Refeição Cultural - Novembro
Tamandaré (PE), 30 de novembro de 2023. Quinta-feira. Praia dos Carneiros.
"Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)
Post Scriptum: inseri esse pensamento de Paulo Freire depois da publicação do texto (em 01/12/23, às 8h53). É que o conceito se encaixou perfeitamente no sentido do que estou refletindo.
INTRODUÇÃO
Mais um mês do ano se encerra hoje. Sobrevivi mais um mês num mundo que caminha rapidamente para se tornar um lugar de difícil sobrevivência para milhões de espécies, para milhões de seres humanos. Provavelmente, sobrevivi por diversos privilégios que tenho em relação a milhões de pessoas expostas a mais riscos do que eu. Viver é muito perigoso, já dizia Riobaldo Tatarana.
A cor da minha pele infelizmente é fator de privilégio em um dos países mais racistas do mundo. Por minha pele ser branca, estou menos exposto ao risco de as forças repressivas do Estado abusarem de mim só por me verem andando pelas ruas como qualquer cidadão. Se minha pele fosse preta ou parda, maior seria o risco de ser humilhado por alguns brucutus fardados me dando uma geral, talvez batendo na minha cara, até me agredindo e inventando posse de coisas que não estavam comigo. Minha cor é um privilégio no Brasil.
Passei o mês sem ter um acidente comum aos humanos do mundo onde vivo. No Brasil e no mundo, grande parte da população está acumulando fatores de risco de morte ou adoecimento sério por causa dos hábitos alimentares e de vida e por dificuldades em se obter informação e acesso a uma boa alimentação e a uma boa condição de vida. Não tive nenhum acidente vascular cerebral, não tive um infarto do miocárdio, mas sigo acumulando riscos para ter um treco desses qualquer dia. Estou tentando diminuir o peso, a circunferência do abdômen e readquirir um pouco de massa muscular. Cara, nunca pensei no passado que seria tão difícil fazer isso após meio século de vida.
Minha família sentiu a tristeza da perda de nosso tio Léo, que lutou bravamente para sobreviver um bom tempo ao lado da família e amigos após o diagnóstico da doença degenerativa.
Quando penso na vida e na morte, reflito a respeito de minha própria vida e da consciência que tenho a respeito da fragilidade do viver, sendo eu um materialista como sou. Todos os dias busco um sentido para o esforço de viver. A resposta sempre brota de minha responsabilidade como uma pessoa estudada e menos ignorante que a média, apesar de saber que não sei nada. Viver é uma oportunidade de fazer algo pela coletividade humana, pela natureza, e até por si mesmo. Sigamos lutando pela vida e por um mundo mais justo para todes.
---
O BRASIL E O MUNDO EM COLAPSO CIVILIZACIONAL
Estamos fechando o penúltimo mês do ano de 2023, o ano no qual pensamos acordar do pesadelo da longa noite de terror iniciada naquele domingo 17 de abril de 2016. Aquele ano duraria muitos anos. Vivenciamos as consequências nefastas do golpe de 2016, ano após ano, com os desgovernos de Temer e Bolsonaro.
Aliás, esse animal que vociferou elogios ao torturador de Dilma Rousseff não saiu preso daquela sessão, virou líder popular da extrema-direita e presidente do país. Bolsonaro aglutinou milhões de pessoas que reúnem o que há de pior no ser humano. E mesmo sendo Lula o adversário desse monstro, ele obteve 49% dos votos dos brasileiros em outubro de 2022. Dizem que esse poder aglutinador arrefeceu... eu discordo dessa leitura.
REVOLUÇÃO BRASILEIRA - Aqueles regimes golpistas (2016-2022) realizaram uma revolução reacionária no Brasil. Tenho uma leitura que o meu campo político não se deu conta de que houve uma revolução no país. Talvez por isso a esquerda, o governo Lula e os movimentos sociais continuem fazendo as mesmas coisas e sonhando com resultados diferentes. Não entenderam que houve uma revolução e só uma nova revolução pode alterar os efeitos da revolução anterior.
