quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Diário e reflexões - Novembro



Refeição Cultural - Novembro

Tamandaré (PE), 30 de novembro de 2023. Quinta-feira. Praia dos Carneiros.


"Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire) 

Post Scriptum: inseri esse pensamento de Paulo Freire depois da publicação do texto (em 01/12/23, às 8h53). É que o conceito se encaixou perfeitamente no sentido do que estou refletindo.


INTRODUÇÃO

Mais um mês do ano se encerra hoje. Sobrevivi mais um mês num mundo que caminha rapidamente para se tornar um lugar de difícil sobrevivência para milhões de espécies, para milhões de seres humanos. Provavelmente, sobrevivi por diversos privilégios que tenho em relação a milhões de pessoas expostas a mais riscos do que eu. Viver é muito perigoso, já dizia Riobaldo Tatarana.

A cor da minha pele infelizmente é fator de privilégio em um dos países mais racistas do mundo. Por minha pele ser branca, estou menos exposto ao risco de as forças repressivas do Estado abusarem de mim só por me verem andando pelas ruas como qualquer cidadão. Se minha pele fosse preta ou parda, maior seria o risco de ser humilhado por alguns brucutus fardados me dando uma geral, talvez batendo na minha cara, até me agredindo e inventando posse de coisas que não estavam comigo. Minha cor é um privilégio no Brasil.

Passei o mês sem ter um acidente comum aos humanos do mundo onde vivo. No Brasil e no mundo, grande parte da população está acumulando fatores de risco de morte ou adoecimento sério por causa dos hábitos alimentares e de vida e por dificuldades em se obter informação e acesso a uma boa alimentação e a uma boa condição de vida. Não tive nenhum acidente vascular cerebral, não tive um infarto do miocárdio, mas sigo acumulando riscos para ter um treco desses qualquer dia. Estou tentando diminuir o peso, a circunferência do abdômen e readquirir um pouco de massa muscular. Cara, nunca pensei no passado que seria tão difícil fazer isso após meio século de vida.

Minha família sentiu a tristeza da perda de nosso tio Léo, que lutou bravamente para sobreviver um bom tempo ao lado da família e amigos após o diagnóstico da doença degenerativa. 

Quando penso na vida e na morte, reflito a respeito de minha própria vida e da consciência que tenho a respeito da fragilidade do viver, sendo eu um materialista como sou. Todos os dias busco um sentido para o esforço de viver. A resposta sempre brota de minha responsabilidade como uma pessoa estudada e menos ignorante que a média, apesar de saber que não sei nada. Viver é uma oportunidade de fazer algo pela coletividade humana, pela natureza, e até por si mesmo. Sigamos lutando pela vida e por um mundo mais justo para todes.

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O BRASIL E O MUNDO EM COLAPSO CIVILIZACIONAL

Estamos fechando o penúltimo mês do ano de 2023, o ano no qual pensamos acordar do pesadelo da longa noite de terror iniciada naquele domingo 17 de abril de 2016. Aquele ano duraria muitos anos. Vivenciamos as consequências nefastas do golpe de 2016, ano após ano, com os desgovernos de Temer e Bolsonaro. 

Aliás, esse animal que vociferou elogios ao torturador de Dilma Rousseff não saiu preso daquela sessão, virou líder popular da extrema-direita e presidente do país. Bolsonaro aglutinou milhões de pessoas que reúnem o que há de pior no ser humano. E mesmo sendo Lula o adversário desse monstro, ele obteve 49% dos votos dos brasileiros em outubro de 2022. Dizem que esse poder aglutinador arrefeceu... eu discordo dessa leitura.

REVOLUÇÃO BRASILEIRA - Aqueles regimes golpistas (2016-2022) realizaram uma revolução reacionária no Brasil. Tenho uma leitura que o meu campo político não se deu conta de que houve uma revolução no país. Talvez por isso a esquerda, o governo Lula e os movimentos sociais continuem fazendo as mesmas coisas e sonhando com resultados diferentes. Não entenderam que houve uma revolução e só uma nova revolução pode alterar os efeitos da revolução anterior.

O FUTURO SERÁ PIOR - Por causa das consequências da atual fase do capitalismo, que mudou as perspectivas de sobrevivência no mundo para humanos e demais espécies, quem consegue capturar melhor a frustração das massas miseráveis acaba se aproveitando disso. Quem prega a mudança, não importa para onde porque as pessoas estão cada vez mais ignorantes de mundo, quem prega palavras de ordem contra o "sistema" (mesmo sendo o sistema) ganha a adesão das massas. Bolsonaristas, aquele sujeito da Argentina, o bilionário Trump, outros bilionários, estão fazendo a festa nos processos eleitorais. Enquanto isso, a esquerda quer seguir buscando conciliar, ser limpinha e cheirosinha... Quer fazer "reformas" no capitalismo... quer entregar ao "mercado" (o sistema) o que é do povo miserável... Fala sério! Aonde vamos com isso? (pro buraco)

O governo Lula buscou nesses onze meses consertar ou refazer diversas políticas sociais em áreas nevrálgicas da vida do povo brasileiro não proprietário das riquezas do país, concentradas nas mãos de umas poucas famílias de brancos e gringos, gente que nem aqui vive, só explora e destrói nosso país.

Lula devolveu um mínimo de dignidade ao povo ao destinar verbas públicas para a educação, para as políticas sociais, para a saúde, para o enfrentamento à destruição dos biomas, e para construir uma política de geração de empregos e renda. O foco absoluto do 3º governo Lula é melhorar a vida do povo não proprietário de tudo, como são as castas da eterna casa-grande. O Brasil nunca deixou de ser uma terra de capitanias hereditárias, de privilégios para poucos e nada para quase 99% do povo.

Mesmo assim, as tais pesquisas de popularidade do governo apontam que a aprovação de Lula e de seu governo estão baixas, muito aquém do que imaginaríamos após a tragédia que vivemos com Temer e Bolsonaro. 

As hostes raivosas, violentas e animalescas de bolsonaristas não estão para conciliação. Acabaram os tempos de conciliação. Aquelas poucas famílias bilionárias das capitanias hereditárias e das casas-grandes, chamadas hoje de "mercado" e "Faria Lima" e os latifundiários do "agro pop", estão associadas às hostes bolsonaristas. A política formal, a formal!, hoje é dominada por esse segmento que estando nos espaços da política não quer política, quer a guerra. 

Não há chances de convivência pacífica com a extrema-direita e com os ricos. Não há! O presidente Lula não consegue mais ser o Lula num mundo de gentes bolsonaristas. Não há respeito mínimo como havia entre direita e esquerda, liberais e conservadores, e nomenclaturas do tipo pós 2ª Guerra Mundial. Isso acabou! Houve uma revolução no Brasil e a esquerda tem que entender isso.

"LULA LADRÃO" - Enquanto a esquerda discute cargos e espaços de poder na estrutura formal do Estado porque Lula venceu Bolsonaro pela diferença de 1%, a conversa aberta ou fechada no cotidiano das gentes é a mesma conversa disseminada por quem tem mais poder de disseminar ideias, não importa se verdadeiras ou falsas, é o que chamamos de pós-verdade, quem tem mais capacidade de comunicação cria a "realidade". Se já não bastassem as centrais de disparos de milhões de fake news via redes sociais, temos as mentiras sendo produzidas diariamente pela imprensa golpista como, por exemplo, a Globo na cobertura da guerra na Palestina e o Estadão sobre o governo Lula. E com isso, nas ideias populares, a percepção dos comuns é a imagem de que Lula é ladrão. É triste, mas é a realidade. 

