O livro que li hoje, dia 18 de abril de 2021, tem uma marcação que me deixou pensando na vida. Lá na página 161, a página do fim do romance, anotei o dia que acabei a leitura em 2002: dia 2 de agosto. Na hora vieram diversas memórias e pensamentos sobre a minha vida nestas duas décadas.

Dia 2 de agosto de 2002 foi meu último dia atendendo clientes da agência Vila Iara - Osasco, no Banco do Brasil, foi uma sexta-feira. Após ser eleito diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, alguns meses antes, eu começaria meu trabalho de representação dispensado do local de trabalho a partir do dia 5 de agosto, uma segunda-feira. Tudo mudou na minha vida a partir dessa data.

Aliás, as coisas mudaram tanto que neste domingo de 2021 eu não liguei o celular, não entrei em rede social alguma, não quis ler notícias. Preferi me isolar e ler. Com a leitura e sem ser pescado, fisgado, capturado pela Matrix, pude refletir sobre tanta coisa, do presente e do passado, que foi um dia de muitas memórias e reflexões sobre a vida.

Estamos no pior momento da história do Brasil. Um governo genocida, psicopata e lesa-pátria desmancha nosso país e nossas vidas. A pandemia mundial de Covid-19 contamina, sequela e mata milhares de pessoas todos os dias, aqui com o apoio do regime de morte. As pessoas não têm direitos sociais mínimos após a retirada do Partido dos Trabalhadores do poder por golpe de Estado. 

É tudo muito triste hoje em dia. Bem diferente do que iríamos viver no Brasil a partir daquele dia que li Serafim Ponte Grande, dia 2 de agosto de 2002. Lula seria eleito e o povo viveria os melhores anos de suas vidas, o Brasil viveria o melhor momento de sua história.

É isso!

William


ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. 8ª ed. - São Paulo: Globo, 2001.


sábado, 17 de abril de 2021

Moby Dick - Atos de leitura: a persistência



Refeição Cultural

Olha!, como foi difícil avançar alguns capítulos na leitura de Moby Dick de ontem para hoje! A leitura não rendeu. Desisti de seguir neste sábado. 

Ontem de noite, quase meia-noite, comecei o capítulo 101 - "A garrafa" e o sono bateu na segunda página. Parei. Hoje de manhã, peguei o 102 e foi a mesma coisa, parei de novo.

No capítulo 102, anotei uma observação sobre a minha ignorância como leitor. O narrador falava sobre uma referência que já li e ouvi um milhão de vezes e não sei sobre ela. Ismael falava sobre a cabeça de um cachalote e em seguida de sua queixada:

"(...) e, suspensa de um ramo, a queixada vibrava sobre todos os fanáticos, como a espada pendente de um fio de cabelo que tanto assustou Dâmocles." (p. 511)

E eu anotei ao lado: "Até Ismael sabe disso e eu não sei..."

Na página seguinte, o sono bateu de novo e parei. Estava difícil ler. 

Esta semana foi cansativa. Pode ser por vários motivos. Saco cheio de pandemia e mortes. Tristeza por tratar de assunto que me toca profundamente como a Cassi. Não estive bem nesses dias, não estou correndo como gostaria - a pressão foi lá no inferno -, achei que ia ter um treco.

Escrevi 3 textos de difícil confecção sobre a Cassi e me envolvi nas discussões sobre os rumos de nossa Caixa de Assistência. Dei minha vida por ela e agora a associação está sendo desfigurada por um grupo de liberais ligados ao regime no poder do país.

Com sono no capítulo 102, coloquei um tênis, máscara e fui andar uns 5K para ver se o sangue circulava no corpo e no cérebro. Após a caminhada, a pressão baixou um tento.

Com muito esforço, li mais três capítulos. O narrador segue filosofando sobre baleias, descrevendo anatomias e fatos históricos sobre baleias, fósseis etc, apresentou uma teoria de que as baleias jamais serão extintas, diferente de outras espécies animais. E foi isso por hoje, 17º dia de leitura. Parei na página 526 e vou ler o capítulo 26 - "A perna de Acab" na próxima sessão de leitura.

