sábado, 5 de abril de 2025

Uma história da leitura: Leitura das sombras



Refeição Cultural 

"No momento em que o primeiro escriba arranhou e murmurou as primeiras letras, o corpo humano já era capaz de executar os atos de escrever e ler que ainda estavam no futuro. Ou seja, o corpo era capaz de armazenar, recordar e decifrar todos os tipos de sensação, inclusive os sinais arbitrários da linguagem escrita ainda por ser inventados. Essa noção de que somos capazes de ler antes de ler de fato - na verdade, antes mesmo de vermos uma página aberta diante de nós - leva-nos de volta à ideia platônica do conhecimento preexistente dentro de nós antes de a coisa ser percebida. A própria fala desenvolve-se segundo um padrão semelhante. 'Descobrimos' uma palavra porque o objeto ou ideia que ela representa já está em nossa mente, 'pronto para ser ligado à palavra '. É como se nos fosse oferecido um presente do mundo externo (por nossos antepassados, por aqueles que primeiro falam conosco), mas a capacidade de apreender o presente é nossa. Nesse sentido, as palavras ditas (e, mais tarde, as palavras lidas) não pertencem a nós nem a nossos pais, aos nossos autores: elas ocupam um espaço de significado compartilhado, um limiar comum que está no começo da nossa relação com as artes da conversação e da leitura." (Uma história da leitura, Alberto Manguel, 1999, p. 50)


No capítulo "Leitura das sombras" Manguel nos conta a história dos estudos ao longo dos séculos para tentar entender essa capacidade extraordinária do ser humano de escrever e ler, já que somos seres falantes.

Vamos descobrindo o que a ciência de cada época humana foi apontando sobre a capacidade humana de falar, escrever e ler.

Achei muito legal a imagem final do capítulo: quando estou lendo é como se por trás de mim, lessem também as sombras dos leitores que vieram antes de nós, a ideia clara de que somos fruto de processos coletivos e compartilhados de cultura.

"(...) ao seguir o texto, o leitor pronuncia seu sentido por meio de um método profundamente emaranhado de significações aprendidas, convenções sociais, leituras anteriores, experiências individuais e gosto pessoal. Lendo na academia do Cairo, al-Haytham não estava sozinho; como se lessem por sobre seus ombros pairavam as sombras dos eruditos de Basra que haviam lhe ensinado a sagrada caligrafia do Corão na mesquita de Aristóteles e seus lúcidos comentadores, dos conhecidos casuais com quem al-Haytham teria discutido Aristóteles, dos vários al-Haythams que ao longo dos anos tornaram-se finalmente o cientista que al-Hakin convidou para sua corte." (p. 53)


Apesar de todas as convenções sociais e histórias anteriores de leituras do texto que você está lendo, sua leitura é única, é nova, é sua.

Pensa no poder disso! Pensa!

Por isso, nós leitores somos tão temidos por nazifascistas, manipuladores da fé, ignorantes em geral, governos autoritários, instituições e empresas, porque ler é poder!

William 


sexta-feira, 4 de abril de 2025

Livro: Cachorro Velho - Teresa Cárdenas



Refeição Cultural 

Abril de 2025


"Até parecia que todos queriam lhe tirar alguma coisa: o senhor o arrebatara à sua mãe; o fogo levara Aroni, a contadora de histórias; sua memória perdia pedaços de Ulundi; o vento lhe roubara a manta e o chapéu; e agora a vida ou a morte, ainda não sabia ao certo, estava lhe tirando pouco a pouco os sentidos. Nesse passo, não levaria para o além nada que prestasse. Mas também, no lugar para onde iria, nada lhe faria falta." (Cachorro Velho, Teresa Cárdenas, 2021, p. 100)


Que história! Que retrato da nossa história! Somos todos nós descendentes da invasão ("colonização") europeia violenta, genocida e bárbara!

Na gênese dos povos das Américas e Caribe existe um passado comum, uma espécie de pecado original: a escravidão. 

A origem de nossas comunidades atuais está marcada com o sangue, o suor e as lágrimas dos povos africanos sequestrados e seus afrodescententes escravizados.

