quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Diário e reflexões (30/11/22)


Outubros...

Refeição Cultural

Osasco, 30 de novembro de 2022. Final de noite. 23h59


Mais um dia vai terminando. Mais um mês vai terminando. Mais um ano vai terminando... Nossa! Espero que esteja terminando o longo ano de 2016, o ano que não acabou, o ano do golpe de Estado, o ano do início da destruição do Brasil e da vida do povo brasileiro. Mais um dia vai terminando.

Um mês atrás vivemos mais uma das longas batalhas para resgatar nossa vida de volta, vivenciamos a batalha pelos votos que decidiram as eleições brasileiras, incluindo a escolha da presidência da república. Parecia impossível tirar o tirano do cargo por diversos motivos, a maioria deles por corrupções e ilegalidades. Mas vencemos. Elegemos Lula por 50,9% x 49,1% dos votos válidos. Lula venceu a máquina criminosa e fascista. Lula foi eleito em uma frente ampla. Só Lula venceria essa batalha nas condições estabelecidas. Vencemos uma batalha. Uma. 

Um mês se passou após a vitória de Lula e de todos nós que lutamos para resgatar o Brasil e nossas vidas, que lutamos para dar uma chance de existência aos biomas brasileiros, que lutamos para combater a fome e a miséria de dezenas de milhões de pessoas, um mês que vencemos uma das batalhas mais decisivas de nossa história, da história do lugar que chamamos Brasil.

Falta um mês para a posse de Lula, um mês para vermos a formalização de uma mudança política há muito esperada por todos nós que não fomos convertidos em apoiadores de um mundo odioso e mal, um mundo representado pela figura nefasta que estava no poder central. 

As batalhas seguem porque estamos em guerra. Infelizmente. Todos nós queríamos paz... Os tempos não são de paz na Terra. Mas demos um passo importante na construção da paz com a eleição de Lula. E isso é importante.

Resistimos! Viva a resiliência de nosso povo! Presto minha homenagem discreta e humilde a todas e todos que tombaram nessa longa noite que vivemos desde o golpe de 2016. 

A luta segue por um mundo melhor e mais justo e solidário para todas as pessoas e para todas as formas de vida. A fome segue, a miséria segue, a desesperança segue porque as pessoas precisam de solução agora, a fome não espera.

Vamos pra mais um dia! Sigamos tentando ser pessoas melhores, estudando e vendo como podemos contribuir de alguma forma para esse mundo que sonhamos. Sigo na busca, sigo procurando, buscando sentidos e ressignificações.

William


terça-feira, 29 de novembro de 2022

Concepção e prática sindical



Refeição Cultural

Osasco, 29 de novembro de 2022. Terça-feira.


Quando acordei nesta manhã de terça percebi que estava sonhando com o universo do movimento sindical do qual saí faz alguns anos e no qual me transformei na pessoa que sou. O tempo passa e quando me apercebo de mim estou às voltas com aquilo que sou, uma pessoa comum que teve a oportunidade de ser um sindicalista e que voltou ao seu universo dos comuns retirados do dia a dia do mundo do trabalho.

Outro dia, um companheiro do movimento me contatou e me pediu que lhe enviasse alguma coisa, algum material ou algum roteiro formativo a respeito de concepção e prática sindical. Como atuei na área de formação sindical por dois mandatos na confederação dos bancários poderia ter algum material disponível para ser usado como referência ou como um esboço a ser atualizado para os objetivos pretendidos pelo dirigente e seu sindicato.

Material do movimento sindical e da história da categoria bancária tenho um monte, tenho quantidades grandes de materiais com a história de nossa categoria. Depois do contato com o companheiro dirigente dei uma olhada em meus guardados e fiquei ali viajando para o passado de uma categoria que foi muito vanguarda na organização da classe trabalhadora. Os bancários tiveram lideranças criativas e que contribuíram muito na luta entre capital e trabalho e na criação e ampliação de direitos sociais do povo brasileiro.


Ao mesmo tempo em que avaliava um pouco dos materiais que tenho percebia que não tinha algo pronto e sintético a respeito do tema concepção e prática sindical. Para organizar um curso sobre essa temática seria interessante que pessoas do movimento e da área de formação se sentassem juntas e discutissem um pouco a respeito do que querem para o curso, qual o objetivo, qual o público participante e questões do tipo para estabelecer o que seriam as questões centrais no momento atual do mundo do trabalho, sindical e político.

O Dieese seria um excelente parceiro dos dirigentes sindicais para desenvolver um programa de formação a respeito de concepção e prática sindical; o mundo acadêmico também teria contribuições importantes. E lideranças do passado e do presente também podem contribuir muito para juntos com os parceiros da área de educação, história e formação pensarem um programa que preparasse as lideranças da classe trabalhadora para os desafios do momento atual de um mundo com o declínio do trabalho formal e sem direitos sociais e com a redução drástica da necessidade de mão de obra humana em diversas áreas da vida social.

A quantidade enorme de materiais que tenho sobre a construção da estrutura sindical bancária desde o final dos anos setenta e início dos anos oitenta, o chamado período do Novo Sindicalismo, a criação do PT, a criação da CUT e do DNB e depois CNB e atual Contraf-CUT etc seriam subsídios à disposição da parte histórica de um curso de concepção e prática sindical, principalmente no âmbito da CUT e da categoria bancária.

É isso. Ao olhar para trás vejo que fui um trabalhador que teve a sorte ou o acaso de ouvir a militância e os dirigentes sindicais durante as três décadas que passei na categoria bancária e com essa oportunidade que a vida me proporcionou pude me politizar e ter um viver um pouco fora da curva do meio onde nasci e vivi, um ambiente despolitizado e de pessoas que acabaram sendo capturadas pelos donos do poder e se tornaram aquele segmento da classe trabalhadora que apoia a classe dominante. Fui salvo pelo mundo sindical e sou grato por essa oportunidade que tive.

