domingo, 28 de maio de 2017

Lendo Hemingway e pensando o fascismo e a guerra civil



(atualizado em 28/5/17, às 11h02)

Lendo Hemingway e refletindo sobre o fascismo e guerras civis.

Refeição Cultural


"Morrer era nada, e ele não tinha uma imagem da morte, nem medo dela na mente. Mas viver era um campo de trigo ondulado ao vento numa encosta. Viver era um gavião no céu. Viver era um jarro de cerâmica com água na poeira do debulho do trigo, batido na eira com o mangual, e a palha esvoaçando. Viver era um cavalo entre as pernas e uma carabina sob a coxa, uma colina, um vale, um riacho com os pinheiros ao longe, mais adiante outro vale, e outras colinas além..." (narrador da estória, in: Por quem os sinos dobram, 1940)

"Quantos você acha que matou? Não sei, não tomo nota. Mas consegue calcular? Consigo. Quantos? Não dá para ter certeza. Explodindo trens você acaba matando muitos. Muita gente. Não dá para ter certeza. Então de quantos você tem certeza? Mais de vinte. E desses, quantos eram realmente fascistas? Pelo menos dois eu tenho certeza que eram. Porque tive que fuzilá-los quando os fizemos prisioneiros em Usera. E você não se importou? Não. Nem gostou? Não. Decidi nunca mais fuzilar ninguém. Tenho evitado isso. Tenho evitado matar quem não estiver armado." (Reflexões de Robert Jordan, in: Por quem os sinos dobram, 1940)


Neste sábado, acordei decidido a ler bastante e peguei o grosso volume de quase 700 páginas de Hemingway, Por quem os sinos dobram (1940). Li quase 150 páginas. A estória se passa na Espanha, no cenário da Guerra Civil Espanhola (1936-39). Peguei para ler este clássico por causa da ascensão do fascismo no Brasil e no mundo.

Eu já passei pelo capítulo duríssimo que descreve a execução de pessoas de um dos lados da guerra - os fascistas e apoiadores -, por parte dos republicanos e apoiadores, ao tomarem uma vila. Hoje passei por trechos da guerra onde os republicanos é que se deram mal e foram todos mortos em combate e executados em uma colina, tendo suas cabeças degoladas.

Fiquei pensando sobre a construção do ódio em nosso País, de forma deliberada e planejada por parte dos empresários e grupos políticos de oposição aos governos do Partido dos Trabalhadores. O Brasil se transformou num lugar de ódio e intolerância. Os meios de comunicação dos empresários golpistas envenenaram o povo. Boa parte das famílias e grupos sociais se dividiram estimulados pelo ódio.

Um golpe de Estado ocorreu no País em 2016, planejado e executado por uma camarilha de corruptos de alto escalão - a elite da Casa Grande secular -; corruptos da elite que tomaram de assalto todos os aparelhos do Estado. Com isso, más condições de vida e iniquidade imperam num brazil-colônia sob forte ataque aos direitos dos trabalhadores e a destruição do Brasil.

Por curiosidade, fui ver algumas mensagens nos perfis em redes sociais de familiares com os quais perdi a relação após essa cisânia na vida do povo brasileiro e vi comentários assustadores: eles só fazem reproduzir o que a mídia manipuladora inventa como pauta única, escondendo a corrupção de seus pares no assalto ao Brasil e, por outro lado, construindo pautas ininterruptas contra o segmento da sociedade representado pelos movimentos sociais, populares, de esquerda, e da classe trabalhadora. Tem familiar meu que diz que Lula, Dilma, petistas e sindicalistas deveriam ser exterminados como ratos.

A seguir assim, o cenário que teremos pela frente em nosso País pode descambar para algo parecido com o que ocorreu na Espanha nos anos trinta. E as consequências duraram quase quatro décadas - a ditadura de Franco. E o pior é que se ocorrer algum tipo de matança entre irmãos, os causadores da guerra, esses golpistas liderados pela elite do 1%, acabam pegando voos e se transferindo para outros países para assistirem de camarote a desgraça em nossa pátria, sem risco algum para suas vidas.

Muito triste ver destruição tão grande em nosso Brasil, causada por um bando de canalhas que não aceitaram a vontade popular e as mudanças que vinham distribuindo um pouco mais das riquezas do País para o povo de forma geral.

William
Leitor e cidadão

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Em marcha histórica, 200 mil ocupam Brasília contra as reformas do governo


Comentário do Blog

Estamos felizes pela resistência do povo brasileiro frente aos ataques a todos os direitos da classe trabalhadora por parte dos golpistas canalhas que tomaram o País de assalto, tanto no Congresso Nacional, quanto na Presidência da República, e, infelizmente, inclusive no poder Judiciário, que deveria zelar pelas leis e pela democracia.

Eu estive o dia todo na VIII Conferência de Saúde da Cassi e do Conselho de Usuários do Distrito Federal cumprindo nossa agenda de saúde marcada meses atrás e construída como um importante evento de sensibilização dos trabalhadores do Banco do Brasil.

No início da noite, Brasília já estava praticamente sob Estado de Sítio, com convocação das forças armadas por parte dos golpistas canalhas. Imagens mostram policiais atirando com arma de fogo contra a população.

Fica clara a estratégia dos golpistas, na minha opinião, de infiltrar alguns mascarados na manifestação pacífica do povo trabalhador para justificar o uso de violência e repressão, para ofender os manifestantes como "vândalos", construindo imagens para os canalhas do PIG, parceiros no Golpe de Estado contra a democracia e o povo brasileiro.

Resistir e lutar! É o que o povo está fazendo!

William

(reprodução de matéria do Seeb DF)



Um mar de cidadãos brasileiros tomou Brasília na luta
contra as reformas de um Congresso corrupto e canalha
e de um governo ilegítimo, que reagiu com violência
contra os manifestantes em ato pacífico. Foto: Guina

Brasília foi tomada nesta quarta-feira (24) por cerca de 200 mil manifestantes, vindos de várias partes do País, que, portando bandeiras, faixas, cartazes e balões, marcharam pela Esplanada dos Ministérios exigindo a retirada das nefastas propostas de reforma da Previdência e trabalhista e a saída do ilegítimo Michel Temer, com a convocação de eleições diretas.

Foi o #OcupaBrasília, considerado o maior protesto já realizado na Capital e o primeiro de rua promovido pelos movimentos sindical e sociais após delações dos donos da JBS colocarem o nome de Michel Temer no epicentro dos escândalos políticos decorrentes das investigações da Operação Lava Jato.

A movimentação começou ainda na noite dessa terça-feira (23), com a chegada de delegações vindas de vários Estados - Brasília recebeu 500 ônibus com caravanas, que se concentraram no Estádio Mané Garrincha, de onde os trabalhadores saíram em marcha às 11h desta quarta-feira. No trajeto pelo Eixo Monumental, mais pessoas foram se juntando à mobilização, pacificamente.

Faixas e placas com dizeres contra as reformas predominaram no protesto. No caminhão de som, os organizadores gritavam e cantavam "Um, dos, três, quatro, cinco mil, parem as reformas ou paramos o Brasil". Também eram ouvidos gritos de Fora Temer e eleições diretas já!


O presidente do Sindicato, Eduardo Araújo, presente no ato, declarou que as manifestações não acabaram hoje. “O próximo passo será uma greve geral de 48 horas, a ser organizada pelo movimento sindical”.

