segunda-feira, 27 de junho de 2016

Diário - 270616



Flores, flores, Brasília é a terra das flores multicoloridas...

Já estamos na segunda-feira e estou trabalhando desde bem cedo nas leituras e estudos sobre a Cassi - acabei de estudar o Relatório Anual de 1996 e apartar nele alguns dados interessantes e agora tenho uma pauta grande para estudar para a reunião de Diretoria desta terça-feira. 


Esta é uma paineira rosa com
frutos após a florada.

Mas quero mesmo é registrar a alegria que foi o final de semana que acabou. Meu filho foi embora há pouco para a cidade onde estuda no interior de São Paulo. Eu não o via fazia um mês. Tivemos um final de semana legal.

Pudemos assistir a um filme da preferência de meu filho, pra dar risada: Deadpool. Ele curtiu os pais e foi mimado daquele jeito... Filho, te amamos e conte conosco nos caminhos da vida. Beijão!

Já este que vos fala, aproveitou o fim de semana para ler, ler, estudar algumas coisas, praticar exercícios e curtir a família.


Fala que não é show ver os ipês da temporada em Brasília...
Ao fundo, o prédio do Banco do Brasil.

No sábado, corri 5k no fim do dia e no domingo estreei a minha bike andando no Eixão por cerca de uma hora. Foi bem legal e tive uma sensação muito boa de vento no rosto ao voltar a pedalar. E é óbvio que a paisagem de Brasília contribui muito para o lazer ao ar livre.

Li contos de Machado de Assis, li o romance Ilusões Perdidas, de Balzac, e revisei textos deste meu blog cultural. Falei bastante com os pais em Minas Gerais por telefone, já que não nos vemos faz tempo.


Além das corridas que já realizo pra tentar equilibrar
a saúde com o estresse elevado que vivemos no dia a dia,
vou pedalar também de vez em quando.

Agora é focar numa semana em que vou trabalhar aquelas tradicionais 60 a 70 horas em nosso mandato eletivo na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil.

William

domingo, 26 de junho de 2016

A antiga produção de papel - Ilusões Perdidas, Balzac





Refeição Cultural - A antiga produção do papel


Terminei a leitura da primeira parte do romance Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, obra escrita entre 1835 e 1843.

Ilusões Perdidas é um dos romances mais volumosos dos 89 contidos n'A Comédia Humana. A primeira parte é "Os dois poetas" e vai até a página 190. Tem passagens muito interessantes e descritivas do mundo retratado, ou seja, a França da primeira metade do século 19, que inclui o período pós Revolução Francesa, o período do terror entre 1793/94 e o período de Napoleão.

Agora é encarar a segunda parte do romance... que vai da página 191 até a 568. Iremos num ritmo lento, lento e tranquilo, porque minha vida tem pouco espaço para o deleite literário. Sem contar que estou o tempo todo lendo outras literaturas de interesse e relendo meus escritos nos blogs para torná-los definitivos e revistos (até nova revisão...)

Vou transcrever aqui um trecho desta parte que me chamou muito a atenção: a história da produção do papel. Balzac nos dá uma aula falando a respeito do material utilizado, onde é feito, vantagens e desvantagens de acordo com a qualidade e origem etc. É muito interessante! 

Hoje, achamos bem simples e quase todo mundo sabe que aqueles desertos verdes de florestas de eucaliptos são para a produção de papel. Mas imaginem a história deste invento humano...


Ilusões Perdidas, A Comédia Humana - Balzac

O papel, origem e materiais na confecção e a impressão

"O papel, produto não menos maravilhoso que a imprensa, à qual serve de base, existia há muito tempo na China quando, pelos condutos ignorados do comércio, chegou à Ásia Menor, onde, por volta do ano de 750, segundo algumas tradições, se fazia uso de um papel de algodão triturado e reduzido a pasta. A necessidade de substituir o pergaminho, cujo preço era excessivo, fez com que se encontrasse, por uma imitação do papel bombyx (tal era o nome do papel de algodão no Oriente), o papel de trapos, dizem uns que em Basileia, em 1170, por gregos refugiados; afirmam outros que em Pádua, em 1301, por um italiano chamado Pax. Assim, o papel se aperfeiçoou lenta e obscuramente; mas o certo é que já no tempo de Carlos VI fabricava-se em Paris a cartolina para cartas de jogar. Quando os imortais Faust, Coster e Guttemberg inventaram O LIVRO, artesãos, desconhecidos como tantos grandes artistas dessa época ajustaram o fabrico do papel às necessidades da tipografia. Nesse século XV, tão vigoroso e tão simples, os nomes dos diferentes formatos de papel, bem como os nomes dados aos caracteres tipográficos, levaram a marca da ingenuidade do tempo. Assim o Raisin, o Jesus, o Colombier, o papel Pot, o Ecu, o Coquille, o Couronne, tomaram esses nomes do cacho de uvas, da imagem de Nosso Senhor, da coroa, do escudo, do pote, enfim da filigrana marcada no meio da folha, como mais tarde, sob Napoleão se pôs uma águia: daí o papel chamado Grande Águia. Assim também se chamaram aos caracteres Cícero, Santo Agostinho, Grande Cânon, segundo os livros de liturgia, as obras teológicas e os tratados de Cícero nos quais esses caracteres foram pela primeira vez empregados. O itálico foi inventado pelos Aldos, em Veneza: daí seu nome. Antes da invenção do papel mecânico, cujo comprimento é ilimitado, os maiores formatos eram o Grande-Jesus e o Grande-Colombier, embora este último servisse quase só para atlas ou para gravuras. Sem dúvida, as dimensões do papel de impressão estavam subordinadas às das prensas. Na época de que David falava, a existência do papel de bobina parecia uma quimera na França, embora já Denis Robert d'Essonne houvesse, em 1799, inventado, para o fabricar, uma máquina que Didot-Saint-Léger tentou posteriormente aperfeiçoar. O papel velino, inventado por Ambroise Didot, data somente de 1780. Este rápido bosquejo demonstra insofismavelmente que todas as grandes aquisições da indústria e da inteligência são feitas com excessiva lentidão e por agregações despercebidas, exatamente como procede a natureza. Para chegar à sua perfeição, a escrita, a linguagem talvez... passou pelo mesmo tatear que a tipografia e a fabricação do papel...". (páginas 146/147)


Comentário final

Essa aula foi do próprio narrador das Ilusões Perdidas, Balzac. O casal de personagens enamorados estava conversando quando David Séchard falou de problemas futuros na produção do papel francês. Aí o narrador pediu uma licença ao leitor (cara, isso é muito moderno!) e começou a narrar a explicação acima. Vejam como foi:

"A uma pergunta da jovem operária, que não sabia o que significava 'pasta', David lhe deu sobre o papel explicações que não estarão desfocadas numa obra cuja existência material se deve tanto ao papel como à imprensa; mas esse longo parêntese entre um enamorado e sua amada ganhará sem dúvida em ser aqui resumido". (página 146)

Minha vontade é fazer nova postagem, agora dando a palavra ao personagem impressor, David Séchard, explicando os problemas da produção do papel e os efeitos para a tipografia francesa na primeira metade do século 19. É outra bela parte da história do papel e da impressão.

Amig@s leitores, postagens como essa dão trabalho, mas para o autor do blog, valem a pena.

Abraços,

William

sábado, 25 de junho de 2016

Diário - 250616



Uma flor no meio do caminho.
A forma como olhamos para a frente.


Refeição Cultural - Estudar, refletir e se posicionar

Sábado em Brasília, cidade onde resido provisoriamente porque exerço um mandato eletivo em uma entidade de saúde dos trabalhadores. É a vida do ser social que se molda às necessidades e compromissos dos papéis sociais que assumimos na existência.