Pessoas como nós, o povão que trabalha e que dá duro para sobreviver, sejam aquelas pessoas em condições miseráveis, sejam aquelas pessoas situadas nas chamadas classes médias, que têm recursos para sobreviver, quando você menos espera, numa conversa informal, ou ouvindo numa mesa ao lado da sua, arrotam suas crenças e ideias sobre Lula e sobre nós que não somos do grupo apoiador da direita e do conservadorismo. O neurocientista Miguel Nicolelis chama de vírus informacional essas ideias que aglutinam milhares e milhões de cérebros humanos num mesmo sentido de percepção de mundo, uma brainet.

Ontem, na mesa do restaurante na pousada onde estamos, ficamos ouvindo três senhoras falando sobre Lula e Bolsonaro, é uma conversa tão distópica, tão sem pé nem cabeça que a gente nem quer acreditar. Lula é ladrão, o comunismo... ainda é melhor alguém que defende deus pátria e família que a miséria que Lula significa... É o que temos na realidade. E olha que elas disseram que só indo para as ruas para enfrentar esse fantasma do comunismo... as tias do zap é que vão para as ruas hoje!

Outro dia, papo vai papo vem com um conhecido de longa data - que vende churros -, ele me solta que o mundo é foda e o Brasil tá foda por causa da política... "não tiraram o Lula da cadeia pra voltar a merda de antes!"... Eu nem imaginava que ele pensava assim. E o rapaz que se hospedou em casa e que não aguentou nosso comentário na sala sobre uma matéria que falava de uma absolvição de Lula e correu da cozinha para dizer que era um absurdo isso, porque Lula era ladrão. Não adiantou argumentos civilizados, provas etc. Lula é ladrão porque é ladrão. Ele e sua família acredita nisso e pronto.

Enfim, se observo racionalmente os objetivos, estratégias e táticas do campo ao qual dediquei a minha vida, percebo que meus conhecidos estão se esforçando da forma deles em conseguir algum avanço para as classes populares, mas é claro e notório que o efeito de se fecharem em bolhas de concordância e subserviência de amigos e pessoas que só dizem amém e elogios à hierarquia pode não ser a forma ideal de mudar alguma coisa de fato e de forma duradoura para a classe a qual nós pertencemos e deveríamos politizar, as classes trabalhadoras. 

Os cancelamentos no nosso campo, até entre amigos, além da questão do antigo companheirismo das lutas, é algo trágico, até ridículo. O ano vai terminando e eu não fui chamado sequer para dar um depoimento elogioso na comemoração dos 100 anos do Sindicato ao qual ajudei a fortalecer por mais de 30 anos... isso é algo tão pequeno... até comentar isso é ridículo. No entanto, isso dói porque a disputa pelo futuro da humanidade está muito séria e essas bobagens pautam o dia a dia das organizações principais da classe trabalhadora brasileira. Picuinha interna.

Vida que segue, como diz o Kotscho.

Post Scriptum: é imperativo registrar o genocídio do povo palestino pelo Estado de Israel. O mês de novembro foi um mês de massacre e expulsão do povo palestino da terra onde eles viviam: a Palestina. O governo sionista de Netanyahu é um regime racista e de extrema-direita. Ser antissionista não tem relação alguma com a confusão que os sionistas fazem tentando chamar de antissemitas quem é contra o grupo político no poder em Israel.

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CULTURA E BUSCA POR CONHECIMENTO

Para finalizar esse breve registro sobre o mês que passou, anoto para rememorar no futuro alguns atos e fatos pessoais deste blogueiro, que lê, reflete e escreve sobre as coisas.

Em relação à saúde e condicionamento físico, e ao projeto de participar da Corrida de São Silvestre deste ano, percebi que dificilmente realizarei o objetivo traçado. Estou muito mal e não acredito que possa correr em trote 15 Km no último dia do ano. Triste isso, mas uma pessoa consciente precisa avaliar a realidade, gostando ou não dela.

Terminei neste mês a leitura de mais alguns livros. Com o livro do Carlindo Oliveira (ver aqui), completei 30 livros lidos até agora. Acho difícil ler mais 6 e chegar ao que projetei. Estou lendo alguns livros ainda. Um do colega do BB, Arnaldo Onça, e um de Paulo Freire. Esses devo acabar a leitura. O que importa é que cada leitura na atualidade tem sido percebida de forma muito mais consciente que antes.

EDIÇÃO DE LIVROS - Estou produzindo um livro para publicação em breve. É um livro de memórias das lutas sindicais. Outro que estou editando também é sobre o trabalho que realizamos na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi. É um livro que resgata o balanço do que realizamos na área da saúde. Por mais que sejam tempos difíceis no mundo humano e das relações sociais na política, os relatos nesses livros resgatam uma época, um fazer político e sindical, e as contribuições daquele sujeito histórico foram reais para a nossa coletividade enquanto classe. Vamos ver o que vai dar.

Acho que é isso. Paro o registro por aqui. Já escrevi bastante para falar dos fatos e sentimentos neste mês de novembro.

William Mendes


Post Scriptum - Para ler sobre a postagem anterior desta série, é só clicar aqui.


domingo, 26 de novembro de 2023

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 26 de novembro de 2023. Madrugada de domingo.


Livros e leituras

Por onde começo esta reflexão sobre livros e leituras? Que imagem poderia escolher para abrir a postagem no blog? Enquanto pensava nas primeiras palavras, pensava nas respostas às questões. A capa do livro de Alberto Manguel foi a imagem que mais rapidamente representou as questões que estou em mente. Que livro surpreendente!

Ainda sobre a questão dos livros e leituras, pensei também nos Concertos de Brandenburg, de J. S. Bach... Explico: um dos concertos, o de número 2, fez parte das músicas escolhidas pela Nasa para tentar contatos com outras formas de vida no universo. Em 1977, a Voyager foi enviada ao espaço com diversos produtos criados pelos humanos, e Bach foi um dos escolhidos para compor a lista de músicas no disco de ouro que ficou tocando dentro da espaçonave.

Voltando aos livros e leituras. O livro de Alberto Manguel foi uma das leituras mais marcantes de minha história de leitor. Antes de lê-lo, eu nunca tinha parado para pensar que a leitura tinha uma história. Que os livros nas suas mais diversas formas desde que os humanos passaram a registrar a história através de signos linguísticos tinham uma história, história de sobrevivência. E tinham! Têm!

Ao longo de minha vida de representação da classe trabalhadora, passei a escrever de forma regular. Antes eu já escrevia, para ser sincero. À medida que lia, refletia, e escrevia. À medida que fazia política junto às pessoas que representava e à militância, refletia, e escrevia. Antes do nascimento da internet com acesso para todos, escrevia em diários e brochuras, cadernos, no computador. Com a facilidade de criar uma página na internet, passei a escrever em blogs.

Cheguei a pensar em escrever sobre a história da categoria bancária, pois uma das coisas que fiz melhor na minha vida foi ser sindicalista. Conforme assumia novas tarefas no movimento, ganhava novos conhecimentos e escrevia com facilidade sobre aquilo que sabia bem. Foi assim que passei a contribuir para a confecção de matérias em páginas de comunicação sindical, revistas e teses de congressos políticos. 