Também presente no ato, a bancária e deputada federal Erika Kokay (PT/DF) reforçou as críticas às reformas “que retiram direitos do trabalhador e que custaram muitas marcas na pele e na alma deste País”. E avisou: “Não toquem nos nossos direitos. Querem nos calar com gás de pimenta, mas não vão conseguir”.

Marianna Coelho, secretária de Assuntos Jurídicos do Sindicato, destacou: “Essa marcha contra as reformas e contra esse governo que quer retirar direitos dos trabalhadores é para mostrar a força da classe trabalhadora e para que cada um se sinta representado por esses cerca de 200 mil trabalhadores aqui presentes”.

“Esta pressão dos trabalhadores é extremamente importante porque está em jogo os nossos direitos, conquistados com muitas lutas. Somos contra as reformas da Previdência e trabalhista. Nenhum direito a menos. E o ato está lindo, cheio de trabalhadores”, comentou Fabiana Uehara, diretora da Contraf-CUT.

Wadson Boaventura, diretor da Fetec-CUT/CN, endossou: “Esse ato agrega todas as categorias em prol da defesa dos direitos dos trabalhadores para derrubar as reformas. O povo está mostrando ao governo que se faz necessário abrir uma interlocução com os trabalhadores. E esse ato coroa uma etapa que está bem próxima de uma Diretas Já e da renovação do congresso”.

Ivone Colombo, diretora da Fetec-CUT/CN, veio de Rondônia especialmente para se unir ao povo brasileiro. “Independente de partido, precisamos estar unidos para retirar todos os corruptos e defender nossos direitos”.

Repressão

O ato seguiu ordeiramente até alcançar o Congresso Nacional, onde, após o início de confronto entre um pequeno grupo de mascarados dos quais não se sabe a origem e a PM, a força policial passou a investir contra os trabalhadores que estavam pacificamente protestando, dando início a um grande tumulto.

Temer se aproveitou disso para convocar as Forças Armadas para a defesa da "ordem", tentando desviar o foco da cobertura midiática sobre a manifestação, buscando criminalizar os trabalhadores organizados que lutam pela preservação de seus direitos, lembrando os piores momentos da ditadura militar.


Da Redação
Fotos: Guina Ferraz e CUT Brasília

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Leitura: Ponciá Vicêncio (2003) - Conceição Evaristo




(atualizado em 14/12/19)

Refeição Cultural

"O humano não tem força para abreviar nada e quando insiste colhe o fruto verde, antes de amadurar. Tudo tem o seu tempo certo. Não vê a semente? A gente semeia e é preciso esquecer a vida guardada de debaixo da terra, até que um dia, no momento exato, independente do querer de quem espalhou a semente, ela arrebenta a terra desabrochando o viver. Nada melhor que o fruto maduro, colhido e comido no tempo exato, certo..." (p. 91)

"A mulher sofrera muito com a ida da filha, depois com a do filho. Antes, havia vivido o pesar da passagem de seu homem, naquela tarde clara e ensolarada. E foi acumulando idas, partidas, ausências. Às vezes, vinha um desespero tal, que ela pensava, então, em abreviar a sua hora. Sentia-se tão só, tão vazia, que poderia ir buscar o barro lá no fundo do rio... Sozinha, entretanto, se recuperava. Ela acreditava que a vida tem o tempo certo, assim como o fruto tem o momento exato para ser colhido. Sabia que a sua vida não era ainda um fruto amadurecido..." (p. 65)

"Lembrou-se novamente das palavras do pai. As mulheres pareciam estrelas. Eram bonitas. Enfeitavam a noite que existia no peito dos homens..." (p. 82)

 (Ponciá Vicêncio, Conceição Evaristo)


Sobre a leitura

Num afã de me permitir, tenho experimentado novos autores e autoras, novos textos e tecituras, nos poucos momentos que posso dedicar ao meu próprio prazer intelectual e sensorial, haja vista que as boas obras me emocionam, me arrepiam, me humanizam.

Dias atrás, em uma matéria do site da revista Carta Capital, vi que está em cartaz uma exposição chamada "ocupação" de uma autora chamada Conceição Evaristo. Li o artigo, fiquei bastante interessado e gostaria de estar em São Paulo para ir ao evento até 16 de junho.

Eu sou um curioso literário e tenho muitas lacunas culturais, como quase todo mundo. Além de dezenas de clássicos que ainda não li, tenho sempre interesse em conhecer novos autores e obras. 

Não conhecia a mineira Conceição Evaristo. Após o artigo, pesquisei e consegui achar algumas obras dela e comprei três livros. Neste fim de semana, peguei para ler o romance Ponciá Vicêncio. Acabei no domingo à noite. Emoção pura!

Terminei a leitura emocionado com a estória de Ponciá Vicêncio e sua família. A autora lida com temas que continuam urgentes em nossa sociedade como o preconceito e discriminação racial e social. Trata da questão da condição da mulher, e principalmente da mulher negra. Aborda de maneira muito inteligente e sensível a questão das consequências históricas da escravidão em nossa sociedade.

A questão da incomunicabilidade e da ausência, da saudade e dos desencontros entre as pessoas que convivem entre si é muito forte. Me fez ficar pensando no hoje, no que vivemos neste momento, em casa, na rua, no trabalho, nas relações virtuais, que parecem ser mas não são como as relações presenciais.

Eu me lembrei da personagem de Clarice Lispector em A hora da estrela (1977) e também lembrei do conto "Sorôco, sua mãe, sua filha" do livro Primeiras Estórias (1962) de Guimarães Rosa.

Aí fiquei pensando na incomunicabilidade que vivemos todos nós, num mundo que, em tese, seria um mundo das comunicações. Não é.

Eu realmente recomendo a leitura deste romance de Conceição Evaristo. Fiquei muito feliz de preencher esta lacuna cultural ao conhecer sua obra. Vou ler com muito gosto o outro romance que adquiri dela - Becos da Memória (2006).

William
Um leitor


Passagens do livro que nos põe a pensar:

TERRA DE BRANCOS

"Desde pequena, ouvia dizer, também, que as terras que o primeiro Coronel Vicêncio tinha dado para os negros, como presente de libertação, eram muito mais, e que pouco a pouco elas estavam sendo tomadas novamente pelos descendentes dele. Alguns negros, quando o Coronel lhes doou as terras, pediram-lhe que escrevesse o presente no papel e assinasse. Isto foi feito para uns. Estes exibiram aqueles papéis por algum tempo, até que, um dia, o próprio doador se ofereceu para guardar a assinatura-doação. Ele dizia que, na casa dos negros, o papel poderia rasgar, sumir, não sei mais o quê... Os negros entregaram, alguns desconfiados, outros não. O Coronel guardou os papéis e nunca mais a doação assinada voltou às mãos dos negros. Enquanto isso, as terras voltavam às mãos dos brancos. Brancos que se fizeram donos, desde os passados tempos." (p. 53)

E O CONGRESSO BRASILEIRO GOLPISTA EM 2017 QUER VOLTAR A ESCRAVIDÃO...