Essa postagem foi mais uma categoria de "diário" do que uma de "leituras de livros", mas poderia classificá-la também como uma categoria "atos de leitura", que nem existe no blog. Tem horas que o leitor tem que ser persistente para cumprir seus objetivos literários. Não é?

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: PubliFolha, 1998.


sexta-feira, 16 de abril de 2021

22. Pau-Brasil - Oswald de Andrade


 

Refeição Cultural - Cem clássicos

"DIGESTÃO

A couve mineira tem gosto de bife inglês
Depois do café e da pinga
O gozo de acender a palha
Enrolando o fumo
De Barbacena ou de Goiás
Cigarro cavado
Conversa sentada
"

(Pau-Brasil, O. A.)


Como disse na postagem anterior sobre minhas leituras clássicas, avaliar meus clássicos é uma chance de rever e redescobrir obras fantásticas (ler aqui). A sensação do diferente e do novo foi a mesma tanto ao reler o romance Memórias sentimentais de João Miramar, como agora na releitura do livro Pau-Brasil, ambos de Oswaldo de Andrade.

Tudo é muito diferente na linguagem do escritor modernista. Alguns poemas do livro são deliciosos, são como imagens passando pela janela de um trem em movimento.

"PAISAGEM

Na atmosfera violeta
A madrugada desbota
Uma pirâmide quebra o horizonte
Torres espirram do chão ainda escuro
Pontes trazem nos pulsos rios bramindo
Entre fogos
Tudo novo se desencapotando
"


Adorei o "Pontes trazem nos pulsos rios bramindo"! A imagem é maravilhosa, senti até o friozinho de passar por pontes nos baixios das estradas pela madrugada. Só quem faz romaria como faço há décadas para saber o que são rios bramindo no frio das pontes.

O livro tem alguns poemas clássicos e de maior conhecimento popular como esse:

"PRONOMINAIS

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
"


Tão nosso, tão brasileiro!

Enfim, ler obras clássicas da literatura brasileira e mundial fez com que minha visão de mundo e minha perspectiva a respeito da alteridade se expandisse ao longo da idade adulta e de vida proletária. 

Muitas referências de autores e de obras importantes adquiri ao entrar no universo das letras na Universidade de São Paulo. As disciplinas e as aulas com os professores de lá são verdadeiros roteiros literários e culturais. Algo que deveria ser de acesso a todas as pessoas do mundo.

É isso! Leiam os clássicos!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. 8ª ed. - São Paulo: Globo, 2002. (Obras completas de Oswald de Andrade)


quinta-feira, 15 de abril de 2021

150421 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Terminei o capítulo seis do livro do neurocientista Miguel Nicolelis, O verdadeiro criador de tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. Foi uma leitura difícil, não o texto, difícil porque não estive bem no dia. Ganhei o livro de presente de aniversário e a leitura de um livro de ciências tem me feito pensar bastante.

Durante uma época de minha vida, tinha receio de que a Inteligência Artificial fosse uma realidade e que as máquinas pudessem pensar e criar e com isso se transformassem em concorrentes dos seres humanos na disputa pela terra, pelo espaço vital. Nicolelis deixa claro que isso não é possível e ainda aponta que os cientistas da computação que vendem essa ideia sabem que isso não é possível. 

Não estou dizendo com isso que as máquinas não possam ser usadas para nos transformar em escravos ou baterias da Matrix, mas por trás sempre haverá humanos. As máquinas não vão se revoltar contra nós e nos eliminar. Nicolelis ao explicar o funcionamento do cérebro e a diferença em relação aos sistemas computacionais deixa isso claro. O problema somos nós, os humanos, e o que podemos fazer com as máquinas.

Nosso cérebro tem 86 bilhões de neurônios. Os neurônios dos animais não agem isoladamente, agem de forma integrada. As explicações que li até agora sobre o funcionamento do cérebro nas 164 páginas do livro do professor Nicolelis me permitiram recordar muitos conceitos e muitos conhecimentos que adquiri na vida quando estudei o corpo humano nos anos noventa. 