Estamos esperando o nosso filho nos visitar por dois dias para matar saudades, porque hoje ele vive a centenas de quilômetros de distância para estudar. Eu não o vejo há um mês.

Depois de percorrer dez Estados brasileiros nesses primeiros meses do ano, a trabalho, pois determinei a mim mesmo fazer um mandato muito próximo às bases sociais que representamos, vou ficar algumas semanas mais focado em estudos e trabalhos internos de gestão para me preparar tanto para os graves debates que teremos sobre sustentabilidade da entidade que administramos, como também para retomar uma agenda gigante de visitas a mais dezessete Estados no segundo semestre.


Enquanto vivo, observo
o que há ao redor. Temos
a natureza humana e a
natureza do entorno.
Confesso a vocês que a forma como eu mesmo me impus de exercer o mandato na Cassi, de mesclar a teoria e a prática, os estudos da intelectualidade com a permanência nas bases que represento, é uma forma de representação que extenua o ser, mas é a única forma que sei fazer política.

Decidi estudar duas décadas da Cassi para dar a minha opinião franca no momento que formos debater e propor soluções para a questão do déficit antigo e recorrente do plano de saúde dos funcionários do banco. Me lembro muito do livro que li do intelectual Edward Said - Representações do Intelectual -, obra na qual o autor abordava o papel central do intelectual em se posicionar exatamente com a sua opinião sobre o tema tratado, sem se calar por motivos de alianças políticas ou envolvimentos outros que não sejam o que ele entenda ser o melhor para aquilo que opina.

Ao final dos estudos que estou fazendo a respeito da Caixa de Assistência que administro junto com outros atores, tanto indicados pelo patrocinador-patrão, o Banco do Brasil, quanto outros eleitos pelos associados, vou expressar o que entendo ser melhor para os associados e para a Cassi, coloquei associados na frente porque a Cassi existe em função deles e deve seguir existindo porque é melhor para eles, os associados.

Imaginem vocês que estou relendo autores e textos meus mesmo, de vários anos passados, porque a leitura de bons autores como Machado de Assis e outros dos quais sou admirador nos faz refletir e relembrar o que somos e melhorar nossos conceitos de mundo e de existência.

Os contos que reli nesta semana, O Alienista e Na Arca, de Machado, têm relação profunda com as questões de loucuras e vaidades de meu mundo de gestor de entidade de saúde da comunidade Banco do Brasil e de ex-dirigente sindical num mundo cindido com ódios e rancores nos movimentos sociais e ainda mais num país que sofreu um Golpe de Estado e que tem, no momento, a pior condição política, econômica e social possível para conquistar direitos para trabalhadores ou mantê-los.

Que merda essas crises, heim!

Enfim, vou estudar muito nessas semanas, já estou fazendo isso. Até ao deitar, o cérebro fica trabalhando e buscando soluções para a entidade de saúde que administro e que aprendi a amar e respeitar pelo que ela, a Cassi, representa para mais de setecentos mil vidas da comunidade Banco do Brasil.

Seguimos adiante buscando fazer o melhor possível como cidadão e como ser humano.

William
Cidadão do mundo

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Diário - 230616



Às vezes, olho pro Céu e olho pras flores e estrelas e pássaros...

Fim de quinta-feira em Brasília.

Nesta semana, trabalhei quase que doze horas por dia. É muito trabalho pra não sabermos sequer aonde vai dar, porque o mundo em que vivemos é um mundo de caos, de crises, tanto pela condição política e social em que nos encontramos, o Brasil está sob regime de exceção, quanto pela condição da economia, consequência da construção do Golpe de Estado.

Eu que sou um cidadão do mundo da política, que passei a maior parte da vida lutando contra as injustiças sociais, organizando segmentos sociais para lutar contra a exploração e contra abusos por parte dos poderes da elite e do status quo hegemônico dos meios onde me enfiei, sofro de forma tão profunda ao ver a destruição de um projeto popular em que participei como ator engajado, porque fui representante eleito dos trabalhadores nos últimos 15 anos, que só tenho encontrado uma forma de conviver com toda a iniquidade que vejo: trabalhar pela Cassi e associados de forma compulsiva até esgotar toda a minha energia.

Ao acordar nesta quinta e ver consumada mais uma farsa dantesca do que a gente que não é alienado sabe, que a Operação Golpe de Estado (que a burocracia chama de Lava Jato) iniciou mais uma etapa das 24 previstas para levar adiante o projeto de destruição do Partido dos Trabalhadores, de Lula e Dilma e dos projetos sociais de distribuição de renda e criação de empregos e oportunidades através de políticas afirmativas e inclusivas dos últimos 14 anos, enfim, ao ver essa desgraça do uso das instituições do Estado para caçar e eliminar um segmento social (a esquerda), me deu uma chateação tão grande...

É bárbaro o que está sendo feito pelas instituições oficiais da República Brasileira que deveriam zelar pelos direitos dos cidadãos e pelo estado democrático de direito, instituições dos 3 poderes que foram tomadas por asseclas dos golpistas. O que estão fazendo com os petistas, familiares e simpatizantes de esquerda é crime grave e fere os direitos humanos. 

Essa caça iníqua, pública e cínica que estão fazendo contra a esquerda, principalmente contra o PT, e fazendo em parceria com os empresários canalhas da mídia privada e partidos liderados pelo PSDB e PMDB, terá consequência ali na frente para qualquer cidadão, inclusive para aqueles que apoiaram o golpe - seja de forma besta, alienada ou consciente. No apoio ao Golpe de 1964 foi assim. Depois que os brucutus ignorantes dos milicos tomaram o poder com o apoio da elite empresarial, não quiseram devolver mais o poder do Estado e a lei era "eles", até contra os filhos da burguesia.

O que nós de esquerda estamos vivendo, principalmente se pertencer, tiver origem ou simpatizar com o PT, é semelhante ao que os cidadãos negros viveram na África do Sul do Apartheid, é o mesmo que viveram os negros nos Estados Unidos na luta pelos direitos civis até poucas décadas atrás, é o que viveram os judeus na véspera da "solução final", ainda na Alemanha nazista após a ascensão do 3º Reich de Adolph Hitler, após 1933. 

É A COISIFICAÇÃO, a tirada da condição humana, para a agressão virar algo corriqueiro do cotidiano. Aí o cinismo passa a ser o normal para o populacho. Mesmo para os indignados. 

Não prenderam alguém, prenderam um petista... De noite passa no Jornal Nacional a prisão de mais uma coisa petista... Não mataram alguém, mataram um índio, um trabalhador do MST...

Aí vem um pouco de circo, o futebol, a novela, um programa de animais ou lugares exóticos no Grande Irmão Globo Repórter na sexta... e todos os corruptores que tomaram a República e a democracia de assalto com suas famílias (mulheres e amantes), propriedades, milhões na Suíça e cachorrinhos... seguem nas colunas sociais, ilustrando aquelas revistinhas semanais.


EM MINUTOS, TENHO QUE SUPERAR TUDO ISSO E SAIR PARA LUTAR PELA CASSI E ASSOCIADOS

Mas como disse pra vocês, em minutos eu tenho que superar a tristeza e lavar o rosto, escovar o dente e sair de casa firme e forte para cumprir a minha agenda de Diretor de Saúde da maior autogestão do país, a entidade responsável pelo cuidado da saúde de mais de 700 mil vidas. 

Ninguém tem noção do que é isso, ter que abstrair do meu mundo no caos, meu País sofrendo golpe, para focar o outro mundo em que sou responsável e que também passa por crise histórica - a saúde pública e privada -, crise na Cassi que tenho que enfrentar apesar dela ser consequência do não fazimento de coisas elementares pelos gestores que me antecederam na entidade, além dos fortes efeitos da crise do setor como inflação saúde, fraudes, falta de rede credenciada etc.

