Refeição Cultural - Cem clássicos
(postagem durante a leitura da obra - contém spoiler)
Madame Bovary é um clássico da literatura francesa e mundial. O livro foi lançado entre 1856 e 1857, primeiro em folhetins (Revue de Paris) e depois em forma de livro. Gustave Flaubert foi um grande escritor do século XIX.
Essa é uma daquelas estórias da literatura clássica que virou referência mundial e mais de um século e meio depois de seu lançamento ela traz um desafio extra ao leitor que se dispuser a lê-la: todos nós conhecemos o enredo e não há segredo quanto ao seu final - um caso de adultério que termina com o suicídio da personagem.
Talvez esse seja o motivo - sabermos o enredo - por eu já levar algumas décadas (rsrs) sem terminar a leitura. Dureza, viu! Eu tenho uma edição dos anos oitenta, daquelas coleções de clássicos da Abril S.A., com tradução de Araújo Nabuco.
Já cheguei a ler até a página cem. Tenho marcações no livro desde 2003 até recentemente, quando li algumas dezenas de páginas em 2020. Em 2009 foi quando cheguei mais longe na leitura. Enfim, neste momento em que organizo a postagem, talvez eu tome vergonha na cara e decida ler a obra até o fim.
Os tempos são de pandemia mundial, de riscos de morte maiores que outras épocas... seria uma merda morrer sem ter lido um clássico como esse!
PRIMEIRA PARTE
Acabei de reler pela enésima vez o 1º capítulo. Ele traz a origem de Carlos Bovary, futuro marido de Ema Rouault (Bovary). A forma como Flaubert descreve espaços e personagens é de primeiríssima qualidade, isso é inegável.
Após a apresentação de Carlos e sua família, o capítulo 2 se desenvolve com sumários que aceleram bastante o tempo. Carlos se forma médico, tem um casamento arranjado com uma viúva - Heloísa, senhora de 45 anos - por questões de independência financeira do rapaz (dote da noiva). Ele conhece o pai de Ema durante um atendimento médico e passa a frequentar a casa dos Rouault. Heloísa morre e deixa Carlos viúvo e pobre, pois a riqueza dela era um engodo. (leitura na sexta, dia 19/2/21)
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Numa revisão rápida, para relembrar a estória, cheguei ao fim da primeira parte, contendo 9 capítulos. No 3º Carlos acerta o casamento com Ema Houault. No 4º é a festa do casório, a Sra. Bovary, mãe de Carlos, não recebe a atenção adequada do filho. No 5, Flaubert nos apresenta uma Ema que compara sua vida a livros de romance. Conhecemos o passado de Ema num convento, no capítulo 6. Ela não se adequou à vida monástica. No 7, vemos que Ema se enche da modorra da vida conjugal e reclama do marido, que acha um banana. No 8, quando voltam de um passeio, Ema demite a criada dos Bovary, uma senhora muito antiga na casa. A primeira parte se encerra com o casal mudando de Tostes, por causa dos incômodos de Ema. Carlos estava bem estabelecido no trabalho e vai ter que recomeçar em outro lugar. Ema está grávida. (ainda sexta, 19/2/21)
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SEGUNDA PARTE
A segunda parte contém 15 capítulos. Entre a noite de sexta 19 e sábado 20, li até o capítulo 8. Mas cansei, não deu pra ler o quanto imaginei.
O casal agora vive em Yonville-l'Abbaye, "um burgo a 8 léguas de Ruão, entre a estrada de Abbeville e a de Beauvais, ao fundo de um vale atravessado pelo Rieule, pequeno rio que deságua no Andelle" nos informa o narrador.
Dois personagens se incorporam ao romance, o farmacêutico Homais e o abade Bournisien. Eles vão morar provisoriamente na estalagem da viúva Lefrançois. No capítulo 2, o farmacêutico deixa à disposição de Ema sua biblioteca. Essa informação é importante porque o romance explora essa questão: a influência dos romances na personalidade "vaporosa" de Ema.
A biblioteca tem "Voltaire, Rousseau, Delille, Walter Scott, o Eco dos folhetins, etc.".
O autor constrói uma personagem que tem espírito inquieto, insatisfeito com o que tem. Temos que ler a obra lembrando de quando ela é: meados do século XIX, na França da sociedade burguesa.
Nos capítulos 3 e 4 nasce a filha do casal, Berta. Ema se enamora do jovem Léon, que também reside na estalagem da viúva Lefrançois. O narrador cita várias vezes o quanto Ema tem desprezo por seu marido, Carlos.
No capítulo 6, Ema visita a igreja local e o abade está ocupado com o catecismo das crianças. Ema estava indecisa sobre o que fazer, mas não encontrou apoio no cura local para evitar uma eventual decisão pelo adultério. Léon, seu amor, vai embora e ela não realiza seu desejo de amor com o jovem.
Vejam o que Ema pensa sobre Berta, sua filha:
"- Que coisa estranha - pensava Ema. - Como é feia esta criança!"
No capítulo 7 aparece um novo conquistador, Rodolfo Boulanger. Ele de cara diz que vai conquistar Ema, só para viver uma aventura no local.
