quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Morreu o Dógão, meu pangasius


Esta terça-feira, 29 de janeiro, foi um dia muito triste pra mim. Morreu meu peixe pangasius, carinhosamente chamado de Dógão por nós em casa.

Estou na faixa dos quarenta anos de idade e tive na minha vida dois animais de estimação. O cachorro pequinês Leique me acompanhou por uns treze anos, ou seja, toda a minha infância. Meu peixe pangasius esteve comigo uns treze anos também, desde o início dos anos dois mil.

Sempre gostei de aquarismo. Eu tenho aquários desde os vinte anos de idade.


Ao fundo, vemos meu pangasius em dezembro de 2012.

A famosa frase de O pequeno príncipe - "você é responsável por aquilo que cativa" - talvez esteja intimamente ligada ao fato de eu ter passado toda a vida adulta curtindo peixes e aquários, pois ter aquário requer uma certa rotina e disciplina para manter os aquários em boas condições para se ter peixes saudáveis e longevos.

Ou seja, ter e cuidar de peixes ornamentais é ir no sentido contrário à velocidade do mundo contemporâneo. Vou sentir muito a falta do meu Dógão. Sou dirigente sindical e militante político há uns dez anos e a nossa vida é uma coisa completamente extenuante e sem rotina.


Olha lá meu pangasius com casa cheia.
Meu filho tinha uns 7 anos. Ele, uns 3 anos.


Nos primeiros anos de movimento sindical, eu pelo menos atuava sempre na mesma região e não viajava. Depois de 2006, quando entrei para a Contraf-CUT, passei a viajar com frequência e nos últimos anos quase não sobrava tempo para estar em casa. Acabei jogando parte da responsabilidade de cuidar dos aquários para minha esposa.

Mas uma coisa tive que fazer religiosamente ao longo da vida adulta: fazer manutenção em aquário aos finais de semana, pelo menos a cada quinze dias. Além do prazer de ficar ali lidando com água e peixes e o gostoso que é vê-los saudáveis, também existe a obrigação de "cuidar daquilo que eu cativo" e isso me fazia dar um tempo na mente e no corpo.

Conforme os anos foram passando, eu já me perguntava quem de nós dois iria primeiro, porque nunca poderia imaginar um peixe ornamental durar tanto tempo. 


Até março de 2009, o Dógão tinha companhia.
Depois disso, deu alguma doença na água e os
balasharks morreram e o pangasius albino também.


Meu peixe sobreviveu a todos os peixes que chegaram e morreram no aquário. Sobreviveu várias vezes às doenças que pegou. Sobreviveu às pancadas nos vidros que esta espécie normalmente dá. 

Incrivelmente, sobreviveu a um tombo de um metro e meio de altura quando pulou do aquário em 2011 e fez a minha esposa superar o maior pavor doméstico que tinha na vida (medo dele) e ela teve a coragem de pegá-lo sozinha no chão e salvá-lo.

Sério, cheguei a pensar que esse peixe não morreria antes de mim! Pesquisei algumas vezes para saber quanto tempo viveria um peixe pangasius de aquário ornamental, mas não achei resposta. Normalmente, eles morrem quando crescem por se baterem no aquário.


Meu pangasius em julho de 2010. Eu viajo muito,
mas era muito legal ver os hábitos do Dógão
conforme o horário do dia, quando em casa.


Vou sentir muita falta dele. Da rotina de cuidar do aquário e dele nos finais de semana.

Nos últimos meses, eu ficava muito tempo curtindo ele nos poucos momentos em que estava em casa. Estava muito legal vê-lo comer de noite. Era uma festa suas manobras embaixo da cachoeirinha pegando comida.

As leituras na minha cadeira de praia na sala era uma rotina: ler e olhar pro meu aquário...

O Dógão tinha uma rotina para cada hora do dia. Tinha a hora em que ele relaxava e ficava quietinho num canto... tinha a hora em que ele nadava de um lado para o outro, ia no rumo da bombinha, nadava contra as bolhinhas e voltava. Tinha os momentos de ficar embaixo da cachoeira do filtro externo. À tarde, ele gostava de dar voltas no aquário e subir, encher a boca de ar e afundar soltando bolhas pelas guelras...

A coisa mais impressionante do mundo, era ver o pangasius se recuperar fisicamente dos machucados e feridas. O bicho parecia imortal. Sempre sarava e se recuperava de cortes, feridas e doenças comuns em peixes ornamentais.





Vou sentir falta do meu peixe. A sala está um silêncio insuportável. Vazio. O barulho do aquário às vezes incomodava, mas estava no script.

Já se percebe que a gente chamava ele de Dógão porque viveu tanto quanto nossos cachorros de estimação, não era um peixinho comum que vem, fica um tempinho e quando morre no meio dos outros, é só mais um peixinho pra pegar com a redinha e jogar fora.

Ele não foi pra redinha nem pro lixo.

O pequeno príncipe explica isso. Uma flor em meio a várias, é uma flor. Quando você a cativa, ela passa a ser a SUA flor.

O Dógão não era um pangasius. Era o MEU pangasius. Foram muitos e muitos anos.

Nós lhe demos o tratamento respeitoso que merecia.

Estou triste. Mudar a minha rotina de não ter mais a minha rotina com ele vai ser estranho.

Tem uma coisa nas perdas que impactam muito na vida das pessoas, seja a perda de uma pessoa amada, de um animal de estimação, de um trabalho ou uma rotina de vida. Essas perdas quebram a sensação de estabilidade, de vínculo com algo, um voltar, um ter que fazer, que cuidar.


Sinto hoje um grande vazio na minha sala, na minha casa, nas minhas obrigações. No meu voltar, no que cuidar. Vou sentir falta do Dógão.

William

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Post Scriptum (14/11/13):


O BLOG E A RELAÇÃO COM AS PESSOAS DO MUNDO: A sensação de pertencer a uma rede mundial de comunicação é algo muito legal. Meu blog não é nenhum desses grandes blogs com milhares de acessos e pessoas responsáveis por cuidar dele. Eu o alimento com coisas que eu acho úteis para partilhar e conversar com as pessoas do mundo. Normalmente, esse blog tem uma centena de acessos por dia e isso é gratificante pra quem quer conversar com as pessoas e partilhar ideias e ideologias de uma forma propositiva e pacífica.