Mundo duro, vida difícil, e como diz o poeta, um de meus preferidos, o mestre Carlos Drummond de Andrade, "As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios, provam apenas que a vida prossegue..."

E que "Chegou um tempo em que não adianta morrer, chegou um tempo em que a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação".

Eu posso até me consumir trabalhando (acho que estou fazendo isso), mas tenho a convicção de que estou fazendo ao menos tudo que devo fazer pela entidade de saúde em que sou gestor e pelos associados que represento.

Juro pra vocês, esse poema do Drummond é e-xa-ta-men-te esse mundo bárbaro em que estamos metidos. Sério mesmo! Cada verso, cada estrofe.

William


Post Scriptum

Por dever comigo mesmo e com o corpo que me carrega e que está sendo explorado ao extremo, saí agora à noite e corri nas ruas frias de Brasília. Já corri dez vezes neste mês. 

- Corpo, entenda que eu me esforço para fazer a minha parte. O resto é com o tal destino...


Post Scriptum II

Cada dia em que presencio mais uma iniquidade dos golpistas, mais uma ameaça real aos direitos sociais da classe trabalhadora, cada ação que prejudica milhares ou milhões de pessoas, mais tenho desprezo por cada familiar meu que defendeu, apoiou e participou do golpe efetivado. Desprezo. Só isso sinto por cada um deles.



Os Ombros Suportam o Mundo

Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



segunda-feira, 20 de junho de 2016

Compartilhando conhecimento com as pessoas





Refeição Cultural - Compartilhando conhecimento com as pessoas

Estamos iniciando mais uma semana de trabalho na gestão de nossa Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. Estou em Brasília, capital de nosso querido país e cidade que abriga a sede da entidade de saúde que administro junto com outras pessoas indicadas e eleitas. 

Sou Diretor de Saúde eleito pelos associados e faz dois anos que desenvolvemos um trabalho intenso de aproximação entre a Cassi e seus participantes através de uma estratégia de atuar visitando as bases sociais que representamos, indo além do trivial jeito burocrático de gerir em gabinetes. Acho isso elementar porque o Banco do Brasil é nacional e a Cassi está em todos os Estados brasileiros, ou seja, as pessoas para as quais trabalhamos estão aí nesse pedaço de mundo continental.

Esta forma de mandato eletivo tem um ônus pessoal de grandes proporções. Poucos talvez entendam isso. Na maior parte dos últimos dois anos de trabalho, estive eu num canto, esposa no outro, filho idem, e poucas visitas aos pais idosos. Meu tempo é todo em função de fazer o melhor possível que uma pessoa possa fazer para contribuir para o fortalecimento da Cassi e a defesa dos direitos de seus associados, que representamos.

Eu dedico horas importantes dentro de cada mês de vida para escrever em dois blogs que criei há vários anos. Mas atenção: essa dedicação não desvia para menos minha carga de trabalho, ao contrário, aumenta, porque escrevo também com amor e dedicação cada postagem para deixar alguma informação que possa ser útil para os leitores que aqui chegam. Enquanto muitos vão para o "happy hour" merecido e correto, eu vou para meu canto ler, escrever informações e opiniões que gostaria de dar para as entidades representativas da comunidade BB e para as pessoas que têm alguma relação com o que somos e fazemos.

O mundo humano atual tem uma organização social que depende dos meios de comunicação, e a disputa de hegemonia passa pelas ferramentas midiáticas e tecnológicas advindas das últimas décadas. Mas poucos donos desses meios comunicativos no mundo capitalista têm feito um estrago gigante nos destinos das sociedades através da manipulação das massas, através da imposição de desejos, hábitos e culturas que dificultam muito a manutenção de ideias e ideais de quem não concorda com a imposição feita pelos barões e corporações das mídias monopolizadas.

Com o advento da rede mundial de computadores, vários cidadãos e grupos de minorias no mundo passaram a criar blogs e sites para tentar quebrar essa barreira monopolizada dos donos centenários do poder midiático. No Brasil, por exemplo, as mesmas famílias detêm as fontes de "informação" e manipulação de massas Globo, Folha, Estadão e Abril. Derrubam e colocam governos e destroem reputações ao bel-prazer. Além deles, quase todas as rádios e jornais locais (centenas) têm como donos o político local e ou o empresário e coronel local. Mais lavagem cerebral aos povos locais.

Eu criei este blog de cultura para escrever sobre literatura, cinema, conhecimento adquirido através das aulas que tive na Universidade de São Paulo (USP), para dizer a leitores invisíveis o que eu penso do mundo e das coisas do mundo. Sempre releio os textos antigos para melhorá-los ao mesmo tempo em que alimento o blog com pensamentos novos.

Também criei o blog de trabalho, o Categoria Bancária, para prestar contas do que fazia, o que pensava e defendia, como dirigente sindical e representante dos colegas bancários que nos elegeram. Hoje, presto contas de nosso mandato eletivo na Cassi naquele blog. Lá, estou há dois anos falando sobre as grandes questões do setor de saúde suplementar, principalmente no que tange às autogestões e à nossa Caixa de Assistência especificamente. Presto contas de tudo que faço e defendo, além de por em linguagem simples o mundo da saúde no dia a dia da Cassi.

Esta postagem acaba sintetizando e explicando o esforço que faço em comunicar e partilhar conhecimento de forma gratuita, que é o principal objetivo dos blogs, e também de fazer uma espécie de almanaque de uma vida, a minha. Eu acredito na educação e na formação das pessoas, e não concordo que partilhar conhecimento humano acumulado tenha que ser através de dinheiro, cobrando ou vendendo para a parte que possa comprar.

Aprendi certa vez em uma palestra do professor Ladislau Dowbor que conhecimento se for partilhado, dobra, ele se multiplica no mundo. Diferente de partilhar um bem material como um relógio de pulso. Esse é só de uma pessoa, ela fica sem ele se der a outro. Mas se cada um de nós partilhar o que conhece, mais pessoas podem saber e partilhar com seus pares. E gerar novos conhecimentos a partir do nosso.

É isso, vamos passar mais essa semana trabalhando muito em prol da Cassi e escrevendo nos meus blogs o que penso, o que quero partilhar de conhecimento com aqueles e aquelas que neles vierem a ler.

Boa semana a tod@s os meus pares da classe trabalhadora.

William Mendes
Diretor de Saúde da Cassi (eleito)
Cidadão que acredita na educação

domingo, 19 de junho de 2016

Verba Testamentária - Conto de Machado de Assis (1882)





Conto publicado originalmente na Gazeta de Notícias, 8 de outubro de 1882, depois Machado incluiu este conto no livro Papéis Avulsos, de 1882.


"
Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja."


Comentário do blog:

Como dizia um dos textos sobre crítica literária que li na Faculdade de Letras da USP, é melhor ler os clássicos do que não lê-los.

Machado de Assis é um clássico e boa parte de sua obra é clássica. Até num conto despretensioso como esse, tira-se frases de uma profundidade filosófica como a que cito acima.

Autores com essa característica são poucos. Machado e Saramago rechearam suas obras com elucubrações filosóficas sobre vida e mundo.

É isso,

William



Verba Testamentária


... Item, é minha última vontade que o caixão em que o meu corpo houver de ser enterrado, seja fabricado em casa de Joaquim Soares, à Rua da Alfândega. Desejo que ele tenha conhecimento desta disposição, que também será pública. Joaquim Soares não me conhece; mas é digno da distinção, por ser dos nossos melhores artistas, e um dos homens mais honrados da nossa terra...


