sexta-feira, 31 de maio de 2019

310519 - Diário e reflexões - 15M, 30M e 365 dias




Refeição Cultural

As manifestações lideradas pelos estudantes e professores que ocuparam as ruas do Brasil nos dias 15 e 30 de maio foram dois momentos importantes em uma longa jornada de lutas em defesa da educação pública brasileira e em defesa de outros direitos da cidadania como, por exemplo, a luta pela manutenção da previdência pública. Fazer parte dessas manifestações foi gratificante.

Como disse hoje de manhã na TV 247 o jornalista Breno Altman, do site Ópera Mundi, as manifestações foram exitosas dentro do contexto em que se enquadram como formas de resistência aos ataques desferidos pelo novo regime contra o direito a educação pública e universal. No entanto, se considerássemos como uma luta de boxe o embate entre o regime bolsonarista e o povo brasileiro contrário a ele, as manifestações 15M e 30M seriam como socos bem aplicados no adversário, mas isso não significa em absoluto o fim da luta, muito menos vitória. Serão longos rounds e o povo precisará acumular muitos socos bem aplicados como esses dois para acumular forças contra o fascismo de cunho ultraliberal. A elite brasileira lesa-pátria está unida e tem comando internacional para entregar a previdência e o resto do patrimônio nacional aos donos do mundo, alguns banqueiros americanos e seus satélites.

Hoje completa um ano que deixei de representar a classe trabalhadora através de mandatos eletivos. Minha última experiência na representação popular foi na entidade de saúde dos bancários do Banco do Brasil. Foi uma experiência muito intensa, na qual trabalhei entre 8 e 16 horas por dia, praticamente durante os 4 anos de mandato. Nunca havia dormido tão pouco em minha vida, nunca havia enfrentado os representantes do sistema capitalista de forma tão permanente durante os dias do ano. Nunca havia enfrentado em minha vida de representação tanta falta de conhecimento, intolerância e ingratidão por parte de segmentos dos trabalhadores da ativa e aposentados. 

Somada essa última experiência de representação à ingratidão do povo brasileiro em relação à Lula, ao PT e às esquerdas progressistas, povo que é majoritariamente pobre, negro e mestiço e do gênero feminino, povo que elegeu grupos e humanos que não têm a classe trabalhadora como foco e prioridade, somado tudo isso, ainda não superei meu desacorçoo em relação ao ser humano. Hoje, vendo as cisões e rachas no movimento sindical organizado, do qual fiz parte por cerca de duas décadas, não sinto estímulo algum para me engajar em alguma frente de luta popular sabendo que teria que escolher lados e grupos nos quais militei em unidade por tanto tempo. O ódio inoculado no povo brasileiro como estratégia de destruição da esquerda e das políticas dos governos do PT chegou ao seio do movimento organizado. Todos perdem com isso. Todos.

Ao retomar depois dos 50 anos os estudos de línguas, linguagens e comunicação e ter contato novamente com as teorias linguísticas e discursivas e saber que a base da linguagem verbal é a comunicação entre os seres humanos, e pensar o quanto ando sem vontade de interação com os seres humanos que foram influenciados por sistemas totalitários de manipulação comportamental, fica cada vez mais difícil de escrever e falar o que penso. Não represento ninguém e de certa forma falamos para quase ninguém. Não tem sentido escrever opiniões sobre algo e o texto ser lido por alguns nobres leitores. As merdas feitas pelos nossos adversários, com as técnicas modernas, são vistas, ouvidas e redistribuídas por milhões de seres.

Apesar de tudo, sempre estarei na torcida pelo meu lado da classe, a classe trabalhadora mundial. Odeio o capitalismo, odeio os representantes desse sistema. Não me importo se vierem as guerras que alimentam esse sistema de exploração da imensa maioria dos seres humanos por uma ínfima parcela deles.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

270519 - Diário e reflexões - Tempus Fugit


Imagem da internet.

Refeição Cultural

Estava pensando a respeito das expressões latinas memento mori, memento vivere e carpe diem quando vi na internet a imagem de uma moeda com essas expressões. Junto a elas, vemos uma ampulheta ao centro onde o tempo escorre, da vida para a morte, com a expressão tempus fugit. Fiquei impressionado pela profundidade da imagem e pelos significados contidos nela.