O FUTURO SERÁ PIOR - Por causa das consequências da atual fase do capitalismo, que mudou as perspectivas de sobrevivência no mundo para humanos e demais espécies, quem consegue capturar melhor a frustração das massas miseráveis acaba se aproveitando disso. Quem prega a mudança, não importa para onde porque as pessoas estão cada vez mais ignorantes de mundo, quem prega palavras de ordem contra o "sistema" (mesmo sendo o sistema) ganha a adesão das massas. Bolsonaristas, aquele sujeito da Argentina, o bilionário Trump, outros bilionários, estão fazendo a festa nos processos eleitorais. Enquanto isso, a esquerda quer seguir buscando conciliar, ser limpinha e cheirosinha... Quer fazer "reformas" no capitalismo... quer entregar ao "mercado" (o sistema) o que é do povo miserável... Fala sério! Aonde vamos com isso? (pro buraco)
O governo Lula buscou nesses onze meses consertar ou refazer diversas políticas sociais em áreas nevrálgicas da vida do povo brasileiro não proprietário das riquezas do país, concentradas nas mãos de umas poucas famílias de brancos e gringos, gente que nem aqui vive, só explora e destrói nosso país.
Lula devolveu um mínimo de dignidade ao povo ao destinar verbas públicas para a educação, para as políticas sociais, para a saúde, para o enfrentamento à destruição dos biomas, e para construir uma política de geração de empregos e renda. O foco absoluto do 3º governo Lula é melhorar a vida do povo não proprietário de tudo, como são as castas da eterna casa-grande. O Brasil nunca deixou de ser uma terra de capitanias hereditárias, de privilégios para poucos e nada para quase 99% do povo.
Mesmo assim, as tais pesquisas de popularidade do governo apontam que a aprovação de Lula e de seu governo estão baixas, muito aquém do que imaginaríamos após a tragédia que vivemos com Temer e Bolsonaro.
As hostes raivosas, violentas e animalescas de bolsonaristas não estão para conciliação. Acabaram os tempos de conciliação. Aquelas poucas famílias bilionárias das capitanias hereditárias e das casas-grandes, chamadas hoje de "mercado" e "Faria Lima" e os latifundiários do "agro pop", estão associadas às hostes bolsonaristas. A política formal, a formal!, hoje é dominada por esse segmento que estando nos espaços da política não quer política, quer a guerra.
Não há chances de convivência pacífica com a extrema-direita e com os ricos. Não há! O presidente Lula não consegue mais ser o Lula num mundo de gentes bolsonaristas. Não há respeito mínimo como havia entre direita e esquerda, liberais e conservadores, e nomenclaturas do tipo pós 2ª Guerra Mundial. Isso acabou! Houve uma revolução no Brasil e a esquerda tem que entender isso.
"LULA LADRÃO" - Enquanto a esquerda discute cargos e espaços de poder na estrutura formal do Estado porque Lula venceu Bolsonaro pela diferença de 1%, a conversa aberta ou fechada no cotidiano das gentes é a mesma conversa disseminada por quem tem mais poder de disseminar ideias, não importa se verdadeiras ou falsas, é o que chamamos de pós-verdade, quem tem mais capacidade de comunicação cria a "realidade". Se já não bastassem as centrais de disparos de milhões de fake news via redes sociais, temos as mentiras sendo produzidas diariamente pela imprensa golpista como, por exemplo, a Globo na cobertura da guerra na Palestina e o Estadão sobre o governo Lula. E com isso, nas ideias populares, a percepção dos comuns é a imagem de que Lula é ladrão. É triste, mas é a realidade.
Pessoas como nós, o povão que trabalha e que dá duro para sobreviver, sejam aquelas pessoas em condições miseráveis, sejam aquelas pessoas situadas nas chamadas classes médias, que têm recursos para sobreviver, quando você menos espera, numa conversa informal, ou ouvindo numa mesa ao lado da sua, arrotam suas crenças e ideias sobre Lula e sobre nós que não somos do grupo apoiador da direita e do conservadorismo. O neurocientista Miguel Nicolelis chama de vírus informacional essas ideias que aglutinam milhares e milhões de cérebros humanos num mesmo sentido de percepção de mundo, uma brainet.
Ontem, na mesa do restaurante na pousada onde estamos, ficamos ouvindo três senhoras falando sobre Lula e Bolsonaro, é uma conversa tão distópica, tão sem pé nem cabeça que a gente nem quer acreditar. Lula é ladrão, o comunismo... ainda é melhor alguém que defende deus pátria e família que a miséria que Lula significa... É o que temos na realidade. E olha que elas disseram que só indo para as ruas para enfrentar esse fantasma do comunismo... as tias do zap é que vão para as ruas hoje!