Cumpriu-se à risca esta verba testamentária. Joaquim Soares fez o caixão em que foi metido o corpo do pobre Nicolau B. de C.; fabricou-o ele mesmo, con amore; e, no fim, por um movimento cordial, pediu licença para não receber nenhuma remuneração. Estava pago; o favor do defunto era em si mesmo um prêmio insigne. Só desejava uma coisa: a cópia autêntica da verba. Deram-lha; ele mandou-a encaixilhar e pendurar de um prego, na loja. Os outros fabricantes de caixões, passado o assombro, clamaram que o testamento era um despropósito. Felizmente, — e esta é uma das vantagens do estado social, — felizmente, todas as demais classes acharam que aquela mão, saindo do abismo para abençoar a obra de um operário modesto, praticara uma ação rara e magnânima. Era em 1855; a população estava mais conchegada; não se falou de outra coisa. O nome do Nicolau reboou por muitos dias na imprensa da corte, donde passou à das províncias. Mas a vida universal é tão variada, os sucessos acumulam-se em tanta multidão, e com tal presteza, e, finalmente, a memória dos homens é tão frágil, que um dia chegou em que a ação de Nicolau mergulhou de todo no olvido.


Não venho restaurá-la. Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja. Não, não venho restaurá-la. Há milhares de ações tão bonitas, ou ainda mais bonitas do que a do Nicolau, e comidas do esquecimento. Venho dizer que a verba testamentária não é um efeito sem causa; venho mostrar uma das maiores curiosidades mórbidas deste século.


Sim, leitor amado, vamos entrar em plena patologia. Esse menino que aí vês, nos fins do século passado (em 1855, quando morreu, tinha o Nicolau sessenta e oito anos), esse menino não é um produto são, não é um organismo perfeito. Ao contrário, desde os mais tenros anos, manifestou por atos reiterados que há nele algum vício interior, alguma falha orgânica. Não se pode explicar de outro modo a obstinação com que ele corre a destruir os brinquedos dos outros meninos, não digo os que são iguais aos dele, ou ainda inferiores, mas os que são melhores ou mais ricos. Menos ainda se compreende que, nos casos em que o brinquedo é único, ou somente raro, o jovem Nicolau console a vítima com dois ou três pontapés; nunca menos de um. Tudo isso é obscuro. Culpa do pai não pode ser. O pai era um honrado negociante ou comissário (a maior parte das pessoas a que aqui se dá o nome de comerciantes, dizia o marquês de Lavradio, nada mais são que uns simples comissários), que viveu com certo luzimento, no último quartel do século, homem ríspido, austero, que admoestava o filho, e, sendo necessário, castigava-o. Mas nem admoestações, nem castigos, valiam nada. O impulso interior do Nicolau era mais eficaz do que todos os bastões paternos; e, uma ou duas vezes por semana, o pequeno reincidia no mesmo delito. Os desgostos da família eram profundos. Deu-se mesmo um caso, que, por suas gravíssimas consequências, merece ser contado.


O vice-rei, que era então o Conde de Resende, andava preocupado com a necessidade de construir um cais na Praia de D. Manuel. Isto, que seria hoje um simples episódio municipal, era naquele tempo, atentas as proporções escassas da cidade, uma empresa importante. Mas o vice-rei não tinha recursos; o cofre público mal podia acudir às urgências ordinárias. Homem de estado, e provavelmente filósofo, engendrou um expediente não menos suave que profícuo: distribuir, a troco de donativos pecuniários, postos de capitão, tenente e alferes. Divulgada a resolução, entendeu o pai do Nicolau que era ocasião de figurar, sem perigo, na galeria militar do século, ao mesmo tempo que desmentia uma doutrina bramânica. Com efeito, está nas leis de Manu, que dos braços de Brama nasceram os guerreiros, e do ventre os agricultores e comerciantes; o pai do Nicolau, adquirindo o despacho de capitão, corrigia esse ponto da anatomia gentílica. Outro comerciante, que com ele competia em tudo, embora familiares e amigos, apenas teve notícia do despacho, foi também levar a sua pedra ao cais. Desgraçadamente, o despeito de ter ficado atrás alguns dias, sugeriu-lhe um arbítrio de mau gosto e, no nosso caso, funesto; foi assim que ele pediu ao vice-rei outro posto de oficial do cais (tal era o nome dado aos agraciados por aquele motivo) para um filho de sete anos. O vice-rei hesitou; mas o pretendente, além de duplicar o donativo, meteu grandes empenhos, e o menino saiu nomeado alferes. Tudo correu em segredo; o pai de Nicolau só teve notícia do caso no domingo próximo, na igreja do Carmo, ao ver os dois, pai e filho, vindo o menino com uma fardinha que, por galanteria, lhe meteram no corpo. Nicolau, que também ali estava, fez-se lívido; depois, num ímpeto, atirou-se sobre o jovem alferes e rasgou-lhe a farda, antes que os pais pudessem acudir. Um escândalo. O rebuliço do povo, a indignação dos devotos, as queixas do agredido, interromperam por alguns instantes as cerimônias eclesiásticas. Os pais trocaram algumas palavras acerbas, fora, no adro, e ficaram brigados para todo o sempre.


— Este rapaz há de ser a nossa desgraça! bradava o pai de Nicolau, em casa, depois do episódio.


Nicolau apanhou então muita pancada, curtiu muita dor, chorou, soluçou; mas de emenda coisa nenhuma. Os brinquedos dos outros meninos não ficaram menos expostos. O mesmo passou a acontecer às roupas. Os meninos mais ricos do bairro não saíam fora senão com as mais modestas vestimentas caseiras, único modo de escapar às unhas de Nicolau. Com o andar do tempo, estendeu ele a aversão às próprias caras, quando eram bonitas, ou tidas como tais. A rua em que ele residia, contava um sem-número de caras quebradas, arranhadas, conspurcadas. As coisas chegaram a tal ponto, que o pai resolveu trancá-lo em casa durante uns três ou quatro meses. Foi um paliativo, e, como tal, excelente. Enquanto durou a reclusão, Nicolau mostrou-se nada menos que angélico; fora daquele sestro mórbido, era meigo, dócil, obediente, amigo da família, pontual nas rezas. No fim dos quatro meses, o pai soltou-o; era tempo de o meter com um professor de leitura e gramática.


— Deixe-o comigo, disse o professor; deixe-o comigo, e com esta (apontava para a palmatória)... Com esta, é duvidoso que ele tenha vontade de maltratar os companheiros.


Frívolo! três vezes frívolo professor! Sim, não há dúvida, que ele conseguiu poupar os meninos bonitos e as roupas vistosas, castigando as primeiras investidas do pobre Nicolau; mas em que é que este sarou da moléstia? Ao contrário, obrigado a conter-se, a engolir o impulso, padecia dobrado, fazia-se mais lívido, com reflexos de verde bronze; em certos casos, era compelido a voltar os olhos ou fechá-los, para não arrebentar, dizia ele. Por outro lado, se deixou de perseguir os mais graciosos ou melhor adornados, não perdoou aos que se mostravam mais adiantados no estudo; espancava-os, tirava-lhes os livros, e lançava-os fora, nas praias ou no mangue. Rixas, sangue, ódios, tais eram os frutos da vida, para ele, além das dores cruéis que padecia, e que a família teimava em não entender. Se acrescentarmos que ele não pôde estudar nada seguidamente, mas a trancos, e mal, como os vagabundos comem, nada fixo, nada metódico, teremos visto algumas das dolorosas consequências do fato mórbido, oculto e desconhecido. O pai, que sonhava para o filho a Universidade, vendo-se obrigado a estrangular mais essa ilusão, esteve prestes a amaldiçoá-lo; foi a mãe que o salvou.


