terça-feira, 30 de novembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (IV) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

"- Cumpriram-se agora as palavras de meu pai! A mão de Deus pesa sobre mim; não tenho ninguém para tratar-me e socorrer-me; cerrei os ouvidos à voz da Providência a qual por sua bondade infinita me concedera um estado de vida, em que podia ser feliz, mas cujo valor e gozo desprezei, contra a vontade dos meus pais que enchi de luto, e tudo por causa da minha loucura, sendo uma consequência dela a triste condição a que cheguei agora (...) Meu Deus, vinde em meu amparo, porque é grande a minha miséria!" (p. 95)


Estamos acompanhando as aventuras de Robinson Crusoé, personagem de Daniel Defoe, romance publicado há 300 anos. Sim, o jovem Crusoé deixou uma vida promissora ao lado dos pais na Inglaterra e se lançou ao mar em busca de saciar seus desejos de aventuras pelo mundo. Até agora só encontrou desventuras. Ver aqui postagem anterior.

Ele se encontra numa ilha desconhecida, nomeada por ele como "Ilha do Desespero". No capítulo VI, o náufrago nos conta que caiu doente e passou maus bocados. Nessa condição, se apegou à fé e passou a orar, clamar por Deus e ler a bíblia. Foram longos dias de febre, prostração e medo da morte solitária e sem ninguém. Crusoé nos diz que encontrou a cura através do uso de tabaco: infusões de tabaco.

FILOSOFADA

"   - O que é a terra?... O que é o mar, sobre cujas água andei a tanto tempo?... Quem produziu tudo isso?... O que sou eu mesmo, e o que são as outras criaturas domésticas e silvestres?... Qual é a nossa origem?... Não pode haver dúvida de que devemos a existência a um poder invisível, que criou o mar, a terra, o ar e os céus; mas quem é esse Poder sobrenatural?
     Então, inferi naturalmente:
     - É Deus o autor de todas as coisas...
" (p. 96)

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CAPÍTULO VII

Crusoé sobrevive às febres que teve e decide sair em excursões pela ilha para conhecer o ambiente e ver oportunidades e perspectivas para alcançar sua "liberdade": sair da ilha e da situação em que se encontra.

Descobre víveres para suprir momentos de pouca caça - uvas, cana-de-açúcar silvestre, limões - e descobre regiões muito melhores para viver do que o local onde se instalou, no litoral. Faz uma segunda casa na região melhor e pensa pra si que agora tem uma casa na praia e outra no campo.

"DE 14 A 26 DE ABRIL - (...) Regulei nesse dia as minhas refeições desta forma: para o almoço um cacho de uvas; para o jantar uma porção de cabra ou posta de tartaruga grelhada; não podia prepará-las de outra maneira, porque não tinha panela nem outro utensílio para as cozer ou estufar; para a ceia contentava-me com dois ou três ovos de tartaruga." (p. 107)

Ainda neste capítulo, Crusoé nos conta que passou a conhecer o clima da ilha, as características das quatro estações, o que lhe permitiu seguir com a experiência de produzir trigo com o pouco de sementes que tinha.

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CAPÍTULO VIII

Neste capítulo, Crusoé aumentou a "família". Além do cão (não tem nome) e das gatas, que até procriaram na ilha sem ele entender como, ele adquiriu um papagaio e um cabrito. O papagaio ele deu nome e sobrenome, e lhe ensinou a falar: papagaio loiro.

Ao completar dois anos na ilha, Crusoé vive um momento místico e em paz com a Providência, que agradece sempre por lhe prover tudo que precisa para viver.

Nosso náufrago tenta avançar nas etapas evolutivas e ser um sedentário. Sua plantação de trigos estava bem promissora quando de repente a natureza se mostra nua e crua. Pestes e animais diversos passam a devorar sua lavoura... que martírio viveu Robinson Crusoé!

A Providência o auxiliou de novo. Ele deu carga de tiros em alguns pássaros e usou seus corpos como espantalhos... segundo ele ao estilo dos reinos ingleses, pendurando os corpos dos martirizados para servirem de lição ao povo.

ESPANTALHOS - "Avancei para junto da sebe, atirei sobre eles segundo tiro e matei três, o que era o meu maior desejo, porque fui apanhar os cadáveres para os amarrar ao patíbulo depois da execução, a fim de servir de exemplo aos outros, como se faz na Inglaterra aos ladrões supliciados." (p. 120)

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FILOSOFADA QUE VALE PARA OS TEMPOS QUE ESTAMOS VIVENDO

"O que me valia eram a paciência e a resignação, os dois escudos mais poderosos contra as adversidades da vida." (p. 121)

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O capítulo termina com nosso solitário náufrago pensando formas de fabricar panelas e vasilhas para poder cozinhar e fazer pão com o trigo que está produzindo.

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COMENTÁRIO FINAL

Paciência e resignação, escudos para as adversidades da vida, como nos disse o personagem Crusoé.

Eu acrescentaria no contexto atual, nesse final de novembro de 2021, que temos que persistir em viver e mudar a situação na qual estamos: um bom começo é não se acostumar com a injustiça e com o que não está certo. 

PASSAR FOME NÃO É "NORMAL", NÃO É "NATURAL" - Não é normal passar fome e não ter condição alguma de vida após a tecnologia criada pelos homens nos últimos 10 mil anos! Não é natural, não é normal!

Temos que derrotar os donos do poder, o sistema que está destruindo a vida no planeta e escravizando os seres humanos: capitalismo. Não é justo e não é certo alguns humanos deterem toda a produção e riqueza produzida pelo conjunto da sociedade humana. 

Pensem nisso! Se posicionem! Façam algo para mudar isso! Por vocês e pelo futuro da humanidade.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (III) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

"DIÁRIO: 30 de setembro do ano de 1659...", assim começa o diário do náufrago Robinson Crusoé. 

O capítulo V é o primeiro organizado na forma de um diário, enquanto técnica narrativa do personagem. Nos capítulos anteriores, nós leitores externos à obra conhecemos aquelas questões básicas de uma narrativa: quem, onde, quando, porque, o quê, como etc.

No capítulo V, Crusoé organiza seu diário e acrescenta novidades ao que já sabíamos. Nomeia a ilha onde está - Ilha do Desespero - e tem avanços e regressos em sua condição de náufrago perdido numa ilha. 

Uma série de terremotos colocou sua vida em risco e serviu de alerta para o fato de que poderia morrer soterrado em sua "fortaleza", construída durante meses. A novidade foi descobrir que uns restos de trigo e outros cereais que deixou cair no solo germinaram e isso poderia alterar sua condição de sobrevivência na ilha.

FILOSOFADAS

Anotei duas reflexões do personagem que nos fazem pensar na vida e na natureza.

"o tempo, a necessidade, e a prática habilitaram-me muito bem na mecânica; e eu acredito que qualquer homem nas minhas circunstâncias se aperfeiçoaria como eu, sob a direção daqueles três grandes mestres" (p. 77)

De fato, o tempo, a necessidade e a prática são grandes mestres dos seres humanos que souberem se aproveitar dos ensinamentos que eles nos dão.

"Outra coisa que me faltava com grande incômodo meu eram velas para me alumiar, o que me forçava a me recolher à cama logo que era noite fechada, comumente às sete horas." (p. 82)

Sem tecnologia o homem não domina a natureza, ele tem que se submeter a ela. Isso é fato, para o bem e para o mal, inclusive em relação ao uso que fazemos da tecnologia que inventamos.