"Crescera na pobreza. Os pais, os avós, os bisavós sempre trabalhando nas terras dos senhores. A cana, o café, toda a lavoura, o gado, as terras, tudo tinha dono, os brancos. Os negros eram donos da miséria, da fome, do sofrimento, da revolta suicida. Alguns saíam da roça, fugiam para a cidade, com a vida a se fartar de miséria, e com o coração a sobrar esperança..." (p. 70)

INCOMUNICABILIDADES

"Ponciá Vicêncio achava que os homens falavam pouco. O pai e o irmão tinham sido exemplos do estado da quase mudez dos homens no espaço doméstico. Agora, aquele, o dela, ali calado, confirmava tudo. Ele também só falava o necessário. Só que o necessário dele era bem pouco, bem menos do que a precisão dela. Quantas vezes quis ouvir, por exemplo, se o dia dele tinha sido difícil, se o pequeno machucado que ele trazia na testa tinha sido causado por algum tijolo, ou mesmo saber quando começaria a nova obra. Muitas vezes quis dizer das tonturas e do desejo de comer estrelas de que era acometida todas as vezes que ficava grávida. Quis confidenciar a respeito de um medo antigo que sentia, às vezes. Quis saber se ele também sofria do mal do medo, se ele vivia também agonias. Quis que o homem lhe falasse dos sonhos, dos planos, das esperanças que ele depositava na vida. Mas ele era quase mudo. Não chorava, não ria..." (p. 57)


Bibliografia:

EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. 1ª edição - Rio de Janeiro: Pallas, 2017.

domingo, 21 de maio de 2017

Opinião: Com mais mobilização, ainda se pode barrar reformas trabalhista e da previdência


Apresentação do Blog: Segue abaixo um excelente artigo do amigo e companheiro de lutas Eduardo Araújo, presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília. Ele traz informações importantes para esclarecer os trabalhadores da ativa e aposentados sobre a necessidade de mobilização em defesa de direitos históricos do povo brasileiro.

Vamos para a rua neste momento, domingo de mobilizações, defender a democracia e os direitos sociais do povo brasileiro. William

Eduardo Araújo é presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília.

(atualizado às 23h48 de 22/5/17)

Está em marcha mais um capítulo do golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, que pode ser considerado o mais violento processo de destruição da cidadania da nossa história moderna. A sociedade brasileira não pode mais aceitar como natural e tolerar essa barbárie.

Um governo não eleito, com mais de 90% de rejeição e comprovadamente corrupto, está desmontando os marcos civilizatórios delineados e consolidados pela Constituição de 1988. Assim, sob o manto dos “interesses do mercado”, os direitos dos trabalhadores conquistados em um século de lutas e os programas e investimentos sociais voltados para a maioria da população são alvos constantes de destruição.

Esse processo tem claramente um caráter de classe e de aniquilamento da soberania nacional, uma vez que, ao mesmo tempo em que extermina direitos trabalhistas, cria condições para doar o patrimônio público ao “grande” capital nacional e internacional, como pagamento pelo apoio à tomada forçada do governo.

Depois da entrega do pré-sal às petroleiras estrangeiras, da aprovação em ritmo de “blitzkrieg” da terceirização ampla e irrestrita, do desmantelamento da CLT e da preparação da reforma trabalhista, agora começam a se acumular as benesses ao sistema financeiro, que esteve na linha de frente do golpe, com a proposta de reforma da previdência social.

Os bancos já controlam o Ministério da Fazenda e o Banco Central, instrumentos pelos quais mantêm as mais altas taxas de juros do mundo. Com a taxa Selic nas nuvens, em 2016 rendeu mais de R$ 1 trilhão de juros e amortizações aos rentistas (17,5% do PIB), um quarto dos quais pertence aos bancos.

Isso significa 11 vezes o orçamento anual da saúde (em torno de R$ 109 bilhões) e da educação (R$ 101 bilhões).

Mas enquanto o (des)governo de Temer congela em 20 anos os investimentos em saúde e educação, em abril presenteou o Itaú com R$ 25 bilhões por intermédio do cancelamento de pagamento de IR e CSLL que havia sido aplicada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ao banco das famílias Setúbal/Moreira Salles/Villela na fusão com o Unibanco, em 2008.

O governo Temer também ajuda o sistema financeiro privado ao atender uma de suas velhas reivindicações, que é enfraquecer a atuação dos bancos públicos federais, visando uma privatização futura. Vão nesse sentido as reestruturações impostas no ano passado pelas direções do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, que incluem a demissão incentivada de dezenas de milhares de funcionários, sem reposição de pessoal e com o sucateamento do atendimento à população de baixa renda e aos pequenos empresários e agricultores país afora.

E a mais recente iniciativa com esse objetivo foi anunciada na sexta-feira 5 de maio, quando o Tesouro determinou a venda das ações do Banco do Brasil detidas pelo Fundo Soberano, o que reduzirá a participação da União no capital do BB de 54,4% para 50,73%.

Essas são medidas claramente a favor dos especuladores do sistema financeiro altamente concentrador de renda, tomadas à luz do dia e sem nenhum constrangimento, e prontamente apoiadas por uma mídia partidária. Muitos outros atos dessa natureza foram pura e simplesmente praticados nos bastidores, sabe-se lá há quanto tempo, como as compras de anulação de dívidas no Carf e as compras de projetos de lei no Congresso Nacional, cujos fios da meada foram puxados pela Operação Zelotes e por revelações de delatores da Operação Lava Jato.

A sociedade brasileira precisa saber, antes de ser chamada a pagar qualquer conta previdenciária ou trabalhista: quantos perdões de dívidas de empresas houve no Carf? Quantas e quais emendas parlamentares foram pagas por empresários a deputados e senadores corruptos para aprovar projetos de seu interesse e prejudiciais aos trabalhadores e à população brasileira? Há quanto tempo essa corrupção vem sendo praticada? Quem são os corruptos e os corruptores?

Também à luz do dia, o “Refis do Temer” perdoou na semana passada mais de R$ 270 milhões em redução de dívidas tributárias contidas na Medida Provisória 766, pelo que grande parte dos parlamentares serão beneficiados direta e indiretamente, como pagamento pela aprovação das reformas trabalhista e previdenciária. Podemos enumerar cerca de cem deputados e 20 senadores que devem à União ou são co-responsáveis por débitos de terceiros.

Mas por traz das cortinas, nos almoços e jantares do Temer, quanto, além disso, deputados e senadores estão recebendo para votar a favor da PEC 55, da liberação da terceirização, da reforma trabalhista e da reforma da previdência? Estão recebendo também das empresas?

Isso tudo é suficiente para colocar em dúvida todas as medidas que estão sendo propostas há um ano por um governo ilegítimo e corrupto para a aprovação de parlamentares igualmente corruptos.

Só nos resta, ao povo brasileiro, aos movimentos sociais e ao movimento sindical, combater com todas as nossas forças essa ofensiva patronal temperada com corrupção para destruir os direitos dos trabalhadores e os programas sociais que ensaiavam colocar o Brasil um degrau acima no processo civilizatório – e que nos levam de volta ao século 19.

A greve geral de 28 de abril foi um passo importante nessa direção. Precisamos ampliar esse debate com a população e aumentar a mobilização para tomar Brasília na marcha ainda em maio, denunciar os parlamentares em suas bases eleitorais e, se necessário, preparar uma nova greve geral para barrar a aprovação da reforma trabalhista no Senado e a reforma previdenciária ainda na Câmara dos Deputados. Ainda dá tempo.

*Eduardo Araújo é presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília



Post Scriptum (23h48 de 22/5/17, segunda-feira)

Estive no ato em Brasília, mas foram poucas pessoas, diferente dos atos de São Paulo, Fortaleza e outras capitais.


Ato em frente à Biblioteca Nacional.

sábado, 20 de maio de 2017

Espanha pré Guerra Civil e Brasil de hoje



Livro que comprei em Madri,
quando estive lá em 2009.

