Refeição Cultural
"(...) aí ele não ia acreditar no outro dia que a gente não fez alguma coisa marido tudo bem mas amante não dá pra enganar depois de eu dizer pra ele que a gente não faz mais nada claro que ele não acreditou..." (p. 1052)
Quinta-feira, 30 de setembro. Segundo ano da pandemia mundial de Covid.
Terminei a releitura de Ulysses (1922), do escritor irlandês James Joyce. Essa experiência foi feita numa edição publicada em 2012, traduzida por Caetano W. Galindo. Foi presente do amigo Sérgio Gouveia.
A primeira vez que li este clássico da literatura mundial foi em 2001. Desta vez, a leitura foi bem melhor, aproveitei mais cada capítulo do livro. Mas foi cansativo, confesso. Foram 5 meses! Comecei a ler a obra dia 1º de maio, dia dos obreiros (rsrs). Não terminei a leitura pedindo mais. Terminei com um sentimento de missão cumprida.
PENÉLOPE (A CAMA) - CAPÍTULO 18
O último capítulo é demais, é um feito na história da literatura de todos os tempos. Setenta páginas em fluxo de pensamento, sem pontuação, a transcrição de uma pessoa pensando livremente madrugada afora, Marion Bloom, Molly.
Por ser um monólogo interior, não tem censuras. E então lemos as coisas mais surpreendentes, escandalosas, livres que poderíamos imaginar em páginas de um livro de literatura.
Ler hoje é surpreendente, então imagino ler os pensamentos de Molly em 1922. Não à toa, há registros da época de queima de volumes do livro em alguns lugares do mundo.
"(...) ia ser muito melhor pro mundo ser governado pelas mulheres do mundo você não ia ver as mulheres saírem se matando e chacinando quando é que a gente vê uma mulher rolando por aí de bêbada que nem eles fazem ou jogando a última moedinha que têm e perdendo nos cavalos sim porque uma mulher não importa o que ela faça ela sabe quando parar claro que eles nem iam estar no mundo se não fosse a gente eles não sabem o que é ser mulher e ser mãe e como é que eles iam saber onde é que eles iam estar todos se não tivessem todos eles uma mãe pra cuidar deles..." (p. 1099)
Além de ser uma personagem livre em todos os seus atos e pensamentos, Molly pensa nas grandes questões de gênero que já se discutiam e que seriam bandeiras importantes nas lutas das causas das mulheres e dos movimentos libertários e progressistas.
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COMENTÁRIO FINAL
Essa releitura foi muito interessante. Por mais que tenhamos alguma lembrança de uma leitura feita duas décadas antes, a leitura de Ulysses foi praticamente uma leitura nova. O leitor de 52 anos é absolutamente outro leitor que aquele de 32 anos.
A tradução de Caetano W. Galindo também é muito diferente da tradução do Antônio Houaiss, edição que li na primeira vez. São diferentes, não me cabe dizer que uma é melhor que a outra.
Outro salto de qualidade nesta leitura foi aproveitar a oportunidade para ler em versos a obra referência do Ulysses de Joyce, a Odisseia de Homero. Li a tradução ("transcriação" segundo Campos) do maranhense Manuel Odorico Mendes, numa edição especial do professor Antonio Medina.
Também reli contos de Dublinenses (1914) e finalmente li Retrato do artista quando jovem (1916), a obra que introduz o personagem Stephen Dedalus, ainda jovem. Muitos críticos consideram tanto Dedalus quanto Bloom alter egos de Joyce.
SEGUIMOS LENDO OS CLÁSSICOS
Enfim, mais um clássico lido durante esta pandemia mundial de Covid. Li alguns clássicos exigentes neste ano e meio: ao Ulysses, de Joyce, somam-se: Decamerão (1353), de Boccaccio; Moby Dick (1851), de Herman Melville; O processo (1925), de Franz Kafka; e Madame Bovary (1856), de Gustave Flaubert.
Com o mundo como está, afirmo e reafirmo com muita convicção o pensamento de Italo Calvino: é melhor ler do que não ler os clássicos.
William
Um leitor
Bibliografia:
JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.