O conhecimento científico tem pontos positivos e negativos. Um ponto negativo é termos clareza de nossa condição humana, de nossa mortalidade e efemeridade, isso nos dá humildade e, ao mesmo tempo, nos dá medo e outros sentimentos ruins como egoísmo, egocentrismo e raiva, talvez. Também pode nos fazer pusilânimes, pessimistas e sem esperanças, porque não há espaço para misticismos e crenças sobrenaturais.

Os pontos positivos são muitos também. A inteligência humana, criadora das ciências, permite aos seres humanos criarem soluções para a sua sobrevivência e possibilita a criação de facilidades para a vida humana; a ciência pode melhorar a vida das pessoas.

------------

Estamos convivendo tanto com a morte que se tornou inevitável a morte tomar conta de nossos pensamentos. Além da pandemia mundial de coronavírus, que mata no Brasil mais de 3 mil pessoas por dia, amigos e conhecidos nossos e familiares de todos nós, convivemos com um psicopata na presidência do país, um sádico mantido no poder por uma espécie de doença mental coletiva, uma banalidade do mal que nos fez perder o amor à vida, ao país e ao povo brasileiro.

Quando fui dormir passando mal, pressão arterial super alta, sabia que um treco poderia acontecer comigo. A vida é um instante, da vida para a morte é um segundo. O sentimento que mais vem à cabeça é a preocupação com as pessoas que dependem da gente de alguma forma, relações de amor, de amizade, de sustento. 

Eu me cuido da forma que é possível, tenho consciência corporal e consciência social sobre estar vivo. Gostaria de ver as pessoas mais felizes e sofrendo menos do que vemos hoje. Estragaram tanto nosso mundo com o golpe de Estado e com a destruição da parte boa das pessoas, para se alimentar o que havia de pior em cada um de nós - raiva, ódio, fúria, ignorância - que se um dia o povo brasileiro sair dessa desgraça que nos colocaram, será num amanhã distante. Eu não estarei mais aqui, não verei mais as pessoas felizes. Triste isso. Queria ver meu filho feliz, ver os jovens felizes. (Felizes de forma plena e consciente, não idiotizados, estupidificados como os negacionistas que se aglomeram e contribuem de forma canalha para espalhar o vírus mortal, são uns assassinos esses).

William


segunda-feira, 12 de abril de 2021

21. Memórias sentimentais de João Miramar - Oswald de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos

Sigo na avaliação e contagem dos clássicos da literatura mundial que já tive o privilégio de ler. Ter contato com textos referenciais e ler os grandes autores e suas obras é um desejo antigo, desde que era adolescente e trabalhador braçal. Entre os best sellers que li naquela época, acertei na escolha de algumas obras importantes...

Ainda na adolescência fiz uma daquelas listas de metas na vida e um dos itens da lista era ler ao menos cem clássicos. O tempo passou e pouca coisa pude ler nessas décadas de vida, pouca coisa se for comparar minhas leituras de proletário com as leituras dos grandes leitores, esses eruditos que são enciclopédias ambulantes.

O interessante neste trabalho de avaliar minhas experiências com os clássicos é poder aproveitar a oportunidade para revisitar a obra, o autor, o momento de surgimento do texto e suas ideias, o contexto histórico da obra e que tais. Tenho duas referências no assunto clássicos e leituras: Italo Calvino e sua obra Por que ler os clássicos (2007) e Alberto Manguel e sua fantástica obra Uma história da leitura (1997).

Olhando na estante de casa, vi lá 4 livros do intelectual modernista Oswald de Andrade. Soube a respeito dele basicamente na ocasião em que comecei a fazer faculdade de Letras na Universidade de São Paulo, em 2001. Achei muito legal estudar as vanguardas e o Modernismo Brasileiro e assistir às aulas do professor José Miguel Wisnik. Foi uma honra para o estudante aqui manter o contato com a sabedoria do Wisnik por um semestre.