A minha postagem sobre meu pangasius que morreu no início deste ano já teve cerca de 500 acessos e, às vezes, tem comentários nas postagens pra liberar. Hoje liberei uma de alguém que chegou em casa e encontrou seu peixe querido morto... Isso torna o nosso diálogo com o mundo uma coisa tão humana e tão rica! Ao mesmo tempo é comovente e nos conforta porque acho que estamos fazendo algo legal... é isso!
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sábado, 19 de janeiro de 2013

As aventuras de Pi – 2012 (Life of Pi)


Pôster do filme.


Refeição Cultural

Qual história você prefere?


(Aviso: o texto todo revela partes do filme)

Sinopse (Wikipedia)

Uma família de um dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia, decide se mudar para o Canadá, viajando a bordo de um imenso cargueiro. Quando o navio naufraga, Pi consegue sobreviver em um barco salva-vidas. Perdido em meio ao oceano Pacífico, ele precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker. (filme dirigido por Ang Lee, baseado em livro de Yann Martel)


Introdução

A vida de Pi (acho mais apropriado o nome português que o brasileiro) é um filme com belas imagens, belíssimas para ser sincero.

Eu achei o filme cansativo. Acredito que possa ser uma sensação psicológica relacionada ao enredo, haja vista que o telespectador acaba se envolvendo com a história e, francamente, passar quase um ano perdido no meio do oceano cansaria qualquer um.

Feita a observação sobre a beleza e o cansaço, vamos ao meu comentário e à minha resposta sobre qual história eu prefiro como pergunta Pi ao entrevistador ao final do filme.


Busca por respostas no sagrado

Assim como Pi, passei boa parte da minha vida buscando respostas nas religiões e na fé para o sentido da vida humana e das coisas em si.

Minha curiosidade filosófica me fez crescer católico por influência dos pais, depois ir buscar respostas no espiritismo, na umbanda, na gnose e nos livros em geral – na leitura. O garoto Pi conciliou em sua busca o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. O mundo poderia ter centenas de deuses, poderia ter tido o próprio filho de um único Deus, que poderia inclusive ser chamado de vários nomes como, por exemplo, Alá.

Quando cheguei perto dos trinta anos, eu havia me tornado um ateu e não vi mais sentido algum em respostas esotéricas e metafísicas. Passei a viver em um mundo com visão completamente materialista e baseada nesta única e exclusiva existência minha e de todas as coisas no universo. Claro que eu e tudo permanecemos aqui, vamos e voltamos na forma de átomos.

O entrevistador de Pi lhe diz que o procurou para ouvir sua história e para que Pi o fizesse acreditar em Deus.


As duas histórias a escolher

1- O navio naufraga, sobram em um bote o garoto, o cozinheiro que destratou a família dele por eles serem vegetarianos, a mãe do garoto e o marinheiro asiático bonzinho que comia arroz com molho.

O cozinheiro mata primeiro o marinheiro com a perna ferida, usa ele como isca de peixe e pratica canibalismo. De forma horrenda, mata a mãe do garoto.

O garoto, de forma heroica e com uma fúria animal, consegue matar o cozinheiro. Daí adiante, ele fica por sua conta em alto mar por muitos meses.


2- O navio naufraga, sobram em um bote o garoto, um tigre de bengala, uma hiena, um orangotango e uma zebra.

A hiena mata primeiro a zebra com a perna ferida; depois mata o orangotango com uma mordida fatal no pescoço. O garoto que ia pendurado mais pra fora que pra dentro do bote seria a próxima refeição da hiena. Aparece então o tigre de bengala, escondido no bote e mata a hiena.

A partir daí, garoto e tigre (de nome Richard Parker) passam meses perdidos no mar, duelam entre si na disputa pela sobrevivência, um tentando estabelecer o seu território em relação ao outro. Nos momentos de quase morte, homem e fera se compadecem juntos. O homem passa a alimentar a fera, por entender que dependia dela para sobreviver...


A história que escolhi

Ao final, Pi pergunta ao entrevistador qual história ele escolheria. O filme inteiro mostra a história do tigre de bengala. A outra versão, mais humana e mais sanguinária, foi contada rapidamente após a primeira. O entrevistador escolheu a história do tigre de bengala e Pi lhe mostra que com Deus é a mesma coisa.

Na minha leitura, Pi utiliza a questão da fé e das religiões de forma brilhante para conformar a sua história trágica.

A religião e a fé são criações do homem para dar uma conformação à natureza trágica da vida no mundo. O homem é o único animal que pensa e que sabe sobre a morte, sobre a solidão e sobre a sua fraqueza e insignificância perante o universo e a própria vida no planeta Terra com quase cinco bilhões de anos.

Para sobreviver e estar ali, Pi precisou domar a sua natureza humana animal, matar, comer animais mortos, e fazer tudo que qualquer animal faz instintivamente para sobreviver.

O filme dá várias dicas sobre isso. Vou ficar somente com as metáforas do tigre.

O tigre não é amigo do homem. Ao olhar para o tigre, o garoto só veria um reflexo de si mesmo. Mas não olhe muito e se arrisque tanto porque você pode ver o tigre que existe em você.

O cozinheiro despertou o tigre que existia no garoto. Ele libertou a fera. Na verdade, já na água garoto e tigre são um só. Após matar o cozinheiro, outros desafios viriam. Aquele garoto jamais sobreviveria se não permitisse a sua natureza de tigre. Matar e comer carne era preciso. A cena do peixe morto a pancadas e o choro do garoto é um grande momento. Era preciso alimentar o seu tigre para sobreviver. Depois foi preciso domar seu tigre para acompanhá-lo na empreitada pela vida.

Ao final, a cena mais comovente do filme: em terra, quase morto de fome, o tigre vai embora sem olhar para trás. Justo agora que o garoto poderia se “despedir” de seu tigre e recuperar parte de sua natureza anterior...