RELIGIÕES E MITOS

"Na disposição em que estava de crer que era a Providência quem me mandava esses brindes..." (p. 83)

Somos uns bichos diferentes dos demais bichos que vivem no planeta. Crusoé diz que não ligava muito para religião e todos os dogmas inventados com ela. 

"Até então não pautara o meu viver pela religião, nem, para falar com franqueza, tinha cabida no meu espírito." (p. 82)

A condição de desespero e encantamento com casualidades e fatos ocorridos naquela situação na qual se encontrava fez com que ele desenvolvesse uma certeza de que a Providência teria agido em favor ou desfavor dele. Tá aí o mito, o deus e a certeza de que eles existem e justificam tudo.

"A produção daquelas poucas espigas deu novo curso e fervor às minhas ideias. Trigo sem sementes sãs e numa região que pelo clima não lhe era propícia! Só por milagre de Deus, o qual na sua bondade operou tal prodígio para dar-me subsistência e alimentação nesse horroroso deserto." (p. 83)

Não é!? Vai questionar esses milagres com ele ou com um pentecostal desses manipuladores da fé das pessoas...

FREUD EXPLICA - Me lembrei de um dos textos de Freud que lemos durante uma disciplina do curso de Letras. Freud explica num texto de 1919 "Das unheimlich" (o estranho, o inquietante) de onde vem essa questão das crenças que criamos a partir de acontecimentos "estranhos", coincidências e outras casualidades que nos levam à necessidade de buscar uma explicação para além da compreensão que temos dos fenômenos até aquele momento. 

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DIÁRIO: 26 de novembro de 2021. (Brasil de Temer, Bolsonaro, Mourão, Moro, Dória, Ciro, Mandetta, Merval et caterva)

Além de Freud, outra linha de pensamentos que nos ajuda a compreender por que e como as coisas acontecem nas sociedades humanas é o materialismo científico ou histórico, ciência filosófica que tem em Karl Marx e Friedrich Angels dois pilares importantes.

Estamos sob uma crise sanitária mundial, uma pandemia causada por um tipo de vírus, o coronavírus Sars-Cov-2 (Covid-19), que acentuou de forma exponencial os efeitos da atual crise do sistema capitalista. 

O 1% ficou mais rico e dono de tudo e os 99% ficaram mais miseráveis e sem nada. A escravidão legal voltou com outros nomes - uberização, terceirização, empreendedorismo, pejotização etc. A destruição do planeta e das formas de vidas se acelera, mas os caras do 1% não estão nem aí. Acham que a vida acaba depois da vez deles viverem, então pensam: fodam-se os outros.

Medidas de contenção ao avanço do vírus foram definidas. Certas sociedades e políticas de Estado seguiram as medidas, outras não. Milhões de pessoas morreram (mais onde não se seguiram as medidas). Vacinas foram criadas. A pandemia não acabou. Novas ondas estão pipocando por aí. Novas cepas e variantes vêm aí. A "B.1.1.529" (Ômicron) pode escapar aos efeitos das vacinas... A Delta, mais contagiosa, chegou chegando e dominou o mundo. Agora é a vez da B.1.1.529...

No Brasil de Bolsonaro e do bolsonarismo disfarçado de mercado, morismo, tucanalha, conservadorismo, liberalismo, neopentecostalismo et caterva já está dado que não haverá medidas de contenção da pandemia. O vírus é estratégico para o regime no poder, como já falei aqui zilhões de vezes. Autoridades do regime no poder defendem que não haja nenhum controle na chegada do vírus com cepas novas. Vamos conviver com ele. (provavelmente "vamos conmorrer com ele")

Estamos fodidos. Sobrevivemos até aqui, mas as expectativas de vida de nós todos brasileiros e brasileiras é bem menor que antes do golpe de 2016. É isso. Estamos vivos hoje. Na minha opinião, isso tudo não tem nada que ver com deuses, demônios, Providência, Fortuna, Fatalidade e outras deusas e deuses.

Quando comecei a leitura do Decamerão (1353) - de Boccaccio, no início da pandemia de Covid-19, lá em março de 2020, torcia diariamente para sobreviver até o fim da leitura das 100 narrativas do século XIV. Agora torço para sobreviver para ler a longa narrativa de Robinson Crusoé (1719), feita por Defoe lá no início do século XVIII. A leitura, se lida até o fim, vai durar a próxima onda de Covid-19, se houver.

As condições de vida são aquelas reais que conhecemos, mas vamos brincar de torcer para que a Providência esteja do nosso lado nesta empreitada de leitura.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Diários com Machado de Assis (XI)



Refeição Cultural

Osasco, 23 de novembro de 2021. (6º ano do golpe de Estado, 3º ano de destruição e mortes sob Bolsonaro, 2º ano de Covid-19)


As notícias sobre o Brasil e as condições do povo brasileiro são tão ruins neste momento que seria meio fora de lugar tentar listar um recorte de desgraças num texto no qual vou registrar reflexões que nos vêm a mente a partir da leitura de Machado ou sobre Machado de Assis.

Vou passar um bom tempo lendo lentamente o livro de Hélio de Seixas Guimarães sobre Os leitores de Machado de Assis (2004). É leitura para cutucar e provocar reflexões em pessoas que têm interesse na história da leitura e da literatura em nosso país, inclusive para além de Machado de Assis.

Nossa destruição foi tão grande após o golpe de Estado de 2016, perpetrado pela casa-grande brasileira, que são incalculáveis os níveis de regressão em todas as áreas que se possa imaginar que existam para se avaliar alguma coisa positiva sobre o desenvolvimento humano e social.

No século de Machado, século XIX, praticamente não havia leitores no país, porque o povo do país era analfabeto total ou analfabeto funcional. Éramos uma multidão de escravos, escravos alforriados, mestiços, agregados e jagunços, tinha uma multidão de brancos como eu, inclusive como o personagem Candinho do conto "Pai contra Mãe" (ler aqui), publicado no fim da vida do Bruxo do Cosme Velho. Brancos sem posses, sem renda, sem ter o que comer e na necessidade de fazer algo para a casa-grande para sobreviver.

Vivíamos sob o poder do patriarcado de uma pequena parcela de brancos ou mestiços oriundos de descendência de europeus (criollos como eram chamados na América espanhola). Ou brancos e mestiços que se arranjaram com o poder desse 1% e passaram a ser aquilo que Jessé Souza chama de "A elite do atraso". Essa gente que não faz parte da casa-grande mas que acha que faz, sendo o grupo que prefere a morte e vende até a mãe para não se sentir misturado com o povão, na verdade os 99%.

Após o golpe de 2016 tudo terá que ser refeito, inventado no Brasil, golpe que talvez fique registrado na história do Brasil ou o que sobrar dele como o pior golpe dentre os vários que ocorreram aqui ao longo de dois séculos de rearranjos dessa pequena elite branca sem cultura, sem compaixão, sem ética e corrupta até os ossos, sem apego algum ao que chamamos Brasil.

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PRETOS DE RENDA E ENTREGADOR@S DE APLICATIVOS, ONTEM E HOJE

Será que estamos em XXI pós golpe de 2016 numa condição melhor de leitores e circulação de livros do que estávamos na segunda metade do século XIX?

No início do capítulo 1 do livro de Hélio de Seixas nos é apresentada a condição na qual se dava a produção de livros e literatura no Brasil colonial e imperial. Eram poucos os leitores, eram poucos os editores, eram poucos os distribuidores. Usavam-se escravos para vender livros junto a frutas e bugigangas nas cestas pelas ruas. 