E escrevendo sobre as representações eletivas, escrevi mais que boa parte dos jornalistas em atuação em suas áreas - com dedicação exclusiva - quando exerci um mandato de diretor de saúde na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi. Não sei se muitos jornalistas escreveram mais de 600 textos em 4 anos. Faço a comparação porque eu não ficava só por conta de escrever, pelo contrário, eu lia dezenas de documentos para reuniões semanais, tinha agendas de viagem para estar junto às bases sociais e ainda escrevia sobre tudo isso.

Alberto Manguel ao contar a história da leitura, conta cada coisa que a gente não imaginaria se ele não organizasse de forma sistematizada para revelar aos leitores. Quando o mundo todo era praticamente analfabeto, e só alguns afortunados tinham o poder da leitura dos signos registrados em materiais diversos, a leitura era em voz alta, um lendo e todos ouvindo. Depois, ele nos conta a revolução causada pela alfabetização, quando a leitura passou a ser acessível a mais gente, as pessoas passaram a ler em silêncio, e isso causou um rebuliço danado. Uma pessoa com um livro na mão parecia algo subversivo, estranho... imaginem só! O que será que aquela moça estaria lendo? E aquele rapaz no canto? Sobre o que estaria lendo e rindo tanto aquela senhora?

Faz tempo que venho refletindo sobre as tecnologias da atualidade e também sobre o comportamento humano dos dias que correm. Uma das coisas que me incomodam muito é a questão dos livros virtuais, os livros que existem em aparelhos que só funcionam com bateria e energia elétrica, conta e senha, um provedor, uma conexão com a internet etc. Suponhamos que uma pessoa tenha um acervo de mil livros, mil livros que não estão numa estante, não são físicos. São livros virtuais num aparelho tipo Kindle. Os mil livros físicos na estante estão lá, se o dono morrer, terão uma destinação qualquer, serão espólio. Serão doados, com sorte, ou o herdeiro vai usufruir deles. E os mil do acervo virtual? Espólio de algum herdeiro? Como? A herdeira pode acessar os livros no Kindle, ela sabe a senha... e se o aparelho pifar? Tem a conta na nuvem... e a herdeira tem a maldita senha de acesso a nuvem? Gente, fala sério! Os livros virtuais não existem!

Fiquei pensando na história da leitura... fiquei pensando no Concerto de Brandenburg nº 2 para contato com extraterrestres... Imaginem como deve estar difícil para um palestino que vivia em Gaza tentar ler um acervo de livros virtuais... sei que se tivesse livros físicos eles já teriam sido destruídos ou teriam sido deixados para trás (lembram o que os EUA fizeram com a Biblioteca de Bagdá? Uma das mais antigas da história humana). 

Felizmente, a história da leitura sempre teve o caso de alguém que escolheu um ou dois pergaminhos para levar consigo na fuga, tabuinhas da lei, livros excomungados ou proibidos... O que sobrou da história de tragédias humanas foram só fragmentos de registros de signos linguísticos, alguma coisa de Aristóteles, dos romanos, de escrituras sagradas, de textos escondidos como os do Mar Morto... E essas coisas virtuais guardadas em computadores em algum canto que ninguém sabe onde? A produção virtual do conhecimento humano está se perdendo há duas décadas porque só existia na forma digital... é uma tragédia! Pensem no acervo de produção intelectual de duas décadas da antiga Carta Maior... já era! Vaporizado! O provedor não recebeu mais as mensalidades e deletou tudo!

Enfim, minha reflexão iria longe se eu não interrompesse por aqui esta postagem.

Estou pensando em editar alguns textos em forma de livros. Já registrei muita coisa como um sujeito histórico, só nos blogs são mais de 5 mil postagens, talvez a metade delas com conteúdo interessante. Sou um sujeito histórico como todos nós somos, os humanos são os sujeitos da história. Em outros tempos, seria uma boa notícia pelo lugar de fala que eu ocupava. 

Conversando com a editora que vai me ajudar, escolhi minha coletânea de memórias das lutas sindicais para começar. Estava olhando hoje por curiosidade a quantidade de acessos aos textos de memórias, aos 39 textos dessa temática. Por incrível que pareça, os textos já tiveram mais de 85 mil acessos! A média é de quase 2.200 acessos por texto. Não sei como se daria a questão no caso de um livro bem editado e impresso. Não sei. De novo, pensei na história da leitura que Manguel nos conta. Os leitores de meus textos no blog são os leitores silenciosos que podem parecer subversivos lendo algo proibido ou excomungado.

Será que ter em mãos um livro impresso com as minhas memórias funcionaria como os textos no blog, que um dia desaparecerão muito mais facilmente que um livro sobrevivente numa estante qualquer num lugar qualquer?

Vamos dormir. Um abraço fraterno às leitoras e leitores silenciosos de meus blogs. Saibam vocês que tudo que escrevo é fruto de muita reflexão, estudo, experiência e é feito com muita honestidade intelectual. Obrigado pela leitura!

William Mendes


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

55. A Celestina - Fernando de Rojas (1499)



Refeição Cultural - Cem clássicos

Osasco, 24 de novembro de 2023. Sexta-feira.


Ao trabalhar na revisão de meus textos no blog durante o dia de hoje, acabei me debruçando na leitura do clássico da Literatura Espanhola A Celestina (1499), atribuído a Fernando de Rojas. A obra foi objeto de leitura e confecção de texto em uma disciplina que fiz na Faculdade de Letras da USP.

Foi uma releitura muito interessante a que fiz hoje nas postagens que incluí no blog em 2009 sobre La Celestina (a edição que usei no trabalho foi em espanhol). Para ler o texto final e a partir dele postagens de leitura da obra, é só clicar aqui e acompanhar os links ao final de cada postagem.

Cada vez que encontro séries de textos como essa, relembro o objetivo que me levou a criar um blog de cultura: compartilhar de forma gratuita conhecimento. Eu mesmo me surpreendo quando revejo o que fiz ao longo de quase duas décadas. Minha dedicação e disciplina foram impressionantes!

Para postar dezenas ou centenas de textos ao ano era preciso abrir mão de descanso e de horas de lazer. É só nos lembrarmos que sempre trabalhei muito e estudei. Para alimentar este blog, abri mão de coisas importantes na vida de qualquer pessoa.

Ao olhar para trás, pelo menos nesta dimensão de minha vida, posso colocar a cabeça no travesseiro e dormir com a consciência leve de alguém que buscou compartilhar conhecimento com as demais pessoas do mundo.

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A Celestina

Vários críticos consideram A Celestina uma obra tão importante quanto Dom Quixote em relação à Literatura Espanhola e mundial. E a obra de Rojas tem um século a mais de existência em relação à de Cervantes. 

O clássico conta a história de uma alcoviteira famosa em sua comunidade e a história de amor de um casal de jovens: Calixto e Melibeia. Celestina é uma personagem muito atual e a história de amor espanhola é anterior ao casal Romeu e Julieta de Shakespeare.

Uma coisa que me atrai muito nos clássicos de séculos atrás são as expressões populares e sabedorias que resistem ao tempo e chegam até nós, através de nossos familiares ascendentes e idosos de nossas comunidades. Citei vários exemplos no texto que fiz sobre a obra.

Para finalizar esse breve texto para registro de leitura de mais uma obra clássica que já li, comento rapidamente uma reflexão que fiz enquanto relia postagem a postagem essa história que se passa lá na Idade Média, cinco séculos atrás.