Mas não existe despedida ou aceno final para a fera que existe dentro de nós. Somos animais. Por isso, o tigre de bengala não olha para trás. O tigre está lá ainda, dentro de Pi.

Deus, segue sendo a melhor conformação do mundo e explicação para as coisas da existência trágica, como também da perfeição das coisas da existência do universo.


Comentário final

O filme me valeu ao menos para essas várias horas de reflexão sobre fé, religião, coisas da vida material, escolhas, idas e vindas, das feras que habitam em nós. 

Como diz o ditado: todo burrinho pedrês tem um corcel, um cavalo selvagem dentro de si.

É isso!

William

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Post Scriptum (26/5/16, quinta-feira de feriado):

Revi o filme na virada da madrugada. Havia acabado de chegar de uma viagem a trabalho de três dias em Curitiba, Paraná.

Nosso país vive, faz alguns dias, um Golpe de Estado. Afastaram a presidenta Dilma Rousseff e assumiu um bando de corruptos e canalhas. Em menos de duas semanas, estão destruindo quase três décadas de conquistas sociais do povo brasileiro.

Ao ver o filme e reler minhas reflexões nesta postagem, fiquei pensando novamente em nossa fera interior, para nos dar o instinto de sobrevivência nos tempos e condições de calamidade.

A minha fera está comigo, nunca me abandonou.
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Izaías Almada: A síndrome Safatle/Dutra (II)


Apresentação do blog:

Novo texto do escritor Izaías Almada com relação à hipocrisia de alguns intelectuais do campo da esquerda e o jornalismo conhecido como Partido da Imprensa Golpista (P.I.G.). Muito bom! (os sublinhados são feitos pelo blog)

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Com a contextualização em relação ao título desses meus artigos feita no primeiro deles atempadamente pela amiga Conceição Lemes – do Vi o Mundo - volto ao assunto sobre as opiniões do professor Vladimir Safatle e do ex-governador gaúcho Olívio Dutra.

Por Izaías Almada, em Carta Maior


“Ao afirmar que os condenados do mensalão não seriam desligados do partido, ao aceitar organizar uma contribuição para manter tais condenados a pagarem as multas aplicadas pelo STF e, agora, ao achar normal que alguém condenado em última instância assuma uma vaga no Congresso, o PT age como um avestruz que coloca a cabeça na terra e erra de maneira imperdoável.”


Vladimir Safatle em artigo na Folha de São Paulo.


“... todos os que o conhecem nunca tiveram um minuto de dúvida quanto à sua integridade de caráter e quanto à limpidez de sua trajetória de vida. Entre eles estou eu, admirador que sempre o considerou um militante exemplo pela sua dignidade, a coragem e a lucidez...”


Prof. Antonio Candido, em carta ao deputado José Genoíno.


Com a contextualização em relação ao título desses meus artigos feita no primeiro deles atempadamente pela amiga Conceição Lemes – do VIOMUNDO - volto ao assunto sobre as opiniões do professor Vladimir Safatle e do ex-governador gaúcho Olívio Dutra. Vamos em frente.

Em 1997 tive o privilégio de coordenar, junto com os jornalistas Granville Ponce e Alípio Freire, o livro de memórias de prisioneiros políticos TIRADENTES: UM PRESÍDIO DA DITADURA. Privilégio acrescido com a honra de ter como apresentador da obra o professor Antonio Candido de Mello e Souza, um de nossos mais brilhantes intelectuais. No seu prefácio, o professor Antonio Candido destaca o seguinte trecho dos organizadores à página 16, referindo-se aos memorialistas: “Ninguém é vítima ao aderir a uma causa (a opção pela luta armada) de livre e espontânea vontade, mesmo considerando a possibilidade de uma ou de outra falha no recrutamento de um militante. É curioso notar, inclusive, que de todos os textos que recebemos, não há nenhum em que o autor faça qualquer alusão a uma eventual condição de vítima daquele processo de luta política. E só não comete erros quem não ousa”.

De certa maneira, a autocrítica daquele processo de ousada luta política foi feita por muitos que após e experiência da luta armada se incorporaram à criação do Partido dos Trabalhadores, que teve o professor Antonio Candido como um de seus fundadores. Autocrítica que pressupunha a crença em valores democráticos ainda por conquistar. Entre eles estavam José Genoíno e José Dirceu

Vencida a ditadura em alguns dos seus aspectos mais sensíveis e visíveis, como a liberdade de reunião e a volta dos sindicatos, das organizações estudantis, o fim da censura a imprensa, o retorno do ‘habeas corpus’, o direito de ir e vir, o cessar das mortes e desaparecimentos de opositores ao regime, parte representativa da esquerda e não só, organizou e fundou o PT. E partidos políticos, ao que se sabe, se organizam para chegar ao poder político, como é óbvio, e se possível chegar ao mais alto cargo governamental republicano, o que foi conseguido em 2002 com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Refém de uma economia de mercado atrelada aos interesses rentistas e corporativos, nacionais e internacionais, bem como de um quadro político partidário anômalo, fisiológico e bastante conservador, o PT – como qualquer outro partido de esquerda progressista e democrático – apesar das seguidas vitórias eleitorais viu-se jogado às feras numa arena onde a plateia dividia-se entre a esperança e o medo. Diariamente, desde então, jornais, rádios, televisões, revistas semanais vêm tentando colocar o PT, seus militantes e seus eleitores no “seu devido lugar”. A casa-grande mostrava e continua a mostrar as garras através dos seus porta-vozes.

Visto pelas lentes da dialética pode-se dizer que para os seus eleitores, o PT trouxe a esperança; para os adversários, em particular os mais conservadores, o medo, o receio. Quem não se lembra da campanha contra Lula em 1989? Do ponto de vista interno, entretanto, há o natural medo de não se corresponder à imensa responsabilidade de governar o país consoante as expectativas criadas e, na contramão desse medo, a esperança dos adversários pelo fracasso nesse sentido. E governar não é ir para um baile de debutantes ou praticar boas ações para ganhar o reino dos céus. Essa, quando muito, será a visão edulcorada de um medievalismo tardio, de uma cultura acadêmica afrancesada, de tempos inquisitoriais ou de exacerbado e ingênuo recato quase religioso diante do poder econômico dominante.