Com o golpe da burguesia e a "república" nada mudou para o povo preto e aquele povo mestiço que citei acima, nós.

E hoje?

Ah, temos a rede mundial e virtual, a internet e tudo é feito de forma facilitada e com entrega por motoboys e motogirls... 

OPINIÃO: na minha opinião, o ser humano que trabalha para os aplicativos de alguns bilionários, sem direito algum, é o atual "preto de balaio no braço a vender romances", que li no texto de Guimarães.

O Brasil tem mais de 100.000.000 de pessoas que não sabem se vão comer hoje, amanhã e nos dias seguintes.

O Brasil tem um genocida miliciano no governo que tem como único objetivo de governo destruir tudo que havia sido construído pelo povo brasileiro ao longo do século. Exemplo: programa Bolsa Família.

Há um incentivo à ignorância, à mentira, incentivo a negar tudo que a cultura humana construiu nos últimos milhares de anos. Viva a ignorância, viva o ódio, viva a violência!

É isso. Cada pessoa avalie se estamos numa condição de produção de literatura e cultura e de leitores melhor ou pior que no passado.

William


Post Scriptum: agora preciso retomar a leitura do clássico da literatura mundial que comecei dia desses: As aventuras de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. Sabiam que o personagem esteve no Brasil no século XVII, era um branco inglês se dando bem como produtor de cana-de-açúcar e tabaco até que resolveu aceitar uma viagem de navio para trazer mais escravos africanos da Guiné? Naufragou e se f...


GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Viagem (1939) - Cecília Meireles



Refeição Cultural


"Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
" (p. 245/6)


Ufa! Seguimos na viagem ao mundo da poesia de autores brasileiros.

Terminei a leitura do livro Viagem (1939), de Cecília Meireles. É o 7º livro de poesias que leio da poeta brasileira. Cecília, agora, é a poeta da qual mais li poesias até hoje. Com a leitura dos 100 poemas de Viagem, passo a conhecer 359 poemas dela. Quer dizer, não contei os poemas de Paulo Leminski, mas já li sua obra completa também: Toda Poesia (2013). Não sei se a quantidade de poemas de Leminski é tão grande quanto a de Meireles.

Para registrar corretamente, o livro do Paulo Leminski que tenho contém: quarenta clics em curitiba (1976), caprichos & relaxos (1983), distraídos venceremos (1987), la vie en close (1991), o ex-estranho (1996), winterverno (2001) e poemas esparsos. Os nomes todos com letra minúscula, caixa baixa, fazem parte da edição que tenho. Ler aqui comentários sobre o livro de Leminski.

Tenho um longo caminho pela frente para ler e conhecer a obra poética dos principais poetas brasileiros. Já conheço um pouco de João Cabral, de Manuel Bandeira, de Drummond, Castro Alves, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Cecília Meireles. Alguns deles tenho a obra completa e falta só seguir lendo e conhecendo. Imaginem a lacuna gigante... nada de Vinícius de Moraes, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Mário Quintana, irmãos Campos, só pra citar alguns poetas que não li nada ainda.

Vou ler a obra completa de Cecília Meireles. O incentivo veio do fato de ter ganhado essa edição de minha companheira tempos atrás e agora decidi ir lendo aos poucos. No primeiro volume, que estou lendo agora, são 13 livros. Acabei de ler o 7º. Agora conheço Espectros (1919), Nunca mais... e Poema dos poemas (1923), Baladas para El-Rei (1925), Cânticos (1927), A festa das letras (1937), Morena, pena de amor (1939) e Viagem (1939).

Também tenho as obras poéticas completas de Drummond. Vou lê-las também (postagens sobre ele ver aqui). Por décadas, o poeta itabirano foi o autor do qual eu mais conhecia poemas, isso porque já havia lido e sempre reli os 3 livros iniciais dele - Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934) e Sentimento do Mundo (1940). Ano passado, li A rosa do povo (1945). Agora preciso expandir meu conhecimento de Drummond. Vamos aos poucos lendo sua obra das décadas seguintes.

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CECÍLIA MEIRELES E VIAGEM

O livro é denso, não considero de leitura fácil. Senti dificuldade na compreensão de diversos poemas, assim como foi na releitura de Brejo das Almas, de Drummond. Alguns poemas são impenetráveis para este leitor que registra a experiência da leitura. Não tenho problema algum em dizer isso.

Gostei muito da série de poemas chamados por Cecília de "epigramas". São 13 epigramas. Alguns são demais!

Para citar alguns dos poemas com os quais me identifiquei e que me agradaram bastante, fico com "Retrato", "Epigrama nº 2" sobre a Felicidade e o tempo, "Canção" (p. 255, pois há outros com o mesmo nome), "Solidão", "Murmúrio", "Epigrama nº 4" sobre o choro, "Epigrama nº 5" sobre a gota d'água que resiste ao vento, "Pausa", "Cantiga" (p. 323) com o bem-te-vi, "Epigrama nº 12" sobre a engrenagem e o inseto, "Vento", dentre outros.

O poema "Destino" trabalha com duas imagens se contrapondo: pastora de nuvens x pastores da terra. É muito interessante!

O poema "Quadras" tem algumas estrofes bem legais, do tipo:

"Passarinho ambicioso
fez nas nuvens o seu ninho.
Quando as nuvens forem chuva,
pobre de ti, passarinho.
" (p. 310)

*

"Ao lado da minha casa
morre o sol e nasce o vento.
O vento me traz teu nome,
leva o sol meu pensamento.
" (p. 311)

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Adorei o poema "Onda". Ele contém 8 estrofes e deixo abaixo a primeira e a última.

"Onda

Quem falou de primavera
sem ter visto o teu sorriso,
falou sem saber o que era.

(...)

mas quem falou de deserto
sem nunca ver os meus olhos...
- falou, mas não estava certo.
" (p. 316)

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Como não dava pra deixar aqui vários poemas, deixo um dos epigramas de Viagem.

"Epigrama nº 2

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
" (p. 252)

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COMENTÁRIO FINAL

Quanto mais leio os poemas de Cecília Meireles mais vou compreendendo a sua poética. Pesquisar informações a respeito de sua biografia também tem sido fundamental para mim. 

A cada texto ou entrevista com alguém falando sobre a intelectual, melhor fica minha compreensão dos poemas que já li (os 7 primeiros livros), que cobrem a vida dela entre a infância e a idade adulta, quase quarenta anos, época em que seu marido faleceu, por não superar a depressão profunda que sofria.

A autora lidou com mortes e perdas ao longo da vida e isso influenciou a pessoa que era e a sua poética. O pai morreu antes dela nascer, a mãe quando tinha 3 anos, depois a babá Pedrina e a avó que a criou, depois o marido. 

Isso não quer dizer que Cecília Meireles fosse uma pessoa triste e ou depressiva. As experiências com as perdas fizeram com que ela visse a vida como passageira, fugaz e, por ser religiosa, na minha leitura, ela via a vida como algo além da existência terrena. Nos poemas que já li, há um Eu-lírico que traz constantemente uma temática mística e metafísica.

É isso. Seguimos lendo poesia e conhecendo autores, autoras e poemas brasileiros.

William


Bibliografia:

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin. Apresentação: Alberto da Costa e Silva. 1ª edição - São Paulo: Global, 2017.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

41. Sentimento do Mundo - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos

Cada releitura de livros de poesias é uma leitura nova porque a gente descobre poemas que passaram por nós sem ter havido uma identificação pessoal na leitura anterior.