A escritora cubana Teresa Cárdenas é muito habilidosa na sua técnica narrativa. O livro Cachorro Velho (2006) é envolvente da primeira à última página. Difícil largar a leitura antes do fim.

A história de Cachorro Velho, de Beira, Aísa e todas as pessoas escravizadas naquela Cuba do século XIX é duríssima, é de cortar o coração dos leitores.

Livro indispensável nos tempos atuais. História comovente.

Ganhei o livro de presente de aniversário de esposa e filho.

Recomendo muito a leitura.

William 

 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Poema 23: 3 de abril


3 DE ABRIL


A sinfonia das cigarras.

A caminhada no Parque.

O cheiro úmido da relva.

A vida verde no tronco caído. 

A caminhada e a dor no quadril.

Os olhos e a visão da natureza. 

A vida nas pernas e nos olhos.

O sol, o cheiro, o som e a vida.

A epifania da manhã no Parque.

As substâncias da vida.


A tarde e o cotidiano da vida.

O cotidiano da vida nas noites.

As poucas lembranças do dia.

As mesmas questões colocadas.

A manhã, a tarde, a noite.


O dia termina. 

A vida segue.


William 

03/04/25


terça-feira, 1 de abril de 2025

Instantes de leitura (e da vida)



Refeição Cultural

"Porque pictura est laicorum literatura" (O Nome da Rosa, Umberto Eco, 2003, p. 48)


Eu já havia lido quase duzentas páginas deste clássico de Umberto Eco quando tive a consciência de que estava lendo mal o romance. Parei. 

A lição de Paulo Freire é séria: não importa a quantidade e sim a qualidade da leitura. 

Recomecei a ler e sem pressa O Nome da Rosa (1980). Ler sem me concentrar e viajar na história com Adso de Melk e o Frei Guilherme de Baskerville seria pura perda de tempo, um tempo que não tenho de sobra mais. 

Na passagem que li hoje, a dupla de personagens está admirando o portal da igreja que compõe o conjunto arquitetônico da abadia que visitam. Eles estão hipnotizados com as pinturas desenhadas no portal.

Ler com atenção é a única leitura que dá prazer. Até a citação em latim entendi sem precisar de tradução. A lição é antiga: como o povo era analfabeto, eram as pinturas que contavam as histórias e passagens dos livros sagrados.

Enquanto lia as descrições das figuras que Adso de Melk nos contava, fiquei me lembrando das pinturas e esculturas em relevo que vi em igrejas famosas na Itália e outros lugares. É algo espetacular!

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"Você não pode embarcar de novo na vida, esta viagem de carro única, quando ela termina" (p. 37/38)

Quanto ao livro de Alberto Manguel, Uma história da leitura (1999), livro que marcou minha história da leitura, o peguei pra ler como um crente com sua Bíblia. 

A mensagem acima parece ter sido escrita para mim...

Não poderia perder um segundo desta viagem única, pois não poderei embarcar nela novamente, como podemos fazer com os livros, como eu fiz com o do Umberto Eco. 

Estou vivendo esta viagem única da mesma forma que estava lendo Umberto Eco meses atrás...

Que foda.

William 

segunda-feira, 31 de março de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 31 de março de 2025. Segunda-feira.


MARÇO

Sonho 1 - Raramente me lembro dos sonhos. Nesta noite, sonhei com uma aranha na janela e com duas cobras, talvez jararacas pequenas. Acordei me lembrando até do desfecho do sonho. A aranha da janela foi-se embora, consegui fazê-la sair. As cobras pularam no chão e foram para cima de minha companheira, no calcanhar. Tive que matá-las. Um sonho... coisa rara!

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Ontem, somei com milhares de pessoas na manifestação paulista para cobrar justiça e punição aos golpistas que tentaram um golpe de Estado após a eleição do presidente Lula em 2022. Foi um ato lindo! (imagens aqui)

O sujeito que estava na presidência anterior é acusado de liderar a tentativa de golpe, que planejou inclusive o assassinato do presidente Lula e seu vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal. Sem contar explodir bomba em aeroportos e outras barbaridades do tipo.