Passados pouco mais de 40 anos, nos quais muito se fez para o estabelecimento de um pensamento único no mundo, após a queda do socialismo real na Europa, proclamando-se para isso até o fim da História, os vários discursos neoliberais vão tendo vencidas as suas datas de garantia de uso, a última delas em 2008, já com algumas trombetas de alarme soando na Europa, nos EUA e no Japão para dias futuros. 

Também após esses 40 anos é possível encontrar a sensibilidade e a solidariedade, entre centenas de milhares de brasileiros, de um professor Antonio Candido, por exemplo, que atento ao que se passa à sua volta, escreve a carta que escreveu ao deputado José Genoíno Neto, de cabeça erguida, ao contrário de outros que abandonaram, senão a luta, os caminhos escolhidos pelo PT.

Também durantes esses 40 anos, novas gerações de brasileiros se formaram e se prepararam para as mais diversas atividades no campo do saber e do fazer. E cada geração, mesmo bebendo nos clássicos a sua formação e especialização, e amparada pelo conhecimento já comprovado e contínuo pelas ciências exatas ou humanas, sabemos que será sempre influenciada pelo confronto das ideias no seu dia a dia, por novas descobertas e avanços da humanidade. Ou por teorias ainda carentes de comprovação, quando não estas são lançadas apenas como estratégia de espalhar a dúvida e a confusão. Nesse confronto, nessa batalha de ideias, será preciso algum discernimento e, se necessário, saber remar contra a maré, quando for o caso. 

Para os mais novos haverá sempre a tentação de reinventar a roda ao assumir a realidade do dia a dia como sendo a expressão de toda e qualquer realidade. Pedir a um partido que faça autocrítica das suas ações no atual contexto da política brasileira é direito que assiste a qualquer cidadão. Até porque, as condenações de uma ação penal ainda não concluída, é bom lembrar, não o foram em “última instância”, mas em ÚNICA INSTÂNCIA. Contudo, é preciso distinguir, no caso do PT, se tal avaliação provém de uma reflexão histórica consistente de quem vive o jogo político por dentro ou é fruto de um desejo subjetivo de escaramuças intelectuais obtidas em salas acadêmicas e redações midiáticas. Ou como diria o grande filósofo Millôr Fernandes: “Certas coisas só são amargas, se a gente as engole”.

Voltarei ao tema.


Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Férias na Praia Grande SP


Leitura, cervejinha, ócio...
Colônia Sinpro SP.


REFEIÇÃO CULTURAL - FÉRIAS NA PRAIA GRANDE SP

Passamos seis dias na colônia de férias do Sinpro São Paulo (Sindicato dos Professores) na cidade de Praia Grande - SP.

Sempre que possível, dou um jeito de irmos lá. É um dos poucos lugares em que eu realmente consigo descansar quando viajo e quando não estou no trabalho e militância.

O lugar é simples, bem simples, e isso é o que me agrada. A comidinha é com sabor caseiro, são poucas vagas – no máximo 20 famílias – e a própria região da praia também é organizada.

Já fui a várias praias dessas bem conceituadas do Nordeste. Famosas e isso e aquilo. Certa vez, escrevi que não havia diferença alguma em estar em uma praia do Nordeste ou do Sul e estar nas praias da região de Praia Grande - SP. Eu reafirmo o que sempre digo.

Foram dias de leitura, corridinhas e caminhadas na praia, cervejinha na piscina, dormir depois do almoço, passeio na feirinha de artesanato, ócio e não fazer nada com hora marcada, jogar conversa fora...

Para descansar, eu não troco passar uns dias na Colônia por nenhum pacote de viagem desses pomposos de trocentos mil reais.

Fui feliz! Pena que acabou!

William

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Em homenagem à Praia Grande dos paulistas, segue o poema de Alberto Caieiro.


"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele."

Alberto Caeiro

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Artigo - O mundo banal das aparências


O que é flor, o que é nuvem? Tudo é natureza!


"Para se ser valente, não carece de figurativos..." (jagunço Riobaldo Tatarana)


REFEIÇÃO CULTURAL - O MUNDO BANAL DAS APARÊNCIAS


"Pois não era que, num canto, estavam uns, permanecidos todos se ocupando num manejo caprichoso, e isto que eles executavam: que estavam desbastando os dentes deles mesmos, aperfeiçoando os dentes em pontas! Se me entende? Senhor ver, essa atarefação, o tratear, dava alojo e apresso, dava até aflição em aflito, abobante. Os que lavravam desse jeito: o Jesualdo - mocinho novo, com sua simpatia -, o Araruta e o Nestor; os que ensinavam a eles eram o Simião e o Acauã. Assim um uso correntio, apontar os dentes de diante, a poder de gume de ferramenta, por amor de remedar o aguçoso de dentes de peixe feroz do rio de São Francisco - piranha redoleira, a cabeça-de-burro. Nem o senhor não pense que para esse gasto tinham instrumentos próprios, alguma liminha, ou ferro lixador. Não: aí era à faca. O Jesualdo mesmo se fazia, fazia aquilo sentado num calcanhar. Aviava de encalcar o corte da faca nas beiras do dente, rela releixo, e batia no cabo da faca, com uma pedra, medidas pancadas. Sem espelho, sem ver; ao tanto, que era uma faca de cabo de niquelado. Ah, no abre-boca, comum que babando, às vezes sangue babava. Ao mais gemesse, repuxando a cara, pelo que verdadeiro muito doía. Aguentava. Assim esquentasse demais; para refrescar, então ele bochechava a breve, com um caneco de água com pinga. Os outros dois, também. O Araruta procedia sozinho, igual, batendo na faca com a prancha de outra. O Nestor, não: para ele, o Simião, com um martelinho para os golpes, era quem raspava; mas decerto o Nestor ao outro para isso algum tanto pagasse. Abrenunciei. - "Arrenego!" - eu disse. - "Deveras? Então, mano-velho, pois tu não quer?" - o Simião, em gracejo, me perguntou. Me fez careta; e - acredite o senhor: ele, que exercia lâmina nos do outro, ele não possuía, próprio, dente mais nenhum nas gengivas - conforme aquela vermelha boca banguela toda abriu e me mostrou. Repontei: - "Eu acho que, para se ser valente, não carece de figurativos..."

(Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa)


PRÁTICA DO ESPORTE COMO APARÊNCIA E NÃO-SAÚDE

Dias atrás, estava indo ao parque correr um pouco. Era fim de tarde. Próximo a mim, iam dois jovens conversando na mesma calçada em sentido à estação de trem da CPTM. Como falavam alto, foi possível ouvir a conversa sobre musculação e uso de drogas para ficar forte. Eu os ouvi citando a Deca e hormônio do crescimento. Um dizia ao outro que o efeito para ficar forte e marombado era de poucas semanas...

Eu fiz faculdade de Educação Física por dois anos e infelizmente não pude concluir a curso. Não me lembro mais profundamente sobre o tema de treinamento e saúde, mas os princípios basilares a gente nunca esquece.

Pesquisando rapidamente sobre a Deca para relembrar os velhos tempos, foi possível recordar que nenhuma droga é viável. Nenhuma! 

Me lembro nas academias que frequentei de ver os caras se picando e injetando Deca e outras coisas. Não sei quantos deles têm saúde hoje ou se estão vivos e "marombados" ainda.

Veja só um trecho de um site que fala sobre o uso dessas drogas e anabolizantes e os efeitos colaterais possíveis:

"A moral da história? Sempre use testosterona com a Deca. É sugerida 200mg/sem, no mínimo, para evitar a impotência e disfunção sexual. Para um efeito anabólico da testosterona é recomendada doses no mínimo duas vezes maiores que essa. É recomendado também o uso de anti-progestogênicos em conjunto com a Deca (Cabergolina ou Bromocriptina[Parlodel/Bagren])."

Fonte: http://paulitosnews.wordpress.com/2008/03/04/deca-durabolin/


E aí, será que esses dois jovens que querem ficar fortes rapidamente sabem que podem ficar impotentes, brochas? Vai adiantar ficar marombado para conquistar homens e mulheres? Nem preciso dizer do risco de câncer no fígado e outras complicações. Aliás, até esses suplementos alimentares de proteína podem ocasionar dores terríveis nas juntas, além de problemas futuros pelo excesso de proteína no corpo.


ESPORTE COMO SAÚDE E... BOA APARÊNCIA

Se a gente se esforçar por se alimentar melhor e praticar algum tipo de esporte com certa regularidade e dormir um sono que permita ao corpo se restabelecer da carga vivida naquele dia, a tendência é ter mais saúde e consequentemente uma boa aparência.

No meu conceito, boa aparência é vitalidade e disposição. É brilho nos olhos e na pele. É aquele sorriso gostoso com as marcas de expressão que o tempo nos dá. É disposição e vitalidade para as coisas da vida.

Envelhecer com saúde é uma coisa de ótima aparência. Não é preciso drogas; não é preciso lipoaspiração; não é preciso cortar pedaços do estômago (se não for por obesidade mórbida e recomendação médica). É preciso de um pouca mais de amor-próprio e menos preocupação com a ditadura da moda e o olhar alheio.

Quando li o trecho de Grande Sertão: Veredas que citei acima fiquei encantado com a posição do jagunço Riobaldo em não lhe agradar aquele esforço absurdo de seus camaradas em ficarem feios, com cara de piranhas de rio. Após a negativa dele, um ainda disse "São gostos..."

Será que são gostos mesmo? Então tá!


ENTRAR EM FORMA "SEM FIGURATIVOS" NÃO É FÁCIL!

Para finalizar a postagem sobre as aparências, os "figurativos" como diz Riobaldo e sobre saúde, digo uma verdade: não é fácil recuperar a forma física depois dos quarenta anos quando você descuida da saúde e passa um bom tempo sem praticar esporte com regularidade.

Quanto mais me envolvo no trabalho e deixo ele me consumir a vida toda, sem nenhum horário para cuidar da saúde e praticar esporte como corrida e caminhada, mais fica difícil recuperar a condição cardiorrespiratória e muscular.

O problema principal é muscular porque após os 35 anos começamos a perder massa muscular e a prática de atividade física ajuda a retardar o processo. Se você permite a perda de massa muscular, é muito mais difícil recuperar. Por isso que os quarentões, cinquentões etc além dos jovens que não precisariam não resistem à tentação de tomar hormônios, anabolizantes, concentrados de proteínas etc.

Após conseguir a façanha (pra mim) de completar os 15 Km da São Silvestre no fim do ano, estou tentando no mês de férias correr com regularidade para melhorar a condição muscular, pois a cardiorrespiratória está ok.

O gostoso da corrida é que ela é de satisfação pessoal. O corredor corre para melhorar o tempo dele, a condição dele. O corredor amador não disputa nada com ninguém... É MUITO LEGAL.

Entrei o mês de janeiro correndo o quilômetro na casa dos 7 minutos. Quando você faz uma corrida com o objetivo de treinar força e velocidade e consegue fazer um tiro de 2 Km em 10 minutos É MUITO LEGAL!

Depois corri 4 Km em 24 minutos. Depois corri 5 Km em 32 minutos e hoje corri uma corridinha leve de uns 43 minutos na praia.

Vamos assim, passo a passo. Meu desejo neste ano é conseguir ultrapassar minha distância de provas de 15 Km e correr uma meia-maratona de 22 Km. Antes de morrer, quero correr e completar uma maratona.

Correr boas distâncias e terminar bem é muito prazeroso! Não tem nada a ver com aparência, tem a ver com energia!

É isso!

William

domingo, 13 de janeiro de 2013

O Grande Mentecapto - Fernando Sabino (1979)


Capa de uma edição do 
livro de Fernando Sabino.


CLÁSSICOS DE LITERATURA BRASILEIRA

Introdução

Gastei trinta anos para ler este livro desde o momento em que ele me foi apresentado. É verdade!