Hoje reli Sentimento do Mundo (1940), livro que considero um clássico de Drummond e das poesias brasileiras. É o 3º livro publicado pelo poeta, depois de Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934). Nesses 3 livros temos 103 poemas de Drummond.

Alguns dos poemas de Sentimento do Mundo são muito conhecidos e cultuados pelos amantes de poesia como, por exemplo, "Sentimento do mundo", "Confidência de itabirano", "Congresso internacional do medo", "Os ombros suportam o mundo", "Elegia de 1938" e "Mãos dadas".

Desta nova leitura, um poema me encantou, mexeu comigo e foi uma descoberta: "A noite dissolve os homens". Das outras vezes que li o livro, não me identifiquei com esse poema.

Recentemente, fiz uma disciplina de Literatura Comparada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, cuja temática desenvolvida abordava a questão do tempo nas narrativas e poéticas e no trabalho final eu escolhi um poema de Drummond para analisar. O poema que trabalhei foi o "Passagem da Noite", do livro A Rosa do Povo, de 1945.

Ao ler a poesia "A noite dissolve os homens" foi instantâneo o sentimento de relação entre esse poema e o poema "Passagem da Noite" do livro seguinte.

Ambos trabalham com as imagens da noite e do dia para expressar sentimentos de dificuldades pessoais e coletivas num eventual contexto dramático de perdas, medos, riscos diversos quando a imagem está associada à noite e de renascimento da esperança ou de pulsação da vida que segue ao associar essas temáticas ao dia, ao sol, à claridade do amanhecer.

Em relação ao poema "Passagem da Noite" ainda não publiquei a minha redação final do trabalho de conclusão de disciplina que fiz. A professora gostou de minhas reflexões a respeito do poema.

Deixo abaixo o poema do livro Sentimento do Mundo. Drummond é um poeta que tem como característica o trabalho permanente com objetos relativos ao tempo, à matéria, às coisas presentes. 

Podemos, por exemplo, ler a 1ª parte do poema "A noite dissolve os homens" como brasileiros vivendo sob a égide do regime bolsonarista, tempos de destruição de tudo, e podemos ler a 2ª parte do poema como a vida se apresenta a nós, e a vida é a chance de mudança a cada amanhecer. Tempos de esperança e renascimento estão ao nosso alcance, isso depende muito de nós e de nosso comportamento diante das coisas da vida.

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A NOITE DISSOLVE OS HOMENS

                    A Portinari

A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tampouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança... Os suspiros
acusam a presença negra
que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho
na noite. A noite é mortal,
completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens,
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias,
apagou os almirantes
cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.

Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando
                                               [a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato
                                               [de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um
                                      [sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes
                                                  [se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.


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Demais esse poema! Demais Drummond! Demais ler poesia! Como nos ensina Italo Calvino, é melhor ler do que não ler os clássicos!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. 10ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2000.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (II) - Daniel Defoe



Refeitório Cultural

Estou no início das aventuras de Robinson Crusoé. Li os 3 primeiros capítulos e vou ler agora o 4º. Já sei quem é o personagem. Um jovem filho de classe média, nascido em 1632 em York, interior da Inglaterra. Seus pais queriam que ele tivesse uma vida tranquila dando sequência aos negócios da família. Mas ele tinha um impulso incontrolável de sair pelo mundo através dos mares.

Engraçado... eu tenho um impulso incontrolável de escrever o nome do personagem como "Cruzoé"... vai entender! Talvez seja porque o nome dele de família em seu condado seja Robinson Kreutznaer, como ele mesmo explica no começo "mas por corrupção de vocábulo, muito usual na Inglaterra, chamam-nos Crusoé...".

Ele saiu de casa se aventurando ao mar com 19 anos e desde que se lançou ao mar as coisas só dão errado. Quase morreu na primeira saída, mas conseguiu chegar a Londres após o naufrágio do navio em que estava. De Londres, partiu em outro navio para Guiné. Foi feito escravo por piratas. Ao conseguir fugir, começou a se dar bem no Brasil, sim!, no Brasil colônia do século XVII. Foi ser plantador de cana-de-açúcar e tabaco, com direito a escravos.

Após virar proprietário de terras - já fazia 8 anos que havia saído jovem da Inglaterra - tinha tudo para prosperar no Brasil, agora com 27 anos, mas... se aventura de novo em navio ao aceitar uma proposta de ir buscar escravos na África e... o navio afunda e todos morrem, menos ele, que chega a um lugar ainda desconhecido.

É nesse ponto que retomo a leitura e o 4º capítulo.

Depois completo esta postagem com o que veio de novidade na vida desse personagem cuja Providência só age em desfavor do indivíduo. Segundo ele mesmo, ora a Providência, ora o azar e a casualidade agem contra ele.

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CAPÍTULO IV

Robinson Crusoé dormiu em cima de uma árvore, por medo de ser devorado por alguma fera. Ao acordar, passou a se inteirar do local onde estava. Era uma ilha e pelo que pôde perceber, estava sozinho nela.

O navio naufragado estava lá no monte de areia. Crusoé nadou até a embarcação e passou a resgatar para a ilha tudo que fosse possível e útil pra ele. Alimentos, armas, ferramentas, roupas etc. Após o resgate, uma tempestade seguinte desapareceu com os destroços do navio.

Em terra, a preocupação do náufrago foi construir um abrigo que o protegesse de homens e de feras. Construiu quase uma fortaleza. E tudo isso, sozinho ao longo do tempo.

Tem um momento no qual Crusoé encontra dinheiro na cabine do capitão do navio e ele reflete sobre a inutilidade daquilo ali onde está. Me lembrei de uma camiseta que usava quando era jovem com uns dizeres em defesa da natureza: que o homem só iria perceber a cagada que fez quando visse que não seria possível comer dinheiro, ao não ter mais água, plantas e animais.

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"A vista do dinheiro fez-me sorrir e provocou-me esta apóstrofe:

- Oh! vaidade das vaidades, metal embusteiro, tens atualmente aos meus olhos um preço vil. Para que me serves? Na verdade, nem vale a pena estender o braço para te apanhar! Uma só destas facas é mais apreciável que os tesouros de Creso. Dispenso a tua inútil intervenção; fica por isso onde está, ou melhor, vai para o fundo do mar como indigno que és de ver a luz do dia!" (p. 62)

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(mas se arrependeu a tempo e levou o dinheiro para terra firme rsrs)

Nosso personagem segue alternando momentos nos quais ora culpa a Providência pelas desgraças que lhe acontecem (por desobedecer aos pais, por exemplo), ora o acaso e a sorte, incontroláveis e responsáveis por eventos não previsíveis ou sem motivações causais do tipo "punição" a ações humanas.