Sonho 2 - Eu tenho uma teoria e não escondo de ninguém. Na minha leitura política e do pouco que conheço do Brasil, Bolsonaro não será preso. As autoridades brasileiras fizeram de tudo nos últimos dois anos para o cagão fugir do país. Seria um sonho vê-lo condenado e preso pelos crimes que cometeu. Não vejo esse sonho se realizar.

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Cadernos dos blogs - Até que me esforcei para sistematizar meus textos nos blogs de cultura e sindical. Revisei alguns anos e encadernei os textos produzidos ao longo das últimas duas décadas.

Falta muito trabalho a ser feito. Mas só se sobe a escada degrau por degrau. Então é continuar.

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Pós-graduação do ICL - Me inscrevi no curso de pós e logo depois tomei consciência de que terei muita dificuldade de seguir no curso e concluí-lo. Estou gostando do conteúdo e das aulas. O problema sou eu. Foi um momento de empolgação por sempre ter tido o desejo de estudar e conhecer mais. No entanto, sei que não estou em condições de me dedicar a uma pós-graduação.

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Fiz um esforço do cão para praticar atividades físicas neste mês. Fiz um esforço grande para participar de eventos políticos quando convidado ou quando sei da chamada. Mas sinto que as coisas não vão bem comigo. Não é a idade. Pode ser a quilometragem ou a genética. É a natureza.

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Queria registrar algo mais sobre o mês, mas estou cansado.

Vida que segue. Me esforço pra isso.

William

Poema 22: Que crime? Golpe de Estado?


QUE CRIME? GOLPE DE ESTADO?


Tentativa violenta de Golpe de Estado?

Planejar matar o presidente e o vice eleitos?

Planejar matar ministro do Supremo?

"Mas isso é crime? Foi realizado?"


Falsificar cartão de vacinas para entrar em um país?

Vender joias presenteadas ao país e embolsar o dinheiro?

Pintar um clima entre um velho e uma criança?

"Desde quando é crime não tomar vacina?"


Desrespeitar leis ambientais com jet ski no caso da baleia?

Mentir de forma contumaz sendo autoridade pública?

Praticar crime de racismo com provas gravadas?

"Mentir todo mundo menti, isso é crime?"


Desviar recursos públicos ficando com salários de assessores?

Desrespeitar as leis de trânsito e não usar capacete?

Sugerir metralhar cidadãos de certo partido político?

"Ué, então todo mundo é criminoso, não uso capacete."


Que crime? Por que criminoso?


Aos poucos a mídia da casa-grande,

a elite rentista da Faria Lima,

os exércitos de privilegiados,

as instâncias do sistema judicial,

todos, vão atuando no caso Bolsonaro.

Normalizando tudo. 


A estratégia é tirar os crimes materiais do imaginário popular,

do tipo roubar, ser ladrão, fraudar...

e sobrar crimes abstratos do tipo "Golpe de Estado",

ser "sincerão" e dizer o que pensa

de pretos, mulheres, gays, "comunistas"...


Enfim, ficaria feliz de ver

Bolsonaro na cadeia

por tudo que fez.


Não acredito nisso, 

aqui é o Brasil ("porra!").


William 

31/03/25

(61 anos de impunidade)


sábado, 29 de março de 2025

Leitores: seres temidos!



Refeição Cultural 

"Mas não são apenas os governos totalitários que temem a leitura. Os leitores são maltratados em pátios de escolas e em vestiários tanto quanto nas repartições do governo e nas prisões. Em quase toda parte, a comunidade dos leitores tem uma reputação ambígua que advém de sua autoridade adquirida e de seu poder percebido. Algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente, talvez porque a imagem de um indivíduo enroscado num canto, aparentemente esquecido dos grunhidos do mundo, sugerisse privacidade impenetrável, olhos egoístas e ação dissimulada singular. ('Saia e vá viver!', dizia minha mãe quando me via lendo, como se minha atividade silenciosa contradissesse seu sentido do que significava estar vivo.) O medo popular do que um leitor possa fazer entre as páginas de um livro é semelhante ao medo intemporal que os homens têm do que as mulheres possam fazer em lugares secretos de seus corpos, e do que as bruxas e os alquimistas possam fazer em segredo, atrás de portas trancadas..." (Uma história da leitura, Alberto Manguel, 1999, p. 35)


Profunda a percepção de Manguel sobre essa coisa quase inominável que há entre grupos humanos quando pessoas que gostam de ler e estudar e conhecer muito começam a ser foco de alguma forma de isolamento dos demais por bullying ou por escanteamento daquele ou daquela que pode a qualquer momento questionar o líder do referido grupo ao qual pertence. 