Em 2002 li 3 vezes o livro, para ter uma compreensão melhor do romance. João Miramar é um típico representante da casa-grande paulistana. Foi interessante reler o clássico agora aos 52 anos de idade. Tudo muda com o passar do tempo, mas a elite paulistana continua a mesma merda!

------------------

O romance é composto por 163 fragmentos, como se fossem cenas de um filme. O autor usa poucos verbos e as frases são construídas com sequências de substantivos e adjetivos. E tem também muito neologismo, muita invenção de palavras.

------

"42. SORRENTO

Velhas velas cigarras

Brumais no mar vesuviano

Com jardins lagartixos e douradas mulheres..." (p. 57)

------

"48. CHUVA DE PEDRA

     Estiadas amáveis iluminavam instantes de céus sobre ruas molhadas de pipilos nos arbustos dos squares. Mas a abóbada de garoa desabava os quarteirões.

     E um dia o dinheiro chegou demais dentro dum telegrama com resposta paga de minha rápida volta." (p. 60)

------

"132. OBJETO DIRETO

     Ao longo do longo Viaduto bandos de bondes iam para as bandas da Avenida.

     O poente secava nuvens no céu mal lavado.

     No Triângulo começado de luz bulhenta antes da perdida ocasião de ir para casa entramos numa casa de joias." (p. 91)

------

"146. VERBO CRACKAR

Eu empobreço de repente

Tu enriqueces por minha causa

Ele azula para o sertão

Nós entramos em concordata

Vós protestais por preferência

Eles escafedem a massa

                              Sê pirata

                              Sede trouxas

Abrindo o pala

Pessoal sarado.

Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular." (p. 97/98)

------

Mais um clássico da literatura a contar nas minhas leituras e na busca por conhecimento.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Oswaldo de. Memórias sentimentais de João Miramar. 13ª edição - São Paulo: Globo, 2001.


domingo, 11 de abril de 2021

110421 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Domingo. Hoje queria variar minhas leituras. Estou indo bem com a leitura do clássico de Melville, Moby Dick. Também estou avançando bem no livro O verdadeiro criador de tudo, do neurocientista Miguel Nicolelis. Mas essas leituras dedicadas cansam a gente. Tem hora que a gente @#$%¨&...

Olhando a estante, mirei os livros que tenho do intelectual modernista escritor, poeta e mais um monte de coisas Oswald de Andrade. Dos 4 livros que tenho dele, 3 li no início de meu curso de Letras na USP, há quase duas décadas. Peguei os livros. Li a respeito do escritor na internet. Figura importante na cultura do Brasil.

O dia passou e não li o romance que escolhi, de Oswald de Andrade. Após ler um texto crítico de Haroldo de Campos - "Miramar na mira" -, do ano de 1964, quarenta anos após a publicação do romance Memórias sentimentais de João Miramar, acabei parando a leitura para fazer outras coisas. A noite chegou e não li o romance... que saco!

------------

Peguei a bike e me arrisquei ao vírus mortal para pedalar um pouco. Meti a máscara na cara, o capacete e fui andar em Osasco. Fui até a frente de uma das casas onde morei de aluguel quando perambulei pela cidade de aluguel em aluguel. Quase todas as pessoas que vi pelo caminho, em bares abertos ou portas de casas, estavam sem máscara e bebiam e fumavam e não existia nem sinal de preocupação com a peste, com o vírus que já matou mais de 350 mil pessoas no país, a ampla maioria da base da pirâmide social: gente pobre e das classes baixas. Há um genocídio em andamento e não há revolta na população. Que gente é essa? Que lugar é esse?

Pedalei por uma hora, mais para espairecer as ideias que para fazer exercício, na verdade, porque não fiz esforço. Deveria ter feito porque preciso, mas estava meio devagar hoje. Estar parado, sem fazer nada aeróbico, no meu caso, significa acelerar a morte por agravamento de doenças crônicas porque tenho histórico familiar de problemas de colesterol e pressão alta. Tenho que pedalar ou correr pra sobreviver e diminuir o risco de infarto, AVC e outras merdas consequentes dessas doenças crônicas.

