sábado, 19 de janeiro de 2013

As aventuras de Pi – 2012 (Life of Pi)


Pôster do filme.


Refeição Cultural

Qual história você prefere?


(Aviso: o texto todo revela partes do filme)

Sinopse (Wikipedia)

Uma família de um dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia, decide se mudar para o Canadá, viajando a bordo de um imenso cargueiro. Quando o navio naufraga, Pi consegue sobreviver em um barco salva-vidas. Perdido em meio ao oceano Pacífico, ele precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker. (filme dirigido por Ang Lee, baseado em livro de Yann Martel)


Introdução

A vida de Pi (acho mais apropriado o nome português que o brasileiro) é um filme com belas imagens, belíssimas para ser sincero.

Eu achei o filme cansativo. Acredito que possa ser uma sensação psicológica relacionada ao enredo, haja vista que o telespectador acaba se envolvendo com a história e, francamente, passar quase um ano perdido no meio do oceano cansaria qualquer um.

Feita a observação sobre a beleza e o cansaço, vamos ao meu comentário e à minha resposta sobre qual história eu prefiro como pergunta Pi ao entrevistador ao final do filme.


Busca por respostas no sagrado

Assim como Pi, passei boa parte da minha vida buscando respostas nas religiões e na fé para o sentido da vida humana e das coisas em si.

Minha curiosidade filosófica me fez crescer católico por influência dos pais, depois ir buscar respostas no espiritismo, na umbanda, na gnose e nos livros em geral – na leitura. O garoto Pi conciliou em sua busca o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. O mundo poderia ter centenas de deuses, poderia ter tido o próprio filho de um único Deus, que poderia inclusive ser chamado de vários nomes como, por exemplo, Alá.

Quando cheguei perto dos trinta anos, eu havia me tornado um ateu e não vi mais sentido algum em respostas esotéricas e metafísicas. Passei a viver em um mundo com visão completamente materialista e baseada nesta única e exclusiva existência minha e de todas as coisas no universo. Claro que eu e tudo permanecemos aqui, vamos e voltamos na forma de átomos.

O entrevistador de Pi lhe diz que o procurou para ouvir sua história e para que Pi o fizesse acreditar em Deus.


As duas histórias a escolher

1- O navio naufraga, sobram em um bote o garoto, o cozinheiro que destratou a família dele por eles serem vegetarianos, a mãe do garoto e o marinheiro asiático bonzinho que comia arroz com molho.

O cozinheiro mata primeiro o marinheiro com a perna ferida, usa ele como isca de peixe e pratica canibalismo. De forma horrenda, mata a mãe do garoto.

O garoto, de forma heroica e com uma fúria animal, consegue matar o cozinheiro. Daí adiante, ele fica por sua conta em alto mar por muitos meses.


2- O navio naufraga, sobram em um bote o garoto, um tigre de bengala, uma hiena, um orangotango e uma zebra.

A hiena mata primeiro a zebra com a perna ferida; depois mata o orangotango com uma mordida fatal no pescoço. O garoto que ia pendurado mais pra fora que pra dentro do bote seria a próxima refeição da hiena. Aparece então o tigre de bengala, escondido no bote e mata a hiena.

A partir daí, garoto e tigre (de nome Richard Parker) passam meses perdidos no mar, duelam entre si na disputa pela sobrevivência, um tentando estabelecer o seu território em relação ao outro. Nos momentos de quase morte, homem e fera se compadecem juntos. O homem passa a alimentar a fera, por entender que dependia dela para sobreviver...


A história que escolhi

Ao final, Pi pergunta ao entrevistador qual história ele escolheria. O filme inteiro mostra a história do tigre de bengala. A outra versão, mais humana e mais sanguinária, foi contada rapidamente após a primeira. O entrevistador escolheu a história do tigre de bengala e Pi lhe mostra que com Deus é a mesma coisa.

Na minha leitura, Pi utiliza a questão da fé e das religiões de forma brilhante para conformar a sua história trágica.