(Também há grupos sociais que valorizam os leitores e os que sabem muito, claro!)

A partir do momento que um leitor passa a dominar um tema - um saber - que a maioria ao seu redor não sabe, ou que o tema é domínio exclusivo de determinado grupo que usa aquele saber para obter qualquer tipo de vantagem, aquele leitor passa a ser um incômodo ou se torna alguém temido ou rejeitado, a depender da própria condição do leitor no status quo de seu grupo humano. 

Isso é claro e notório para os bons leitores e leitoras, aquel@s que leem nas entrelinhas e leem mais que palavras, leem o mundo ao redor.

Se olhasse para trás, conseguiria imaginar momentos no percurso do viver que ilustrariam o excerto acima. Sempre frequentei ambientes nos quais se lia pouco, a começar pelos ambientes da infância e adolescência. E depois na vida adulta. Sou fruto da sociedade humana de onde nasci.

Enfim... se entrei para as estatísticas dos poucos que leem foi por acasos, veredas da vida. Sorte.

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Vi o filme "Dias perfeitos" (2023), de Wim Wenders. 

Cara, estou até agora bolado com a história. 

Muitas questões colocadas, nenhuma resposta dada... senão seria fácil demais!

E quanto a mim? E meus dias perfeitos? Por que não? Por quê? O que me impede?

...

William  

quinta-feira, 27 de março de 2025

Diário e reflexões


Luna e Tim no debate Juventude e Política.

Refeição Cultural

Quinta-feira, 27 de março de 2025.


Hoje foi um dia de exercício de cidadania. Estive em fóruns democráticos que valorizam o debate coletivo e a construção de consensos e busca de avanços em direitos sociais.

Pela manhã, participei de um encontro em nossa Associação de Funcionários Aposentados do Banco do Brasil (Afabb-SP) que debateu o tema "Juventude e Política".

O encontro contou com a presença de nossa vereadora Luna Zarattini (PT-SP) e com adolescentes de uma escola pública da Zona Sul de São Paulo, além dos colegas da comunidade BB.

Foto que a equipe da Luna nos enviou.

Foi uma manhã de inspiração e esperança na boa política e no engajamento das novas gerações na construção coletiva de direitos. Temos que apostar na transição geracional entre a militância mais experiente como nós que estamos há décadas nas lutas e a geração de novas lideranças como a nossa companheira Luna e nas meninas e meninos que estiveram no encontro.

Para os estudantes, Luna Zarattini fez uma apresentação resgatando a sua história de envolvimento com a política desde os grêmios estudantis e fez também uma análise de conjuntura esclarecendo para os participantes as principais questões em debate na Câmara Municipal de São Paulo, resumiu os principais ataques dos governos de extrema-direita Tarcísio e Nunes à sociedade paulista e paulistana e se colocou à disposição de todas as lutas e demandas dos jovens e das populações periféricas, como vem fazendo há anos.

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Luna recebeu o livro Mulheres Armadas de Amor.
A vereadora foi presenteada também com os livros do
companheiro Tim, ator e diretor de teatro.

Na oportunidade, pude presentear a nossa companheira Luna Zarattini com o nosso livro coletivo "Mulheres Armadas de Amor", livro em homenagem às lutas feministas e às mulheres citadas na obra. Fiz uma contribuição ao livro homenageando nossa jovem vereadora Luna.

O livro tem prefácio de Alice Ruiz e é organizado por Cleusa Slaviero. Essa edição homenageia nossa querida companheira Daniele Bittencourt Azevedo, que nos deixou recentemente, e tem textos emocionantes e potentes sobre diversas mulheres que são exemplos de luta, de vida e de amor, mulheres que nos inspiram e nos enchem de esperança em um mundo melhor, mais justo e solidário.

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No fim do dia, participei de assembleia presencial de condomínio, e durante horas dezenas de pessoas exercitaram a cidadania e a democracia buscando soluções e melhorias para uma comunidade de centenas de moradores.