"(...) e às vezes deplorava também comigo mesmo que a Providência determinasse assim a ruína de uma sua criatura, negando-lhe qualquer socorro, calcando-o com a sua mão e inutilizando-o tão completamente, que lhe eliminava da alma o sentimento da gratidão." (p. 67)

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O narrador Crusoé se explica ao leitor de suas memórias:

"Agora, visto que devo expor em cena, à face dos leitores, a representação de uma existência triste e melancólica, como não houve outra ainda neste mundo, vou fazer uma espécie de razão de ordem desde o princípio, para a continuar com mais regularidade." (p. 68)

Ele nos conta, então, que colocou um grande poste na praia com o seguinte registro:

"CHEGUEI A ESTA ILHA EM 30 DE SETEMBRO DE 1659"

No inventário das coisas de Crusoé, soubemos também dos seus pertences de cultura:

"De tudo lancei mão a esmo, sem me dar o trabalho de examinar se teriam ou não algum préstimo. Achei mais três esplêndidas Bíblias que tinha recebido no Brasil juntamente com os artigos que me expediram da Inglaterra, e que na ocasião dessa minha viagem meti dentro da minha roupa no baú, além de alguns livros portugueses, entre outros dois ou três de orações segundo o rito católico romano; e muitos ainda que tive o cuidado de conservar." (p. 69)

UM CÃO COMO COMPANHEIRO FIEL

"Havia a bordo três gatas e um cão, cuja história famosa deve ter o seu lugar nesta para lhe dar relevo. As gatas trouxe-as comigo; o cão, esse saltou do navio para o mar, e veio procurar-me em terra no dia seguinte àquele em que transportei a primeira carga. Foi durante muitos anos o meu serviçal zeloso e companheiro fiel; ia buscar todas as coisas de que era capaz; empregou as aptidões e finuras do instinto em fazer-me boa companhia; a única coisa que não pude conseguir dele, apesar de muito a desejar, foi que aprendesse a falar." (p. 69/70)

Para finalizar o capítulo IV, repleto de informações, soubemos que a construção de sua fortaleza levou mais de um ano para ser concluída. 

Ele traçou um quadro comparativo baseado na razão, segundo ele, para que pudesse seguir adiante quando lembrasse seus infortúnios. O quadro se dividia: em uma coluna "O MAL", na outra "O BEM". De um lado a informação negativa, do outro a positiva, do tipo: "Estou numa ilha horrorosa" e do outro "mas estou vivo" etc.

POR FIM, UM DIÁRIO...

"Principiei então a fazer um diário de todas as ocorrências - entretenimento que não pude encetar mais cedo, atormentado como estava, não tanto pelo trabalho, mas pelas canseiras do espírito; se o tivesse feito nessa conjuntura e com as piores disposições, sairia com certeza recheado de conceitos e incidentes sem graça e insípidos, como os que vou referir." P. 74)

A seguir ele cita momentos de desespero vividos por ele no começo de sua estadia na ilha. Gritava estar perdido, chorava e chorava etc.

Faz então seu pacto com o leitor a partir daquele momento:

"O princípio há de parecer fastidioso aos leitores, que até agora têm me acompanhado; mas a exatidão força-me a repetir algumas particularidades, que já ficam relatadas." (p. 74)

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É isso, leitor William. É isso, leitores do blog do William. Agora, vamos seguir com os diários de Robinson Crusoé...

William


(ver aqui a postagem anterior)


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Morena, pena de amor (1939) - Cecília Meireles



Refeição Cultural

Aos poucos, vamos conhecendo a obra poética de Cecília Meireles. Li mais um livro da poeta - Morena, pena de amor, de 1939. Foram 130 poemas nesta publicação, 129 numerados e uma abertura que dá início aos poemas.

Agora, já li e conheço Espectros (1919), Nunca mais... e Poema dos poemas (1923), Baladas para El-Rei (1925), Cânticos (1927), A festa das letras (1937) e Morena, pena de amor (1939).

Somando os 130 poemas aos 129 das outras 5 publicações, agora conheço 259 poemas dessa grande poeta e intelectual brasileira.

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MORENA, PENA DE AMOR

"Queria só um sorriso.
Mas deram-me um beijo.
Perdi metade do juízo
e fui dar ao Paraíso.
São Pedro, vendo-me a cara,
dizia: 'Mas que pequena!
Com uma estrela tão clara
numa boca tão morena!'

(Qual seria esse tesouro?
Seria o teu beijo?
Seria o sorriso?
Ou apenas o ouro
do meu dente siso?)
" (p. 191)

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Assim começam os poemas desse trabalho poético de Cecília Meireles.

"1

Me chamam Morena
por ser minha cor.
Mas meu nome é Pena,
Pena de Amor.
"

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Selecionei alguns momentos muito sonoros e prazerosos da obra.

"5

Não perguntes nada,
não perguntes, não.
Tenho uma espada,
enferrujada,
atravessada
no coração.

Como está quebrada,
não se põe a mão.
" (p. 192/193)

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"15

Os meus morenos suspiros
por morenos campos vão,
dentro de morenos rios,
por morena solidão.

Ai, morena sorte
da vida terrena,
ai, morte morena,
ai, terrena morte...
" (p. 195/196)

---

"26

Choro de pena,
choro de alegria,
me chamam Morena.
Sou Melancolia.
" (p. 200)

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"32

Chamei Deus - e estava ausente,
ou fez-se desentendido.
Não há nada que atormente
como um chamado perdido.
" (p. 202)

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O próximo poema é muito legal. Basta lembrarmos que Drummond já tinha nos apresentado seu poema "Quadrilha", em Alguma Poesia (1930).

"34

Eu estou sonhando contigo,
tu estás sonhando com ela,
e ela com o teu amigo,
e ele comigo ou com ela...

Tudo sonha e oscila
nas ondas do mundo:
em cima, a lua tranquila,
tranquila, a morte, no fundo.
" (p.202/203)

---

"40

De dia, te andei buscando,
de noite, a buscar-te andei.
De tanto andar procurando,
perdi-me e não te encontrei.
" (p. 205)

---

"48

Semeei plantas de amores,
nasceram ódios de espinho.
Não foi da mão nem das flores,
foi condição do caminho.
" (p. 207)

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Anotei diversos poemas que me tocaram ou que são muito expressivos para mim. Seria muito trabalhoso postar muitos deles. 

Fecho a seleção com o poema que fala da solidão.

---

"62

Bateram na noite escura,
fui abrir com precaução.
Perguntei: 'Quem me procura?'
Disseram-me: 'A Solidão'.

Entrou-me pela vidraça
um vulto de escuridão.
Perguntei: 'Mas quem me abraça?'
Disseram-me: 'A Solidão'.

Viverei com alegria
e sem outra condição
que a da companhia
desta Solidão...
" (p. 214/215)

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CONHECENDO AOS POUCOS CECÍLIA MEIRELES

Hoje vi uma palestra muito interessante na internet a respeito da obra Cânticos (1927), ministrada pela professora Lúcia Helena Galvão, num canal chamado "Nova Acrópole Brasil". A palestrante destaca as mensagens místicas em sua interpretação dos 26 poemas. Outra parte interessante da palestra foi a biografia de Cecília Meireles.

Enfim, sigo avançando na leitura dos poemas da poeta, professora, pintora, educadora, poliglota e tradutora e grande intelectual brasileira Cecília Meireles.

O próximo livro de poesias dela é premiado, vou ler a seguir Viagem (1939).

William


Bibliografia:

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin. Apresentação: Alberto da Costa e Silva. 1ª edição - São Paulo: Global, 2017.

domingo, 14 de novembro de 2021

Brejo das Almas (1934) - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural

"HINO NACIONAL

(...)

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?
" (p. 105)


Reli o segundo livro de poesias do poeta Carlos Drummond de Andrade - Brejo das Almas -, publicado em 1934. Na minha opinião, os poemas desta obra são herméticos, de difícil compreensão. Como diria o Eu-lírico no poema SEGREDO - "A poesia é incomunicável./Fique torto no seu canto.". Talvez seja o leitor (eu) que não tenha ainda conseguido avançar na boa leitura de poesias, já que alguns autores e alguns estilos de poesia são mais exigentes que outros.