As leituras que tenho feito têm me colocado pensativo a respeito da vida, a idade tem me feito pensar muito na vida (e na morte). A situação do Brasil e o povo brasileiro têm me feito pensar muito na vida. Só de pensar nessas coisas dá um cansaço desgraçado... mas fui forjado na vida para viver, viver apenas, sem mistificações. Na tristeza e na alegria, na dor... mas não me deixo morrer à toa. Não é correto, não é ético, nem comigo mesmo nem com as pessoas de nossas relações pessoais.

Um abraço para você, leitor ou leitora, que por algum motivo leu essa postagem de reflexão. No momento, textos não interessam mais pra muitas pessoas. Gosto de estudar, ler, aprender e compartilhar reflexões, sempre no intuito de pensar um mundo melhor e sustentável e uma vida melhor para os seres humanos.

William

sábado, 10 de abril de 2021

Moby Dick - Peixes presos e peixes livres



Refeição Cultural

Ufa! Cumpri meu objetivo de leitura deste sábado, 10 de abril, um dia de outono com clima seco e quente. Li 55 páginas de Moby Dick, cheguei ao capítulo 100 e passei da página 500. Mas foi preciso esforço e foco e andei com o livro pra lá e pra cá em casa o dia todo. Foi o 16º dia de leitura da obra clássica de Herman Melville. 

A leitura do dia teve capítulos cheios de filosofia. Ao longo da narrativa já lidei com diversas passagens com reflexões sobre a vida e sobre a natureza. Mas hoje o capítulo 89 - "Peixes presos e peixes livres" - foi o que mais me chamou a atenção em relação a isso.  Eu poderia compará-lo ao capítulo consagrado de Machado de Assis sobre o "Humanitismo", teoria do personagem Quincas Borba.

O narrador Ismael nos conta sobre as regras que predominam nos mares em relação à pesca das baleias e a partir daí vai filosofando sobre a regra como uma teoria geral que pode ser válida para tudo, inclusive para a sociedade humana. É evidentemente uma regra que explica ou que justifica a supremacia dos mais fortes e mais adaptados, assim como a teoria de Quincas Borba - "Ao vencedor as batatas" - e como a teoria da evolução das espécies.


------------------
"I. Um peixe preso pertence à parte à qual está fixo.
II. Um peixe solto está à disposição da parte que puder capturá-lo primeiro." (p. 453)
------------------

O narrador cita um caso no qual um grupo de baleeiros pobres e humildes perde uma pesca para outro sujeito e um juiz favorece o segundo, deixando os trabalhadores que exerceram a pesca na mão e sem nada. 

Daí, ele engata a teoria na qual o mesmo se daria nas relações humanas.

"(...) essas duas leis relativas aos peixes soltos e aos peixes presos serão consideradas, se bem refletirmos, como os fundamentos de toda a jurisprudência humana, porque, apesar de seu complicado traçado, o templo da lei, como o templo dos filisteus, tem apenas duas colunas onde apoiar-se." (p. 455)

A partir daí, o narrador explica sobre a questão da posse e a teoria vai se completar. Vale tudo, a escravidão, a invasão de terras, países etc.

"Não anda por acaso na boca de todos o adágio segundo o qual a posse é meio direito, isto é, independente da maneira como se adquiriu essa posse? Porém, frequentemente a posse é o direito absoluto. Que são os músculos e as almas dos servos russos e dos escravos republicanos, senão peixes presos, cuja posse significa todo o direito?" (p. 455)

E tem mais exemplos, a lista de argumentação é grande para dizer que tais coisas não são mais que peixes presos. E que outras tais são peixes livres. A narrativa é de 1851, portanto antes da guerra civil norte-americana, antes do fim da escravidão também.

"Que era a América, em 1492, senão um peixe solto no qual Colombo cravou o estandarte espanhol, marcando-o para os seus reais senhores? Que é a Polônia para o czar? Que é a Grécia para o turco? Que é a Índia para a Inglaterra? Que virá a ser, com o tempo, o México para os Estados Unidos? Todos estes são peixes soltos." (p. 456)

E aí chegamos ao momento no qual estamos vivendo, sob golpe de Estado no Brasil, sem leis, com todos os poderes abusivamente favorecendo o 1% dos animais humanos no país em detrimento da miséria e genocídio dos outros 99%. 