É isso!

William


terça-feira, 25 de março de 2025

Casa-grande & Senzala (1)



Refeição Cultural 

CASA-GRANDE & SENZALA


"Mas a casa-grande patriarcal não foi apenas fortaleza, capela, escola, oficina, santa casa, harém, convento de moças, hospedaria. Desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco. Dentro das suas grossas paredes, debaixo dos tijolos ou mosaicos, no chão, enterrava-se dinheiro, guardavam-se joias, ouro, valores. Às vezes guardavam-se joias nas capelas, enfeitando os santos. Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas à baiana de teteias, balangandãs, corações, cavalinhos, cachorrinhos e correntes de ouro..." (p. 40)


Nunca li o clássico de Gilberto Freyre. Até li umas dezenas de páginas em 2017, mas parei de ler.

Tenho uma certa birra com o ensaio de Gilberto Freyre. Mas acho um texto referencial, todos nós deveríamos lê-lo. 

Inventei de fazer a pós-graduação do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) meio que de forma impulsiva. Fiz isso a vida toda: inicio percursos de cultura e conhecimento por desejo e depois acabo não finalizando o percurso por alguma dificuldade. 

Nos textos da bibliografia da primeira disciplina "Narrativas da História do Brasil" e nas aulas e debates, Gilberto Freyre é sempre citado, nem sempre de forma elogiosa.

Peguei minha edição do livro, reli a introdução de Fernando Henrique Cardoso - "Um livro perene" -, e estou lendo o Prefácio à 1a edição, de 1933.

Que dizer? É um clássico das tentativas de explicação sobre o Brasil e os brasileiros. Não concordo com o pouco que li da tese do autor. Cheguei a ler quase duzentas páginas na primeira vez que encarei o ensaio de Freyre. 

Enfim, ler é sempre uma atitude que nos faz humanos. 

William 

segunda-feira, 24 de março de 2025

Operação Cavalo de Tróia (18) - J. J. Benítez



Refeição Cultural 

"Quanto a Judas Iscariotes, nunca cheguei a saber com exatidão quais teriam sido seus verdadeiros sentimentos. Em um ou outro momento pareceu-me notar em seu rosto sinais evidentes de desacordo e repulsa. É possível que tudo aquilo lhe parecesse infantil e risível. Como gregos e romanos, considerava grotesco e desprezível todo aquele que consentisse em montar um asno. Creio não me equivocar se deduzo que Judas estivera a ponto de abandonar ali mesmo o grupo. Possivelmente detivera-o o fato de ser ele o 'administrador' dos bens. Isso significava uma possibilidade de dispor de dinheiro, e Judas sentia especial inclinação pelo ouro." (p. 168/169)


Quem descreve e analisa um dos apóstolos de Jesus Cristo na passagem acima é o astronauta do futuro - Jasão -, personagem de nossos tempos (século XX), infiltrado na comitiva do nazareno lá na longínqua Palestina do ano 30.

Esse é o enredo do livro "Operação Cavalo de Tróia" do escritor e jornalista J. J. Benítez, publicado pela primeira vez em 1984.

Quando li a história pela primeira vez, ainda adolescente, fiquei fascinado com a riqueza de detalhes contida no romance. 

O leitor daquela época era um cidadão brasileiro como a maioria em seu ambiente social, era católico e acreditava em toda sorte de abstrações criadas pela mente humana. 

Mesmo lendo hoje, sendo um materialista, acho o livro incrível! Ficção bem feita é isso!

A postagem anterior pode ser lida aqui.

William 


sábado, 22 de março de 2025

Uma história da leitura: A última página



Refeição Cultural 

"De início, mantinha meus livros em rigorosa ordem alfabética, por autor. Depois passei a separá-los por gênero: romances, ensaios, peças de teatro, poemas. Mais tarde tentei agrupá-los por idioma, e quando, durante minhas viagens, era obrigado a ficar apenas com alguns, separava-os entre os que dificilmente lia, os que lia sempre e aqueles que esperava ler..." (p. 33/34)


O livro de Alberto Manguel "Uma história da leitura" (1997) faz a gente viajar, tanto na história dos livros e suas leituras e leitores, quanto em nosso próprio passado de leituras ou não leituras. 