A leitura dos 49 poemas de Alguma poesia (1930) é fácil e prazerosa do início ao fim - ler comentário aqui -, talvez porque os poemas já sejam bem conhecidos por mim, e a familiaridade facilita bastante a leitura e o deleite advindo de cada poema. A leitura dos 26 poemas de Brejo das Almas (1934) é uma leitura de estranhamento, de surpresas, e de identificações também.

Eu me lembro de uma entrevista com o escritor e poeta chileno Roberto Bolaño na qual ele destacava para o entrevistador versos, dísticos e algumas imagens de poemas que ele gostava, dizendo que aquela imagem e aquele significado já se bastavam em si mesmos, sendo o restante das estrofes até desnecessárias (impressão que eu tive da fala dele). Forma muito particular de ler poesia, mas tudo bem.

O professor Ariovaldo Vital, nas aulas que tive em 2019 sobre leitura de poesias, nos explicava que cada palavra, cada verso, cada estrofe tem um significado que se inteira com as demais partes do poema e com o sentido total da mensagem. Nada é à toa em um poema. Também tá valendo o ensinamento.

Se eu leio os poemas de Brejo das Almas com o viés de Bolaño, vejo versos e imagens que adorei nos poemas.

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"O AMOR BATE NA AORTA

(...)

o amor ronca na horta
entre os pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
" (p.95)

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"O VOO SOBRE AS IGREJAS

(...)

Era uma vez um Aleijadinho,
não tinha dedo, não tinha mão,
raiva e cinzel, lá isso tinha,
era uma vez um Aleijadinho,
era uma vez muitas igrejas
com muitos paraísos e muitos infernos,
era uma vez São João, Ouro Preto,
Mariana, Sabará, Congonhas,
era uma vez muitas cidades
e o Aleijadinho era uma vez.
" (p. 102/103)

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"COISA MISERÁVEL

(...)

Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe,
ou, quem sabe? para um céu vazio.
" (p. 112)

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Neste livro já vemos o Drummond que vai dizer o tempo todo que não adianta morrer, que a vida deve seguir, a vida apenas e sem mistificações, mesmo em face de acontecimentos e coisas tão graves e drásticas, sejam elas na vida pessoal, sejam na vida coletiva.

O poema NECROLÓGIO DOS DESILUDIDOS DO AMOR é um caso desses. O Eu-lírico deixa a opinião dele aos românticos e dramáticos de que não vale a pena morrer por amores não correspondidos.

"Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
" (p. 122)

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Fecho o comentário com os poemas que trazem a questão do amor erótico e sensual. Uma delícia os poemas O PASSARINHO DELA e GIRASSOL. Naquele, o Eu-lírico fala até o nome do autor:

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"O passarinho dela
está batendo asas, seu Carlos!
Ele diz que vai-se embora
sem você pegar.
" (p. 99)

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E o poema GIRASSOL é mais explícito na linguagem e no desejo:

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"havia também (entre vários) um girassol. A moça
                                                             [passou.
Entre os seios e o girassol tua vontade ficou interdita.

Vontade garota de voar, de amar, de ser feliz, de viajar,
                            [de casar, de ter muitos filhos;
vontade de tirar retrato com aquela moça, de praticar
                [libidinagens, de ser infeliz e rezar;
" (p. 111)

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Quase todos nós já tivemos algum dia o sentimento desse Eu-lírico, algo pueril, algo libidinoso e erótico sobre amores e sexos.

É isso. Vou ler a poesia completa de Drummond. E vou contando os poemas a cada livro publicado por ordem cronológica, como estou fazendo com a leitura de Cecília Meireles.

Nos primeiros dois livros de Drummond, são 75 poemas.

Seguimos lendo poesias.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. 10ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2000.

sábado, 13 de novembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (I) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

Comecei a leitura do clássico As aventuras de Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe. Apesar do romance fazer parte de nossos conhecimentos culturais por estar inserido na cultura literária mundial (sabemos de ouvir dizer) e ilustrar histórias de aventuras há três séculos, não conheço praticamente nada sobre a narrativa.

Li duas vezes o primeiro capítulo e li o segundo capítulo hoje. O livro é grande, mais de 500 páginas com fonte pequena. Levarei semanas para ler o clássico.

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CAPÍTULOS I e II

"Nasci na cidade de York no ano de 1632, de uma boa família, mas não originária deste país. Meu pai era estrangeiro, natural de Bremen. Montou o seu primeiro estabelecimento comercial em Hull, onde adquiriu muitos bens com o negócio; e veio finalmente residir em York e aí casou com minha mãe, cujos parentes se chamavam Robinson. Essa família é uma das mais consideradas do condado; dela me veio o nome de Robinson Kreutznaer, mas por corrupção de vocábulo, muito usual na Inglaterra, chamam-nos Crusoé - nome por que somos conhecidos e assim assinamos. Também os meus companheiros nunca me trataram por outro apelido." (p. 9)

O início das aventuras se dá com o personagem principal se apresentando e dizendo quem é, de onde vem, por que as coisas aconteceram em sua vida da forma como se deram etc.

Pelo que Robinson Crusoé nos conta, percebe-se que ele atribui à providência divina ou à fatalidade e ao acaso/sorte tudo o que lhe acontece. 

"parecia que uma espécie de fatalidade me arrastava misteriosamente para o estado de sofrimento e miséria em que mais tarde havia de cair..." (p. 10)

Ele decide se aventurar pelos mares do mundo à contragosto de seus pais, que clamam para que ele fique em casa e desfrute de uma vida calma, sem faltas ou necessidades básicas, pois num discurso premonitório, seu pai lhe diz que eles são da classe média, o estamento social que mais chances teria de alcançar a felicidade, pois os extremos - miseráveis e abastados - são os de maior propensão à infelicidade. Se aventurar por aí como um miserável só lhe traria infelicidade.

"pois pertencia à classe média, ou quando muito ao primeiro grau da vida burguesa; - que por sua longa experiência havia reconhecido que essa situação era a melhor de todas, a que estava mais ao alcance da felicidade humana, isenta das misérias, dos trabalhos e sofrimentos da classe operária e ao mesmo tempo inacessível ao luxo, ao orgulho, à ambição e inveja dos grandes da terra (...) - e que os sábios faziam consistir a verdadeira felicidade no estado da vida em que não haja pobreza nem riqueza." (p. 10)

O jovem Crusoé sente um desejo incontrolável de se lançar ao mar pelo mundo, mesmo tendo tido a experiência trágica em família ao perder os dois irmãos, um morto em batalhas navais e outro sumido.

"meti-me a bordo do tal navio que ia para Londres. Este dia, o mais fatal da minha vida, foi o 1º de setembro de 1651. Não creio que tenha havido moço aventureiro, para quem os infortúnios hajam começado mais cedo e durado mais tempo, do que os meus..." (p. 13)

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DESTINO E PROVIDÊNCIA - "Mas o meu péssimo destino arrastava-me com uma força irresistível, e conquanto o são critério e a razão muitas vezes me gritassem bem alto que devia voltar para casa, nunca podia resolver-me a tal solução. Não sei que nome deva dar a isso! Não posso afirmar que seja um decreto inviolável da Providência o que nos impele a ser os instrumentos da nossa própria desgraça e a lançar-nos no precipício que está a nossos pés, diante dos nossos olhos..." (p. 19)

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E assim começam as aventuras de Crusoé. Logo de cara enfrenta uma tempestade no mar que lhe mete um medo incrível. Ele e a tripulação do navio escapam à tormenta. Mas outra tempestade afunda a embarcação e Crusoé escapa junto com alguns companheiros. 