Após ver a imagem, li a respeito dos significados das expressões em questão e outros conceitos que vieram com a leitura como, por exemplo, o estoicismo. Todos trazem reflexões a respeito de como lidar com a vida, com a morte, com o cotidiano; como encarar tristezas e frustrações, como aproveitar melhor o tempo indeterminado que temos de existência, que pode ser longa, que pode ser breve. Como ter a humildade de se lembrar que todos somos mortais, mesmo aqueles que estão por cima em determinado momento.

A existência humana tem pelo menos duas dimensões perceptíveis em seu cotidiano, por sermos dotados de características evolutivas distintas dos demais seres vivos: além de lidarmos com o aqui e o agora, usamos nosso cérebro para o ontem e o amanhã. Temos a relação com o mundo exterior em que habitamos e temos a relação conosco mesmo, para dentro de nós. Ambas dimensões são extremamente complexas e com relação de dependência para uma existência satisfatória.

Em algum momento de nossa existência passamos a perceber mais a questão da passagem do tempo, do tempo que voa ou "foge"; ou talvez nunca percebamos o tempo, dependendo do estado de consciência ou do tempo de existência mesmo. 

A percepção do tempo sempre esteve presente em minha existência. Quando olho para o ontem, quando vejo na memória meus tempos vividos, e quando tento me lembrar da sensação e percepção daqueles tempos, percebo como era tensa a minha relação com cada tempo de insatisfação que vivia: na infância; na adolescência; na fase adulta das últimas décadas.

Aqui e agora, percebo mais ainda que o tempo foge, voa; escoa. Ao mesmo tempo em que a consciência adquirida com as décadas de existência quer o carpe diem, o memento vivere, o corpo que habito, marcado com toda a história das dores e labores que carrega, vai me lembrando do memento mori, que o tempo é implacável na existência dos seres vivos. Tempus fugit...

As escolhas que passamos a fazer nessas condições do aqui e agora vão ficando cada vez mais difíceis porque tempus fugit. Olhamos para fora e olhamos para dentro e vemos tanta incompletude, tanta coisa a se fazer, e tanto tempo que seria necessário... 

Difíceis são as escolhas a serem feitas em nossa única existência. Os tempos lá fora são de total destruição de tudo que ajudamos a construir em décadas. O tempo cá dentro deveria ser de busca de um pouco de paz.

Paz parece ser algo tão distante! Seja lá fora; seja cá dentro.

William

segunda-feira, 20 de maio de 2019

200519 - Diário e reflexões - Visão do Paraíso


Natureza morta - adormecida  - e céu azul.
Foto de William Mendes, 03/7/16, DF.

Refeição Cultural

"Não se quis, com efeito, mostrar o processo de elaboração, ao longo dos séculos, de um mito venerando, senão na medida em que, com o descobrimento da América, pareceu ele ganhar mais corpo até ir projetar-se no ritmo da História..." (sobre o mito de um suposto Paraíso Terreal, Holanda explicando sua obra)


Li o prefácio à segunda edição, de 1968, e o primeiro capítulo "Experiência e fantasia", da obra "Visão do Paraíso", de Sergio Buarque de Holanda, publicado pela primeira vez em 1959. Estou coletando informações para escrever um trabalho de faculdade sobre as manifestações e pontos de vista dos ibéricos, sobretudo os espanhóis, em relação ao período de conquista das Américas.

Texto muito interessante o de Holanda. Para mim, foram esclarecidas algumas dúvidas. Eu achava que Colombo não havia feito referências textuais em seus escritos de viagens a um suposto Éden ou Paraíso Perdido na terra. É que não acabei de ler ainda os textos relativos às quatro viagens. O primeiro é gigante e de leitura meio chata e repetitiva. Holanda diz que na terceira viagem Colombo faz referência a esse Paraíso das escrituras sagradas da fé católica.

"Ao chegar diante da costa do Pária, esse pressentimento, que aparentemente animara ao genovês desde que se propusera alcançar o Oriente pelas rotas do Atlântico, acha-se convertido para ele, e talvez para os seus companheiros, numa certeza inabalável que trata de demonstrar com requintes de erudição. Assim, na carta onde narra aos Reis Católicos as peripécias da terceira viagem ao Novo Mundo - 'outro mundo', nas suas próprias expressões, propõe-se seriamente, logo que tenha mais notícias a respeito, mandar reconhecer o sítio abençoado onde viveram nossos primeiros pais."