Fiquei tentando me lembrar de minhas primeiras leituras...

Os gibis vêm em primeiro lugar nas lembranças. Foi em uma aventura do Tio Patinhas, Pato Donald e seus sobrinhos que conheci a mosca tsé-tsé que faz suas vítimas dormirem.

Foi em Uberlândia, onde cresci e vivi entre os dez e os dezessete anos, que comecei a ler livros. Não me lembro de ter trazido livro algum para São Paulo, quando vim morar com minha avó Deolinda e primos. Vim sem nada. Ou deixei o que tinha nos meus pais ou era tudo emprestado o que li. Eu lia muitos livros do Jorge Luiz, meu primo.

"(...) era tão arbitrária ou constituía uma escolha tão aceitável quanto a literatura que eu mesmo podia construir, baseado nas minhas descobertas ao longo da estrada sinuosa de minhas próprias leituras e no tamanho de minhas próprias estantes. A história da literatura, tal como consagrada nos manuais escolares e nas bibliotecas oficiais, parecia-me não passar da história de certas leituras - mais velhas e mais bem informadas que as minhas, porém não menos dependentes do acaso e das circunstâncias." (p. 34)

O que Manguel descreve sobre o acaso das leituras é bem verdadeiro em nossas histórias de leituras.

Durante os anos de crescimento em Uberlândia, eu fui lendo os livros que tomei emprestado, a maioria do meu primo. Eu ir a uma livraria comprar um livro era algo fora de perspectiva à época.

Naquele tempo, anos oitenta, eram livros "best sellers", os mais vendidos ou lançados no "Círculo do Livro", os livros que a gente lia.

Então, li adolescente "Tubarão" (1974), de Peter Benchley, "O exorcista" (1971), de William Peter Blatty, "Os mortos vivos" (1979), de Peter Straub (ler comentário aqui), "Horror em Amityville" (1977), de Jay Anson (ler aqui), "Carrie" (1974), de Stephen King (ler aqui) e outros livros de suspense. Eram os livros da hora.

Calhou de ler alguns livros que podemos considerar clássicos da literatura universal. Li "Lolita" (1955), de Vladimir Nabokov, e "Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída" (1978) antes dos dezoito anos. Li "Mar morto" (1936), de Jorge Amado (ler aqui), um puta clássico. Li "Hamlet" (1600), de William Shakespeare (ler aqui), e gostei demais da tragédia!

Dos livros que a escola obrigava a ler, me lembro do sofrimento pra ler "O cortiço" (1890), de Aluísio Azevedo, "O Ateneu" (1888), de Raul Pompeia e "Senhora" (1875), de José de Alencar.

Li muito jovem "Enterrem meu coração na curva do rio" (1970), de Dee Brown. Que orgulho!

A história da leitura de cada leitor(a) já é uma aventura. Acredito nisso de verdade. 

Eu não fui salvo só pelos acasos, pelos anjos e pessoas queridas que passaram por minha vida e pelo movimento sindical. 

Também fui salvo pelos livros. 

William 


quarta-feira, 19 de março de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 19 de março de 2025. Quarta-feira.


"- É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade." (Ensaio sobre a cegueira, José Saramago)


Li um artigo hoje que me deixou reflexivo, artigo anunciando uma grande guerra em breve. De certa forma eu tenho a mesma leitura de cenário, mesmo sem ter o conhecimento que o articulista tem, vivendo na Alemanha. As fábricas de automóveis alemãs estão sendo fechadas por crise econômica e vão virar fábricas de armas para abastecer a guerra adiante.

O artigo "A Europa se prepara para a guerra" é do professor aposentado Flávio Aguiar, que também é jornalista e escritor, e está na página do site Vi o Mundo. Tive algumas aulas de literatura na Universidade de São Paulo com o professor Flávio e gosto muito dele. Leio seus artigos desde a antiga página da Carta Maior.

Aí, lendo a carga de textos da primeira semana de aula da pós-graduação do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), bibliografia da disciplina "Narrativas da História do Brasil", todos os textos versam sobre guerras, pessoas ou escravizadas ou deliberadamente eliminadas para desocupar o espaço onde viviam. 