Saiu um século, entrou outro, sem desaparecer a lesão do Nicolau. Morreu-lhe o pai em 1807 e a mãe em 1809; a irmã casou com um médico holandês, treze meses depois. Nicolau passou a viver só. Tinha vinte e três anos; era um dos petimetres da cidade, mas um singular petimetre, que não podia encarar nenhum outro, ou fosse mais gentil de feições, ou portador de algum colete especial, sem padecer uma dor violenta, tão violenta, que o obrigava às vezes a trincar o beiço até deitar sangue. Tinha ocasiões de cambalear; outras de escorrer-lhe pelo canto da boca um fio quase imperceptível de espuma. E o resto não era menos cruel. Nicolau ficava então ríspido; em casa achava tudo mau, tudo incômodo, tudo nauseabundo; feria a cabeça aos escravos com os pratos, que iam partir-se também, e perseguia os cães, a pontapés; não sossegava dez minutos, não comia, ou comia mal. Enfim dormia; e ainda bem que dormia. O sono reparava tudo. Acordava lhano e meigo, alma de patriarca, beijando os cães entre as orelhas, deixando-se lamber por eles, dando-lhes do melhor que tinha, chamando aos escravos as coisas mais familiares e ternas. E tudo, cães e escravos, esqueciam as pancadas da véspera, e acudiam às vozes dele obedientes, namorados, como se este fosse o verdadeiro senhor, e não o outro.


Um dia, estando ele em casa da irmã, perguntou-lhe esta por que motivo não adotava uma carreira qualquer, alguma coisa em que se ocupasse, e...


— Tens razão, vou ver, disse ele.


Interveio o cunhado e opinou por um emprego na diplomacia. O cunhado principiava a desconfiar de alguma doença e supunha que a mudança de clima bastava a restabelecê-lo. Nicolau arranjou uma carta de apresentação, e foi ter com o ministro de estrangeiros. Achou-o rodeado de alguns oficiais da secretaria, prestes a ir ao paço, levar a notícia da segunda queda de Napoleão, notícia que chegara alguns minutos antes. A figura do ministro, as circunstâncias do momento, as reverências dos oficiais, tudo isso deu um tal rebate ao coração de Nicolau, que ele não pôde encarar o ministro. Teimou, seis ou oito vezes, em levantar os olhos, e da única em que o conseguiu, fizeram-se-lhe tão vesgos, que não via ninguém, ou só uma sombra, um vulto, que lhe doía nas pupilas, ao mesmo tempo que a face ia ficando verde. Nicolau recuou, estendeu a mão trêmula ao reposteiro, e fugiu.


— Não quero ser nada! disse ele à irmã, chegando à casa; fico com vocês e os meus amigos.


Os amigos eram os rapazes mais antipáticos da cidade, vulgares e ínfimos. Nicolau escolhera-os de propósito. Viver segregado dos principais era para ele um grande sacrifício; mas, como teria de padecer muito mais vivendo com eles, tragava a situação. Isto prova que ele tinha um certo conhecimento empírico do mal e do paliativo. A verdade é que, com esses companheiros, desapareciam todas as perturbações fisiológicas do Nicolau. Ele fitava-os sem lividez, sem olhos vesgos, sem cambalear, sem nada. Além disso, não só eles lhe poupavam a natural irritabilidade, como porfiavam em tornar-lhe a vida, senão deliciosa, tranquila; e para isso, diziam-lhe as maiores finezas do mundo, em atitudes cativas, ou com uma certa familiaridade inferior. Nicolau amava em geral as naturezas subalternas, como os doentes amam a droga que lhes restitui a saúde; acariciava-as paternalmente, dava-lhes o louvor abundante e cordial, emprestava-lhes dinheiro, distribuía-lhes mimos, abria-lhes a alma... Veio o grito do Ipiranga; Nicolau meteu-se na política. Em 1823 vamos achá-lo na Constituinte. Não há que dizer ao modo por que ele cumpriu os deveres do cargo. Íntegro, desinteressado, patriota, não exercia de graça essas virtudes públicas, mas à custa de muita tempestade moral. Pode-se dizer, metaforicamente, que a frequência da câmara custava-lhe sangue precioso. Não era só porque os debates lhe pareciam insuportáveis, mas também porque lhe era difícil encarar certos homens, especialmente em certos dias. Montezuma, por exemplo, parecia-lhe balofo, Vergueiro, maçudo, os Andradas, execráveis. Cada discurso, não só dos principais oradores, mas dos secundários, era para o Nicolau verdadeiro suplício. E, não obstante, firme, pontual. Nunca a votação o achou ausente; nunca o nome dele soou sem eco pela augusta sala. Qualquer que fosse o seu desespero, sabia conter-se e pôr a ideia da pátria acima do alívio próprio. Talvez aplaudisse in petto o decreto da dissolução. Não afirmo; mas há bons fundamentos para crer que o Nicolau, apesar das mostras exteriores, gostou de ver dissolvida a assembleia. E se essa conjetura é verdadeira, não menos o será esta outra: — que a deportação de alguns dos chefes constituintes, declarados inimigos públicos, veio aguar-lhe aquele prazer. Nicolau, que padecera com os discursos deles, não menos padeceu com o exílio, posto lhes desse um certo relevo. Se ele também fosse exilado!


— Você podia casar, mano, disse-lhe a irmã.


— Não tenho noiva.


— Arranjo-lhe uma. Valeu?


Era um plano do marido. Na opinião deste, a moléstia do Nicolau estava descoberta; era um verme do baço, que se nutria da dor do paciente, isto é, de uma secreção especial, produzida pela vista de alguns fatos, situações ou pessoas. A questão era matar o verme; mas, não conhecendo nenhuma substância química própria a destruí-lo, restava o recurso de obstar à secreção, cuja ausência daria igual resultado. Portanto, urgia casar o Nicolau, com alguma moça bonita e prendada, separá-lo do povoado, metê-lo em alguma fazenda, para onde levaria a melhor baixela, os melhores trastes, os mais reles amigos, etc.


— Todas as manhãs, continuou ele, receberá o Nicolau um jornal que vou mandar imprimir com o único fim de lhe dizer as coisas mais agradáveis do mundo, e dizê- las nominalmente, recordando os seus modestos, mas profícuos trabalhos da Constituinte, e atribuindo-lhe muitas aventuras namoradas, agudezas de espírito, rasgos de coragem. Já falei ao almirante holandês para consentir que, de quando em quando, vá ter com Nicolau algum dos nossos oficiais dizer-lhe que não podia voltar para a Haia sem a honra de contemplar um cidadão tão eminente e simpático, em quem se reúnem qualidades raras, e, de ordinário, dispersas. Você, se puder alcançar de alguma modista, a Gudin, por exemplo, que ponha o nome de Nicolau em um chapéu ou mantelete, ajudará muito a cura de seu mano. Cartas amorosas anônimas, enviadas pelo correio, são um recurso eficaz... Mas comecemos pelo princípio, que é casá-lo.