William


sábado, 26 de novembro de 2022

48. Macunaíma - Mário de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos


"- Eu menti.

Todos os vizinhos ficaram com cara de André e cada um foi saindo na maciota. E André era um vizinho que andava sempre encalistrado. Maanape e Jiguê se olharam, com inveja da inteligência do mano. Maanape inda falou pra ele:

- Mas pra que você mentiu, herói?

- Não foi por querer não... quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando reparei estava mentindo..." (Macunaíma, M. Andrade)


Osasco, 26 de novembro de 2022. Sábado ensolarado.


Terminei a releitura de Macunaíma - O herói sem nenhum caráter (1928). Li o clássico pela primeira vez em 1999, já aos 30 anos de idade. Depois reli o texto em 2009, aos 40 anos. Agora releio aos 53 anos. São muitas leituras, poderia dizer que sou trezentos, como dizia Mário de Andrade. De fato, posso dizer que o leitor de 2009 não era o leitor de 1999 e que esses leitores não foram o mesmo leitor de agora.

Me lembro que a leitura de 1999 foi feita no contexto de estudos para o vestibular da Fuvest, que faria no ano seguinte. A leitura de 2009 se deu após estudar literatura e os modernistas.

CONTEXTO DA LEITURA ATUAL

Nesta postagem não vou fazer uma análise da obra de Mário de Andrade. Não é pra isso meu registro. A leitura de Macunaíma me deixou muito incomodado... e isso é bom! Macunaíma nos incomoda até hoje!

Na leitura deste leitor que vos fala, vi o Brasil de 2022 lendo a estória de Macunaíma, o herói mau-caráter e sem nenhuma característica definida, sem ancestralidade definida ("sem nenhum caráter"). A postagem é só de estímulo, é pra dizer aos leitores que vale a pena ler este clássico. É um texto de permanência, ele permanece cutucando a gente. E isso é bom! 

O BRASIL DE MACUNAÍMAS, FABIANOS, PAULO HONÓRIOS, CUBAS, RIOBALDOS

Desde que o Brasil sofreu o último golpe de Estado em 2016 e passou a ser governado novamente pelas representações da casa-grande e da burguesia mais chinfrim* do mundo (*tranqueira eu quis dizer, porque canalha e perversa todas as burguesias são), venho tentando entender por que as coisas são como são em nosso país e a leitura e releitura de textos cânones e referenciais são necessárias para vermos com olhos mais experientes o que nos molda, o que nos acultura e o que nos engaiola. A ideologia está em tudo. A ideologia da classe dominante está em tudo.

A burguesia brasileira ficou nua após as eleições fraudadas em 2018, eleição na qual a casa-grande prendeu e condenou sem crime algum o candidato popular que venceria as eleições, Lula, e normalizou um verme fascista como alguém normal (a escolha difícil entre o professor da USP e o amante de torturador - lembram da "escolha difícil" d'O Estadão?). 

O papel da mídia empresarial somado às mentiras em escala industrial (fake news) construíram a realidade da chegada ao Planalto Central de um representante do crime organizado. E vários de nós que gostamos de história e cultura nos perguntamos desde então como isso aconteceu? Como isso foi possível? Como pode estarmos num inferno desse?

Desde então, já li e reli dezenas de livros, dezenas! E sigo buscando compreender quem somos e por que somos o que somos.

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A MENTIRA...

A citação do trecho acima, de Macunaíma, sobre a mentira e sobre mentir descaradamente, me lembrou o vaticínio de Lula ao falar para o juiz parcial da operação Lava Jato que ao mentir e se basear em mentiras, uma após a outra, ele juiz estaria condenado a seguir mentindo porque as mentiras não teriam fim e não se poderia voltar atrás com as mentiras porque uma mentira gera outra e assim vai se perdendo tudo, tudo em relação à verdade factual. 

E assim sucedeu com o Brasil e o povo brasileiro, nos perdemos num mundo de mentiras. As mentiras viraram políticas de governo, de governos da extrema-direita e de movimentos fascistas e autoritários, tudo isso com os interesses capitalistas por trás, lógico!

Temos que enfrentar e combater um maldito mundo de mentiras.

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13 LIVROS PARA COMPREENDER O BRASIL

Eu sei que a postagem é para registrar minha 3ª leitura do clássico da literatura brasileira Macunaíma... mas a introdução que fiz é uma espécie de contextualização do presente (quase metade do Brasil bolsonarista), do mundo violento e racista do Brasil de todos os séculos de sua história, do locus de referência de onde saíram clássicos com personagens como Brás Cubas, Riobaldo Tatarana, João Miramar, Paulo Honório, Fabiano, Macunaíma e tantos outros e outras figuras que representam ou tentam representar o que somos ou o que poderíamos ser. 

Todo bom livro gera em seus leitores sentimentos intensos, inquietações, reflexões, desejos, frustrações, sentimentos vários e até antagônicos. Macunaíma é um livro provocador ao extremo. O personagem e as peripécias da estória permitem leituras diversas sobre os mais variados temas da nossa gente. 

É uma ficção, é uma obra ficcional, não nos esqueçamos disso. Mas até por ser um livro de literatura é que se pode permitir todas as licenças poéticas necessárias para autor e leitores viajarem no mundo do lúdico e no mundo das ideias. E nesse sentido, Macunaíma segue sendo uma leitura importante, necessária, porque nela vemos a permanência dos temas inseridos na narrativa ficcional. 