Aí, os mais sensíveis (os que se importam) têm que lidar com a transmissão diária do extermínio do povo palestino sem que o mundo faça nada a respeito. Se hoje fosse o ano de 1943 ou 1944, com a tecnologia de transmissão ao vivo, estaríamos assistindo aos fornos dos campos de concentração nazista em pleno funcionamento, soltando a fumaça de judeus queimando e estaríamos exatamente iguais estamos vendo Israel explodir e queimar crianças, mulheres e civis palestinos aos milhares. O mundo não tá nem aí!

É isso que somos... é isso que somos enquanto espécie animal! Estou sendo convencido pelos fatos que nós não demos certo enquanto um dos seres vivos que apareceu neste planeta.

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Dilemas

Estou vivendo um dilema nesses dias. Percebi a urgência em sistematizar toda a minha produção textual publicada em blogs, ou seja, de forma virtual em plataformas nada confiáveis que estão se organizando para dominar o mundo e eliminar seus adversários e isso deveria ser feito não só por este articulista mas por todas as pessoas e instituições que guardam suas produções culturais nas nuvens dessas empresas big techs inimigas da humanidade. Isso é sério e as pessoas e instituições não perceberam ainda que vão perder toda a sua produção.

Aí, por essa coisa minha de querer estudar e aprender, me peguei inscrito na pós-graduação do ICL e bastou regularizar a matrícula e entrar na plataforma de ensino algumas semanas depois do início do curso para ver que a carga de leitura de uma pós é enorme. A pergunta a mim mesmo é: devo seguir ou isso é outra aventura iniciativa e não "acabativa" que me enfiei na vida? A primeira semana da disciplina tem textos ótimos, mas são 150 páginas de leitura densa.

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Tenho outros dilemas...

Todos temos. 

E essa taxa selic de 14,25% pra foder o país, o governo Lula e o povo?

Estamos em guerra...

E nós estamos desarmados...

Que merda!

William 


terça-feira, 18 de março de 2025

Poema 21: Parem de matar palestinos!


PAREM DE MATAR PALESTINOS!


Quatrocentos mortos de uma vez!

Os sionistas do Estado de Israel

desrespeitaram o cessar-fogo

e explodiram quatrocentas

crianças, mulheres e idosos.


Parem de matar palestinos!

Parem de matar crianças!

Parem de matar mulheres!

Parem de matar idosos!

Parem de matar humanos!


Só os nazistas matavam às centenas!

Os nazistas matavam centenas de judeus!

Matavam queimados em fornos...

Judeus estão matando palestinos...

Explodidos e queimados!


Os fornos nazistas são hoje

a Faixa de Gaza queimando

os corpos palestinos.

Assassinos...

Parem de matar palestinos!


William 

18/03/25


domingo, 16 de março de 2025

O nome da rosa: não cuspam nos livros



Refeição Cultural 

Umberto Eco, um grande pensador 


Estou lá no meio do livro, pela edição dos Mestres da Literatura Contemporânea, da Editora Record, e no recomeço, pela edição da Biblioteca Folha. 

Comecei a reler o clássico porque percebi que estava lendo mal.

Como sinto a urgência do instante, preciso dar qualidade a qualquer coisa que decida fazer. 

Das citações da postagem, a lição: não molhem o dedo no cuspe e coloquem o dedo no papel do seu livro, ou de qualquer livro ou material gráfico. 

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Releitura 

Ao reler o começo da história, captei melhor a origem da parceria do noviço beneditino Adso de Melk com o sábio franciscano frei Guilherme de Baskerville, mais ou menos entre 1324 e 1327. (no Prólogo)

O pai do noviço lutava ao lado de Ludovico da Bavaria, que disputava a coroa de imperador de Roma com Frederico de Áustria, derrotado na disputa.

Ludovico representava o grupo que era adversário do papa João XXII, Jacques de Cahors, eleito em Avignon, em 1316. Ludovico foi excomungado por Cahors, o papa.