Parei a leitura após o capítulo 8, quando já vemos Ema e Rodolfo enamorados e andando juntos durante o dia de comícios da região.
ILUSÃO DE SIMULTANEIDADE - O capítulo tem uma técnica narrativa refinada, estudei sobre isso recentemente no livro O tempo na narrativa, de Benedito Nunes. Flaubert desenvolve uma técnica que nos permite ver e acompanhar ao mesmo tempo o casal Ema e Rodolfo conversando e pessoas discursando no comício agrícola de Yonville. Bem legal!
Parei a leitura do romance, li bastante no dia 20/2/21, sábado. Próxima etapa é acabar a segunda parte do livro, são mais 50 páginas e 7 capítulos.
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Leitura do domingo, 21/2/21
O capítulo 9 começa com um sumário que acelera o tempo após a cena anterior, com o dia do comício agrícola de Yonville: "Seis semanas se passaram".
O marido de Ema, Carlos, praticamente oferece a esposa ao amante, ao sugerir que ela ande de cavalos com Rodolfo Boulanger. Eles passam a ter um caso e Ema faz loucuras bem ousadas para a época.
No capítulo 10 o romance esfria porque Rodolfo está meio sufocado pela amante e Ema reflete com mea culpa que poderia amar seu marido. No 11, Carlos vive uma crise imensa ao fazer uma cirurgia desnecessária num rapaz com deficiência no pé. Por um instante, Ema esteve orgulhosa do marido (achou que ele seria rico e famoso), mas voltou a odiá-lo e voltou ao amante também.
Ema e Rodolfo planejam fugir no capítulo 12. Acontece o previsível desse tipo de romance: o amante foge sozinho no cap. 13 e Ema cai doente. No capítulo seguinte (14), a vida aos poucos retoma a rotina sem o amante. Os Bovary estão endividados. Ema se esforça para se reconciliar com o marido. A segunda parte termina com o casal reencontrando o jovem Léon em um teatro, ele foi o primeiro affair de Ema.
Ufa! Só acabei no final do domingo as 50 páginas. Vamos agora para a terceira e última parte do romance, são mais 75 páginas e 11 capítulos. Acho que lerei em duas vezes.
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TERCEIRA PARTE
(em leitura)
07/3/21, domingo.
Terminei a leitura do livro no sábado 6. Eu parei a leitura para ler outro livro clássico, O chefão, de Mario Puzo. Li um livro de quase 500 páginas para retomar e terminar Madame Bovary.
A terceira e última parte do livro foi surpreendente, mesmo sabendo o que aconteceria com a personagem principal, Ema Bovary. Lembro aqui um conceito de Italo Calvino sobre os clássicos, que mesmo quando não lemos os clássicos, sabemos a respeito deles por causa das leituras coletivas ao longo da história.
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"Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura" (Italo Calvino)
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TERCEIRA PARTE
"Ema era a apaixonada de todos os romances, a heroína de todos os dramas, a vaga 'ela' de todos os volumes de versos." (Cap. 5, p. 198)
Ema retoma contato com o jovem Léon no capítulo 1, ele se declara a ela. Assim como ocorreu no affair entre ela e Rodolfo, Ema buscou algum auxílio na igreja antes do novo romance, mas não encontrou respostas ali.
Entre os capítulos 2 e 4 Ema e Léon encontram a plena felicidade conjugal.
O capítulo 5 é memorável. O narrador descreve o cotidiano das gentes, o transporte diário das pessoas da roça até a cidade através de um carro com alguns cavalos: a "Andorinha", conduzida por um cocheiro. Depois descreve a cidade de Ruão com chaminés de fábricas, igrejas e casas, local de 120 mil pessoas.
Este capítulo é muito importante na estória. Ema está se endividando e colocando a segurança financeira da família em ruína. O próprio amante Léon percebe que ela não é satisfeita com nada, tudo é insuficiente.
No capítulo 6, Ema pressiona o amante em quase tudo e Léon se sente sufocado pelo amor dela. As dívidas se avolumam e os Bovary têm bens penhorados. A mãe do jovem Léon o obriga a deixar Ema.
Flaubert denuncia a mentalidade burguesa da época no capítulo 7. O farmacêutico Homais é um típico personagem que representa os ideais e a hipocrisia burguesa.
Ema tenta conseguir empréstimos com alguns burgueses locais e tem uma cena humilhante de um deles ceando enquanto Ema, em pé e frente a ele na sala de jantar, pede ajuda e o cara tenta comprá-la sexualmente.
O romance se encaminha para o fim trágico nos últimos capítulos. Ema reencontra o primeiro amante que lhe nega ajuda financeira. O narrador faz descrições cruéis da personagem "adúltera". Há uma sequência de óbitos na estória, mais do que eu imaginava.
Interessante! Mesmo sabendo sobre Ema Bovary através da história da obra, me surpreendi com os detalhes e com os acontecimentos finais do romance.
O destino da filha dos Bovary é o retrato ainda atual do capitalismo e da burguesia. Esse sistema não nos serve! Não nos serve! É assim que fecho essa postagem sobre o clássico de Flaubert.
William
Bibliografia:
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de Araújo Nabuco. São Paulo: Abril Cultural, 1981.