Refeição Cultural

"Por un breve instante, obreros, capitalistas y militares se unieron con el objetivo de limpiar la política española de la corrupción del caciquismo. Si el movimiento hubiera triunfado en el establecimiento de un sistema político capaz de permitir un reajuste social, no habría sido necesaria la Guerra Civil de 1936. Pero tal y como se sucedieron los acontecimientos, la gran crisis de 1917 sirvió únicamente para consolidar el poder de la atrincherada oligarquía terrateniente.

A pesar de la coincidencia retórica de sus exigencias de reformas, los intereses últimos de obreros, industriales y oficiales eran contradictorios y el sistema pudo sobrevivir explotando hábilmente esas diferencias. El primer ministro, el conservador Eduardo Dato, accedió a las peticiones económicas de los militares. Después provocó una huelga* de los trabajadores socialistas ferroviarios, forzando así la respuesta de la UGT antes de que la CNT estuviera preparada. Ya en paz con el sistema, el Ejército estuvo encantado de defenderlo en agosto de 1917 aplastando a los huelguistas socialistas de forma sangrienta. Alarmados ante la perspectiva de que los obreros ocuparan las calles, los industriales renunciaron a sus propias reivindicaciones de reforma política y, atraídos por las promesas de modernización económica, en 1918 apoyaron al gobierno de coalición nacional con liberales y conservadores. Una vez más, la burguesía industrial había abandonado sus aspiraciones políticas y se había unido a la oligarquía terrateniente por el temor que tenía a las clases más humildes. Esa efímera coalición simbolizaba una ligera mejoría de la posición de los industriales dentro de la alianza reaccionaria, todavía dominada por los intereses agrarios..."

*Huelga = greve

(La Guerra Civil Española, capítulo "Una sociedad dividida: España antes de 1930". Paul Preston)


Reflexão

Tenho dito e comentado o quanto acho semelhante os acontecimentos ocorridos na Espanha nas décadas que antecederam a eclosão da Guerra Civil Espanhola, em 1936, e o cenário brasileiro que temos vivido mais ou menos após a derrota do candidato da oposição José Serra (PSDB) nas eleições presidenciais de 2010, ou mais especificamente desde 2013, quando a direita fascista brasileira se aproveitou dos eventos de rua e manipulou esses mesmos eventos contra o Governo do Partido dos Trabalhadores, de Dilma Rousseff.

Os governos do Partido dos Trabalhadores, sem nenhum exagero revolucionário ou ruptura, mas sim através de conciliação de classes desde a vitória de Lula em 2002, haviam conseguido ampliar de forma histórica a distribuição de renda para a classe trabalhadora (sem afetar os ganhos da elite). Foram mais de 12 anos de inclusão social via políticas afirmativas e programas de Governo. O Brasil resistiu inclusive ao crash do subprime em 2007/08 e chegou quase ao pleno emprego no primeiro semestre de 2014.

Mas a direita reacionária e fascista brasileira, liderada pela oposição política ao governo (PSDB e PIG), decidiu partir para o Golpe de Estado por não aceitar mais a vontade popular em 2014 e uma das estratégias adotadas foi partir para a destruição da economia, com o apoio rápido da Lava Jato, um projeto planejado de ataque parcial da "justiça" somente ao Governo e ao Partido dos Trabalhadores. Destruída a economia em menos de dois anos, foi possível somar essa tragédia social ao ataque ininterrupto ao Governo e ao PT por parte da mídia canalha dos empresários da comunicação para efetivar o Golpe em 2016.

Enfim, a semelhança de fatos ocorridos com o excerto que citei acima é impressionante. Em um determinado momento na década de dez do século passado na Espanha, quase houve uma união entre empresários do setor produtivo, os trabalhadores da cidade e do campo e os militares de baixa patente -  porque eram miseráveis como os demais setores populares. O poder político e econômico era todo da monarquia, clero e oligarquia. Quase houve união popular...

O governo foi mais esperto e soube jogar com as diferenças entre o grupo de setores populares que se formava. O pleito dos militares foi atendido e eles passaram a apoiar o governo (alguma semelhança com a estratégia do governo atual?). Depois, o grupo do governo espanhol fez ocorrer greves no seio dos trabalhadores e a mobilização por causa da miséria generalizada assustou os empresários que abriram mão de seus interesses políticos para ficarem do lado do governo. E o medo de uma revolução social?

Essas questões de classe são muito antigas e históricas. Estamos vendo e vivendo fatos semelhantes aqui no Brasil com a construção e manutenção do Golpe de Estado ocorrido após as eleições de 2014. Ou seja, independente do povo ter compreensão ou não do que ocorreu, o fato é que a 4ª vitória do projeto político do Partido dos Trabalhadores representava a perspectiva de avanços no campo das forças populares e progressistas contra a outra pauta, que representava tudo o que há de pior no conservadorismo dos empresários da mídia junto com Fiesp e banqueiros, ruralistas, uma parta das castas enfiadas nas estruturas do Estado e os eternos rentistas, que vivem de sugar a renda nacional.

E o momento destas semanas após novas denúncias contra o governo golpista e seus grupos é também parecido com o que ocorreu na Espanha dos anos vinte e trinta. Que acontecerá? 

- Os golpistas vão emplacar nova figura na presidência de forma indireta, através do mesmo Congresso corrompido que executou o Golpe? 

- Vão continuar contando com o beneplácito das instâncias do Judiciário, que deveriam proteger a Constituição e a Democracia e não fazer o contrário, participando do Golpe contra o povo, como fizeram até agora?

- Vão deixar os corruptos golpistas nos mesmos lugares e postos do Estado nacional?

- Ou o povo vai conseguir reverter o Golpe de 2016 com devolução do poder executivo à presidenta eleita por 54,5 milhões de votos? Ou quem sabe haver novas eleições diretas já para o poder executivo e para todo o legislativo?

É importante que as lideranças do campo popular e progressista da classe trabalhadora saibam identificar experiências históricas para não repetirem os mesmos erros de outras lutas do campo popular. Não gostaria de ver o nosso querido Brasil afundar em décadas de novas misérias e novas formas de ditadura e regimes totalitários contra a grande massa de humanos em favor de 1 ou 2% de privilegiados.

William
Cidadão

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Diário e reflexões - 150517 (Fascismo ameaça presente e futuro)





Refeição Cultural

Após passar o dia inteiro nas leituras densas de meu trabalho como Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, senti a necessidade de me desligar por algumas horas e pensar em outra coisa.

Vamos falar de filmes, cultura, política e história.

Assisti neste domingo ao filme do diretor espanhol Carlos Saura "Mamãe faz cem anos" (1979). Domingo foi dia das mães e algo me chamou para esse filme, apesar de não ser nada amoroso o que os familiares planejam para a mamãe que faz cem anos.

Eu estou num clima de leitura e estudos sobre o fascismo e sobre a Guerra Civil Espanhola, que teve como resultado final a ascensão do ditador Francisco Franco, que ficou no poder por quase quatro décadas (até sua morte em 1975).

Os anos vinte e trinta do século passado marcaram ascensões de governos fascistas e totalitários em diversos países. Como leitor de mundo, vejo riscos semelhantes neste momento da história humana.

Estou lendo "Por quem os sinos dobram" (1940) de Ernest Hemingway. A obra retrata a Guerra Civil Espanhola (1936/39), guerra que contou com o apoio dos nazifascistas de um lado, o lado dos conservadores liderados por Franco, e que não contou com o apoio dos governos da Inglaterra, França e outros que estiveram entre os aliados na Primeira Guerra Mundial. Mas pelo menos os Republicanos contaram com o apoio das Brigadas Internacionais.