O ensaio de Holanda é muito interessante em diversas questões como, por exemplo, ao explicar a relação mais pragmática dos navegadores e escritores portugueses em relação ao maravilhoso, ao suposto evento metafísico. Os portugueses já tinham no século XV longa experiência em se lançarem ao mar rumo ao desconhecido, sendo os continentes africano e asiático os objetivos daquelas décadas do século XV.

"O gosto da maravilha e do mistério, quase inseparável da literatura de viagens na era dos grandes descobrimentos marítimos, ocupa espaço singularmente reduzido nos escritos quinhentistas dos portugueses sobre o Novo Mundo. Ou porque a longa prática das navegações do Mar Oceano e o assíduo trato das terras e gentes estranhas já tivessem amortecido neles a sensibilidade para o exótico, ou porque o fascínio do Oriente ainda absorvesse em demasia os seus cuidados, sem deixar margem a maiores surpresas, a verdade é que não os inquietam, aqui, os extraordinários portentos, nem a esperança deles..."

Enfim, conhecimentos interessantes adquiridos nessas leituras que estou fazendo nesta semana.

William

sexta-feira, 17 de maio de 2019

170519 - Diário e reflexões - Anacronismos


Veredas uspianas.
Foto de William Mendes.

Refeição Cultural

Os tempos são de capitalismo selvagem. Cada vez mais, menos homens têm toda a riqueza existente no planeta, e mais gente não tem nada, sequer para se manter viva. A ciência e tecnologia não foram usadas para o bem comum, e sim para concentrar bens nas mãos de uns poucos.

Os tempos são de tristeza, tempo de desemprego para a classe trabalhadora; tempo de retirada dos direitos da cidadania; tempo de desfazimento de um país de futuro promissor que foi colônia e buscava sua independência e se viu entregue novamente a outro império - sem sequer haver resistência.

Os tempos são de constrangimentos, tempo em que todo aquele que se importa com o outro se sente mal ao ver um pai que não pode pagar um pastel de feira a sua filha; tempo em que a miséria geral faz você se sentir um privilegiado por ter coisas básicas como casa, carro, comida, contas em dia.

Parte de nós é gente anacrônica, fora de seu tempo. Gente que defende distribuição de renda; que preferiria investimento em educação pública ao invés de armas e presídios; que acredita na inclusão do pobre no orçamento do Estado como parte da solução para a economia do país; que defende a tributação maior dos mais abastados.

Em alguns espaços, sei que estou meio fora de meu tempo. Noutros, minhas ideias e sentimentos carregam a certeza do acerto, em meio a uma onda de pestilência que invadiu o organismo social.

Retomar os estudos acadêmicos aos 50 anos faz você se sentir meio deslocado nos espaços juvenis. Fazer o que? Nos 20 anos anteriores dediquei cem por cento de minha vida a representação dos trabalhadores. Neste instante, não consigo me concentrar para fazer um trabalho escolar com prazo dado porque minha cabeça não desliga dos acontecimentos do país. Talvez tenha errado em querer voltar.

Por outro lado, em tempos de trumpismo, bolsonarismo, ascensão do fascismo, fake news como notícia e informação, ódio e intolerância enquanto regras de convivência social, cada um por si e dane-se o outro, e outras merdas do tipo, eu pertenço ao grupo de seres humanos que se situa no espectro político da esquerda, que defende a liberdade, a igualdade, a fraternidade, que é contra o preconceito e a discriminação de qualquer segmento social, que deseja o fim do modo de produção capitalista e que quer um mundo mais inclusivo e sustentável, mais cooperativo, com respeito ao ser humano e à natureza (enfim, mais comunista e socialista).

Ando me sentindo bem deslocado no mundo. Tem hora que dá vontade de pedir para o trem parar e saltar do vagão. Mas o trem é a vida e eu não desisto dela não. Mudemos a rota do trem, então.