O impulso para essa nova leitura do clássico de Mário de Andrade foi acelerado por participar do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e estar inscrito no curso "13 livros para compreender o Brasil", com os professores Lindener Pareto e Suze Piza. Macunaíma foi uma das obras escolhidas pelos organizadores para o curso. Agradeço a escolha e a oportunidade dada a leitores como eu que já havia lido o livro em outras épocas, sendo eu outra pessoa como todos nós somos, pessoas em constante mudança enquanto o viver prossegue.

A leitura de Macunaíma neste momento de minha história e da história do Brasil foi uma leitura diferente das outras que fiz. O livro segue muito provocativo, e diria que segue sendo um livro difícil de se ler, por causa da linguagem, das metáforas, da ironia refinadíssima, das referências que nós não temos, do uso de uma linguagem fora do padrão etc. 

Vale a pena ler porque toda leitura de livros clássicos e de bons autores e autoras traz o desafio de vencer a leitura e compreendê-la e isso é um processo, um percurso necessário a todo leitor e leitora. Saímos diferentes quando terminamos a leitura das grandes obras da cultura humana. 

Enfim, está dito e registrado neste meu blog de cultura (diário de reflexões e leituras) o que gostaria de apontar neste momento. 

Caso alguém tenha curiosidade de ver anotações que fiz da leitura de 2009 com citações de frases e passagens do livro (após cursar Letras na USP), é só clicar aqui

Seguimos lendo e buscando sentidos e significando a vida.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Coleção vestibular de O Estado de São Paulo/Klick Editora. São Paulo, 1999.


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Leitura: A guerra contra o Brasil - Jessé Souza



Refeição Cultural

Osasco, 21 de novembro de 2022. Segunda-feira.


"O bolsonarismo utiliza as contradições sociais para manter o clima de guerra social constante – precisamente o modus operandi miliciano: ameaçar e chantagear o tempo todo para extorquir o máximo possível. Ele coloniza a opressão e o ressentimento popular contra as classes “superiores” em sua luta contra tudo que represente o “espírito”: artes, ciência, universidades, cultura, livre pensamento. Como o conhecimento e a cultura foram utilizados muitas vezes como uma “carteirada” contra os mais pobres, a memória dessa humilhação sobrevive no apoio a esse tipo de destruição do patrimônio simbólico do país empreendido por Bolsonaro." (de: "A guerra contra o Brasil - Como os EUA se uniram a uma organização criminosa para destruir o sonho brasileiro" por Jessé Souza)


Enfim, consegui ler o primeiro livro do sociólogo Jessé Souza, grande estudioso do Brasil e do povo brasileiro. Tenho vários livros do autor, mas ainda não havia conseguido ler uma obra dele do início ao fim. Aliás, A guerra contra o Brasil (2020) é um dos primeiros livros que li através do Kindle. Temos ele impresso, minha preferência, mas eu o li na ferramenta virtual.

O que poderia comentar a respeito do livro de Jessé Souza? O subtítulo é autoexplicativo e diz tudo o que significa esta denúncia do sociólogo para nós brasileiros: "Como os EUA se uniram a uma organização criminosa para destruir o sonho brasileiro". O estudioso esclarece aos leitores e leitoras como os ricos dos EUA procederam para dominar a ampla maioria do povo norte-americano e como eles fizeram para estender seu domínio imperialista ao restante do mundo, e lá estamos nós, a ex-colônia Brasil.

VALE A PENA LER ESTE LIVRO DE JESSÉ SOUZA?

Ao fazer uma postagem no blog, preciso sempre pensar um motivo para tal coisa. Por que falar a respeito do livro de Jessé Souza que acabei de ler? O livro acrescentou alguma coisa para mim? Eu recomendaria a leitura do livro para as pessoas que por acaso leiam esta postagem aqui neste blog de cultura? Tenho um compromisso com os milhares de leitores e leitoras do blog e me esforço para ser honesto em tudo o que escrevo aqui.

De cara, diria que recomendo muito a leitura do livro para as pessoas jovens que têm carência de conhecimentos de história, para a militância de movimentos sociais que já têm um sangue borbulhante nas veias (sangue vermelho!) ao lutarem diariamente contra as injustiças e abusos das elites contra a grande maioria do povo humilhado e sem oportunidades de ascender na vida.

Além dos mais jovens e com pouco acúmulo de experiências de vida, eu diria que esse livro traz muita informação para os adultos que tiveram formações escolares tradicionais porque os currículos escolares seguem o cânone construído pelas elites para nos fazer repetir a história brasileira através do viés deles, da casa-grande. 

Esse cânone inclui a leitura de Brasil e de povo brasileiro de Gilberto Freyre, S. B. Holanda, Raymundo Faoro, FHC e outros intelectuais que criaram leituras de brasis cordiais, mestiços, da bela democracia racial, da igualdade entre todos, da falsa meritocracia, da invenção vira-lata de que somos corruptos por gênese blá blá blá. Leiam Jessé Souza!

E para mim, um militante político com mais de cinquenta anos e que passou quase duas décadas na representação da classe trabalhadora e que já se dedicou bastante aos estudos de nossa história do Brasil? Valeu a pena a leitura do livro? A leitura me trouxe informações novas e reflexões novas? Sim!

Valeu muito a leitura! Aprendi muito e relembrei muita coisa importante para entender o que somos, por que as coisas são como são e como poderíamos mudar as coisas, através da educação e da informação ao nosso povo. Valeu muito a leitura.

O RACISMO, BASE DE TODA EXPLORAÇÃO CAPITALISTA

O livro se divide em 3 partes e a primeira delas eu gostei muito por aperfeiçoar meu entendimento a respeito da história norte-americana.