Eu tinha entre doze e treze anos quando o Rener, irmão do Fernando, chorando de rir, tentava ler em voz alta para mim o episódio do cuspe no sapato. O moleque tentava ler e começava a rir sem parar. Nós estávamos no quintal da casa dele, que ficava na rua ao lado de onde eu morava, um barracão de placas de muro no terreno da minha avozinha Cornélia, falecida em 2012.

Eu nunca me esqueci daquela cena sobre O Grande Mentecapto.

Algumas pessoas dizem que não somos nós que escolhemos os livros, e sim o contrário, os livros que nos escolhem. Não sei dessas coisas, não.

Mas fato é fato. Eu estava saindo para descer para a Praia Grande - SP, onde estamos passando alguns dias, e já havia decidido quais livros levaria: Grande Sertão: Veredas (que estou relendo) e Os cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Moriconi. Já com a porta aberta e colocando as mochilas no hall, voltei para a estante, olhei para ela e o livro de Fernando Sabino quase pulou na minha mão. Peguei ele e saí.

Li o livro com voracidade em “três sentadas” aqui na colônia de férias do Sinpro - SP, onde me encontro.

Acho que não chorava tanto de rir desde quando li, faz uns quatro anos, os livros Dom Quixote de La Mancha e outro de Fernando Sabino, O menino no espelho.

AVENTURAS E DESVENTURAS DOS MENTECAPTOS DO MUNDO

Talvez o gostoso desta obra seja o jeito mineiro de Fernando Sabino contar os causos que nos faz rir à larga.

Fui buscar no blog os comentários que eu havia feito quando li, também por acaso, o outro livro dele – O menino no espelho. Eu havia comprado o livro para meu filho, a pedido da escola dele. Acabei pegando a obra e lendo antes do garoto.

No meu comentário sobre a outra obra dele está a observação que o livro me havia feito chorar de rir. Isto é muito raro em se tratando da pessoa que sou. Ou seja, esse autor tem o dom de me fazer rir.

O livro conta a vida do personagem Geraldo Viramundo. O estilo é semelhante aos livros que narram vidas de personagens “especiais” enquanto representações da espécie humana como, por exemplo, Lazarillo de Tormes, Dom Quixote, Macunaíma, o sargento de milícias, dentre outros. Ah, eu não poderia deixar de incluir aqui o personagem Forrest Gump.

EPISÓDIOS DE UMA VIDA VIRAMUNDO

Eu não vou colocar aqui as passagens que me fizeram chorar de rir, porque elas têm um contexto com toda a história de Viramundo. Aos amantes da literatura, recomendo pegar o livro e ler em um fim de semana.

Além dos episódios hilariantes, nós também alternamos momentos em que ficamos muito sensibilizados com os martírios sofridos por Geraldo Viramundo.

Das cenas engraçadas, eu posso dizer que são inesquecíveis:

- A do cuspe no sapato;

- A interpretação de Viramundo na encenação da Inconfidência Mineira (essa eu passei mal);

- A do debate público entre Viramundo e o professor Praxedes Borba Gato na disputa pela prefeitura de Barbacena;

- A cena da merda no ventilador na festa de recepção ao senhor Governador.

Podemos dizer que em cada um dos oito capítulos, há uma alternância de aventuras e desventuras do grande mentecapto Viramundo.

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NA LITERATURA ESTÁ O MELHOR DO MUNDO

Tenho escolhido os períodos de final de ano e férias para saciar o desejo de degustar grandes clássicos da literatura mundial.

Foi assim nos últimos anos que consegui ler A montanha mágica de Mann, Dom Quixote de La Mancha, Ulisses de Joyce, e clássicos às vezes não tão volumosos quanto esses, mas que sempre estiveram guardados na estante à espera deste leitor.

Hoje, me realizei lendo O Grande Mentecapto. Foi muito prazeroso. Até ri...

Faltam tantos livros em minha estante à espera para serem lidos. Tantos! E o tempo é tão escasso!

Eu deveria ter escolhido uma vida onde pudesse me sustentar e pagar as contas da existência fazendo o que mais tenho desejo: lendo e estudando.

Minha vida proletária não caminhou assim. E a culpa não é de ninguém.

Lembrando a minha vida, posso afirmar que na literatura está uma das melhores coisas do mundo. Nela está o entendimento e a busca de compreensão do mundo.

Aos que puderem e tiverem oportunidade, leiam os clássicos da literatura mundial. Neles estão os segredos, as descrições, as elucubrações, os sonhos e pesadelos mais reais e irreais da longa caminhada do ser humano por este planeta tão antigo e tão novo em se tratando da existência de nossa espécie.

É isso! Mais um clássico desvendado! (fui feliz)

William

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

John J. Rambo, o personagem


Personagem John J. Rambo.
Imagem do primeiro filme 1982.


John J. Rambo, O Personagem


REFEIÇÃO CULTURAL – SOMOS O QUE SOMOS

10/01/13


INTRODUÇÃO

CONTRA ESTEREÓTIPOS

Começo este texto explicitando que eu detesto estereótipos e desde que adquiri um pouco mais de conhecimento com a idade adulta, passei a me vigiar para não me pegar utilizando de estereótipos para desqualificar pessoas e/ou coisas e reduzir e/ou eliminar um bom debate com uma saída clássica de utilizar uma imagem ou conceito estereotipado. Via de regra, isso é feito com frequência por pessoas que se consideram melhores que as outras.

Feito esse alerta, comento com tranquilidade o personagem Rambo. Como estou em férias, estou assistindo e lendo tudo quanto é coisa. Muitas dessas coisas vêm ao sabor do dia. Ou porque fucei na estante, ou porque reli meu blog ou porque deu vontade de ver, ler, ouvir algo ao olhar para o horizonte a partir da janela de meu apartamento.

A vista de meu horizonte, a partir 
da sacada de meu apartamento.

Certos livros, personagens e coisas dos anos setenta e oitenta poderiam ser consideradas vulgares e fúteis hoje pela geração anos noventa e dois mil. Só tem um problema: nada mudou em relação aos enlatados do mundo do entretenimento nessas décadas todas.