O jovem é do interior do país e se dirigia a Londres. Após o naufrágio, ele chega a Londres por terra e de lá se lança a outra viagem, agora para a África. 

"Embarquei num navio que ia para as costas da África, ou, para falar a linguagem usual dos marinheiros, para uma viagem da Guiné (...) mas nisso como em tudo estava destinado a escolher o pior..." (p. 21)

O jovem Crusoé chega a conhecer um capitão e amigo que o ajuda a virar um mercador. Mas o capitão e amigo morre e os infortúnios seguem.

O navio é interceptado por piratas e ele vira escravo em Marrocos. A essa altura, ele já está vinculando toda a desgraça que tem enfrentado às previsões que seu pai havia feito ao deixar uma vida tranquila com a família.

E assim começaram as aventuras de Robinson Crusoé, saindo de sua terra natal - York - aos 19 anos e se aventurando pelo mundo através dos mares. Vira mercador, depois escravo por dois anos e vamos seguir vendo o que acontece com o rapaz.

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NAVEGANDO E VIAJANDO NA LITERATURA MUNDIAL

Hoje conheço a história do capitão Acab (Ahab em inglês), a embarcação Pequod e sua perseguição ao cachalote, a baleia Moby Dick. Foi uma grande leitura feita por mim neste ano de 2021.

Daqui a algumas semanas conhecerei toda a história de Robinson Crusoé, história de trezentos anos que não conheço ainda. Mas sempre é tempo de se conhecer coisas novas, conhecimento e cultura não ocupam espaço, pelo contrário, preenchem espaços em nossas vidas, nos dando mais subsídios para seguir vivendo.

William


(ver aqui a postagem seguinte)


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.


sexta-feira, 12 de novembro de 2021

121121 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

"INFÂNCIA

        A Abgar Renault

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que a minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé." 

(DRUMMOND. In: Alguma Poesia - 1930)


Sexta-feira, 12 de novembro de 2021.


Dias atrás, reli o livro de poesias que apresentou o poeta Carlos Drummond de Andrade para o Brasil e o mundo. Alguma poesia é um livro que me arrepia só de mencioná-lo! Neste poema - "Infância" -, o Eu-lírico compara sua história à de Robinson Crusoé, personagem do romance do escritor inglês Daniel Defoe, publicado em 1719.

Já no finalzinho das Memórias póstumas de Brás Cubas (1880/81), romance de Machado de Assis que marcou uma revolução na literatura brasileira, o defunto-autor cita um gesto de Gulliver, personagem do romance do escritor irlandês Jonathan Swift, obra lançada em 1726.

"Multidão, cujo amor cobicei até a morte, era assim que eu me vingava às vezes de ti; deixava burburinhar em volta do meu corpo a gente humana, sem a ouvir, como o Prometeu de Ésquilo fazia aos seus verdugos. Ah! tu cuidavas encadear-me ao rochedo da tua frivolidade, da tua indiferença, ou da tua agitação? Frágeis cadeias, amiga minha; eu rompia-as de um gesto de Gulliver." (ASSIS. In: Memórias póstumas de Brás Cubas. Cap. XCIX)

Sou um homem de mais de cinquenta anos de idade. Passei boa parte de minha vida lendo alguma coisa aqui e ali de literatura. Desejo e sede de saber eu sempre tive. Não tive foi tempo livre para ler tudo o que gostaria. Trabalhei muito para os capitalistas e fiz os estudos mínimos exigidos de pessoas como nós da classe trabalhadora. Li bastante se me comparar com os meus pares da classe e com o povo brasileiro. Mas me falta muita leitura ainda. São lacunas culturais imensas, que me incomodam muito.

Dessas citações e referências acima, por exemplo, eu não li ainda As aventuras de Robinson Crusoé e As viagens de Gulliver. Só fui ler Prometeu acorrentado este ano (ver comentário aqui). Percebem minhas lacunas culturais? Aprendi a ter a humildade de saber que me faltam muitas leituras, mas tenho a consciência de quem não passou a vida à toa à toa (como a andorinha de Manuel Bandeira). Passei a vida sendo explorado pelos donos do poder e lutando contra essa exploração da classe trabalhadora, se não li mais romances e poesias não foi por opção, foi por necessidade do viver.

Drummond mesmo, tenho centenas de poemas seus a conhecer. Só conheço seus primeiros trabalhos, até os anos quarenta. Cecília Meireles, essa poeta e intelectual multifacetada, só passei a conhecer alguns poemas seus recentemente. Estou interessado em ler toda a obra de Drummond e de Meireles. Se o tempo de existência me permitir, seguirei lendo eles.

Essa introdução trabalhosa de meu diário cultural e de reflexões é para registrar que comecei ontem a leitura de Robinson Crusoé. Lá vamos nós viajar no tempo e na literatura mundial. Crusoé vai se somar aos meus clássicos lidos recentemente como, por exemplo, Moby Dick e Decamerão

Desejo que a casualidade do viver me permita completar a leitura e saber finalmente a história de Crusoé. Apesar dessa lacuna cultural, não tenho dúvidas sobre a boniteza da história do Eu-lírico do poema de Drummond. Daqui a algumas semanas saberei também das aventuras de Crusoé.

---

LUTO E PESAR

Estou muito triste, muito abalado e me solidarizo com o falecimento de Dôia, economista e militante socialista. Dôia era companheira de nosso querido Bemvindo Sequeira. Nosso casal militante e socialista, que tem vivido em Portugal, contraiu Covid-19 dias atrás e Dôia, como era chamada carinhosamente, não resistiu. Bemvindo está se recuperando aos poucos da Covid. Ele esteve nesta sexta-feira em uma live com Kiko Nogueira e Pedro Zambarda, do site DCM.

É tudo muito triste... a vida é um instante, somos muito frágeis, apesar de sermos muito fortes quando lutamos como militantes por um mundo mais justo e solidário. Companheiro Sequeira, receba o nosso carinho. 

- Companheira Dôia, presente!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. 10ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2000.

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1ª ed. - São Paulo: Panda Books, 2018.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

A festa das letras (1937) - Cecília Meireles



Refeição Cultural

Que delícia foi a leitura desta obra de Cecília Meireles em parceria com Josué de Castro - A festa das letras (1937).

Quando li o texto introdutório, não entendi nada, parecia um texto perdido sobre alimentação e saúde. Aí no último parágrafo os autores explicaram o intuito da obra:

"A festa das letras procura ser um pretexto agradável para fazer chegar às crianças, revestidos de certo encantamento, esses primeiros preceitos de higiene alimentar, indispensáveis à sua vida."

E aí começam os poemas, seguindo letra a letra do alfabeto. A, B, C... 23 poemas.

Pelo pouco que conheço de poesia, posso dizer que foi uma experiência nova, diferente. Agradável experiência!

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"Ah! Ah! - pois o A, com a sua cartolinha bicuda,

                    parece o chefe do batalhão.

                Para na frente de todas as letras

                e grita: A... A... A... A... Atenção!"

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E assim vamos nos divertindo com as formas, sons, ritmos dos versos e das estrofes poéticas.

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"(...)

        Sou o B, sou o B que não tem igual:

        B de Banana, Bananeira, Bananal...

O B que tem sempre - ontem, hoje e amanhã -

                      a Banana-maçã!

                    que tem um tesouro

                        de Banana-prata

                         e Banana-ouro!"

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Adorei a festa do M...

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"M, M, M, de onde vem você?

- Eu venho do Mato, todo o Mundo vê!