Nunca um plano foi mais conscienciosamente executado. A noiva escolhida era a mais esbelta, ou uma das mais esbeltas da capital. Casou-os o próprio bispo. Recolhido à fazenda, foram com ele somente alguns de seus mais triviais amigos; fez-se o jornal, mandaram-se as cartas, peitaram-se as visitas. Durante três meses tudo caminhou às mil maravilhas. Mas a natureza, apostada em lograr o homem, mostrou ainda desta vez que ela possui segredos inopináveis. Um dos meios de agradar ao Nicolau era elogiar a beleza, a elegância e as virtudes da mulher; mas a moléstia caminhara, e o que parecia remédio excelente foi simples agravação do mal. Nicolau, ao fim de certo tempo, achava ociosos e excessivos tantos elogios à mulher, e bastava isto a impacientá-lo, e a impaciência a produzir-lhe a fatal secreção. Parece mesmo que chegou ao ponto de não poder encará-la muito tempo, e a encará-la mal; vieram algumas rixas, que seriam o princípio de uma separação, se ela não morresse daí a pouco. A dor do Nicolau foi profunda e verdadeira; mas a cura interrompeu-se logo, porque ele desceu ao Rio de Janeiro, onde o vamos achar, tempos depois, entre os revolucionários de 1831.


Conquanto pareça temerário dizer as causas que levaram o Nicolau para o Campo da Aclamação, na noite de 6 para 7 de abril, penso que não estará longe da verdade quem supuser que — foi o raciocínio de um ateniense célebre e anônimo. Tanto os que diziam bem, como os que diziam mal do imperador, tinham enchido as medidas ao Nicolau. Esse homem, que inspirava entusiasmos e ódios, cujo nome era repetido onde quer que o Nicolau estivesse, na rua, no teatro, nas casas alheias, tornou-se uma verdadeira perseguição mórbida, daí o fervor com que ele meteu a mão no movimento de 1831. A abdicação foi um alívio. Verdade é que a Regência o achou dentro de pouco tempo entre os seus adversários; e há quem afirme que ele se filiou ao Partido Caramuru ou Restaurador, posto não ficasse prova do ato. O que é certo é que a vida pública do Nicolau cessou com a Maioridade.


A doença apoderara-se definitivamente do organismo. Nicolau ia, a pouco e pouco, recuando na solidão. Não podia fazer certas visitas, frequentar certas casas. O teatro mal chegava a distraí-lo. Era tão melindroso o estado dos seus órgãos auditivos, que o ruído dos aplausos causava-lhe dores atrozes. O entusiasmo da população fluminense para com a famosa Candiani e a Meréa, mas a Candiani principalmente, cujo carro puxaram alguns braços humanos, obséquio tanto mais insigne quanto que o não fariam ao próprio Platão, esse entusiasmo foi uma das maiores mortificações do Nicolau. Ele chegou ao ponto de não ir mais ao teatro, de achar a Candiani insuportável, e preferir a Norma dos realejos à da prima-dona. Não era por exageração de patriota que ele gostava de ouvir o João Caetano, nos primeiros tempos; mas afinal deixou-o também, e quase que inteiramente os teatros.


“Está perdido! pensou o cunhado. Se pudéssemos dar-lhe um baço novo...”


Como pensar em semelhante absurdo? Estava naturalmente perdido. Já não bastavam os recreios domésticos. As tarefas literárias a que se deu, versos de família, glosas a prêmio e odes políticas, não duraram muito tempo, e pode ser até que lhe dobrassem o mal. De fato, um dia, pareceu-lhe que essa ocupação era a coisa mais ridícula do mundo, e os aplausos ao Gonçalves Dias, por exemplo, deram-lhe ideia de um povo trivial e de mau gosto. Esse sentimento literário, fruto de uma lesão orgânica, reagiu sobre a mesma lesão, ao ponto de produzir graves crises, que o tiveram algum tempo na cama. O cunhado aproveitou o momento para desterrar-lhe da casa todos os livros de certo porte.


Explica-se menos o desalinho com que daí a meses começou a vestir-se. Educado com hábitos de elegância, era antigo freguês de um dos principais alfaiates da Corte, o Plum, não passando um só dia em que não fosse pentear-se ao Desmarais e Gérard, coiffeurs de la cour, à Rua do Ouvidor. Parece que achou enfatuada esta denominação de cabeleireiros do paço, e castigou-os indo pentear-se a um barbeiro ínfimo. Quanto ao motivo que o levou a trocar de traje, repito que é inteiramente obscuro, e a não haver sugestão da idade, é inexplicável.


A despedida do cozinheiro é outro enigma. Nicolau, por insinuação do cunhado, que o queria distrair, dava dois jantares por semana; e os convivas eram unânimes em achar que o cozinheiro dele primava sobre todos os da capital. Realmente os pratos eram bons, alguns ótimos, mas o elogio era um tanto enfático, excessivo, para o fim justamente de ser agradável ao Nicolau, e assim aconteceu algum tempo. Como entender, porém, que um domingo, acabado o jantar, que fora magnífico, despedisse ele um varão tão insigne, causa indireta de alguns dos seus mais deleitosos momentos na terra? Mistério impenetrável.


— Era um ladrão! foi a resposta que ele deu ao cunhado.


Nem os esforços deste nem os da irmã e dos amigos, nem os bens, nada melhorou o nosso triste Nicolau. A secreção do baço tornou-se perene, e o verme reproduziu-se aos milhões, teoria que não sei se é verdadeira, mas enfim era a do cunhado. Os últimos anos foram crudelíssimos. Quase se pode jurar que ele viveu então continuamente verde, irritado, olhos vesgos, padecendo consigo ainda muito mais do que fazia padecer aos outros. A menor ou maior coisa triturava-lhe os nervos: um bom discurso, um artista hábil, uma sege, uma gravata, um soneto, um dito, um sonho interessante, tudo dava de si uma crise.


Quis ele deixar-se morrer? Assim se poderia supor, ao ver a impassibilidade com que rejeitou os remédios dos principais médicos da corte; foi necessário recorrer à simulação, e dá-los, enfim, como receitados por um ignorantão do tempo. Mas era tarde. A morte levou-o ao cabo de duas semanas.


— Joaquim Soares? bradou atônito o cunhado, ao saber da verba testamentária do defunto, ordenando que o caixão fosse fabricado por aquele industrial. Mas os caixões desse sujeito não prestam para nada, e...


— Paciência! interrompeu a mulher; a vontade do mano há de cumprir-se.


FIM


Fonte: as obras de Machado de Assis são de domínio público.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Fotos aéreas - Fraturas líquidas em um mundo verde


Fratura líquida num mundo marron-verde.

Fratura líquida num mundo verde,
chegando em São Paulo.

Olá queridos leitores,

Estou bem cansado para escrever hoje sobre a agenda importante que tivemos em defesa da Cassi e dos associados. Estivemos no Banco do Brasil em SP firmando parcerias de trabalho e depois estivemos no Conselho de Usuários da Cassi SP.

Dormi pouco na noite passada, voei para São Paulo pela manhã e saí da Cassi SP quase 20h. Estou num hotel no centro da capital paulista. Comi num boteco um prato de arroz, feijão, bife, farofa e legumes. Vou deixar para escrever sobre o trabalho amanhã.

Mas... deixo aqui duas fotos aéreas de instantes que me chamaram a atenção sobre a beleza que é esse mundão e nossa natureza.

Abraços a tod@s os meus pares da classe trabalhadora!

William Mendes
Cidadão brasileiro

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Diário - 130616



Olho mais a natureza hoje que antes. Talvez seja a questão
do tempo em nossas vidas. O entardecer em Brasília é algo
a se observar. Este acima foi no sábado 11/6.

Manhã de segunda-feira em Brasília, Capital de nosso querido Brasil, que vive momentos indignos por causa da classe política que usurpa nossa democracia e nossos direitos sociais, civis e políticos.

Já comecei logo cedo, 8:30h, a leitura da grande pauta de reunião de Diretoria Executiva que teremos nesta semana na Cassi. Eu estava tão cansado e esgotado na sexta-feira passada que me neguei a começar a ler as súmulas no fim de semana. Precisava de um respiro físico e na minha psique.

Mas o dia de trabalho hoje vai até a madrugada da terça para vencer a leitura da pauta.