O filme é muito bom. Eu já assisti a ele três vezes. Carlos Saura, o diretor de cinema engajado politicamente em relação à ditadura franquista, fecha um ciclo de trabalhos com este filme de 1979. As interpretações de Geraldine Chaplin (Ana), Amparo Muñoz (Natalia), Rafaela Aparicio (mamãe) e Fernando Fernán Gómez (Fernando) são marcantes. Todas as personagens retratam os conflitos internos de uma sociedade que ficou parada no tempo e atrasada por gerações devido à ditadura de Franco.

O livro que acompanha a obra traz textos esclarecedores do crítico e professor Cassio Starling Carlos nesta Coleção do Cinema Europeu.

Eu vejo um cenário brasileiro após o Golpe de Estado em 2016 com graves sinais de retrocesso histórico aos direitos e avanços sociais de décadas de lutas do povo e seus diversos segmentos caso não haja uma rápida reação para retomar o País das garras dos golpistas, que se instalaram em todos os aparelhos do Estado nacional, atuando para o 1% que se apropria da coisa pública.

É isso, o filme é muito bom! É só se deixar levar com um olhar atento e perceber o que é uma sociedade antidemocrática marcada por décadas de retrocesso social e conservadorismo em prol de algumas castas, e contra a maioria de seus integrantes, o povo trabalhador.

William

domingo, 14 de maio de 2017

Por quem os sinos dobram (Hemingway) - Frases



Minha edição de "Por quem os sinos dobram".

Refeição Cultural

Estou na leitura desta obra imponente e clássica de Hemingway e da literatura universal. O cenário da estória é a Guerra Civil Espanhola, uma trincheira entre duas visões de mundo que se apresentaram ali: uma sociedade de cunho fascista de um lado e uma sociedade onde a República representava ideais socialistas.

Ao longo de quase trezentas páginas que já li, me peguei refletindo a respeito de várias frases ou pensamentos dos personagens republicanos e partisans. Registro algumas delas aqui.


Lutar para ter um bom lugar para se viver

"Todos os trabalhos que eles, os partisans, executaram, trouxeram perigo adicional e má sorte para as pessoas que os abrigaram e trabalharam com eles. Para quê? Para que, um dia, não houvesse mais perigo e o país se tornasse um bom lugar para se viver. Isto era verdade, não importa o quanto soasse trivial"


A motivação de um partisan

"(...) Lutava nesta guerra porque ela começara num país que ele amava e porque acreditava na República e, se esta fosse destruída, a vida seria insuportável para todas as pessoas que acreditavam nela..."


Hemingway?

"Então, qual era a sua política? 'Não tenho nenhuma, neste momento', disse para si mesmo. 'Mas não conte isso para ninguém', pensou. 'Nunca admita. E o que você fará depois da guerra? Vou ganhar a vida ensinando espanhol como antes, e vou escrever um livro também. Aposto', disse em pensamento. 'Aposto que será fácil.' "


Missão de alto risco exige ausência de vínculos (amor, por exemplo)

"Maria era algo difícil de se combinar ao seu fanatismo. Até o momento ela não tinha afetado sua resolução, mas ele preferiria não morrer. Rejeitaria um final de herói ou de mártir com alegria. Não queria repetir a batalha no desfiladeiro das Termópilas, nem ser um novo Horácio, uma ponte, nem o menino holandês com o dedo no dique. Não. Ele gostaria de passar um tempo com Maria. Era a expressão mais simples da coisa. Queria passar um longo, longo tempo com ela"


Hemingway de novo?

O personagem principal Robert Jordan em pensamento: "O que você vai ser, ou para que servirá quando deixar o serviço da República? Isso é uma enorme dúvida. Mas o meu palpite é que você irá livrar-se de tudo ao escrever sobre isso. Será um bom livro, se conseguir escrevê-lo. Muito melhor do que o outro."


Amor em tempos de guerra (Robert Jordan em pensamentos)

"Quer dizer, eu não sou um romântico adorador da Mulher Espanhola, nem nunca pensei num caso amoroso por aqui como algo mais do que seria em qualquer outro país. Mas quando estou com Maria eu a amo, e me sinto, literalmente, como se fosse morrer e jamais acreditei que isso pudesse acontecer."

"(...) Você ficou desarmado logo que a viu pela primeira vez. E quando ela abriu a boca e falou com você, já havia acontecido, você sabe disso. Agora que já está sentindo isso, mesmo nunca tendo pensado que fosse lhe acontecer, não tem sentido tentar sujar a coisa; você sabe o que é, e reconhece que aconteceu já na primeira vez que olhou para ela trazendo aquela travessa de ferro."

Ele só tem dois dias antes da ação para a qual foi designado: 

"Bem, é isto, é o que tem acontecido, melhor você admitir agora, nunca terá duas noites inteiras com ela. nem uma vida, nem viverão juntos, nem vai ter o que as pessoas normalmente têm, não mesmo. Uma noite que é passado, uma vez numa tarde, uma noite por vir - talvez. Não, senhor."

"Você pede o impossível. O impossível. Se ama essa garota tanto quanto diz, é melhor amá-la seriamente e compensar pela intensidade o que à relação irá faltar em duração e continuidade. Está ouvindo? Nos velhos tempos as pessoas devotavam uma vida inteira a isso. E agora, você encontra, dispõe de duas noites e fica pensando de onde a sorte veio. Duas noites. Duas noites para amar, honrar e respeitar. No melhor e no pior. Na doença e na morte. Não, não era assim. Na doença e na saúde. Até que a morte os separe. Em duas noites. Mais ou menos isso, mais ou menos assim e agora afaste estes pensamentos. Não lhe fazem bem. Não faça nada que não faça bem. Certo, acabou."


Comentário Final


Essas frases são do capítulo treze. A coleção de frases que já me fizeram refletir é grande. Depois registro mais algumas.

E pensar que estamos caminhando para algo imponderável em nosso querido Brasil após o Golpe de Estado. Após o envenenamento do povo brasileiro com ódio e intolerância da pior espécie por parte da pequena elite vira-latas brasileira e por seus meios de comunicação.

As pessoas não têm noção da tragédia que é uma guerra, mais ainda quando é interna e temos o mesmo povo se matando uns aos outros.

É isso!

William

sábado, 13 de maio de 2017

Leitura: Distraídos venceremos (1987) - Paulo Leminski




Olá amig@s leitores!

Em relação aos meus objetivos de leitura para o mês de maio, a principal e mais densa é a obra de Ernest Hemingway - Por quem os sinos dobram (1940). Até que avancei bem e já li duzentas páginas, apesar do pouco tempo para me dedicar ao livro.

Uma leitura mais leve e para relaxar um pouco nossa essência foi a retomada do livro de Paulo Leminski - Toda poesia (2013). Minha semana foi de tanto trabalho que não pude escrever nada neste Blog de cultura. No domingo passado, 7 de maio, li duas vezes o livro de poesia de 1987 de Leminski - Distraídos venceremos -, sendo a segunda leitura de um jeito que gosto muito: declamando.

É muito gostoso ler Paulo Leminski e deixo abaixo alguns exemplos para instigar leitores de gostos variados.

Ler é sempre uma ótima opção para lidar com as nossas crises momentâneas e com as crises da sociedade humana em que vivemos.


Vejam esse poema sobre a cidade de Brasília:

claro calar sobre uma cidade sem ruínas
(ruinogramas)

     Em Brasília, admirei.
Não a niemeyer lei,
     a vida das pessoas
penetrando nos esquemas
     como a tinta sangue
no mata-borrão,
     crescendo o vermelho gente,
entre pedra e pedra,
     pela terra adentro.