- A construção da ideologia do imperialismo informal americano

- A elite colonizada brasileira e sua estratégia: a transformação do racismo em moralismo

- As metamorfoses do neoliberalismo

Através da leitura dessas 3 partes do livro, fica muito mais fácil entender as pessoas ao nosso redor. Sério mesmo! Consigo ver meus familiares e o comportamento deles através do livro de Jessé Souza. Vejo os bancários da ativa e aposentados que representei por tanto tempo. Olho meus vizinhos e os vejo dentro das descrições do comportamento do povo brasileiro pobre e de classe média baixa em cada um deles. É impressionante!

Jessé Souza nos mostra como se comportou o capitalismo norte-americano ao longo do século XX, os efeitos do New Deal durante algumas décadas e as mudanças a partir dos anos 70 finalizando uma fase de conciliação de classes entre os trabalhadores e os donos do poder. Depois vemos como o domínio sobre a classe trabalhadora dentro do próprio país se expandiu para o domínio do mundo com o poder imperialista sobre dezenas de países das Américas e dos outros continentes. É foda!

Por fim, a 2ª parte deixa muito claro o que somos. A forma como o racismo "racial", como diz Jessé Souza, nos afeta desde a origem do Brasil. Como os donos do poder transformaram o racismo em moralismo, um moralismo canalha, corrupto, de gente picareta. São os nossos conhecidos que roubam o dia inteiro, que são corruptos em tudo o que fazem e pensam, e arrotam um moralismo para julgar os outros. Leiam Jessé Souza e entendam aquele seu familiar e conhecido corrupto e mau caráter que se diz moralista e "pessoa de bem".

É isso!

Livro esclarecedor de um grande estudioso brasileiro que nos dá muito orgulho por nos fazer pensar e por nos fazer rever dogmas pseudocientíficos enfiados goela abaixo nos currículos escolares por décadas e gerações.

William Mendes


Bibliografia:

SOUZA, Jessé. A guerra contra o Brasil - Como os EUA se uniram a uma organização criminosa para destruir o sonho brasileiro. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2000.


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A luta contra o racismo no Brasil


Luiz Gama

Refeição Cultural

Osasco, 18 de novembro de 2022. Sexta-feira.


"Ao regulamento de 1859, cf. especialmente art. 85. 'São bens do evento os escravos, gado e bestas, achados, sem se saber do senhor ou dono a quem pertençam; o seu produto líquido deve ser recolhido à recebedoria do município da Corte.'" (Trecho da nota 13 do texto "Porque sou abolicionista sem reservas", em: Liberdade - Luiz Gama)


Estou lendo um dos volumes das Obras Completas de Luiz Gama (Editora Hedra), trabalho fenomenal organizado pelo pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, que passou uma década coletando e identificando mais de 600 textos inéditos do advogado e jornalista Luiz Gama, uma figura fantástica na luta contra a escravidão, o racismo e as injustiças contra os povos do Brasil e do mundo.

Às vezes, nos sentimos cansados das lutas e até do viver. Isso acontece com parte de nós que passamos a vida nos dedicando às causas populares e ao próprio sobreviver por sermos das classes subalternas do Brasil. Mas quando conhecemos figuras humanas como Luiz Gama, nos sentimos até envergonhados por estarmos pusilânimes certos dias ao saber que pessoas como ele tiveram muito mais dificuldades que nós e persistiram a vida toda no bom caminho e nas causas populares e humanísticas que ressignificam diariamente o viver.

Até o mês passado eu só conhecia Luiz Gama de nome, de ouvir dizer, e olha lá. Por mais que tenha passado duas décadas nas lutas sindicais da categoria bancária, somos sempre lacunas culturais porque a vida é muito rápida, muito imediata, muito prática, e quase todo mundo tem um pequeno estoque de saber ligado ao seu dia a dia, ao seu viver. Uma pequenina parcela das pessoas tem conhecimento enciclopédico do mundo. Nunca fui uma dessas raridades humanas. Sou um simples mortal da classe trabalhadora.

Por estar associado ao Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e estar fazendo alguns dos cursos dessa faculdade aberta fui estimulado a ler alguns autores novos e mergulhar em algumas temáticas que ainda tenho pouco ou nenhum conhecimento. Não sou um completo ignorante (não sabedor) na questão do racismo e das causas dos povos negros, não sou. Mas tenho um caminho todo pela frente para conhecer melhor essa tragédia humanitária, o racismo e suas consequências. Tenho muito que aprender.

Já consegui ler um terço desse volume - Liberdade (1880-1882) - que adquiri das Obras Completas de Luiz Gama. Recomendo muito a leitura sobre esse homem fantástico. 

As aulas do ICL têm me estimulado a novas leituras. Vou ler Carolina Maria de Jesus, assim que o livro Quarto de Despejo chegar. Estou terminando meu primeiro livro de Jessé Souza, grande estudioso do Brasil e da história do racismo nessa terra na qual vivemos. 

É isso! Sigamos lendo e estudando. O mundo atual, que enaltece de forma direta ou de forma velada a ignorância, a burrice e a idiotia dos seres humanos, esse mundo besta precisa de cada um de nós que não aceita o rumo que a vida humana e o planeta Terra estão tomando por causa de uma maioria de gente sem consciência e sem oportunidade de informação e formação libertadora.

William Mendes


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

José Saramago - Centenário do grande escritor



Refeição Cultural - #Saramago100

Mundo, 16 de novembro de 2022. Há cem anos nascia José Saramago...


Saramago vive em cada personagem que criou, vive em cada discurso ou reflexão que nos legou, vive em cada um de nós que tivemos o privilégio de ler parte de sua obra, de ouvir suas palavras e pensamentos. Viva José Saramago!


ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

A primeira obra que li de José Saramago foi Ensaio sobre a cegueira (1995). Li o romance em 2003 e depois o reli em 2008, antes de ver o filme de Fernando Meirelles baseado na obra. O Ensaio é algo único na literatura mundial. Imagino as pessoas vendo a nossa cara de leitor durante a leitura das partes mais dramáticas do Ensaio... 

Eu me lembro de um dia no qual lia o Ensaio no trem de volta para casa e estava tão incomodado com a cena da violência contra uma personagem que eu ficava olhando ao redor como se todo mundo soubesse a cena absurda que estava lendo no livro.

Este romance me fez chorar, me fez sentir raiva, me fez pensar muito sobre o que somos. Para ler um comentário sobre a leitura é só clicar aqui.

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ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ

Logo após a releitura do primeiro Ensaio, ainda em 2008, mergulhei no Ensaio sobre a lucidez (2004). Agora era o "corte de energia cívica" com o voto em branco de quase todo mundo criando um cenário distópico para nos colocar a pensar sobre a nossa realidade. Que viagem!

Pouco mais de uma década depois do lançamento desse romance de Saramago, o principal país do capitalismo imperialista, considerado "civilizado" e referência como uma das maiores democracias do mundo, sofre um "corte de energia cívica" e elege Donald Trump presidente... incrível, né! E um pouquinho depois, outro país com mais de 100 milhões de eleitores elege um palhaço miliciano presidente do país... Que dizer?

Leiam o romance de Saramago e vejam se não encontramos ali provocações e reflexões que nos colocam a pensar sobre as chamadas democracias liberais e seus cidadãos...

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TODOS OS NOMES

"Aliás, se persistíssemos em afirmar que as nossas decisões somos nós que as tomamos, então teríamos de principiar por dilucidar, por discernir, por distinguir, quem é, em nós, aquele que tomou a decisão e aquele que depois a irá cumprir, operações impossíveis, onde as houver. Em rigor, não tomamos decisões, são as decisões que nos tomam a nós."

O terceiro livro de Saramago que li foi Todos os nomes, de 1997. Que livro fantástico! Olhando minha edição, toda rabiscada, relembro que foi um dos livros do escritor no qual mais destaquei conceitos e reflexões do personagem, o Sr. José, que trabalha na Conservatória Geral do Registo Civil.

Vejam essa reflexão que citei acima sobre as decisões humanas... sou eu falando. Concluí de minha vida que nunca fui o condutor de nada e sim o conduzido, pela vida, pela casualidade, pelo destino (rsrs), pelos outros, pelas circunstâncias, pelos acidentes de percurso, enfim, na minha vida "são as decisões que nos tomam a nós".

Este livro de Saramago também me fez chorar e rir diversas vezes. Era ler um pouco e sair pensando na vida. Demais! Para ler um comentário sobre a leitura é só clicar aqui.

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A JANGADA DE PEDRA

Que romance espetacular! A jangada de pedra, de 1986, é mais um livro distópico do grande escritor José Saramago. Depois de ler os dois Ensaios e Todos os nomes, me apaixonei completamente pela leitura de Saramago com este romance. Li esta obra no ano em que morreu nosso querido escritor, em 2010.

Assim como os livros anteriores, esse tem muita reflexão sobre a vida e sobre o sentido das coisas. O romance explora bastante a questão filosófica sobre haver ou não causalidade naquilo que chamamos de coincidências em fatos e eventos no dia a dia das civilizações humanas.

Na estória, após uma sucessão de eventos a partir de um risco no chão feito por Joana Carda, pouco a pouco o fenômeno vai se tornando realidade e a mãe Europa acaba por ver partir sua filha Península Ibérica rumo ao Ocidente. Que estória fantástica!

Foi meu 4º livro de Saramago, foi a 4ª leitura terminando fascinado por ele e por sua obra. Ler aqui comentário que fiz sobre esse romance.

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O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA

"(...) Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber, quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa..."

Para relembrar minha experiência com a leitura desse conto maravilhoso de Saramago, O conto da Ilha desconhecida, de 1997, manuseei minha edição belíssima e reli a postagem que fiz em 2015 (ler aqui), quando li a estória pela primeira vez.

Só de reler passagens do conto e minha postagem, minha voz embargou na garganta e os olhos encheram d'água... Que conto metafórico!

Minha postagem registrou um momento importante de minha própria viagem pela vida. A forma como eu estava numa ilha, embarcado numa aventura desconhecida, e a forma como O Conto da Ilha Desconhecida de Saramago veio parar na minha mão naquele dia... 

As imagens finais da estória são de arrepiar! O barco, o homem, a mulher, o barco-ilha e as ilhas que somos...

Demais! Viva Saramago!

Obrigado, Saramago!

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A VIAGEM DO ELEFANTE

"A Pilar, que não deixou que eu morresse" (José Saramago)

Li A viagem do elefante num mês de janeiro de 2016, estando de férias do trabalho.  Saramago diz que só pode contar essa narrativa porque Pilar, sua companheira, não o deixou morrer ao estar muito doente. O livro foi publicado em 2008. Ler aqui um comentário que fiz sobre as leituras daquele mês.

No romance, Saramago nos conta a história do elefante Salomão e seu tratador indiano Subhro (cornaca), que atravessam metade da Europa - Portugal, Espanha e Itália - para o elefante ser dado de presente a uma realeza da Áustria. O escritor nos diz que a história é real, o que ele fez na narrativa foi preencher as lacunas da história que não se sabia.