Os “Conan”, “Rocky”, “Rambo”, “Braddock” de ontem são os “Van Diesel”, “Jason Stathan”, os “Marvel” de hoje, que sozinhos salvam o mundo; os livros do Stephen King, do Morris West e outros do tipo “Best Sellers” são os livros de vampiros de hoje que vendem milhões para os atuais “jovens” até 35 anos; aliás, os vampiros só fizeram piorar, pois eles não morrem com luz, dão beijo na boca e se apaixonam; quem pode falar mal dos romances “Sabrina” que as meninas liam nos oitenta? Qual a diferença daqueles para todos os “tons” que vendem agora?

Vamos fazer uns comentários sobre o personagem John Rambo e os quatro filmes da série. Os três primeiros filmes relembram a minha adolescência e os tempos duros da gente de quarenta e cinquenta anos que precisava trabalhar desde os dez ou onze anos para comer e ter alguma coisa em casa.

Hoje as crianças brasileiras perdem os amigos vizinhos porque a família comprou o segundo apartamento ou casa ou então comprou uma residência maior e melhor. (Que bom!)

Nos anos oitenta e noventa a gente mudava todo ano porque o aluguel ficava impossível de pagar com o salário baixo e vivíamos pra lá e pra cá. Era uma merda e uma miséria só. Foi nesse Brasil que eu e milhões de quarentões da classe trabalhadora crescemos.

Creio que personagens ficcionais duram décadas porque de alguma forma espelham ou realidades de pessoas e/ou sociedades, ou porque espelham imaginários populares ou também de sociedades.

Cartaz do primeiro filme, 1982.


RAMBO, PROGRAMADO PARA MATAR – 1982 (First Blood)

Este é o melhor dos filmes da série, na minha opinião. A história tem verossimilhança no que diz respeito ao tratamento que foi e é dado aos ex-combatentes norte-americanos.

Os Estados Unidos insistiram em uma guerra no Vietnã entre os anos sessenta e setenta que só fez vitimar os povos de lá e os soldados americanos. Foi uma carnificina geral.

Neste primeiro filme, não tem como não simpatizar e torcer para que Rambo detone os policiais que o torturaram na cadeia. Infelizmente, essa é a coisa mais comum em qualquer departamento de polícia do mundo: espancarem cidadãos inocentes ou bandidos.

A fala final de Rambo é comovente. Na guerra, os soldados lidam com armamentos e veículos de milhões de dólares e quando voltam a ser civis não lhes dão emprego nem de guardadores de carros. Sem contar ele descrevendo a cena do aeroporto na volta do Vietnã, com as pessoas xingando os soldados de assassinos.

É um filme que aborda a questão dos traumas da guerra e das consequências dela para os ex-soldados e para o país que não sabe o que fazer com cidadãos que foram transformados em pessoas treinadas para matar outras pessoas.

Cartaz do 2º filme, 1985.


RAMBO II, A MISSÃO - 1985 (Rambo: First Blood part II)

Nesta sequência da série, o ex-boina verde Rambo parte em uma missão ao Vietnã, para procurar prisioneiros de guerra americanos ainda em poder dos vietnamitas.

A ação da estória também se passa em 1985 e o filme conta com toda aquela construção ideológica americana de que os inimigos são do mal e fazem barbaridades e eles americanos são os melhores sujeitos do Planeta.

Eu era um trabalhador braçal adolescente quando o filme foi feito e lançado. Revendo-o nos dias atuais, fico imaginando o que Mikhail Gorbachev e os soviéticos acharam da sacanagem de um filme de guerra norte-americano colocar os russos ao lado dos vietnamitas em plena era da Glasnost e Perestroika, torturando soldado americano com choque elétrico, facas incandescentes etc. Deve ter sido uma ofensa à inteligência da pequena parcela melhor informada de telespectadores e cinéfilos.


O TRAUMA DOS PRISIONEIROS DE GUERRA AMERICANOS

Eu não sabia disso. Pesquisando um pouco na Wikipedia sobre a história do conflito e a questão dos prisioneiros de guerra norte-americanos (Vietnam War POWS/MIA issue, ou seja, prisioners of war e missing in action), foi possível entender o rebuliço que o filme Rambo II causou nos Estados Unidos.

O povo americano tem ainda hoje um verdadeiro trauma e toda uma cultura alimentada pelas famílias de mais de mil soldados que foram considerados mortos ou desaparecidos na guerra sem os corpos retornarem. Houve até comissões investigando o caso. Uma grande parte dos desaparecidos seria da brigada de paraquedistas e não se sabe se morreram em combate ou aos montes ao saltarem dos aviões.

(Interessante, porque até isso acontece com Rambo quando tenta saltar a baixa altitude do avião no filme...)

Só nos anos noventa é que Estados Unidos e Vietnã finalizaram os acordos sobre a questão dos prisioneiros.

Julia Nickson no filme Rambo II, 1985.


MELHORES MOMENTOS: Finalizando o comentário sobre o filme, uma das melhores partes é durante a presença da bela Julia Nickson que interpreta a agente vietnamita Co Bao.

Também é o maior barato quando o soldado sacaneado Rambo (sob tortura) fala pelo rádio com o marechal Murdock (que o deixou lá) com toda a raiva do mundo dizendo: “Murdock, Murdock, estou indo pegá-lo!”.


Cartaz do 3º filme, 1988.


RAMBO III – 1988 (Rambo III)

Se já era um absurdo colocar os soviéticos como maníacos sanguinários em 1985 no segundo filme da série, imaginem neste em 1988.

Pesquisando um pouco sobre a invasão soviética no Afeganistão, entre 1979 e 1989, foi possível ver que realmente as maldades e massacres de civis ocorreram, como usam ocorrer em qualquer porcaria de guerra.

Como os soviéticos tinham muita dificuldade para enfrentar em solo e nas cavernas do deserto os afegãos guerrilheiros mujahedin, a maneira de obter vantagem momentânea durante a década de guerra era bombardear as cidades e os acampamentos afegãos.