Como fui uma pessoa religiosa por décadas, tenho a plena consciência do poder de influência das crenças nas mais diversas formas de concepções de mundo que as religiões abrangem. Quase nada tem tanto poder de influência no comportamento humano como as abstrações mentais relativas às religiões.

Durante milhares de anos, em praticamente todos os lugares do mundo habitados por humanos, abstrações religiosas definiram os tipos de relações sociais. Marx que me perdoe, mas eu diria que não só os modos de produção definiram as relações sociais ao longo da história humana, as religiões também.

Pensei sobre isso enquanto lia e imaginava a vida na Idade Média...

Como diz Italo Calvino, é melhor ler que não ler os clássicos. Uma refeição cultural clássica tem como consequência uma digestão com muita absorção de nutrientes de evolução mental. Experimentem!

William


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Leitura: Greve e negociação coletiva, Livro 1, de Carlindo Oliveira



Refeição Cultural 

Osasco, 23 de novembro de 2023. Quinta-feira.


"Chegou a hora de dialogar com a massa na assembleia, explicando que a greve não pode tudo e que os avanços justificam aceitarmos a proposta negociada durante a greve..." (Essência da fala do companheiro Deli Soares, uma referência para mim, em uma conversa antes de minha intervenção na assembleia que aprovou a proposta negociada para o ACT/BB após os 3 dias de greve em 2003. Era minha 1ª greve como liderança sindical)


Carlindo Rodrigues de Oliveira, além de ser um grande amigo, é um mestre para mim, quer dizer, agora, formalmente, ele é mais graduado ainda - doutor -, pois defendeu sua tese de doutorado e o livro em questão é fruto desse estudo primoroso sobre as greves e negociações coletivas no Brasil. Vou me rebelar e continuarei tratando ele carinhosamente por "mestre" Carlindo. 

Tive o privilégio de atuarmos juntos em cursos de formação de dirigentes e assessores sindicais organizados pela Contraf-CUT, federações e sindicatos com assessoria do Dieese. Foram tempos inesquecíveis para mim! Aprendi muito com o Carlindo, depois com a Regina Camargo e com as equipes formativas do Dieese. 

A leitura do livro me trouxe recordações saudosas dos anos de direção sindical. O estudo de Carlindo aborda a história das greves e das negociações coletivas e, no capítulo quatro, aborda em seus estudos a CUT e o Novo Sindicalismo, e também a Articulação Sindical, à qual dediquei mais de duas décadas de minha vida trabalhista e sindical.

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Momentos da leitura


INTRODUÇÃO 

"Uma segunda vertente, de viés marxista, formulada inicialmente por Lênin, via na ação sindical e nas greves um espaço de luta por conquistas meramente economicistas, postulando que uma mudança revolucionária só seria possível sob a liderança de uma vanguarda organizada em partido político (LÊNIN, 1978)..." (p. 22)

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O "ESTADO DA ARTE" NA LITERATURA BRASILEIRA 

Sobre alguns autores citados no livro:

"(...) estabelecem uma certa dicotomia entre greves (como expressão de conflito/confronto) e negociação (como sinônimo de moderação e conciliação), que caracterizam distintas estratégias de ação sindical: o sindicalismo de contestação (ou de confronto) e o sindicalismo de participação (ou de negociação)." (p. 23) 

e

"(...) Essa mudança estratégica teria se concretizado com a opção de sua corrente hegemônica - a Articulação Sindical - de privilegiar uma postura 'propositiva' e mais pragmática, apostando na celebração de acordos e convenções coletivas de trabalho, como coroação de processos de negociação com os/as empregadores/as e suas entidades representativas, ou de negociações tripartites, envolvendo também o governo, ao invés da aposta na intensificação e exploração política do conflito." (p. 23/24)

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"De outro lado, há um conjunto heterogêneo de autores que tratam - de forma mais ou menos explícita - da relação mais panorâmica entre greve e negociação coletiva numa abordagem não antitética, pela qual conflito e negociação coletiva são vistos como dimensões dialeticamente complementares da ação sindical." (p. 24/25)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: aprendi sindicalismo com a Articulação Sindical da CUT e sempre tratei assim a questão da greve e da negociação coletiva, ambas são etapas possíveis do processo de renovação de direitos coletivos nas datas-bases das categorias profissionais no Brasil.

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OBJETIVOS E OBJETOS

"O objetivo deste livro 1 da Coleção Greve & Negociação é o aprofundamento desse debate teórico - e político - sobre as relações entre essas duas dimensões da luta sindical." (p. 25)

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Uma das questões-síntese do livro:

"1) Como se dá a relação entre greves (conflito/confronto) e negociação coletiva? Há antítese entre essas duas dimensões da ação sindical? Em que medida a negociação coletiva pode ser considerada sinônimo de moderação ou conciliação de classe?" (p. 25)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: para nós na Articulação Sindical greve e negociação coletiva sempre foram questões complementares, partes de um processo de campanha salarial.

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HIPÓTESES

Concordo e endosso as duas hipóteses desenvolvidas pelo estudioso Carlindo em sua tese, uma delas, a 1ª, sobre greves e negociações coletivas serem partes de um mesmo processo, é como vejo (eu, William), algo natural nas relações entre capital e trabalho num mundo capitalista como o Brasil.

"1) Nos marcos de um sindicalismo atuante, não há relação antitética entre greves (conflito/confronto) e negociação coletiva, senão uma relação de complementaridade dialética entre essas duas dimensões da luta sindical. Ambas devem ser analisadas como partes constitutivas de uma mesma estratégia, embora possam ser identificadas diferenças de ênfase em momentos históricos e em correntes sindicais distintas;" (p. 26)

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CAPÍTULO 1 - GREVE E NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO ÂMBITO DO SISTEMA BRASILEIRO DE RELAÇÕES DE TRABALHO 

1.1. O conceito de sistema de relações de trabalho e os pressupostos do arranjo brasileiro

"Da relação assimétrica de poder - de resto uma característica estrutural das relações de trabalho capitalistas -, o SBRT deduz a hipossuficiência dos/as trabalhadores/as, ou seja, sua impossibilidade de 'andar com as próprias pernas', atribuindo ao Estado a função de tutelá-los/as, o que, por extensão, significa também, em grande medida, controlá-los/as..." (p. 29/30)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: Por causa dessa interferência e controle dos governos nas relações de trabalho quase sempre a favor do patronado foi que criamos uma central para lutar por superar a CLT de Vargas, ou seja, a CUT é ou era contrária à existência da CLT quando foi criada em 1983 e durante um longo tempo. Pelo menos foi isso que aprendi ao longo da vida de militância sindical cutista.

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1.2. O Sistema Brasileiro de Relações de Trabalho em seus primórdios

A lei de sindicalização de Vargas e o controle dos sindicatos:

"(...) O Decreto 19.770/31 criava a figura do sindicato oficial, reconhecido pelo Ministério do Trabalho e com status de órgão de colaboração com o poder público..." (p. 31)

E Carlindo explica em nota:

"A intenção getulista era a substituição do sindicalismo autônomo até então existente, hegemonizado pelas correntes anarcossindicalistas, por um sindicalismo controlado pelo Estado."