Como os demais livros de Saramago, não teve como não me emocionar muito com a história de Salomão, completada pelo nosso escritor português. Poucos autores conseguem com tanta eficácia nos colocar a pensar durante a leitura, através dos diálogos que os narradores fazem com os leitores de seus livros.

Para vocês terem uma ideia sobre as reflexões e sabedorias do livro, vejam essa a respeito da história de uma vaca perdida por doze dias com sua cria entre lobos... (ler aqui)

Viajei muito nesta viagem que empreendi junto a Salomão.

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AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE

"No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme..."


Para começar o comentário sobre a leitura dessa obra fantástica, emocionante e diferente de tudo que se costuma ler por aí, coloquei para ouvir a opus 1012 para violoncelo de Johann Sebastian Bach, e naturalmente o arrepio toma conta de todo o meu corpo enquanto escrevo...

José Saramago escreveu As intermitências da morte (2005) explorando a mais absurda das situações possíveis, bem ao estilo do autor que construiu boa parte de seus romances mais espetaculares a partir de uma estrutura ficcional assim: 

Imaginem vocês se de repente... as pessoas deixassem de ver e estivessem com uma cegueira branca... as pessoas decidissem votar todas em branco sem combinar nada... a Península Ibérica se soltasse da Europa e fosse embora... a morte fizesse uma greve e decidisse que ninguém mais morreria a partir de 1º de janeiro...

E a morte gosta de Bach... quem diria! (Eu também adoro Bach!)

Amig@s leitores, esse foi o derradeiro (até agora) romance que li de Saramago, leitura feita durante um período de muito trabalho por parte da morte, o primeiro ano da pandemia mundial de Covid-19... que barbaridade! Como trabalhou a dona morte! Eu sobrevivi por algum acaso do destino (ela não me escolheu ainda)

Não consigo falar desse livro sem chorar... Tá dito o mínimo sobre As intermitências da morte... 

Caso queiram ler a postagem que fiz quando li o livro, é só clicar aqui.


Viva José Saramago!

William Mendes


Bibliografia:

As referências e citações que fiz nesta postagem foram extraídas das edições das obras de José Saramago que compõem a foto que ilustra esse texto.


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Os Sertões segue explicando o Brasil



Refeição Cultural

Osasco, 14 de novembro de 2022. Segunda-feira.


"Se um grande homem pode impor-se a um grande povo pela influência deslumbradora do gênio, os degenerados perigosos fascinam com igual vigor as multidões tacanhas." (p. 255)


O clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha, segue explicando o Brasil, para o bem e para o mal. Vejam esse conceito acima desenvolvido por Euclides para explicar o papel desempenhado pelo ser abjeto Moreira César, comandante da 3ª expedição enviada pelo governo do Brasil em 1897 para extirpar a favela de Antônio Conselheiro em Canudos, no sertão da Bahia. 

Porém, também podemos ler o conceito acima para explicar a inominável aberração brasileira B... e tudo o que vivemos nos últimos 4 anos. O desqualificado capitão expulso do exército por indisciplina e planos de atentado décadas atrás virou político por 30 anos, mesmo sendo suspeito de roubar o erário público, dizendo e fazendo coisas absurdas e criminosas e, ainda assim, nas eleições recentes, semanas atrás, teve uma votação de 58 milhões de votos (49,1%) e quase continuou a destruição que iniciou em 2019. Moreira César ou esse verme atual... representantes do que somos...

O livro de Euclides da Cunha faz parte da seleção de leituras do curso "13 livros para compreender o Brasil", curso ministrado pelos professores Lindener Pareto e Suze Piza no Instituto Conhecimento Liberta (ICL), ao qual me associei há mais de um ano. O curso tem tido aulas presenciais aqui na grande São Paulo e os autores escolhidos nos ajudam muito a pensar o Brasil e o povo brasileiro.

OS SERTÕES

Décadas atrás, tive o primeiro contato com o livro clássico de Euclides da Cunha. Nunca terminei a leitura. Li as duas primeiras partes do livro, justamente as partes de leitura mais difícil, eu diria. 

A 1ª e a 2ª parte do livro, "A terra" e "O homem", são duas descrições e construções ideológicas por parte do autor do que ele entendia ser o Brasil e o povo brasileiro na virada do século 19 para o século 20. 

A interpretação de mundo de Euclides é eivada de teorias pseudocientíficas do século passado e o engenheiro e jornalista segue à risca todos os conceitos ridículos da época, um amontoado de invenções preconceituosas sobre tudo e todos.

Tudo o que ele escreve e descreve tem classes e subclasses, tem hierarquia, tem gente melhor e pior que outras, tem lugar melhor e pior que outros etc. É foda ler tudo que ele escreve e ter estômago para tirar o que tem de interessante no seu longo trabalho, porque não posso negar a contribuição de Euclides da Cunha pela obra gigante que ele nos legou.

Com a oportunidade do curso e de pertencer ao ICL acabei retomando a leitura do livro de Euclides. Reli alguns trechos marcantes das duas partes que havia lido e comecei a 3ª parte da obra: "A luta". 

Leitores amig@s, que coisa atual o que o governo brasileiro fez com os favelados de Canudos se comparo o que os governos do Brasil fazem ainda hoje com as comunidades e com os povos nos mais diversos locais do país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, áreas urbanas e rurais, povos originários e tradicionais e povos massacrados nas capitais do país, pretos, pardos, pobres, nós todos povo vindo das mulheres do Brasil, indígenas, negras, mestiças, mães do povo brasileiro.

Enfim, a leitura vale a pena. Estar no ICL vale a pena. Estudar sempre vale a pena. Lutar para libertar o povo e o Brasil vale a pena. Viver vale a pena. Sigamos nos unindo aos que lutam e vivem e educam e sonham com um mundo melhor, mais justo e solidário.