OBSERVAÇÃO: Fui adolescente durante a década de oitenta, período final da chamada guerra fria entre o lado capitalista do mundo e o lado comunista. Tenho vagas lembranças do período.

Comparando o filme do Rambo III nos anos oitenta em missão “humanitária” no Oriente e um filme atual como “Mercenários” (2010), ainda prefiro o dos anos oitenta.

É isso.

DETALHE: Assisti aos três filmes do Rambo em videocassete com fitas VHS gravadas há mais de dez anos. É mole como sou antiquado? Como costumo dizer, as fitas serviram para aquilo que são. Vi os filmes normalmente.


Cartaz do 4º filme, 2008.


RAMBO IV – 2008 (John Rambo)

Quando assisti a esse filme no ano do lançamento, foi mais porque havia visto antes o bom fechamento que Stallone deu à série Rocky, em 2006.

Uma coisa no filme Rambo IV me chamou a atenção: o quanto aumentou o poder letal das armas de guerra manuseadas pelos exércitos, paraexércitos, mercenários e bandidos em geral.

Diferente do esforço do Rambo III, que buscou dar verossimilhança ao enredo sobre a invasão soviética no Afeganistão, não encontrei nada sobre massacres parecidos ao que o filme retrata naquele país, atual República da União de Myanmar. Não estou dizendo com isso que não possa ter ocorrido. Eu não encontrei informação a respeito. Deve ser só ficção do enredo mesmo.

Era uma ditadura de fato que governava Myanmar na época em que o filme foi rodado, mas aparentemente com o mesmo grau repulsivo de violência que toda ditadura tem. Aliás, violência muito semelhante à praticada pelos americanos nos países onde eles invadem.


REFLEXÕES FINAIS

COMO PROTEGER E SALVAR AS VIDAS HUMANAS? COM PRECE? NA BALA? NA DIPLOMACIA?

Chamou minha atenção no quarto filme (2008) o debate entre Rambo e os missionários quando eles foram contratá-lo para levá-los pelo Rio Salween até as aldeias que estavam sofrendo massacres. Rambo pergunta com que armamento os transmissores da palavra de deus estão indo para a região que sofre genocídio e execuções em massa. Eles dizem que são contra armas e contra violência.

Fala sério! Tá na cara que quem pratica atrocidades está pouco se lixando para palavra de deuses ou pacifistas. Ontem e hoje, matar pessoas e tirar a vida humana se tornou algo tão banal que não sabemos onde vamos parar. Os valores das sociedades capitalistas e do dinheiro e das coisas materiais chegou num ponto que será preciso uma grande inversão de valores para a vida em sociedade continuar no planeta. Aliás, o pouco valor da vida foi o mesmo nas ditaduras de Stalin e outras por aí. (o lugar-comum é só falar das ditaduras de direita e fascistas como as de Hitler e Mussolini)

O pior de tudo é que não estou vendo nos jovens com suas caras enfiadas nas redes e nos jogos, com seus fones de ouvido, uma chama de mudança voltando a dar valor à vida humana. Parece que a vida humana é igual às vidas nos videogames.


A foice e o martelo. Símbolo de 
revoluções proletárias no mundo.


OS TRABALHADORES TERIAM ARMAMENTO PARA A REVOLUÇÃO?

Nos anos oitenta, eu era adolescente e o mundo era completamente diferente do que é hoje nos anos dois mil do século XXI. Hoje sou sindicalista, eleito pelos trabalhadores e tenho muito mais consciência política do que nos anos oitenta.

Lembro-me de um debate que travei com um companheiro do PSTU em uma assembleia dos bancários em 2008 ou 2009. Falávamos sobre as possibilidades reais de revoluções socialistas como foram aquelas na Rússia, na China e em Cuba nas décadas primeiras do século XX.

Na minha tese, que fica mais evidente à medida que vejo o quanto avança o poder de morte e destruição das armas em poder dos capitalistas, seria muito difícil a tomada de poder da classe trabalhadora através de revolução armada.

Cada dia que passa, fica mais desproporcional o poder de fogo e destruição de quem é financiado pelo capital e de quem quer se insurgir contra os exércitos do capital. Hoje, os Estados Unidos vivem em função dessas empresas de guerra.

A hora que eles virarem suas miras contra nós latino-americanos, por exemplo, fodeu! 

Não há exército nenhum aqui para proteger nossas águas, terras, petróleo, nações e povos contra invasões dos americanos imperialistas.

De que valem organizações como ONU, OEA, OTAM, OIT etc? Nada!


O MUNDO E OS GRUPOS PRECISAM DE PESSOAS COM ALGO A MAIS

Na verdade, apesar da história das sociedades e das mudanças sociais passarem por grandes eventos a envolverem as massas e grandes contingentes humanos, as decisões e os rumos dos acontecimentos partiram e partem de pessoas ou pequenos grupos.

É aí que fazem diferença aqueles que têm um algo a mais, seja para a direita, seja para a esquerda, seja a favor do status quo, seja contrário a ele.

Olhemos para trás e olhemos ao nosso redor. Quando um lado da batalha entre campos ideológicos antagônicos está melhor, faltam lideranças e pessoas com algo a mais do outro lado. E quando a coisa se inverte, idem.

Segue sendo uma missão de qualquer grupo, identificar e preparar pessoas para serem grandes líderes e terem algo a mais que possa fazer a diferença nos momentos mais decisivos da vida e da história. É preciso dar base sólida a grandes homens e mulheres. É preciso que se tenham princípios sólidos que não caiam com a dor e o risco de morte.

Nós da esquerda estamos fazendo isso para mudar e salvar o mundo da destruição total em andamento através do capitalismo voraz e do fetiche da matéria e consumismo?

Creio que não. Faltam muitos líderes como... (eu ia citar alguns líderes, mas deixo por conta de cada um elencar os seus).

É isso. Já refleti bastante pra mim mesmo em meu blog após assistir aos quatro filmes sobre o personagem John J. Rambo.

Valeu a diversão e as pesquisas que fiz...

William Mendes