William


Post Scriptum:

Caixa de Assistência (Cassi) - Hoje, fui ao terminal de autoatendimento do Banco do Brasil e depositei o meu voto como cidadão da comunidade de associados da Cassi e Previ, entidades de saúde e previdência dos trabalhadores da ativa e aposentados do maior banco público do país. Está havendo uma consulta sobre mudanças estatutárias na Caixa de Assistência. Foi uma sensação estranha. Depois de quase 20 anos de representação deste segmento social, onde participei da construção de quase todas as questões de direitos dos bancários da ativa e aposentados desta comunidade, foi a primeira vez que votei em algo que não participei da construção, não opinei, não decidi durante o processo. Após passar quatro anos lutando pelos associados, pela Cassi e seu modelo assistencial e por seus funcionários - lutando como uma mãe que defende a vida de seu filho -, e pelo respeito a escolha dos associados no processo eleitoral de 2018, decidi desde então não mais me manifestar publicamente sobre essa entidade tão querida por todos nós. Desejo que os associados e suas entidades representativas, a Caixa de Assistência e o patrocinador encontrem o caminho do fortalecimento e perenidade da autogestão mais importante do país, e que ela continue sendo uma Caixa de Assistência que acolha a tod@s.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

130519 - Diário e reflexões - Cristóvão Colombo


Flores nas veredas uspianas.
Foto: William Mendes.

Refeição Cultural

Literatura Hispano-Americana: conquista e colônia

"La nacionalidad es un destino: un destino cargado de penas que han de purgarse y de glorias que han de ganarse, de dejaciones que duelen como pecados y de irredentismos que chisporrotean como esperanzas." (Ignacio B. Anzoátegui)


Um dos eixos temáticos da matéria é conhecer e analisar os documentos existentes - cartas, diários, relatos - sobre o período das invasões europeias às Américas, conhecidas por nós como período dos "descobrimentos". Cristóvão Colombo é um dos personagens que estudamos.

Colombo realizou quatro viagens às Américas. A epígrafe que coloquei na abertura está no prólogo de uma edição que apresenta as quatro viagens de Colombo, e o organizador da edição - Ignacio B. Anzoátegui -, nos informa que há dúvidas sobre a origem do navegador, se de Gênova ou da Galícia, mas que diz importar pouco a questão da origem para as façanhas que o destino reservou a Colombo.

O começo do relato é como um termo de compromisso. Colombo diz aonde vai e o que pretende, demonstra sua lealdade aos reis de Espanha e parte com três embarcações - Santa Maria (a Galega), Pinta e Niña.

"Vine a la villa de Palos, que es puerto de mar, adonde armé yo tres navíos muy aptos para semejante fecho, y partí del dicho puerto muy abastecido de muy muchos mantenimientos y de mucha gente de la mar, a 3 días del mes de agosto del dicho año en un viernes, antes de la salida del sol con media hora, y llevé el camino de las islas de Canaria de Vuestras Altezas, que son en la dicha mar océana, para de allí tomar mi derrota y navegar tanto que yo llegase a las Indias, y dar la embajada de Vuestras Altezas a aquellos príncipes y cumplir lo que así me habían mandado; y para esto pensé de escribir todo este viaje muy puntualmente de día en día todo lo que hiciese y viese y pasase, como adelante se verá..."

Minha leitura a respeito das viagens de Colombo está sendo feita em duas edições diferentes. Uma organizada por Consuelo Varela e outra por Ignacio B. Anzoátegui. Os textos são gigantes, é claro. Minha leitura está baseada em algumas passagens dos diários. É possível sentir o que foram as expedições e os eventos de chegada e permanência às terras desconhecidas a oeste da Europa a partir do século XV.

Colombo tinha dois controles de navegação, um com as milhas verdadeiras rumo a oeste, e outro com valores menores para não assustar sua tripulação. Lembramos que ao navegar a oeste depois dos pontos conhecidos por todos o destino era uma aposta.

Li a respeito da história de Colombo na Wikipedia em espanhol, estou lendo os diários da primeira viagem, entre 1492 e 1493 e revi o filme "1492, a conquista do paraíso" (1992), dirigido por Ridley Scott. Além disso, vi um programa espanhol sobre Colombo - "El enigma Cristóbal Colón". Já tivemos aula sobre o tema, no início do curso.

História é sempre um tema instigante, ainda mais no contexto em que estudo Letras, Língua e História.

William

quinta-feira, 9 de maio de 2019

090519 - Diário e reflexões - Que aprendi hoje?



Relva florida na USP.
Foto: William Mendes.

Refeição Cultural

Texto e Discurso em Língua Espanhola

Todo dia é dia de aprender algo novo. De reaprender algo, melhorando ou revendo conceitos. De ser menos ignorante que o instante anterior ao aprendizado. E, ao aprender algo novo, sermos mais conscientes e menos manipuláveis. 