William Mendes


Bibliografia:

CUNHA, Euclydes da. Os Sertões - Campanha de Canudos. Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. 39ª ed. - Rio de Janeiro: Publifolha, 2000.


sábado, 12 de novembro de 2022

Leitura: Macacos - Clayton Nascimento



Refeição Cultural

Osasco, 12 de novembro de 2022. Sábado.


No refúgio de meu canto no mundo, minha casa, li o livro Macacos - Monólogo em 9 episódios e 1 ato, de Clayton Nascimento. O livro nos apresenta a peça que ele desenvolveu e ainda desenvolve desde 2015: é um texto vivo. 

Seu texto ensina, educa, nos chama a atenção para a realidade ao nosso redor. Clayton aponta conceitos importantes como, por exemplo, dar o nome às coisas como elas são: "escravizados" é o termo a ser dito sobre pessoas que foram capturadas e viveram na condição terrível da escravidão. "Escravos" não explica que todos nascem livres. Na peça, Clayton nos pede que prometamos dizer "escravizados" e não "escravos"...

Além da leitura da dramaturgia-denúncia escrita por Clayton, tive a oportunidade de ver a apresentação da peça-monólogo por ele no auditório Paulo Freire, do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) na última quinta-feira 10. A gravação da peça será disponibilizada pelo ICL no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Assistam! A potência da apresentação de Macacos por Clayton Nascimento me impacta fortemente até hoje, dois dias depois de vê-lo em cena! Demais!



Provavelmente estou no conforto de minha casa (tenho um canto no mundo) e tenho uma remuneração certa todos os meses e não passo dificuldades de alimentação e aquisição das coisas mais básicas da cidadania neste país de 215 milhões de pessoas com mais da metade na incerteza diária do viver porque minha pele é branca. Aprendi sobre esse fato nas últimas décadas nas quais me politizei e compreendi um pouquinho sobre o que é o Brasil e o que somos há 522 anos. 

O racismo estrutural me favoreceu ao longo de minhas cinco décadas de existência por diversas vezes desde a mais tenra idade. Não tenho dúvidas sobre isso. Mesmo nos trabalhos braçais, levei vantagem sobre algum irmão preto nos caminhos percorridos, vantagem por ser branco. 

As mesmas cinco décadas de existência de minha irmã negra Telma tiveram um roteiro completamente diferente do meu. Éramos dois pobres num mundo racista, mas eu era branco e ela negra. Queiramos ou não esse fato da cor de nossas peles fez diferença nos cotidianos de nossas vidas porque aqui é o Brasil. Aqui é um dos lugares mais racistas do mundo! E de gente mais racista do mundo!

E o percurso da vida de minha irmã é a realidade do viver da maioria do povo brasileiro, preto, pardo, mestiço, um povo nascido de mulheres pretas, indígenas, mestiças, mães do povo brasileiro a partir de colonizadores brancos, depois mães de descendentes de colonizadores brancos. 

Um mundo violento contra as mulheres desde sua origem, esse é o Brasil, é o nosso país. Como diz Saramago no Ensaio sobre a cegueira, essa coisa é o que somos! O risco de morte, risco por qualquer tipo de morte severina, matada ou morrida, sempre foi maior para minha irmã, seus filhos, e o povo preto dessa terra do que para mim de pele branca. Sempre!

Enfim, paro a refeição cultural por aqui. Tenhamos claro o racismo dessa terra na qual vivemos. Racismo é uma merda! Nunca esqueci uma das lições que aprendi no movimento sindical com a companheira Deise Recoaro, uma branca como eu, que explicava nos cursos de formação que fizemos juntos: 

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Racismo gera preconceito, preconceito gera desigualdade de oportunidades, desigualdade de oportunidades gera desigualdade social... e cá estamos em 2022 num dos lugares com maior desigualdade social do planeta Terra. 

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Temos que lutar contra o racismo e mudar essa realidade. Peças teatrais dramáticas como a de Clayton Nascimento, um sobrevivente desse mundo racista, são fundamentais, são necessárias a tod@s nós, povo brasileiro!

William Mendes


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Leonardo Boff: inspiração!



Refeição Cultural

Osasco, 9 de novembro de 2022. Quarta-feira.


Hoje estive mais uma vez no Auditório Paulo Freire, do Instituto Conhecimento Liberta, o ICL, aqui na capital paulista. Por morar na grande São Paulo tenho tido a oportunidade de comparecer às aulas e eventos presenciais na sede do instituto, uma realização revolucionária em prol da educação libertadora e do compartilhamento do conhecimento humano.

O evento desta quarta-feira 9 foi o relançamento do livro de Leonardo Boff - O casamento entre o céu e a terra - Contos dos povos indígenas do Brasil. A tarde foi de muito proveito e reflexão.

Eu ainda não havia estado em um evento com o professor, teólogo, filósofo e escritor Leonardo Boff. Que figura extraordinária! Ainda tivemos o privilégio de estar por algum tempo com o padre Júlio Lancellotti, que chegou junto com Boff antes de seguir para outros compromissos.

Ao ouvir as intervenções dos professores Suze Piza, Lindener Pareto e Eduardo Moreira e as histórias e reflexões de Leonardo Boff fiquei pensando tanta coisa! Que ser humano inspirador! O teólogo nos falou muito sobre o planeta Terra, sobre os povos indígenas e originários e a sabedoria que eles têm. Falou sobre a destruição acelerada do nosso mundo por parte de nós, os brancos que vivem sob a hegemonia do sistema capitalista.