Outro dia, papo vai papo vem com um conhecido de longa data - que vende churros -, ele me solta que o mundo é foda e o Brasil tá foda por causa da política... "não tiraram o Lula da cadeia pra voltar a merda de antes!"... Eu nem imaginava que ele pensava assim. E o rapaz que se hospedou em casa e que não aguentou nosso comentário na sala sobre uma matéria que falava de uma absolvição de Lula e correu da cozinha para dizer que era um absurdo isso, porque Lula era ladrão. Não adiantou argumentos civilizados, provas etc. Lula é ladrão porque é ladrão. Ele e sua família acredita nisso e pronto.
Enfim, se observo racionalmente os objetivos, estratégias e táticas do campo ao qual dediquei a minha vida, percebo que meus conhecidos estão se esforçando da forma deles em conseguir algum avanço para as classes populares, mas é claro e notório que o efeito de se fecharem em bolhas de concordância e subserviência de amigos e pessoas que só dizem amém e elogios à hierarquia pode não ser a forma ideal de mudar alguma coisa de fato e de forma duradoura para a classe a qual nós pertencemos e deveríamos politizar, as classes trabalhadoras.
Os cancelamentos no nosso campo, até entre amigos, além da questão do antigo companheirismo das lutas, é algo trágico, até ridículo. O ano vai terminando e eu não fui chamado sequer para dar um depoimento elogioso na comemoração dos 100 anos do Sindicato ao qual ajudei a fortalecer por mais de 30 anos... isso é algo tão pequeno... até comentar isso é ridículo. No entanto, isso dói porque a disputa pelo futuro da humanidade está muito séria e essas bobagens pautam o dia a dia das organizações principais da classe trabalhadora brasileira. Picuinha interna.
Vida que segue, como diz o Kotscho.
Post Scriptum: é imperativo registrar o genocídio do povo palestino pelo Estado de Israel. O mês de novembro foi um mês de massacre e expulsão do povo palestino da terra onde eles viviam: a Palestina. O governo sionista de Netanyahu é um regime racista e de extrema-direita. Ser antissionista não tem relação alguma com a confusão que os sionistas fazem tentando chamar de antissemitas quem é contra o grupo político no poder em Israel.
---
CULTURA E BUSCA POR CONHECIMENTO
Para finalizar esse breve registro sobre o mês que passou, anoto para rememorar no futuro alguns atos e fatos pessoais deste blogueiro, que lê, reflete e escreve sobre as coisas.
Em relação à saúde e condicionamento físico, e ao projeto de participar da Corrida de São Silvestre deste ano, percebi que dificilmente realizarei o objetivo traçado. Estou muito mal e não acredito que possa correr em trote 15 Km no último dia do ano. Triste isso, mas uma pessoa consciente precisa avaliar a realidade, gostando ou não dela.
Terminei neste mês a leitura de mais alguns livros. Com o livro do Carlindo Oliveira (ver aqui), completei 30 livros lidos até agora. Acho difícil ler mais 6 e chegar ao que projetei. Estou lendo alguns livros ainda. Um do colega do BB, Arnaldo Onça, e um de Paulo Freire. Esses devo acabar a leitura. O que importa é que cada leitura na atualidade tem sido percebida de forma muito mais consciente que antes.
EDIÇÃO DE LIVROS - Estou produzindo um livro para publicação em breve. É um livro de memórias das lutas sindicais. Outro que estou editando também é sobre o trabalho que realizamos na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi. É um livro que resgata o balanço do que realizamos na área da saúde. Por mais que sejam tempos difíceis no mundo humano e das relações sociais na política, os relatos nesses livros resgatam uma época, um fazer político e sindical, e as contribuições daquele sujeito histórico foram reais para a nossa coletividade enquanto classe. Vamos ver o que vai dar.
Acho que é isso. Paro o registro por aqui. Já escrevi bastante para falar dos fatos e sentimentos neste mês de novembro.
William Mendes
Post Scriptum - Para ler sobre a postagem anterior desta série, é só clicar aqui.