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1.3. Características do Sistema Brasileiro de Relações de Trabalho, tal como originalmente concebido, e suas modificações até a Reforma (anti)Trabalhista de 2017

1.3.1. Regra da organização sindical

"A partir desses elementos - exigência de autorização do Estado para funcionamento e de adoção do estatuto-padrão, enquadramento sindical estatal, unicidade compulsória, Imposto Sindical e controle sobre o funcionamento, o processo eleitoral e as finanças dos sindicatos -, viabilizava-se, muitas vezes, a existência de uma burocracia sindical dotada de vultosos recursos, imune à competição e que, para sobreviver, não precisava necessariamente se legitimar junto aos/às trabalhadores/as de base." (p. 37)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: é o que estudamos como sindicalismo controlado no Estado Novo de Vargas.

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No item 1.3.2. Mecanismos de regulação das relações de trabalho, de criação de novos direitos e de solução de conflitos

Carlindo tratou nos subitens:

- A legislação trabalhista
- A negociação coletiva
- A arbitragem
- O modelo híbrido de criação de direitos e de solução de conflitos

Foi uma leitura que me trouxe as lembranças dos cursos de formação que realizamos, pois em um dos módulos contávamos toda essa história aos participantes.

No item 1.3.3. Bloqueio das condições de afirmação do poder dos/as trabalhadores/as

Tratou-se de:

- Restrições ao direito de greve
- Insuficiência dos mecanismos inibidores da dispensa imotivada
- Inexistência de amparo legal para a criação de Centrais Sindicais e Organizações por Local de Trabalho

COMENTÁRIO/OPINIÃO: amig@s leitores, por incrível que pareça, a questão da Convenção 158 da OIT, contra dispensa imotivada, se arrasta de 1995 até hoje no Brasil. Um ministro atual do STF, Dias Toffoli, pediu vistas em 2016 em um processo sobre o tema e até hoje... nada. (p. 53)

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REFLEXÕES DURANTE A LEITURA DO LIVRO (sábado, 18/11/23, meio-dia)

Após ler a Introdução, o primeiro capítulo e quase todo o quarto e estar na leitura do segundo capítulo, fiquei pensando sobre a riqueza do conteúdo do livro do amigo e companheiro Carlindo Oliveira.

Virei dirigente sindical da categoria bancária em meados do ano 2002 e assim que cheguei ao Sindicato passei a compreender a responsabilidade que seria representar uma das grandes categorias da classe trabalhadora brasileira. Dia a dia, a percepção do que era ser dirigente de um sindicato cutista foi aumentando e foi aumentando também o meu receio de estar ou não à altura daquela tarefa política.

Em questão de semanas, meses iniciais, mudei radicalmente como pessoa, como trabalhador e como dirigente político. Mudei tudo. Postura, comportamento, atitudes, visual, hábitos. Mudei, sim! 

Para ser um dirigente sindical da magnitude que se exigiria em um sindicato que havia cedido dirigentes para ministérios importantes do governo Lula eu não poderia mais ser aquele porraloca do BB que eu era no local de trabalho e na minha vida pessoal. (já escrevi até sobre decidir nunca mais ficar bêbado depois que virei dirigente sindical - ler aqui)

Passei a estudar o que eu era (pertencimento à categoria bancária, a um banco público como o BB), o que era o Sindicato, o que era o mundo sindical, a história de lutas da classe trabalhadora, o que era a esquerda e a história mundial etc. Passei a me interessar por qualquer tipo de mídia (meio) existente sobre a nossa história: Folhas Bancárias, revistas e os poucos livros que existiam sobre a nossa história. Passei a ouvir os mais velhos e experientes, tanto no mundo sindical quanto na base, no local de trabalho.

Lendo o livro de Carlindo, mesmo agora que estou retirado do movimento, livro fruto de décadas de trabalho e estudo e prática de educação sindical, imaginei como um livro desses teria facilitado a minha vida de busca por saber a NOSSA HISTÓRIA se ele existisse no início de minha vida de representação...

A pergunta que me faço é: será que os milhares de dirigentes sindicais na estrutura sindical brasileira atual sabem da oportunidade de conhecimento contida nos dois volumes do livro Greve e Negociação Coletiva sobre a história da luta de classes no Brasil e de nossas greves e negociações coletivas e do percurso árduo e brigado que tivemos que percorrer para chegarmos até aqui? 

E se sabem desse trabalho do Carlindo, já adquiriram e já definiram estratégias de leitura e formação para seus quadros atuais?

A cada página que leio, penso nisso? 

William Mendes
Ex-dirigente nacional dos bancários da CUT

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OLT E JUSTIÇA DO TRABALHO

Interessante a lembrança de Carlindo de que se governo e patronato permitissem no Brasil a Organização por Local de Trabalho, isso seria bom para todos, porque a OLT permite fiscalizar o cumprimento de direitos legais (de leis) e direitos coletivos de acordos e convenções. Isso desafogaria a Justiça do Trabalho, diminuiria os milhões e milhões de ações que pedem reparação por descumprimento de direitos básicos, líquidos e certos. (p. 54 a 56)

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CAPÍTULO 2 - A GREVE

"A greve é o direito de não trabalhar..."

"O legítimo direito de prejudicar (o patrão)..."

Adorei a leitura do capítulo. Me atualizei sobre a questão, mesmo sendo um cidadão retirado do dia a dia do movimento sindical.

As citações acima são algumas das provocações sobre o legítimo direito de greve e estão na página 64 e seguintes. Será que os sindicalistas atuais concordam com elas? É óbvio que as ideias, os textos têm contextos. Leiam o livro!

Por exemplo (meu, William), durante uma greve nos bancários, a gente descobria qual o banco que estava emperrando as negociações e a proposta em mesa... era óbvio que a gente focava nossos esforços para ampliar a greve naquele fdp que estava dificultando o processo negocial...

Vejam abaixo por completo essa citação sobre a origem do termo "greve":

GREVE

"Já é lugar comum a explicação das origens do termo 'greve', referência à Place de la Grève, em Paris, palco histórico de manifestações dos/as trabalhadores/as que cruzavam os braços na defesa de suas reivindicações. Paralisar o trabalho era sinônimo de 'ir à Greve'." 

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ALGUMAS CONCEPÇÕES E VERTENTES SOBRE GREVE

Depois, Carlindo explica algumas concepções a respeito de greve, a visão dos anarquistas, a dos marxistas (Lênin e Luxemburgo) e a greve já institucionalizada como parte de um processo das negociações coletivas. (até a p. 72)

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(22/11/23, pela manhã: ainda lendo o livro... vou mais rápido na postagem para tentar finalizá-la)

Cito abaixo uma síntese do Carlindo sobre a questão da greve, à página 90:

"Como visto até aqui, a regulamentação da greve no Brasil oscilou entre quatro perspectivas: 1) momentos de proibição total e caracterização como delito (Código Penal de 1890, Constituição de 1937), sendo seu exercício por parte dos/as trabalhadores/as naquelas conjunturas um confronte explícito com o patronato, os governos e o Poder Judiciário; 2) momento de legalidade fortemente restritiva (Decreto-lei Nº 9.070/46, Lei Nº 4.330/64), onde admitia-se o direito de greve, mas de tal forma restringido, que dificilmente uma greve poderia ser considerada legal; 3) brevíssimo momento de liberdade ampla (primeiros seis meses de vigência da Constituição de 1988); e 4) retorno à liberdade restrita (Lei Nº 7.783/89), a partir do final de junho de 1989 até os dias atuais."