- M, M, M, você que procura?

- Menino que goste de fruta Madura!


- M, M, M, que é que você traz?

- Mangas, Mangabas, Maracujás!


- M, M, M, que Mais você tem?

- Mamões, melancias e Melões, também!"

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Uma festa essa experiência com as letras de Cecília Meireles e Josué de Castro. 

Com a leitura desse quinto livro de poesias de Meireles, passo a conhecer agora 129 poemas da poeta, jornalista, professora, escritora e intelectual brasileira.

William


Bibliografia:

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin. Apresentação: Alberto da Costa e Silva. 1ª edição - São Paulo: Global, 2017.

40. Memórias póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis



Refeição Cultural - Cem clássicos

Arrepiado! Terminei arrepiado a releitura dessas Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), do mestre Machado de Assis. As últimas palavras do capítulo final - o CLX. "Das negativas" - foram de arrebentar os sentimentos de qualquer cidadão que sofre com o "legado da nossa miséria" ao viver neste Brasil do século XXI, de moros e bolsonaros.

Eu considero Memórias póstumas... um dos melhores livros de literatura já feitos no Brasil.

São tão diversos os temas abordados por Machado de Assis neste romance revolucionário que a leitura da obra 140 anos depois de sua publicação segue nos deixando impressionados a cada capítulo, a cada ironia, a cada crítica à burguesia hipócrita... é demais!

A filosofia do Humanitismo, desenvolvida por Quincas Borba é ácida demais! É atual demais. 

Na minha opinião, o Humanitismo é a Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin, só que sugerindo que, no caso humano, a evolução dos mais adaptados iria dar em bolsonaros, moros, dallagnois, temers, fernandos e toda essa gente que está no topo da cadeia social, mas só para provar que a evolução é na verdade a involução, é o caminho para o fim pela autodestruição da espécie homo sapiens.

O capitalismo é composto por uma burguesia ignorante, feita de casca e aparência, sem essência alguma que preste, e o modelo de acumulação e exploração capitalista é a forma de organização social das classes abastadas que está nos levando à extinção das chances de vida no planeta Terra, como se discute nesses dias na COP26 em Glasgow. A insistência em só aumentar as riquezas destruindo a Terra por parte dessa gente do 1% é o próprio princípio Humanitas. É coisa dessa gente Cubas.

A forma utilitarista, violenta e cínica como Brás Cubas trata tudo e todos ao seu redor é a imagem mais perfeita dessa gente que colocou o bolsonarismo no poder. 

Eu adoro esse livro e cada vez que o leio há um novo encaixe da ficção no contexto da realidade na qual nos encontramos. Hoje, Brás Cubas é qualquer desgraçado desses 15% do bolsonarismo raiz. 

Assim como o personagem Cubas, os bolsonaristas-cubas estão nos cargos políticos e públicos e são "empresários" e também coronéis e ruralistas e banqueiros e são homens de práticas vis, estão nas violências praticadas no cotidiano contra mulheres, pretos, pobres e povão em geral. Estão no clientelismo e no assalto ao patrimônio público.

Enfim, obrigado mestre Machado de Assis, por sintetizar tão bem o anacronismo dessa gente que se classifica como burguesia brasileira. Gente inútil e escrota e que está por aí, há séculos, nos ambientes tidos como nobres e das elites.

William


Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1ª ed. - São Paulo: Panda Books, 2018.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Diários com Machado de Assis (X)



Refeição Cultural

"XCVIII. SUPRIMIDO

(...)

No intervalo fui visitá-los. O Damasceno recebeu-me com muitas palavras, a mulher com muitos sorrisos. Quanto a Nhã-loló, não tirou mais os olhos de mim. Parecia-me agora mais bonita que no dia do jantar. Achei-lhe certa suavidade etérea casada ao polido das formas terrenas: - expressão vaga, e condigna de um capítulo em que tudo há de ser vago. Realmente, não sei como lhes diga que não me senti mal, ao pé da moça, trajando garridamente um vestido fino, um vestido que me dava cócegas de Tartufo. Ao contemplá-lo, cobrindo casta e redondamente o joelho, foi que eu fiz uma descoberta sutil, a saber, que a natureza previu a vestidura humana, condição necessária ao desenvolvimento da nossa espécie. A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização. Abençoado uso que nos deu Otelo e os paquetes transatlânticos!

Estou com vontade de suprimir este capítulo. O declive é perigoso. Mas enfim eu escrevo as minhas memórias e não as tuas, leitor pacato. Ao pé da graciosa donzela, parecia-me tomado de uma sensação dupla e indefinível. Ela exprimia inteiramente a dualidade de Pascal, l'ange et la bête*, com a diferença que o jansenista não admitia a simultaneidade das duas naturezas, ao passo que elas aí estavam bem juntinhas, - l'ange, que dizia algumas coisas do céu, - e la bête, que... Não; decididamente suprimo este capítulo." (p. 243/244)

*o anjo e a besta

(sublinhado meu na parte entre narrador e leitor)


Os estudos de Hélio de Seixas Guimarães nos chamam atenção para a questão dos leitores de Machado de Assis e também de literatura no Brasil. Terminei de ler a introdução do livro e ela aborda dois temas: "Em torno de alguns conceitos de leitor" e "A crítica brasileira e o público de literatura". Os textos nos põem a pensar... e a questão da possibilidade de haver ou não um público de literatura no Brasil segue até hoje.

O texto aponta que em 1890 o Brasil tinha cerca de 17% de pessoas que poderiam compor o público leitor de literatura e publicações em jornais e revistas. De uma informação como esta, poderíamos até inferir que estaríamos bem pra caramba nos dias atuais, já que a maioria das pessoas é "alfabetizada"... magina! Com o incentivo à ignorância que nos capturou com o bolsonarismo e o negacionismo, talvez estejamos em piores condições que em 1890.

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Para quem escrevemos? Essa é uma questão a se refletir sempre que nos sentamos para produzir textos ficcionais ou de informação, argumentação e reflexão como faço em meus blogs. 

Para quem escrevemos neste momento da história no qual imagens e vídeos e símbolos dominaram os seres humanos? Tempo em que o diálogo e os argumentos foram substituídos pela porrada, pelo grito, pela bala e pela mentira descarada, espalhada de forma nunca vista?

Até que ponto as pessoas acham que é possível tratar assuntos complexos com alguns parágrafos e poucas palavras ou com vídeos e imagens que sintetizariam tudo?

Qual diferença teríamos dos demais animais e seres viventes na natureza se não fosse o desenvolvimento da linguagem humana? E a linguagem tem relação com o cérebro humano e nossos 86 bilhões de neurônios.

Machado de Assis escreveu por cinco décadas num país praticamente sem leitores de literatura. Num país no qual a produção e financiamento da literatura e cultura dependiam dos brancos da Corte e das casas-grandes, ou seja, se a crítica a eles não fosse disfarçada não se publicaria nada por aqui.

E lá no século XXI (nossa volta ao passado com Temer e Bolsonaro) os brasileiros iriam viver o período mais dramático de sua história, com a chegada ao poder político de um bando de bárbaros criminosos e negacionistas, contrários à cultura e ciências e avanços sociais. 

Mas tudo bem. Seguimos por aqui, como indivíduos e como seres históricos e coletivos que lutam para construir uma sociedade de cultura, de ciência, de avanços sociais e seres humanos mais sábios e cientes da fragilidade da vida na Terra.

William



Bibliografia:

ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 1ª ed. - São Paulo: Panda Books, 2018.

GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.