Poderíamos parafrasear o narrador de Moby Dick e dizer que tudo isso que acontece no Brasil nada mais seria senão peixes soltos.

"Que são os direitos do homem e as liberdades do mundo, senão peixes soltos? Que são as mentes e as opiniões dos homens, senão peixes soltos? Que é o princípio da crença religiosa nessas opiniões, senão peixe solto? Que são as ideias dos pensadores para os charlatães gabolas, senão peixes soltos? Que é o próprio globo, senão um peixe solto? E que serás tu, leitor, senão um peixe solto e um peixe preso, ao mesmo tempo?" (p. 456)

Sem mais, fica pra vocês a questão.

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: Publifolha, 1998.


Tempo (XXV)



Refeição Cultural

O que é o tempo? O que é a vida?

Pensadores do mundo, de diversas épocas, já se perguntaram a respeito dessas questões, e já se pegaram num beco sem saída porque é difícil responder tais questões. Tempo, vida... 

Lendo o livro do neurocientista Miguel Nicolelis, O verdadeiro criador de tudo, um livro sobre o funcionamento do cérebro humano, vi um conceito interessante sobre a vida: viver é dissipar energia para poder embutir informação na massa orgânica do organismo.

Difícil definir a vida, difícil definir o tempo. Dei um exemplo acima de definição de vida. Li recentemente vários textos críticos e filosóficos sobre o tempo, através de disciplinas que fiz na faculdade de Letras. Seria somente o presente, o instante, o tempo possível? 

O passado não existe, a não ser quando trazido para o presente na forma de memória do ser que relembra, ou na forma de registro histórico. O mesmo se dá em relação ao futuro, que evidentemente não existe (que futuro?). O único futuro que existe é o presente, o instante, que já vira passado e já não existe mais.

Então a minha vida é informação registrada no meu cérebro, no meu corpo, na minha pele, no meu coração, nos meus ossos, nas minhas mãos, no meu tato, nas minhas partes genitais. Nos meus olhos. Nos meus lábios. Nos salões dos meus ouvidos, meu cérebro. E nos meus blogs e escritos, nas fotos que tiverem comigo, nos documentos que constarem meu ser. Enquanto durarem. Enquanto durar a memória de minha existência passageira.

Estou ouvindo músicas. Música é uma das coisas que mais me faz viajar através do tempo, do meu tempo transcorrido na vida, na minha vida, e me faz acessar as informações registradas na minha massa orgânica ao dissipar energia e viver.

Em mais de meio século de dissipação de energia e registro de informações em minha massa orgânica é possível resgatar várias imagens, sensações, coisas, dentro do corpo vivo que sou. E ao morrer morrem comigo essas informações registradas nas minhas partes orgânicas. E o que é a vida? E o que é a morte? E o que é o tempo?

Cada música que passa, um novo (velho) instante resgatado nas memórias, as tais informações embutidas na massa orgânica que respira neste instante, dissipando energia, transformando glicose e oxigênio em energia. 

(e a cada instante que passa, alguém não consegue respirar no Brasil e produzir energia para registrar informações no seu ser - o viver... - a cada instante alguém sufoca como consequência do vírus do regime fascista de Bolsonaro: bolsonaros, meus tios, primos, vizinhos, colegas bancários: todos eles responsáveis pelo afogar de vidas humanas que não são mais)

Hoje lembrava de instantes registrados em minha massa orgânica, no meu cérebro - entendo que essa massa de neurônios é o que sou. Durante anos, falei aos trabalhadores bancários em assembleias lotadas o que acreditávamos e o que defendíamos para a categoria que representávamos. Já falei para milhares de pessoas. Está registrado (embutido) em minha memória. Onde mais está registrado? (a história não existe, ou existe quando está registrada)

Agora escuto uma música que me faz lembrar de liberdade, de andar, correr, voar, de fazer coisas ousadas, coisas loucas. Vem em minha memória o som dos velames dos paraquedas balançando com o vento. Por diversas vezes voei ao saltar de paraquedas. Piracicaba. Cheguei a ficar onze minutos no ar, descendo lentamente com o paraquedas freado, só para curtir o voo. Me lembro de urubus voando abaixo de mim. Informações embutidas em minha massa orgânica. Um dia, se dissipam comigo, quando eu não dissipar mais energia para viver.