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CAPÍTULO 3 - A NEGOCIAÇÃO COLETIVA

"As conquistas alcançadas pelos/as trabalhadores/as nos processos de negociação coletiva, juntamente com a legislação trabalhista e as decisões judiciais, definem o marco regulatório das relações entre capital e trabalho..." (p. 95)


Este capítulo é um magnífico retrospecto da história das negociações coletivas, tanto na questão conceitual quanto na questão prática. 

Carlindo resgata as duas tentativas no Brasil de evolução no Sistema Brasileiro de Relações de Trabalho, os fóruns tripartites que aconteceram no governo de Itamar Franco (1993) e depois no governo Lula (2003-2005). Contextos políticos da época impediram que os consensos avançassem na forma de legislação mais moderna.

Podemos ler sobre o período anterior à CLT (1943), o período de ditadura civil-militar (1964-85), os períodos democráticos e a Reforma (anti)Trabalhista do período pós-golpe de 2016 e a tragédia da reforma de Temer: Lei 13.467/17.

Também me atualizei sobre as Convenções da OIT e a situação delas no Brasil, além das questões de negociações coletivas no setor público.

Um apanhado histórico fantástico, amig@s leitores!

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CAPÍTULO 4 - GREVE, NEGOCIAÇÃO E O "NOVO SINDICALISMO" NO BRASIL: DO CONFRONTO À CONCILIAÇÃO?

Este foi o capítulo que o amigo Carlindo me sugeriu ler quando conversamos dias atrás sobre um apanhado histórico que eu havia feito em março de 2009 (ver 1ª parte aqui) sobre as negociações coletivas nos bancários, em especial no Banco do Brasil, na transição dos governos de FHC (1994-2002) para os governos Lula (2003 até 2009, quando fiz a reflexão).

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O excerto abaixo, dá uma boa resumida do que foram os anos nos quais participei como dirigente sindical dos processos de construção e desenvolvimento das campanhas nacionais da categoria bancária, entre 2003 e 2014.

"Mas Hyman se pergunta, também, por que um acordo pode ser negociado e alcançado durante uma greve, se isso não foi possível antes que ela ocorresse. Ele sugere três explicações: 1) mesmo que a greve se inicie com a reafirmação de posições intransigentes de parte a parte, os custos da sua continuidade para empresa/s e trabalhadores/as acabam, com o tempo, levando-as a estreitarem suas diferenças; 2) a realidade do conflito pode mostrar às partes a real determinação das contrapartes, provando que o outro lado não estava 'blefando', como se poderia ter imaginado, levando a uma flexibilização dos respectivos limites; 3) a/s empresa/s e o/s sindicato/s não são atores monolíticos e, no interior de cada um deles, pode haver avaliações distintas sobre a aceitabilidade ou não das propostas e contrapropostas que surgem no decorrer da greve. (HYMAN, 1994, p. 22-23, Tradução livre deste autor)" (p. 144)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: Das 11 campanhas de renovação de direitos coletivos da categoria bancária nas quais estive diretamente envolvido como dirigente, se não me falha a memória, só uma ou duas conseguimos levar ao término do processo sem greves.


"É necessário esclarecer, porém, que a referência de sindicalismo por trás dessa hipótese central é o sindicalismo que investe na mobilização dos/as trabalhadores/as e tem a greve como alternativa real de luta." (p. 148)

COMENTÁRIO/OPINIÃO: tudo que fazíamos desde a preparação da campanha da categoria ainda nos primeiros meses do ano até o final das negociações com os banqueiros e governo nas mesas formais tinha por base a preparação da mobilização dos trabalhadores para a eventualidade de não termos uma proposta satisfatória em mesa e termos que ir para a greve para melhorar a proposta insuficiente.

No capítulo 5, Carlindo apresenta o quadro das greves no Brasil ao longo de décadas, um apanhado histórico fenomenal.

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A INTELECTUALIDADE NA ACADEMIA E O MUNDO SINDICAL

Carlindo trabalha com as leituras de alguns intelectuais que ao longo de décadas estudam e avaliam os movimentos de trabalhadores no Brasil, cito um deles: o professor Ricardo Antunes. No caso do livro em questão, intelectuais que escrevem a respeito da CUT e da corrente majoritária, a Articulação Sindical. 

Eu sempre tive uma certa birra com as posições de Ricardo Antunes. Ao longo de uma década, li as críticas dele a respeito da Articulação Sindical da CUT e sempre achei a leitura dele muito ruim, sem dúvida exagerada. Cheguei a fazer artigo debatendo artigos dele. Se não era arrogância a posição dele, era uma espécie de despeito em relação a nós, a maior corrente política do movimento sindical brasileiro.

Para resumir a minha opinião sobre a questão da visão dos intelectuais e o movimento sindical, poderia citar uma passagem de uma conversa com o amigo e intelectual Deli Soares, conversa que tive no início de minha jornada como dirigente sindical. 

Refletíamos a respeito dos motivos que poderiam levar intelectuais a serem tão críticos, via de regra, às posições tomadas por grandes lideranças sindicais em momentos decisivos de greves ou fechamentos de acordos e convenções em campanhas de data-base.

Uma avaliação que tivemos foi que a visão de um intelectual sobre tomada de decisões sobre aceitar ou não uma proposta arrancada no calor da luta após uma dura batalha entre os grevistas e a empresa - no nosso caso entre a categoria bancária e os banqueiros e governo -, era uma visão distante da realidade dos dirigentes sindicais que têm sob a sua responsabilidade liderar milhares de trabalhadoras e trabalhadores, mães, pais, pessoas com contas a pagar no fim do mês, que estão há dias na incerteza sobre seu salário ser pago ou não, seus direitos serem mantidos ou não. 

A visão de um intelectual na academia jamais será a mesma visão de uma liderança sindical lidando com milhares de vidas no calor de um embate entre Capital e Trabalho. A lembrança que coloquei na epígrafe deste texto, sobre minha intervenção na assembleia da greve dos funcionários do BB em 2003, exemplifica isso.

Carlindo cita no livro os depoimentos de Paulo Paim e de Jair Meneguelli, dois sindicalistas que falam sobre a greve de forma bem clara, ninguém gosta de fazer greve, greve não é um passeio, greve é algo muito sério, o ideal é conseguir direitos na negociação coletiva sem a necessidade da greve.

Já ao ler as opiniões de alguns intelectuais como Ricardo Antunes, parece até que é demérito da Articulação Sindical ser a corrente que dirige as maiores e mais organizadas categorias profissionais do país. Tem uma citação à p. 154, sobre Boito Jr., que parece o mesmo: seria demérito conseguir organizar metalúrgicos, bancários, petroleiros... ao falar sobre contrato de trabalho.

Felizmente, temos intelectuais mais sensíveis, com uma leitura mais atenda aos dilemas vividos pelos sindicalistas em momentos decisivos da vida sindical. O Dieese sempre foi um exemplo de instituição que congrega grandes intelectuais que vivenciam, muitas vezes, o quente dos processos de greve e negociações coletivas, através de suas subseções em grandes sindicatos, federações e Confederações.

Grato por termos intelectuais de grande convivência com o dia a dia sindical como o próprio Carlindo Oliveira, Regina Camargo e Ana Tércia, só para citar nomes contidos no livro.

Enfim, já é hora de terminar a minha postagem.