     Em Brasília, admirei.
O pequeno restaurante clandestino,
     criminoso por estar
fora da quadra permitida.
     Sim, Brasília.
Admirei o tempo
     que já cobre de anos
tuas impecáveis matemáticas.

     Adeus, Cidade.
O erro, claro, não a lei.
     Muito me admirastes,
muito de admirei.


E por falar nos problemas que temos, que tal esse poema?

bem no fundo

     no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
     a gente gostaria
de ver nossos problemas
     resolvidos por decreto

     a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
     é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

     extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás
     lá pra trás não há nada,
e nada mais

      mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
      e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
      e outros pequenos probleminhas


Vejam esse, leitores, sobre os "pequenos probleminhas" do amor:

      o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
      agora, apenas um sopro

      ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
      e socos


Este poema abaixo, eu dediquei à personagem do seriado "13 reasons why", Hannah Baker (2017, Netflix). Eu havia acabado de assistir ao último episódio e fiquei muito mal. Nem consegui escrever a respeito do seriado.

a lua no cinema

      A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
      a história de uma estrela
que não tinha namorado.

      Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
      dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

      Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
      e toda luz que ela tinha
cabia numa janela.

      A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
      que até hoje a lua insiste:
      - Amanheça, por favor!


É isso, prezados amantes da leitura. Gostei de muitos outros poemas dessa obra de Leminski de 1987.

Recomendo a leitura.

William


Post Scriptum:

Ontem, 12 de maio, faleceu aos 98 anos o querido professor Antonio Candido. Que figura admirável! Eu tive o privilégio de ser da geração que chegou a vê-lo proferir palestras e abordar temas diversos como literatura, poesia, história, política e cultura. Já era aposentado, mas nunca deixou de se envolver com os temas do Brasil e dos homens.

Lembro-me que quando cheguei à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) eu era um homem completamente avesso à poesia. Eu era muito diferente. Alguns textos do professor, como o livro "Na sala de aula" (1985) abriram para mim o mundo da poesia. Pouco sei ainda hoje sobre o tema, mas o aprender-a-gostar-de-poesia sei que devo um pouco ao professor Antonio Candido. E também ao amigo Sérgio Gouveia, que ainda no início dos anos dois mil, acabou me fazendo conhecer o fantástico mundo dos saraus.

sábado, 6 de maio de 2017

Guernica, ontem e hoje...


Tive o privilégio de conhecer "Guernica", de Pablo Picasso,
no Museu Reina Sofia, em 2009. Silêncio, emoção e arrepios,
é o que posso dizer da experiência de conhecer essa obra.

Comentário do Blog

Olá prezad@s leitores amig@s, o texto de Saul Leblon, que compartilho no Blog, é um resgate histórico sobre as consequências do movimento fascista na primeira metade do século XX. Ele também nos faz refletir sobre a volta do movimento fascista em nossos tempos, aqui no Brasil e no mundo.

É uma tristeza o que temos visto em nosso País após a abertura da Caixa de Pandora por parte do grupo golpista que pôs fim à jovem democracia brasileira e interrompeu os avanços históricos que vinham sendo conquistados pelo povo trabalhador e mais necessitado do papel do Estado nacional.

A imprensa comercial brasileira, canalha e vil, toda ela cartelizada e em propriedade cruzada por meia-dúzia de empresários há dezenas de anos, transformou o caráter e a moral do povo brasileiro, covardemente manipulado e feito massa de manobra em um mundo hegemonizado por meios de comunicação e mundos virtuais.

Após ler há poucas semanas a impactante obra de Hemingway "Adeus às armas" (1929), estória que se passa no cenário da 1ª Guerra Mundial, momento histórico que potencializou a ascensão do nazifascismo, senti uma necessidade no momento histórico que vivemos de pegar imediatamente "Por quem os sinos dobram" (1940), outra obra de Hemingway que marcou época e retrata a Guerra Civil Espanhola e a vitória do fascismo na Espanha.

Já consegui ler 80 páginas do grosso volume, e já parei várias vezes para refletir sobre frases do livro de Hemingway. Guerra civil é matança de irmãos contra irmãos. A direita fascista brasileira, que arquitetou o golpe à democracia, que incitou o ódio e incita a violência no povo brasileiro, já faz publicações insinuando que as vítimas que a mídia persegue deveriam ser agredidas verbal ou fisicamente, flertando seriamente com a ideia de linchamento. 

Nesta semana, o jornal Correio Braziliense (PIG) publicou endereço e dados pessoais de um cidadão brasileiro, José Dirceu, que foi covardemente ameaçado por uma massa de gente insana na garagem de sua residência. Se não fosse a polícia intervir, poderia ter ocorrido uma tragédia a ele, esposa e filha de seis anos. Em um dos ataques a Lula por parte da Revista Veja, da Editora Abril dos Civita (que já persegue Lula há muitos anos), foi feita uma capa colocando lado a lado Lula e Muammar Al-Gadaffi, que havia sido linchado em conflito que virou uma guerra civil (qual a mensagem ali?).

Quem vai parar os abusos desses donos de jornais, revistas e meios públicos de comunicação, como TVs e rádios? Vejam o nível dos ataques fascistas que os donos da Globo estão praticando contra o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, de forma absurda, numa tentativa de destruir o líder popular mais respeitado no mundo atual e evitar qualquer saída democrática do golpe perpetrado em nosso País por essa família Marinho, seus pares e asseclas.

Enfim, Guernica foi uma experiência inaugural do que viria depois na Europa com a ascensão do nazifascismo.

William


(texto do site Carta Maior, de 25/4/17)

À greve, para evitar uma 'Guernica' brasileira


Há 80 anos o fascismo destruía Guernica para revogar avanços sociais e O Globo endossava a fúria mentindo, como hoje


por: Saul Leblon


Um registro curto mas claro incluído no especial do Valor Econômico sobre os 80 anos do bombardeio de Guernica, em 26 de abril de 1937, revela que o jornal O Globo manipulou o noticiário da crise espanhola à época, naquela que foi a primeira operação aérea massiva da história contra uma população civil.

A barbárie fascista dissimulada pelo jornalismo da família Marinho – da qual não há registro de pedido de desculpa até hoje—imortalizou-se na arte de Picasso em um monumental grito de horror de sete metros de comprimento por três de altura.

Em óleo sobre tela o pintor deu universalidade a uma das mais torturantes sensações do martírio humano.

Aquela que despenca sobre a existência de homens e mulheres indefesos abalroados pelas grandes massas de forças que dominam a história de uma época.

Expressas em artefatos bélicos ou artefatos econômicos essas colisões implodem as referências do cotidiano num vácuo de destruição, perda, perplexidade, prostração e descrença.

Durante dias sucessivos ao massacre de Guernica o Globo flanou nesse vácuo e o alimentou.

Com a sua especialidade.

As manchetes do jornal sobre a responsabilidade pela tragédia, que passaria à história como um preâmbulo do que ocorreria depois em Auschwitz, primeiro levantariam dúvidas sobre a autoria.

Depois tornar-se-iam categóricas.

Todo o esforço do martelete conservador destinava-se a convencer a opinião pública brasileira de que a responsabilidade pelas 50 toneladas de explosivos despejados contra a comunidade basca pela Legião Condor, da força aérea nazista - aliada do golpismo espanhol -, seria dos ‘vermelhos’.

Sim, os ‘vermelhos’, dizia o Globo em manchete. Os ‘lulopetistas’ da época.