Neste fim de semana, sozinho sem a família, li um livro belíssimo que ganhei de presente de minha esposa - Um velho que lia romances de amor, de Luis Sepúlveda (leia comentário AQUI). Assisti ao famoso filme Django, de Quentin Tarantino (comentário AQUI). 

Já no domingo à noite, li um pouco do volume gigante das Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac. Eu ganhei de minha esposa nove volumes da coleção A Comédia Humana. Quem sabe se eu viver até os cem anos possa ler tudo.

Minha corrida no Eixão foi muito prazerosa porque tive o prazer de ver os primeiros ipês com flores roxas. Vi quatro árvores carregadas de flores em cachos, correndo no percurso da quadra 110 Sul sentido aeroporto. Pena que não levei máquina para fotografar para vocês; a imagem está na minha memória.

As flores roxas ou tom lilás são as que abrem a temporada de ipês em Brasília. Só depois virão as outras floradas amarelas, brancas e rosas nas semanas e meses seguintes. Adoro a natureza da Capital do Brasil.


É necessário sermos uma Comunidade e não um mero agrupamento

Me chamou a atenção a reflexão "A ambígua solidão", uma das pensatas do livro "Não nascemos prontos" do filósofo Mario Sergio Cortella, livro que ganhei do amigo Jacy Afonso e que se tornou uma leitura de cabeceira porque sempre leio uma das provocações ao acordar ou ao dormir.

"Há uma imensa diferença entre agrupamento e comunidade; esta pressupõe partilha de interesses e cuidado protetor mútuo, enquanto aquele resume-se a uma simples agregação de pessoas com raros objetivos coletivos comuns, pontuado por sinais de uma filantropia que, no mais das vezes, por ser calculista e interesseira, beira o cinismo utilitarista..."

Desde que me peguei aceitando indicações de pessoas ao meu redor para ser candidato a cargos eletivos, das comunidades em que me inseri ao longo da vida, aceitei por acreditar nesta descrição que o Cortella nos dá de interesses coletivos, de proteção mútua que uma comunidade nos dá.

Fui eleito em salas de aula e escolas e faculdades durante a vida estudantil, depois no condomínio onde vivemos, e depois eleito por trabalhadores primeiro no movimento sindical e agora como gestor da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil para fazer o que sempre acreditei: neste momento de minha vida, defender os interesses coletivos de nossos colegas da Comunidade BB na Cassi.

É por isso que tanto me esforço para manter o contato com as bases sociais as quais pertencemos e representamos, para falar de "pertencimento" e para convidar todos a "estarem juntos" e ajudarem tanto na busca de soluções de problemas comuns quanto para desfrutarem dos direitos e deveres das instituições que nossa Comunidade BB, feita por pessoas, construiu ao longo de dois séculos.

Vamos para mais uma semana de trabalho e de luta pelo bem comum.

William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Cassi (eleito)

domingo, 12 de junho de 2016

Leitura: Um velho que lia romances de amor (1989) - Luis Sepúlveda



História apaixonante...

Refeição Cultural

"A vida na selva temperou cada detalhe de seu corpo. Adquiriu músculos felinos, que com o passar dos anos se tornaram rijos. Sabia tanto da selva quanto um shuar. Era tão bom rastreador quanto um shuar. Nadava tão bem quanto um shuar. Definitivamente, era como um deles, mas não era um deles."


Um início

A vida é interessante. Ela é toda feita de ligas a partir de instantes, liames de coisas em tese desconexas.

Dias desses, estava eu nos raros momentos de descanso em casa, zapeando canais na TV, quando parei num documentário que falava da vida e obra de um cidadão chileno de nome Luis Sepúlveda. Parei para ver o que era.

Fiquei encantado com a história da vida do cara. Ele foi militante de esquerda no Chile de Salvador Allende, fez parte da Guarda Nacional e estava no La Moneda no dia trágico do Golpe em 11 de setembro de 1973.

Depois virou um exilado e auto-exilado pelo mundo, passando por alguns países na América do Sul, depois Europa. Conviveu com os índios shuares, na Selva Amazônica, conheceu Chico Mendes, ao qual dedica o livro que acabei de ler.

No dia do documentário, minha esposa viu que fiquei vidrado na história de Sepúlveda e nas perspectivas que se abriam com sua obra literária.

Dias depois, ela me daria de presente o livro "Um velho que lia romances de amor", lançado em 1989, por Luis Sepúlveda. Foi meu presente de dia dos namorados, dado a mim faz dias porque neste 12 de junho estamos cada um num lugar deste país, eu em Brasília, ela em São Paulo.

Neste sábado, acordei e abri o livro para ler. Acabei agora há pouco. Estou emocionado, arrepiado, com lágrimas nos olhos. É aquele turbilhão que a catarse nos dá.

Durante a leitura, me vi nos anos oitenta. Alternei minha lembrança de mundo infantil e adolescente de quem andou em mato - é lógico que não se compara ao cenário da Amazônia, mas andei em mato onde cresci -, fiquei revoltado com os homens que tudo destroem, com a frieza do "progresso" capitalista. Emocionei com a história da personagem principal, Antonio José Bolivar Próaño, que descobriu nos romances de amor, uma válvula de escape para esse mundo duro, desgraçado e impiedoso dos humanos.


Estou envelhecendo e espero poder ler muitos
romances, inclusive os de amor.

Noni, obrigado pelo presente do dia dos namorados. Adorei! Como sempre, eu sou o presenteado em datas comemorativas e poucas vezes retribuo com presentes. Sinta minha gratidão pela leitura que acabei de fazer e feliz dia dos namorados. Aprendemos a superar as merdas da vida e hoje temos a parceria e o companheirismo de uma relação a dois. Com o avançar da idade, essa cumplicidade é a liga mais importante nas relações humanas.

Um beijo a você e recomendo aos amig@s e amantes da leitura que conheçam essa figura, Luis Sepúlveda, que também tem uma história de amor em sua vida pessoal toda feita dos acasos, encontros e desencontros da vida.

William
Um amante da leitura


Um velho que lia romances de amor

É difícil não lembrar de outra obra que sou apaixonado desde muito tempo ao ler esta história de Antonio José Bolivar Próaño, passada na Selva Amazônica. Nosso velho aqui é nosso Santiago da clássica obra de Hemingway, O velho e o mar, que já li cinco vezes. 

Desta vez, o homem se depara com o mato e com uma onça vítima da crueza humana, que lhe matou as crias e feriu o macho. Antonio José Bolivar aprendeu a viver e conhecer o mato como poucos brancos, porque conviveu com os índios shuares. Uma frase dita durante toda a narrativa do livro me marcou bastante:

"Ele não era um deles, mas era como um deles"


Pensei tanta coisa com essa descrição. Ela serve para cada um de nós, talvez, por algum momento que já lidamos em nossas vidas.


O cenário - Selva Amazônica

"O céu era uma ameaçadora barriga de burro inchada, pendurada a poucos palmos das cabeças. O vento morno e pegajoso varria algumas folhas soltas e sacudia com violência as bananeiras raquíticas que enfeitavam a fachada da delegacia.

Os poucos habitantes de El Idilio e mais um bando de aventureiros vindos das redondezas se reuniam no cais, esperando a vez de se sentar na cadeira portátil do doutor Rubicundo Loachamín, o dentista, que aliviava as dores de seus pacientes mediante um curioso tipo de anestesia oral..."


Essa primeira parte com os causos do dentista me fizeram lembrar os anos setenta e oitenta, como eram tratadas as questões de dente, não-dente e dentaduras em todos nós, povão. (como evitar a referência de que estamos ficando velhos...)