Não por acaso, o regime fascista tem na destruição total da educação pública e autônoma um pilar de seu projeto de poder, porque ao eliminar as oportunidades de crescimento intelectual através de uma educação emancipadora, facilita-se a destruição do país e dos direitos do povo pela manipulação e desagregação das classes populares e trabalhadoras: dividir para governar.

Na aula de hoje, lemos um conto argentino para identificarmos as questões de linguagem que estamos estudando neste semestre. A temática desses dias é sobre objetos de discurso, referenciação, correferenciação, categorização e recategorização. 

O tema não é fácil para mim, pois tenho dificuldade em gramática, desde sempre, principalmente sintaxe. Em linhas gerais, nesta questão de rede referencial na linguagem vemos como os objetos de discurso são retomados ao longo do texto a partir de sua primeira aparição, seja por pronomes, por outras palavras, por frases e orações etc.

O conto que lemos é de Rodolfo Walsh - Esa mujer -, publicado pela primeira vez em 1965. O autor foi jornalista e escritor argentino, militante de esquerda, assassinado em 1977 pela ditadura civil-militar em seu país e é dado como desaparecido até hoje (li na Wikipedia sobre ele). Sem citar nome próprio, a personagem de quem se fala nos remete a Eva Perón e, por conseguinte, ao peronismo e ao golpe militar que destituiu Perón em 1955.

Além de aprender um pouco mais sobre o tema das referências textuais e suas retomadas ao longo do texto, o conteúdo da aula aguçou em mim a curiosidade para saber mais sobre o peronismo e Evita. Ademais de gostar muito de história geral e de literatura, tenho bastante afinidade pelas questões do mundo da classe trabalhadora, como o sindicalismo.

Eu não sabia da história do corpo embalsamado de Evita, que estava em exposição na sede da central sindical pela afinidade que ela tinha com a classe operária. O corpo de Evita sumiu após o golpe de Estado, e só se descobriu o paradeiro quase duas décadas depois.

É isso. Todo dia é dia para aprendermos algo novo, mesmo quando já passamos de meio século de existência.

William

domingo, 5 de maio de 2019

O Capital - O processo de troca (Karl Marx)




Refeição Cultural

"O dinheiro é um cristal gerado necessariamente pelo processo de troca, e que serve, de fato, para equiparar os diferentes produtos do trabalho e, portanto, para convertê-los em mercadorias. O desenvolvimento histórico da troca desdobra a oposição, latente na natureza das mercadorias, entre valor de uso e valor..." (P. 111, O Capital)


Retomando a leitura de Marx, agora do capítulo dois de O Capital, que trata na primeira parte da mercadoria e dinheiro, vamos nos acostumando com o estilo do filósofo, que por vezes é bastante irônico ao descrever fatos e apresentar ideias. Ele chega a dar vida e voz às mercadorias em seus textos como se fossem personagens de um romance.

"Não é com seus pés que as mercadorias vão ao mercado, nem se trocam por decisão própria. Temos, portanto, que procurar seus responsáveis, seus donos..."

Marx nos lembra que as mercadorias são coisas; coisas com valores de uso e valores. Como mercadorias serão trocadas, alienadas mediante consentimento e vontade de seus proprietários, gerando relações econômicas e jurídicas.

"Os papéis econômicos desempenhados pelas pessoas constituem apenas personificação das relações econômicas que elas representam, ao se confrontarem."

Para o proprietário, sua mercadoria não tem valor de uso direto; ele a leva ao mercado e lá ela é valor de uso para o comprador. O valor de uso para o proprietário é o fato de sua mercadoria ser depositária de valor, meio de troca.

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"Todas as mercadorias são não valores de uso para os proprietários, e valores de uso, para os não proprietários."
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Mas como as mercadorias têm de mudar de mãos, elas têm de realizar-se como valores, antes de poderem realizar-se como valores de uso.

E também tem a questão do trabalho humano inserido no valor das mercadorias:

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"Só através da troca se pode provar que o trabalho é útil aos outros, que seu produto satisfaz necessidades alheias."
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Em relação à questão que já lemos no capítulo anterior, sobre valor relativo e valor equivalente, temos que:

"Todo possuidor de mercadoria considera cada mercadoria alheia equivalente particular da sua, e sua mercadoria, portanto, equivalente geral de todas as outras mercadorias."

Mas todos pensam assim, aí está o problema. Depois nos é explicado que "apenas a ação social pode fazer de determinada mercadoria equivalente geral".