ORGULHO DE TER SIDO SINDICALISTA DOS BANCÁRIOS DA CUT

Por muitos anos, contribuí com a organização e politização de milhares de bancários em seus locais de trabalho. É sabido pela minha geração de dirigentes sindicais que sempre fui muito basista, sempre estive presente nos locais de trabalho mesmo estando em instâncias de 2º e 3º graus na estrutura sindical. 

Preparava os trabalhadores para irem à greve, se os banqueiros fossem fdp no final das negociações de renovação de direitos na data-base de setembro, e como normalmente eram fdp, fazíamos greve. 

No entanto, nunca perdi de vista a responsabilidade de ter comigo milhares de pessoas que queriam a solução para a campanha e a greve. Nunca! Assim que avaliava que a proposta arrancada na luta continha avanços para aquela campanha, defendia a aceitação e o fim da greve. Nunca brinquei com a vida das pessoas que representei.

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A leitura do primeiro volume do livro de Carlindo foi uma viagem ao período mais importante da minha vida. 

Como já disse neste texto, seria muito bom para os sindicatos e para os dirigentes sindicais lerem e estudarem os livros do companheiro Carlindo.

Abraços e saudações de luta!

William Mendes


Bibliografia:

OLIVEIRA, Carlindo Rodrigues de. Greve e Negociação Coletiva: dimensões complementares da luta sindical. São Paulo: Editora Dialética, 2022. 216 p.

domingo, 19 de novembro de 2023

Diário e reflexões - Sistematização



Refeição Cultural

Osasco, 19 de novembro de 2023. Domingo.


Sistematização

Dia desses, avaliando materiais antigos de formação, me chamou a atenção uma apostila da CUT sobre Sistematização. Se esse tema mereceu um curso é porque o tema é importante.

Ao trabalhar na revisão do blog, me deparei com uma postagem de março de 2009, a respeito de leitura que havia feito em um dos livros de escola de meu filho, à época na 8ª série. É um livro de Geografia e por ter pego o livro pra ler, fiz uma postagem. Interessante: eu era um jovem de 40 anos que não havia perdido a curiosidade filosófica em busca de conhecimentos gerais, queria ser um "homem cultivado" como explica Mircea Eliade.


Minha esposa achou o livro em casa e reli o começo dele como havia feito quatorze anos antes (ler postagem aqui). Que texto interessante! Da releitura, me veio à ideia uma percepção que não havia tido antes a respeito do trabalho gigantesco que fiz com os blogs por quase duas décadas: sistematização.

Desse trabalho atual de sistematização dos textos nos blogs, achei um pequeno livro de formação dedicado aos dirigentes sindicais bancários da época, 2009, quando fiz no blog 5 textos resgatando a história das lutas bancárias no Banco do Brasil antes da eleição de Lula e as estratégias que definimos de campanha unificada nos anos dois mil. Modéstia à parte, o texto é um resumo muito bem-feito. Dou até a minha opinião sobre a famosa greve de 30 dias de 2004.

Aí, após ler essa minha produção de campanhas bancárias dos primeiros anos do século, fui sugerir ao amigo e companheiro Carlindo Oliveira que lesse o texto quando tivesse à toa. Carlindo é economista e educador do Dieese e recentemente defendeu tese de doutorado com um estudo profundo das histórias das greves e negociações coletivas no Brasil. São dois livros fantásticos, e ele me deu de presente a obra com uma dedicatória linda!


Então, o Carlindo me devolveu na hora a brincadeira sugestiva: "Beleza, eu leio seu texto e você lê o capítulo 4 e 5 do primeiro volume do meu livro...". Eu estava com outras leituras em andamento, mas quem começou a brincadeira fui eu... 

Ao ler o capítulo 4 do livro do Carlindo, vi que o ideal era ir lá na primeira página e seguir dali até o fim. Estou na empreitada. Aí se pensar na palavra "sistematização", não tem como não associá-la ao trabalho hercúleo que Carlindo fez sobre as nossas lutas seculares. Ele sistematizou pra nós, tá lá!, é só pegar e adquirir o conhecimento de um século de greves e negociações coletivas no Brasil.

Voltando aos blogs e minha produção de mais de 5 mil postagens, no momento em que lia de manhã o livro de Geografia, percebi que a questão da sistematização está na base de meu esforço antigo de escrever, de organizar as ideias e as coisas que procurei fazer ao longo de anos de vida dedicada aos estudos e à militância sindical e representação da classe trabalhadora. Meus blogs são uma espécie de sistematização de minhas ideias e de minha vida.

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Cadernos dos blogs


CASSI - As mais de 500 postagens no blog A Categoria Bancária, do primeiro ao último dia do mandato eletivo que os associados e associadas da Caixa de Assistência nos confiaram, e com o apoio das entidades representativas, é uma sistematização profunda e extraordinária em vários sentidos, muitos deles que só vão sendo percebidos à medida que o tempo passa, e eu reflito a respeito daquela produção intelectual e comunicativa. Acho difícil encontrar similar na história do movimento sindical ao qual pertenci.

À época, o ideal e o desejo de nosso grupo político - a Articulação Sindical da CUT - era que o mandato tivesse alguma forma de comunicação de prestação de contas do que fazíamos na Caixa de Assistência. Já havíamos conseguido eleger algumas companheiras e companheiros em entidades de saúde e previdência dos bancos públicos antes e a comunicação era uma preocupação constante da gente, e eu era da coordenação nacional do movimento ao ser eleito diretor de saúde na Cassi. Eu diria que fiquei numa posição de quem planeja o que deve ser feito e passei a ser o que deveria executar o que planejamos.

Por ser complicado à época ter uma equipe de assessoria em comunicação, mesmo com o apoio das entidades sindicais - por uma questão de celeridade -, e por eu ter adquirido o hábito de escrever desde meu primeiro mandato sindical, decidi que o blog sindical passaria a ser o veículo de comunicação do mandato de diretor de saúde na Cassi. Isso teria que ser pensado de forma estratégica, e a disciplina seria uma das principais obrigações ao definir o blog como meio de divulgação das ideias do mandato e prestação de contas ao mesmo tempo.

Por quatro anos, divulguei através do blog o modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF), combati a desinformação sobre a Cassi nas principais mentiras que diziam sobre a autogestão - custo das unidades de saúde, que solidariedade e mutualismo eram ruins para o custeio do Plano de Associados, que a gestão era ruim por causa dos associados e era o inverso, era ruim por causa das indicações do patrocinador, os motivos do déficit estrutural e os porquês dos eternos problemas de rede de atendimento, a importância da participação social por ser uma autogestão de trabalhadores e a presença física do diretor em todas as bases durante o mandato.

Amig@s leitores, o que posso dizer é que o blog se tornou um dos principais registros de um mandato de representação que se tem notícias. Eu criei um público leitor ao longo dos 4 anos. Depois que os envolvidos de alguma forma com a Cassi entenderam isso, cada postagem minha, em qualquer horário, tinha de mil a milhares de acessos. Eu passei a comunicar com os sindicatos e entidades de aposentados, com os interessados em saúde, conselhos de usuários e Cassi, com a direção do banco patrocinador, com o mercado de saúde, com os profissionais do modelo de saúde da Cassi. Sem dúvidas, devo ter incomodado os adversários, tanto o patrão quanto outras forças políticas de direita. 

Enfim, olhando para trás, estudando ainda, percebo claramente que o blog de cultura e o blog de trabalho político são ferramentas de sistematização, não só da minha pessoa, mas do que eu vivi enquanto sujeito histórico no movimento sindical e cultural das últimas décadas.