Muita reflexão! Muita inspiração! A gente sai do evento pensando em como ressignificar a nossa existência, pensando em como podemos contribuir para de alguma forma proteger a natureza e interromper a destruição e aniquilação de todas as formas de vida em nosso planeta por parte da espécie humana. 

Boff nos falou que vivemos o período antropoceno, a era geológica caracterizada pelos impactos do homem na Terra. Mas que já estamos entrando numa nova era no planeta: a era do fogo! O piroceno... porque aquecemos tanto o planeta que tudo está se desfazendo pelo calor, pelo fogo, pelo aquecimento global.

O que posso fazer para me engajar na defesa do planeta e das mais diversas formas de vida na Terra? O que podemos fazer? Se temos consciência do que está acontecendo temos que fazer alguma coisa! Os povos indígenas sabem o que fazer, mas eles não são ouvidos por nós...

O que fazer para não permitir que o capitalismo que a espécie humana destrua o nosso único mundo?

Estudar é um passo importante, é verdade! A ciência, o saber, o combate à ignorância são passos centrais. Mas temos que fazer algo para evitar o fim de tudo por causa da estupidez humana...

Muita reflexão a partir do contato com Leonardo Boff e com a temática da vida no planeta e a sabedoria dos povos originários com milênios de saber e conservação dos biomas da Terra.

William


domingo, 6 de novembro de 2022

Leitura: Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais - Jaron Lanier



Refeição Cultural

A leitura desse livro de Jaron Lanier reforça o que eu já vinha pensando a respeito das redes sociais. Elas estão destruindo os seres humanos e as relações sociais que desenvolvemos ao longo de milênios. Estão destruindo a nossa sociabilidade e a nossa capacidade de viver em sociedade.

Lanier nos explica como funcionam os algoritmos e os objetivos dos donos dessas empresas que dominaram o planeta com suas plataformas que nos catalogam como produtos a serem estudados e vendidos aos seus clientes, valendo inclusive nos manipular para fazer (ou deixar de fazer) o que não faríamos se tivéssemos consciência do que nos levaram a fazer.

Cito abaixo os argumentos que Lanier desenvolve em cada capítulo do livro.

- Você está perdendo seu livre-arbítrio

- Largar as redes sociais é a maneira mais certeira de resistir à insanidade dos nossos tempos

- As redes sociais estão tornando você um babaca

- As redes sociais minam a verdade

- As redes sociais transformam o que você diz em algo sem sentido

- As redes sociais destroem sua capacidade de empatia

- As redes sociais deixam você infeliz

- As redes sociais não querem que você tenha dignidade econômica

- As redes sociais tornam a política impossível

- As redes sociais odeiam sua alma

Chocantes essas afirmações, não? 

E, no entanto, Lanier desenvolve cada ideia dessa de forma muito clara e convincente sobre o poder que essas máquinas de manipulação têm em relação ao nosso cérebro e comportamento humano.

Eu avalio o poder dessas redes e o quanto elas nos alteraram há mais de uma década. Eu era secretário de imprensa da Confederação dos Bancários entre 2006 e 2009 quando comecei a refletir sobre o que estava acontecendo conosco. Eu via que estávamos mudando e não era para melhor.

Essas plataformas nos dominaram como as drogas mais potentes já inventadas pelos seres humanos. Aliás, o efeito dessas plataformas em nossos corpos e nossas vidas é como o efeito das drogas ao consumi-las. Nossas almas, nossas mentes, nossos desejos, aquilo que somos, ficam capturados pelas técnicas desenvolvidas por essas máquinas e empresas para que não consigamos sair delas.

Hoje é público o que esses caras donos dessas plataformas fazem com milhões e bilhões de pessoas: usam as informações dos usuários de forma abusiva e não só para vender publicidade de produtos. Vários países já se debruçam sobre o que fazer com o poder ilimitado de empresas como Facebook, Twitter, Google, Amazon, YouTube, Telegram, WhatApp e outras corporações donas de tanto poder e multibilionárias.

Bilhões de seres humanos ao redor do planeta Terra estão sendo usados como commodities por empresas como essas, pessoas de todo o planeta Terra - que é redondo, apesar de parte das pessoas terem sido manipuladas por meio inclusive dessas redes a acharem que a Terra é plana. 

Vivemos uma loucura coletiva e parte dessa loucura que tirou completamente a racionalidade das pessoas tem relação direta com o uso indiscriminado e abusivo das redes sociais e seus algoritmos e objetivos em ganhar dinheiro para seus donos, seja através de coisas boas e positivas, seja através de coisas ruins e até ilegais.

Enfim, já que as redes sociais são como drogas, não será fácil se desfazer delas, fomos viciados e nos tornamos dependentes delas. Mais que isso, comunicação social é um direito humano, só acho errado esse direito humano estar na mão de alguns caras que usam e abusam de nosso direito e de nossas informações pessoais. Isso tem que mudar!

Defendo a criação de redes sociais públicas e reguladas por regras claras que não permitam que nossos dados sejam usados da forma como se fazem nessas empresas das big techs, assim como defendo que o acesso à internet deve ser gratuito e público, é um direito humano. Já publiquei artigo falando a respeito (ler aqui).

Vamos ver como lido com as sugestões de Jaron Lanier. Não tenho um monte de redes sociais, tenho duas ou três e estou avaliando como me livro delas. O primeiro passo é passar a me afastar delas e não vê-las mais que alguns minutos por semana, diminuindo a dependência a essa droga. Depois vejo se consigo não ter mais nenhuma rede social enquanto não criarmos redes sociais públicas e menos lesivas aos seres humanos.

William


Bibliografia:

LANIER, Jaron. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. Tradução de Bruno Casotti. 1ª ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.