ANTROPOMORFISMO - Marx brinca com características e aspectos humanos nas descrições sobre a mercadoria.

"Igualitária e cínica de nascença, está sempre pronta a trocar corpo e alma com qualquer outra mercadoria, mesmo que esta seja mais repulsiva do que Maritornes."

E aqui vemos quão culto era Karl Marx, ao citar cientistas, filósofos, economistas, escritores e personagens de obras clássicas. Ele cita uma personagem de Cervantes, do Dom Quixote de La Mancha.

Segundo a Wikipedia, Maritornes é uma personagem da obra que era "...ancha de cara, llana de cogote, de nariz roma, del un ojo tuerta y del otro no muy sana. Verdad es que la gallardía del cuerpo suplía las demás faltas: no tenía siete palmos de los pies a la cabeza, y las espaldas, que algún tanto le cargaban, la hacían mirar al suelo más de lo que ella quisiera."

Por fim, ao explicar a questão da equivalência, Marx explica o papel do dinheiro que citamos no epigrama que começa a postagem. Ele diz que os produtos do trabalho se convertem em mercadorias no mesmo ritmo em que determinada mercadoria se transforma em dinheiro.

Paro a postagem por aqui e retomamos depois. Para ler as anteriores, clique AQUI.

Abraços, 

William
Um leitor


sábado, 4 de maio de 2019

Leitura - La invención del "Quijote" (F. Ayala)


Texto de Ayala está na edição da Alfaguara,
comemorativa do IV centenário da obra.

Refeição Cultural

Releitura do texto crítico de Francisco Ayala sobre a obra máxima de Miguel de Cervantes, Don Quijote de La Mancha (1605-1615).

O texto começa assim:

"Quien se proponga considerar el proceso de creación de la prodigiosa figura literaria de don Quijote, hará bien en detenerse, ante todo, a medir el alcance del siguiente hecho: para el lector actual, el protagonista de la novela - o, mejor dicho, la pareja protagonista - posee una existencia anterior al texto mismo. Don Quijote y Sancho constituyen ante él, en efecto, dos presencias inmediatas, dos seres ficticios de quienes ha oído hablar antes que hubiera pensado siquiera en ponerse a leer su historia, dos hombres cuya imagen ha visto reproducida muchas veces, cuyo carácter le es familiar, y algunos de cuyos hechos le han sido referidos o conoce como proverbiales..."

Ayala levanta questões de criação literária muito interessantes. 

Importante lembrar aos leitores que o clássico Dom Quixote passou por diversos tipos de interpretação ao longo de quatro séculos. A obra foi compreendida corretamente como sátira aos romances de cavalaria, comuns naquela época; mas teve também por parte de críticos e leitores interpretações das mais variadas formas, principalmente no período romântico, quando se viam sentidos metafóricos nas figuras do Quixote e de Sancho.

Com o passar do tempo, houve também uma inversão de percepção na leitura da obra. Para os leitores do século XVII, o cenário e o cotidiano descritos nas aventuras do cavaleiro manchego eram reconhecidos pelos leitores, tinham verossimilhança com o dia a dia deles. O que chamava a atenção dos leitores pelo ineditismo e loucura eram justamente as figuras estrambóticas de Dom Quixote e Sancho Pança.

Passados séculos de existência da obra, hoje o que nos é "comum" e conhecido são justamente as figuras dos protagonistas, mesmo para a imensa maioria de pessoas que nunca leu o clássico, e nos custa acreditar que o cenário e o cotidiano descritos no romance cervantino eram um espelho da realidade do século XVII.

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"El texto de 1615 cuenta ya con el conocimiento que el lector tiene de sus protagonistas como entes dotados de existencia autónoma. Y, en verdad, la posición de ese lector de 1615 frente al Quijote es esencialmente idéntica a la del lector actual, en contraste con la de aquel que en 1605 comenzara a leer las palabras: 'En un lugar de la Mancha...' Don Quijote existía ahora por sí mismo; Cervantes había operado con pleno éxito la creación de su héroe."
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Enfim, a releitura deste texto crítico reavivou em mim a figura fantástica do Quixote e de seu mais que encantador escudeiro, Sancho Pança.

Obra eterna. Chorei e ri muito quando li Dom Quixote.

William


Post Scriptum:

Leiam AQUI os comentários que fiz da leitura do texto de Ayala em 2008.