Talvez seja por causa do registro em minha memória que admire tanto o planar dos urubus a partir da janela de minha casa em Osasco. Eles planam com uma leveza impressionante, sem esforço algum, é impossível não se admirar com eles. Os humanos talvez não apreciem os urubus porque somos uns tontos que avaliam tão nobre ave pelo que elas comem. Todo ser vivo come alguma coisa, dissipa energia para embutir informação em sua massa orgânica, vida.

O que é a vida? O que é o tempo? O que somos?

Quando morrer, morre comigo um monte de coisas, informações, sensações, uma personalidade que esteve por aí ao longo de certo tempo. Tempo? Vida?

William


Post Scriptum: por quase trinta anos fui bancário, e boa parte das minhas memórias têm relação com esse período (e tem mais uma década de trabalhos braçais até os vinte anos). A memória são fragmentos e instantes registrados, são cargas elétricas, sinapses nos neurônios. Mas ao ouvir Amazing (Aerosmith) e ver Alicia Silverstone e ao final o sky surf, me parece que foi dali que tive o sonho de voar e saltar de paraquedas. O álbum é de 1993 e foi através de uma Folha Bancária no início dos anos dois mil que vi um convênio do Sindicato com uma escola de paraquedismo. Dali juntei a fome com a vontade de comer e realizei uma de minhas mais memoráveis dissipações de energia para embutir informação na massa orgânica. A adrenalina daqueles saltos era algo incrível. Fiz 14 saltos. Vivi.


quinta-feira, 8 de abril de 2021

080421 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Quinta-feira, 8 de abril. 2º ano de mortes por Covid-19. 3º ano da destruição de tudo pelo regime fascista e genocida no Brasil.

Li nesta manhã mais um capítulo do livro do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis - O verdadeiro criador de tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. Foi o 5º capítulo. Foram 3 horas de leitura densa. Meu cérebro agradece o esforço intelectual realizado.

Nicolelis é um cientista revolucionário. Definiu conceitos novos a respeito do funcionamento do cérebro após duzentos anos de "certezas" sobre o órgão. Estou lendo suas teorias sobre o cérebro relativista com um livro de anatomia do lado, assim relembro meus bons tempos de estudos do corpo humano em laboratório. Focado como sou, naquela época eu sabia muito sobre aquilo que estava estudando. Pena que não terminei o curso.

É foda! Me lembro até hoje daquele dia em que entramos no laboratório de anatomia pela primeira vez em 1997. O professor fez uma apresentação e nos falou da importância em tratar com o máximo respeito os corpos nos quais iríamos estudar ao longo do ano. Os corpos eram de pessoas como nós e mereciam o nosso respeito. Por quase dois anos frequentei aquele laboratório e aprendi muito, e mudei como pessoa porque passei a respeitar mais o ser humano.

Agora, vivendo aos 52 anos num país onde existem pessoas que apoiam aquela coisa maléfica na presidência do país, de novo passei a ter um sentimento muito ruim a respeito dos seres humanos. Que merda, isso! Aquele monstro no poder e seu séquito de gente vil e canalha faz piada todos os dias com os milhares de mortos e sequelados por Covid-19 no país governado por ele. É racista, xenófobo, machista, prega a favor da violência, a favor dos ricos, pratica atos apontados como quebra de decoro do cargo que ocupa todos os dias, e tem gente que o apoia. Não uma pessoa, que já seria absurdo. Milhões de seres humanos apoiam esse animal desprezível.

Acho que regredi décadas em pouco tempo. Não sei se sou mais um humanista.

William