Assim denominados os socialistas, os anarquistas, os comunistas, os trotsquistas, os democratas, os cristãos progressistas...

‘Vermelhos’.

Culpados, segundo o jornal, pelo experimento nazista que testou em Guernica todo o arsenal destrutivo desenvolvido pela máquina de guerra aérea de Hitler, já de olho em alvos mais abrangentes.

‘Os vermelhos’, insistiria a ardilosa máquina de camuflagem de guerra.

Não a sublevação da extrema direita contra a República dos Trabalhadores, que vencera o pleito legislativo de 1936 --a exemplo do que já ocorrera em 1931, mas cuja repto não seria reconhecido pela elite do dinheiro e do poder.

Essa que partiu para o cerco e o golpe contra o mandato das urnas até desembocar no divisor de águas de Guernica.

Lembra algo?

Sim.

E o escárnio jornalístico, ainda que não apenas ele, também.

O conjunto enlaça a fúria da cavalgada fascista do mundo de 1937 às horas decisivas de 2017 vividas no Brasil.

Infelizmente neste caso a seta do tempo não se quebrou.

O martelete da propaganda agigantou-se.

Hoje opera uma máquina de jornalismo de guerra de dimensões inimagináveis há 80 anos.

O alvo agora são 200 milhões de ‘bascos’ submetidos a uma lavagem diuturna para convence-los de que a sede não deve ser saciada com água.

Prescreve-se ao contrário vinte anos de privação.

O austericídio e o politicídio - destinado este a desintegrar o Partido dos Trabalhadores -, são ogivas siamesas do mesmo bombardeio.

Compõem uma fogueira destinada a inocular prostração, desmoralização e descrédito na democracia e na sua capacidade de comandar o desenvolvimento, de modo a reduzir a sociedade a uma ‘guernica’ de joelhos diante do diktat dos mercados.

Sobretudo, porém, trata-se de camuflar a responsabilidade conservadora pela enorme bola de fogo de desmonte e destruição que envolve toda a estrutura produtiva brasileira nesse momento.

O rescaldo de um ano sob o maçarico golpista compõe uma fornalha de recursos e esperança só mitigada por quantidades industriais de cinismo midiático.

O Brasil é hoje um vasto cemitério de obras paradas (R$ 55 bilhões), fábricas fechadas, ferrugem encastoada em projetos estratégicos e um estuário de desemprego fluvial feito de 13 milhões de sobras humanas.

Na versão espanhola, em 1937, foram quatro horas de ataques aéreos sucessivos, com intervalos aleatórios para a troca do repertório que o engenho nazista queria testar contra alvos vivos e adensados.

Os seis mil habitantes da cidadela basca que na versão do Globo teriam se autoimolado.

Guernica estava no meio do caminho da sublevação do general de Exército Francisco Franco.

Devasta-la para atingir Bilbao tornara-se crucial para compensar o fracasso da tentativa anterior de tomar o poder central republicano em Madri.

A operação genocida irmanou duas conveniências.

Ambas impulsionadas pelo ódio à democracia social das frente amplas, vitoriosas em duas das três eleições legislativas realizadas na Espanha depois que a crise obrigou a monarquia a ceder espaço à república e ao voto popular.

O republicanismo progressista espanhol assustava os donos de um mundo dividido entre a depressão de 29 e o desconhecido.

A elite, o alto clero e o Exército espanhol não aceitaram a continuidade da experiência republicana autorizada pelas urnas de 1936 por diferença mínima de votos contra a Falange direitista.

Pronunciamentos golpistas sucederam-se em diferentes pontos do país na forma de um jogral conhecido.

Conflitos irromperiam em seguida em escalada de violência, com anarquistas e socialistas já enfrentando o levante fascista no campo das armas.

Não, não é Caracas. É da experiência republicana espanhola que se fala aqui.

Guernica abrigara ‘vermelhos’ foragidos de um desses embates com tropas sublevadas.

A tocha de fogo na qual se transformou 80% do seu perímetro urbano pavimentaria o caminho da guerra civil que iria sangrar a Espanha durante três anos.

Era um preâmbulo do que viria depois em todo o mundo.

As vísceras do século XX estavam explicitadas ali opondo dois projetos de futuro.

O jornal O Globo se pôs a serviço de um deles, exercitando aquilo que sabe fazer melhor: manipular o discernimento da sociedade diante das escolhas decisivas da história.

A demonização dos ‘vermelhos’ é o esperanto dessa operação.

De jornalismo de guerra.

Em 1937, a mensagem escrita com ferro, fogo e sangue alertava para o embate cruento entre o anseio popular por democracia social e a resposta da interdição emitida pelos detentores da riqueza e da alma de um mundo que não cabia mais nos limites ditados por seus donos.

O primeiro ensaio de um governo progressista espanhol para ampliar esses limites havia durado pouco (1931 a 1933).

Mas o suficiente para assustar as elites pelo que falava ao corpo e ao imaginário das grandes massas populares.

Seu apelo reformista e anticlerical – a igreja espanhola era uma extensão do poder do dinheiro— descortinara possibilidades de uma outra sociedade mesmo sem efetivá-la.

Havia forte demanda por ela no ar.

Os acenos republicanos na Espanha traziam um pedaço da oferta.

Instituiu-se – insista-se, na Espanha em 1931 - o casamento civil, o divórcio e o voto feminino.

Os aluguéis foram congelados. Os salários reajustados.

A educação pública tornou-se o espaço laico destinado a propiciar às crianças um mesmo ponto de partida igual para todos.

Os latifúndios tiveram sua extensão limitada.

As terras da igreja foram circunscritas.

Iniciou-se uma reforma agrária - cuja timidez, porém, desencadearia conflitos internos que enfraqueceriam a frente progressista e contribuiriam para sua derrota nas eleições seguintes, em 1933.

Mas não só.

A lufada de ar fresco atingiu em cheio o nó górdio que rege o poder na sociedade: as relações de trabalho.

Aquilo que Vargas faria no Brasil 12 anos depois, em 1943 – e que o golpe agora se dedica a desmontar em 2017 - a República espanhola anunciaria pioneiramente em 1931.

A República dos Trabalhadores, assim autodenominada, decretou uma espécie de CLT que estendia às famílias assalariadas a jornada de oito horas de trabalho, férias remuneradas, direito à aposentadoria, sindicalização, licença maternidade etc.

A profusão das mudanças congestionadas na sabotagem conservadora, ademais das divergências no governo, desgastaria o poder republicano.

A derrota eleitoral para um diretório de forças conservadoras (CEDA) em 1933 jogaria a população espanhola em um liquidificador de regressão política e social de virulência equivalente à vivida hoje no Brasil.

A restauração agiu commeilfaut.

Como agem os batalhões com prazo de validade para operar o serviço sujo.

A mesma sofreguidão desavergonhada, a mesma sensação de um exército de ocupação a saquear direitos e patrimônio - como as escórias parlamentares em assembleia permanente contra o povo.

O efeito pedagógico do desmonte acendeu o discernimento popular.

Em 1936, o conservadorismo seria derrotado nas urnas por uma frente progressista maior que a de 1931.

Deu-se então a escalada golpista.

O que a elite imaginava ser uma blitzkrieg, dada a supremacia de meios e recursos - do judiciário ao exército, passando pelo dinheiro, a igreja e a imprensa — bateu de frente com a consciência popular agigantada pela curta mas intensa experiência republicana.

Franco não venceria, como venceu em 1939, não fosse o apoio decidido de Hitler e Mussolini ao golpe na forma de aviões, bombas e tropas.