Teses sobre a igreja de Cristo

"É preciso dizer que, justamente naquele ano, tivera lugar em Perúgia o capítulo dos frades franciscanos, e o geral deles, Michele de Cesena, acolhendo as instâncias dos 'espirituais' (sobre os quais terei ainda ocasião de falar) proclamara como verdade de fé a pobreza de Cristo, que, se tinha possuído coisa com seus apóstolos, Ele a tivera apenas como usus facti..." (p. 21, da edição da Folha)

Local

"Acontece que dobramos para ocidente enquanto nossa meta última ficava a oriente, quase seguindo a linha dos montes que de Pisa leva em direção aos caminhos de San Giacomo, parando numa terra em que os terríveis acontecimentos que lá ocorreram depois me desaconselham a identificar melhor, mas cujos senhores eram fiéis ao império e onde os abades de nossa ordem opunham-se de comum acordo ao papa herege e corrupto. A viagem durou duas semanas, entrecortadas por vários acontecimentos, e nesse tempo tive oportunidade de conhecer (nunca o suficiente, como sempre me convenço) meu novo mestre." (p. 22)

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O CONHECIMENTO HUMANO DEVE SER PRESERVADO EM MEIOS FÍSICOS

"(...) Eis, eu me disse, a grandeza de nossa ordem: durante séculos e séculos homens como esses viram irromper as ordas dos bárbaros, saquear suas abadias, precipitar os reinos em vórtices de fogo, e, no entanto, continuaram a ler à flor dos lábios palavras que eram transmitidas há séculos e que eles, por sua vez, transmitiam aos séculos vindouros. Continuaram a ler e a copiar enquanto se aproximava o milênio, por que não deveriam continuar a fazê-lo agora?" (p. 215)

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"(...) O saber não é como a moeda, que permanece fisicamente íntegra mesmo através das mais infames trocas: ele é antes como um hábito belíssimo, que se consome através do uso e da ostentação. Não é assim de fato o próprio livro, cujas páginas esfarelam-se, as tintas e os ouros se tornam opacos, se muitas mãos o tocam? Bem, estava vendo a pouca distância de mim Pacífico de Tivoli que folheava um volume antigo, cujas folhas estavam como que grudadas umas às outras por causa da umidade. Ele molhava o indicador e o polegar na língua para folhear seu livro, e a cada toque de sua saliva aquelas páginas perdiam em vigor, abri-las queria dizer dobrá-las, oferecê-las à severa ação do ar e da poeira, que teriam roído as sutis veias que no esforço encrespavam o pergaminho, teriam produzido novos mofos lá onde a saliva tinha amolecido e enfraquecido o canto da folha. Como um excesso de doçura torna mole e inábil o guerreiro, este excesso de amor possessivo e curioso predisporia o livro à doença destinada a matá-lo." (p. 217)

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Não cuspam nos livros...

William 


Instante



Refeição Cultural

Alberto Manguel conta em seu livro Uma história da leitura que por dois anos leu para Jorge Luis Borges já quase cego. Manguel era um jovem vivendo em Buenos Aires nos anos sessenta. Borges disse ao rapaz que sua mãe de 88 anos estava com dificuldades de ler para ele.

Tenho pensado muito esses dias no tio Léo. A situação de meu quadril me faz tentar imaginar o que o tio Léo pensava ou sentia ao perceber que suas pernas começavam a falhar e deixá-lo na mão. 

Ouvindo a trilha sonora de Na natureza selvagem, história do jovem "Alex Supertramp", na verdade Chris McCandless, trilha musicada por Eddie Vedder, também fico imaginando em tudo que Chris sentiu e pensou sozinho por meses no Alasca, principalmente quando riscou as últimas palavras no ônibus mágico: "Happiness is only real when shared". Pensei muito nessa mensagem... é verdade!

A foto que está marcando as páginas do livro de Manguel é da minha avozinha Cornélia, mãe do tio Léo e de minha mãe. A vó faleceu já faz alguns anos. Minha vó e o tio Léo, o filho caçula, eram muito apegados à vida.

Borges cego, tio Léo, minha avó, Chris McCandless sozinho no Alasca...

Minha avó caiu num segundo que viu uma oportunidade de andar sozinha quando não tinha ninguém por perto... quebrou o fêmur. 

A vida é tudo isso que viveu tio Léo, minha avó, McCandless, Borges... e nós. 

William 

16/3/25 (2h49)