A religião e a fé são criações do homem para dar uma conformação à natureza trágica da vida no mundo. O homem é o único animal que pensa e que sabe sobre a morte, sobre a solidão e sobre a sua fraqueza e insignificância perante o universo e a própria vida no planeta Terra com quase cinco bilhões de anos.

Para sobreviver e estar ali, Pi precisou domar a sua natureza humana animal, matar, comer animais mortos, e fazer tudo que qualquer animal faz instintivamente para sobreviver.

O filme dá várias dicas sobre isso. Vou ficar somente com as metáforas do tigre.

O tigre não é amigo do homem. Ao olhar para o tigre, o garoto só veria um reflexo de si mesmo. Mas não olhe muito e se arrisque tanto porque você pode ver o tigre que existe em você.

O cozinheiro despertou o tigre que existia no garoto. Ele libertou a fera. Na verdade, já na água garoto e tigre são um só. Após matar o cozinheiro, outros desafios viriam. Aquele garoto jamais sobreviveria se não permitisse a sua natureza de tigre. Matar e comer carne era preciso. A cena do peixe morto a pancadas e o choro do garoto é um grande momento. Era preciso alimentar o seu tigre para sobreviver. Depois foi preciso domar seu tigre para acompanhá-lo na empreitada pela vida.

Ao final, a cena mais comovente do filme: em terra, quase morto de fome, o tigre vai embora sem olhar para trás. Justo agora que o garoto poderia se “despedir” de seu tigre e recuperar parte de sua natureza anterior...

Mas não existe despedida ou aceno final para a fera que existe dentro de nós. Somos animais. Por isso, o tigre de bengala não olha para trás. O tigre está lá ainda, dentro de Pi.

Deus, segue sendo a melhor conformação do mundo e explicação para as coisas da existência trágica, como também da perfeição das coisas da existência do universo.


Comentário final

O filme me valeu ao menos para essas várias horas de reflexão sobre fé, religião, coisas da vida material, escolhas, idas e vindas, das feras que habitam em nós. 

Como diz o ditado: todo burrinho pedrês tem um corcel, um cavalo selvagem dentro de si.

É isso!

William

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Post Scriptum (26/5/16, quinta-feira de feriado):

Revi o filme na virada da madrugada. Havia acabado de chegar de uma viagem a trabalho de três dias em Curitiba, Paraná.

Nosso país vive, faz alguns dias, um Golpe de Estado. Afastaram a presidenta Dilma Rousseff e assumiu um bando de corruptos e canalhas. Em menos de duas semanas, estão destruindo quase três décadas de conquistas sociais do povo brasileiro.

Ao ver o filme e reler minhas reflexões nesta postagem, fiquei pensando novamente em nossa fera interior, para nos dar o instinto de sobrevivência nos tempos e condições de calamidade.

A minha fera está comigo, nunca me abandonou.
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4 comentários:

Anônimo disse...

William gostei da sua interpretação e opinião sobre o filme que assistimos. Mas realmente um filme para se refletir muito e tentar decifrar sua mensagem. Muito bom!!!! Bjinhos/Noni.

Anônimo disse...

Lindo texto! Honesto e coerente as palavras descritas pelo autor. Realmente, PI nos deixa refletir por horas...dias...
Parabéns e valeu pelo ditado, que já diz tudo!
Lorena.

Anônimo disse...

Lindo texto! Honesto e coerente as palavras descritas pelo autor. Realmente, PI nos deixa refletir por horas...dias...
Parabéns e valeu pelo ditado que já diz tudo!
Lorena.

William Mendes disse...

Oi Lorena, tudo bem com você? Espero que sim.

Sabe, ao liberar seu comentário, fui reler novamente o texto e acabei chorando...

A metáfora da história nos faz pensar muito na vida e nas dificuldades da vida que temos que enfrentar e vencer todos os dias, às vezes, inclusive, libertando o tigre que há dentro de nós.

Abraços, William