Além do ‘experimento’ em Guernica, Berlim enviou 19 mil soldados para apoiar a sublevação, enquanto governos democratas da Inglaterra e França se abstiveram de uma solidariedade efetiva à legalidade.

A inferioridade republicana só não foi maior graças à mobilização das brigadas internacionais.

Elas trariam dezenas de milhares de voluntários de todo o mundo para a trincheira libertária e socialista, a maioria porém inexperiente a compor uma resistência militarmente dispersa e politicamente fragmentada.

O conflito civil especialmente doloroso abriria os olhos do mundo para a encruzilhada da história em meio à desordem capitalista para a qual os mercados só tinham – como hoje - um remédio a oferecer.

Esse que o golpe despeja agora no Brasil na forma de um bombardeio de artefatos de arrocho, desemprego, desmonte e alienação econômica, que ameaça desintegrar o futuro nacional em uma imensa ‘guernica’ de fogo.

A destruição do povoado basco explicitou o teor explosivo desse acerto de contas entre as possibilidades da democracia social e do planejamento público, de um lado, e o fascismo de outro.

Muitos dos que ainda teimavam em não enxergar a gravidade da escalada viram nas labaredas de Guernica o potencial destrutivo que a desordem simbolizada na quebra de 1929, nos EUA, encerrava.

A incapacidade dos mercados para superar impasses geopolíticos e financeiros que se arrastavam desde a Primeira Guerra tornara-se uma ameaça à humanidade.

A desordem clamava por uma nova ordem.

As demandas por pão, terra, teto, trabalho, dignidade e poder popular ecoavam sua pertinência em um outro projeto de futuro acenado pela arrebatadora vitória socialista na revolução de 1917 na União Soviética.

As escolhas e suas consequências ganhavam transparência nas esquinas do mundo.

O poder de esclarecimento dos fatos se infiltrava no imaginário das nações.

À revelia do dinheiro e dos seus veículos de propaganda jornalística.

A democracia se tornava perigosa para as classes proprietárias.

Foi nesse divisor que a fábrica de manipulação do Globo reagiu à altura no Brasil.

Como Franco fez na Espanha.

Ambos atribuíram o crime à vítima: Guernica fora uma perversidade do sionismo comunista, acusava o generalíssimo.

A resposta definitiva de Picasso não se limitou à pintura.

Indagado por um oficial nazista em Paris se fora o autor de ‘Guernica’, fuzilou: ‘Não, foram vocês’.

A roda-gigante da manipulação, das interdições e sacrifícios atingira um ponto de saturação em que o efeito adicional de cada linha a mais de cinismo é o descrédito.

Estamos falando de 1937 na Espanha...

O que avultava era o mesmo anseio hoje órfão de respostas no Brasil.

Por novos espaços de futuro; pelo direito de escolher e experimentar novas formas de se viver – indissociáveis da renovação em modos sustentáveis de se produzir; por uma repactuação generosa capaz de resgatar a sociedade da areia movediça da polarização imobilizante, da qual não se escapa facilmente depois da imersão...

A guerra civil espanhola durou três anos; o poder franquista estendeu-se por quase quarenta anos.

Pegou carona na escalada nazista e sobreviveu a ela, como um tampão imprescindível à tarefa de asfixiar a respiração libertária que só agora com o Podemos volta a injetar ar fresco ao pulmão político espanhol.

Derrotar uma experiência social não esgotada por meio da repressão, da judicialização, da mentira, da guerra e das bombas não significa vence-la, mas interdita-la.

A diferença ajuda a entender a longeva manutenção da salmoura repressiva na sociedade espanhola, da qual só se libertaria quase quatro décadas depois da guerra civil, a partir da morte de Franco, em 1975.

A estreiteza da opção fascista esclarece boa parte do longo eclipse armado.

Mas não esclarece tudo.

As divisões passionais no campo republicano entre socialistas, democratas, anarquistas, comunistas e trotsquistas – que espelhavam divergências internacionais naquela bifurcação entre duas guerras, uma revolução socialista e uma crise sistêmica do capitalismo - dificultariam sobremaneira a construção das linhas de passagem imprescindíveis entre o presente de uma sociedade cindida e o futuro promissor acenado pelo projeto progressista.

Esse emparedamento do conflito empurrou a solução para o campo das armas, onde a direita tinha maior capacidade de arregimentação bélica, como mostrou a tragédia de Guernica.

Erguer pontes para trazer um pedaço da classe média e do PIB para fora do golpe é o desafio correlato que as forças progressistas enfrentam hoje no Brasil.

Não é um desafio a ser enfrentado no veludo da retórica.

Trata-se de uma capacitação de força e consentimento a ser sedimentada nas ruas.

Mas em torno de uma proposta de repactuação do país e do seu desenvolvimento.

A direita, o ódio elitista, o preconceito belicista contra as demandas populares jamais sentará à mesa de negociação se não for conduzida a isso pela mudança na correlação de forças e no imaginário da sociedade.

Seu projeto é a longa salmoura franquista expressa no Brasil na suspensão da Carta de 1988 por vinte anos.

Colocada diante desse esbulho, segundo o qual os desafios do desenvolvimento se tornam insolúveis na vigência da justiça social, a sociedade se reduz a um objeto inerte, um estorvo do mercado.

O regime autoritário se impõe por dedução.

Para desarmar essa bola de fogo o campo progressista não pode ceder no essencial.

A pedra angular da travessia consiste em saltar o deserto conservador com o impulso da ousadia e da criatividade que fizeram a bandeira republicana espanhola, de fato, ser vista como a porta para um novo futuro.

Um futuro no qual caiba um modo de vida urbano renovado, com arquitetura singular para a solução dos problemas habitacionais e de mobilidade, mas também de integração e segurança.

Um futuro no qual o repto de soberania no Pré-sal configure uma ‘opção norueguesa’ de uso sagrado dos recursos num pacto de futuro sustentável e justo para a infância brasileira de hoje e de amanhã.

Um futuro no qual salvar os rios urbanos e preservar os demais, por exemplo, seja uma aposta coletiva na regeneração do convívio humano com a natureza, impulsionando os requisitos intrínsecos a essa interação.

Um futuro no qual a educação de qualidade para todos seja a nova catedral da cidadania.

Um futuro no qual a prática da democracia na solução das divergências – inevitáveis — se intensifique em sintonia com as oportunidades de comunicação e escuta forte inscritas na tecnologia digital.

Um futuro no qual o eixo principal de consenso seja fazer do Brasil uma referência mundial de inovação em políticas públicas, na cooperação para o desenvolvimento convergente de todos os povos.

É essa ocupação desassombrada da rua pela ousadia, e do imaginário pela possibilidade de um outro futuro, que poderá abortar a longa noite conservadora determinada a encapsular a nação em uma guernica de recessão e desencanto - com o país, com a política e com a vida.

Há uma pedra no meio do caminho.

A repactuação de um futuro amplo entre visões distintas do presente requer a largueza generosa de princípios e horizontes.

Esse sempre foi um apanágio dos libertários, dos socialistas, dos comunistas, dos cristãos progressistas, dos democratas e liberais sinceros.

Da república de todos, enfim.

Acolhedora e desassombrada, assim deve ser a ocupação das ruas e da pauta política para, de fato, alcançar também os corações e mentes fatigados de toda a gente brasileira.

Parar hoje em greve geral é o repto da guernica brasileira para mover a engrenagem virtuosa de uma verdadeira república de iguais.

Arriba.


Fonte: Carta Maior