É isso!

William


sábado, 18 de novembro de 2023

Lembranças - Capítulo 12*



Refeição Cultural

Osasco, 18 de novembro de 2023. Sábado.


BOAS LEMBRANÇAS E SAUDADES DE NOSSO QUERIDO TIO LÉO

Este é um fim de semana triste para nossa família. Faleceu ontem o nosso Tio Léo, em Barra do Garças, Mato Grosso. O tio estava com problemas de saúde já fazia algum tempo e graças aos cuidados carinhosos que recebeu da tia Regina, da filha Lara e de toda a família e amigos, lutou bravamente pela vida nos últimos anos. Estive na Barra com meus pais em julho do ano passado e pudemos matar saudades da família.

Meus tios e família se estabeleceram na Barra do Garças há décadas, depois de viverem em Uberlândia (MG) e Ariquemes (RO). A família sempre trabalhou com comércio de alimentos. Na Barra, abriram a Pastelaria do Léo em meados dos anos oitenta. As saltenhas e pastéis do Léo se tornaram referência na região e hoje fazem parte da cultura da cidade.

Pastelaria do Léo, Mercado Municipal,
Barra do Garças, MT.

Eu ia para a casa dos tios em Barra do Garças desde os anos oitenta, vi os primos e prima crescerem. Tomei muita cerveja com o tio Léo e adorava passar alguns dias com a família. Cada vez que ia para lá, depois que voltava para São Paulo dizia que iria levar mais alguém para conhecer as delícias da Barra, a casa dos tios e a pastelaria, a temporada de praia do Rio Araguaia, o clube de Águas Quentes, a escalada ao Cristo lá no alto da Serra Azul, de onde se vê toda a região com as cidades de Barra do Garças (MT) e Aragarças (GO). Foram muitas histórias ao longo da vida.

As famosas saltenhas da 
Pastelaria do Léo.

Jamais poderia esquecer um momento que vivi na casa dos tios em Barra do Garças. Foi no início dos anos noventa. Eu havia passado no concurso público para o Banco do Brasil, estava muito feliz e fui passar uns dias com o tio Léo e família. A gente estava sentado à noite na sala, a TV ligada e de repente ouço a notícia de que o concurso havia sido cancelado por fraudes ocorridas em Brasília (DF). Meu mundo desabou naquele minuto. Fiquei arrasado. Felizmente tudo correu bem. Como meus tios haviam dito, eu prestaria a prova de novo e passaria novamente. Assim foi. Passei de novo e fui bancário do BB até pouco tempo atrás.

Estar com o tio Léo e família quando era mais jovem era uma diversão só, e inspiração também. Eu cresci pensando em um dia poder mudar para uma região interiorana para ter uma chácara, sítio ou fazendinha para me afastar da cidade grande e passar mais tempo no mato. Sempre gostei de mato, muito mais que praia. Quando ficava uns dias na Barra, às vezes nos sítios do tio Léo, aumentava meu desejo de aprender sobre administração de um espaço de terra e viver por ali.

O tio Léo e as frutas do pomar.

O tio Léo gostava de tirar um sarro das visitas de cidade grande quando estávamos na Barra. Qualquer pessoa que a gente levasse na viagem iria passar pelo crivo do tio. Ele ia com a pessoa até o pomar e perguntava que árvore e que fruta era aquela. Perguntava se a pessoa sabia como era um pé de amendoim, de abacaxi, de alguma fruta mais exótica. Ele era um tirador de sarro. E os bichos silvestres, a mesma coisa. "Que bicho é esse?", apontando para uma cutia, ou uma paca, ou alguma ave diferente.

Barra do Garças vista do alto
da Serra Azul, onde fica o Cristo.

E quando a gente ia andar com o tio no meio do mato, era uma comédia só. O tio Léo se metia sem camisa no meio do mato, sem se importar com gravetos, espinhos e urtigas, uma planta que irrita a pele como se fosse taturana. Já os "bichos" da cidade grande, era só andando lentamente, tentando tirar galhos e folhas da frente... se enroscando todo na caatinga, como conta Euclides da Cunha ao descrever o branco do litoral nos sertões de Canudos.

E aí, que ave é essa?
Não, não é uma galinha!
É uma saracura...

Uma vez, estávamos para iniciar a refeição, o jantar se não me engano, e tínhamos levado um primo mais novo de São Paulo para lá, o Daniel, e ninguém entendeu por que o tio Léo estava olhando prato por prato na mesa, aquele silêncio momentâneo e, de repente, nhac!, o tio pegou o garfo da mão do Daniel e falou "esse é o meu garfo!" e em seguida disse, "Regina, pega outro garfo pro garoto!". O pessoal caiu na gargalhada, por causa do susto geral na hora que o tio avançou no garfo velho na mão do Dani.

Visitamos o tio Léo e a tia Regina 
em julho de 2022. Foi muito bom!

Ano passado, quando visitamos o tio Léo e a tia Regina, estando o tio um pouco debilitado, matamos saudades até do jeitão do tio que nunca mudou. Para me ensinar a pescar corretamente e arremessar a linha com isca da vara de pescar na represa, já que a isca ele que a colocava por dizer que eu não daria conta (risos), o tio teve trabalho comigo. Custei fazer mais ou menos certo o que ele me explicou. E olha que dos três peixes que peguei, um eu "fui mole", segundo o tio, e deixei o peixe escapar quase na hora de pegá-lo. Foram dias de matar saudades aqueles do ano passado com a família na Barra.

O tio Léo teve trabalho com
o pescador de araque aí.

São muitas lembranças, tanto as vividas na Barra quanto as vividas em Uberlândia, quando o tio Léo ia para lá e reuníamos a família para o aniversário da vovó Cornélia.

Encontro no aniversário de 84 anos 
da vovó Cornélia, em Uberlândia.

Me lembro até hoje das conversas com o tio Léo, ficávamos horas conversando e tomando uma cervejinha. Na nossa época de adolescência, os tios e tias nos davam conselhos, sim!, os tios nos davam conselhos e a gente ouvia, e eu fui um privilegiado por ter muitos tios e tias, quatro por parte de mãe e oito por parte de pai. 

Se tem uma coisa que me lembro é do tio Léo dizendo que a gente precisava estudar, estudar para ser alguém na vida. Legal isso! Nunca me esqueci. O tio dizia até que se precisasse, ele ajudaria os sobrinhos, mas a gente deveria estudar.

O tio Léo estará sempre em nossas lembranças, em nossos corações. Assim como a vovó Cornélia, a tia Alice e meus primos que já nos deixaram. Deixamos o nosso abraço fraternal e de amor para a tia Regina e a Larinha e para toda a família.

Saudades, tio Léo! Meus sentimentos, mãezinha, muita força nessa hora!

William e família

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*Post Scriptum: este texto foi pensado como pertencente a uma série de postagens que venho fazendo sobre memórias e sentimentos de cunho pessoal, mesmo sabendo que os conteúdos trazem contextos históricos. Não se separam a dimensão pessoal da dimensão coletiva, o mundo é um só, o sujeito é um ser no mundo, na natureza inteira. Ao colocar o número do capítulo me equivoquei e repeti o número anterior. Por isso corrigi para nº 12.

Post Scriptum II: o texto anterior desta série, o capítulo 11, pode ser lido clicando aqui.