E então, o velho atiça a curiosidade por livros

"O velho permaneceu no cais até que o barco desapareceu engolido por uma curva de rio. Então decidiu que nesse dia não falaria com mais ninguém, tirou a dentadura postiça, envolveu-a num lenço e, apertando os livros junto ao peito, foi para a cabana..."


Os brancos em meio às bernes e a chegada dos sábios índios shuares

"Sentiam-se perdidos, numa luta estéril contra a chuva que a cada investida ameaçava carregar a cabana, com os mosquitos que em cada pausa do aguaceiro atacavam com uma ferocidade sem igual, apossando-se de todo o corpo, picando, sugando, deixando ardentes víbices e larvas sob a pele, que em pouco tempo buscariam a luz abrindo feridas supurantes em seu caminho para a liberdade verde, com os animais famintos que rondavam pelo mato povoando-o de sons estremecedores que tiravam o sono, até que foram salvos pelo surgimento de uns homens seminus, de rostos pintados com polpa de urucum e enfeites multicoloridos nas cabeças e nos braços.

Eram os shuares que, compadecidos, tinham vindo ajudá-los..."


Em minha infância e adolescência, cansei de ver pessoas com bichos de pé, bernes, carrapatos grudados até parecer um grão de feijão... esse negócio de humano no meio do mato tem consequências reais para esses animais mamíferos que somos!


A cerimônia fúnebre dos shuares, a passagem para outras formas de vida e o amor

"Compartilhou do festim generoso oferecido pelos velhos que decidiam ter chegado sua hora de 'partir' e, quando estes adormeceram sob os efeitos da chicha e da natema, em meio a venturosas visões alucinadas que lhes abriam as portas de futuras existências já delineadas, ajudou a levá-los até uma cabana afastada e a cobrir seus corpos com o dulcíssimo mel da palmeira chonta.

No dia seguinte, entoando anents de louvor àquelas novas vidas, agora com formas de peixes, borboletas ou animais sábios, ajudou a reunir os ossos brancos, limpíssimos, os restos desnecessários dos anciãos transportados para outras vidas pelas mandíbulas implacáveis das formigas afiango.

Durante sua vida entre os shuares não precisou dos romances de amor para conhecê-lo."


Comentário final

Eu poderia citar tantas passagens emocionantes, que transmitem algo a se refletir. Mas eu prefiro sugerir que as pessoas conheçam a obra deste cidadão do mundo, Luis Sepúlveda.

Já faz um tempinho que tenho cismado sobre a passagem do tempo. Estou entrando numa fase da vida onde é necessário refletir o tempo todo sobre o que é mais importante, porque meu tempo não está mais vindo, está indo (e há tanto por se fazer...)

Termino a postagem com uma passagem da história:

"Certa manhã, Antonio José Bolivar descobriu que estava envelhecendo quando errou um tiro de zarabatana. Também chegava a sua hora de partir..."



Bibliografia

SEPÚLVEDA, Luis. Um velho que lia romances de amor. Tradução: Josely Vianna Baptista. Editora Relume Dumará, 2005.


sábado, 11 de junho de 2016

Django livre - Quentin Tarantino


Produção de Tarantino, 2012.

Refeição Cultural


SINOPSE (Wikipedia)

Django (Jamie Foxx) é um escravo que tem seu destino completamente alterado quando é comprado pelo Dr. King Schultz (Christoph Waltz), alemão caçador de recompensas que se esconde atrás de um disfarce de dentista. A aquisição feita por Schultz, no entanto, não é aleatória: ele precisa da ajuda de Django para identificar seus próximos alvos.

Em contrapartida, Schultz promete libertar Django assim que a missão for cumprida. Depois de se tornar um homem livre, Django continua na estrada com Schultz, de quem agora é parceiro, até que é chegada a hora do grande desafio: enfrentar o poderoso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) para libertar sua esposa, Broonhilda (Kerry Washington).

O filme é um clássico ‘tarantinesco’: mistura faroeste, lendas alemãs, referências pop, cenas divertidas e litros de sangue para contar a história de um homem que já passou uma temporada no inferno e que agora quer reencontrar seu grande amor e se vingar dos seus opressores.

Durante a longa jornada de Django, vemos sua transformação de escravo submisso, assustado e compassivo em um homem seguro, frio e, muitas vezes, cruel, que faz o que tem que ser feito para alcançar seus objetivos. Uma peça crucial dessa metamorfose é, sem dúvida, Schultz, um cara impiedoso com bandidos, mas que, no fundo, era um coração mole que não suportava ver inocentes sofrendo e que tinha nojo da escravidão.

A amizade de Django e Schultz é incrivelmente sólida e verdadeira.

Vale destacar as atuações inspiradas do sempre ótimo Christoph Waltz, do fazendeiro arrogante vivido por DiCaprio e do escravo racista e invejoso interpretado por Samuel L. Jackson.


COMENTÁRIO


Pois é, acabei assistindo ao filme Django Livre, de Quentin Tarantino.

Por várias vezes, conversando com amigos, expressei minha opinião sobre os filmes de Tarantino. Acho que eles são difíceis de ver para o meu gosto. Aquela técnica de sangue jorrando e espirrando na câmara e na cara da gente não me agrada.

Algumas vezes, cheguei a iniciar filmes dele e parar de ver com poucos minutos. Bastardos Inglórios, por exemplo, eu assisti, mas foi dureza! Também vi Kill Bill, volumes 1 e 2, por insistência de esposa e filho.

Estou sozinho em casa nestes dias, longe da família, e após ler neste sábado o dia todo um livro que estou terminando, parei para ver as quase três horas deste filme.

Confesso que deste eu gostei. Como estamos vivendo sob a opressão do Golpe de Estado aplicado em meu país, faz poucas semanas, e com uma pauta desgraçada sendo imposta pelos golpistas aos milhões de trabalhadores brasileiros, é bom as pessoas reverem o filme e entenderem o que é sermos tratados como propriedade de poucos capitalistas e burgueses donos de tudo no mundo.

A questão da escravidão, da construção social e ideológica da "supremacia racial", a antiquíssima merda de povos brancos se considerarem melhores que outros e do atualíssimo debate do novo ataque do sistema capitalista aos direitos dos trabalhadores do mundo, para ampliar a miséria e a exploração humana, tudo isso são tons da mesma questão monocromática atual: a ascensão da direita fascista pelos países do mundo, num retorno do cenário vivido pelo mundo ocidental com as crises econômicas do início do século XX (anos 10/30), que desembocaram nas duas Grandes Guerras, e que
 agora se repetem da mesma forma após a crise mundial do capitalismo, iniciada com o subprime e as quebras de 2008, nos Estados Unidos e países europeus.

Quando falo que o filme retrata a mesma questão monocromática, estamos falando de uma pequena parcela de brancos machos que são donos de todas as corporações do planeta e que já suplantaram os Estados Nacionais e fazem o mundo e os países de tabuleiros de jogos para seus gozos às custas de 7 bilhões de humanos.

Quando é que vamos inverter isso de alguns dominarem o mundo todo e nossas vidas não valerem nada perto das corporações desses caras?

O que mudou do século XIX (escravidão ainda era lei em vários países) para o século XXI em relação ao mundo da exploração da força de trabalho humana? Quase nada! Bilhões de trabalhadores de todas as idades são tratados como propriedade dentro das fábricas e linhas de produção de alguns donos de tudo, fábricas funcionando em qualquer canto do planeta nas condições mais inumanas possíveis.

E ao final, a gente compra os produtos dessa produção achando ótimo pagar barato pelas condições abjetas para os seres humanos que produziram tais coisas, ou a gente compra caro se for uma "marca" dessas que fazem produtos assim às custas de escravidão e semi-escravidão.

É o fim!

William