Obra histórica e estudo denso realizado por Denise Paraná. |
Refeição Cultural
"Havia uma dinâmica na categoria. À medida em que a categoria ia exigindo você ia... Na medida em que nós fizemos uma opção de que o sindicato não seria o tutor da categoria, mas seria uma espécie de caixa de ressonância da categoria, cada vez que os trabalhadores exigiam, ao invés da gente represá-los, a gente soltava. Então eles queriam mais boletim, era mais boletim; mais atividade, era mais atividade; mais curso de formação política, era mais curso de formação política. Eles queriam que a gente radicalizasse mais, a gente radicalizava mais. A gente passou a viver muito por conta do próprio crescimento da categoria. Por isso que eu digo sempre que eu sou o fiel resultado do crescimento de minha categoria. Nem mais, nem menos. À medida em que ela avançava eu avançava, na medida em que ela não avançava eu não avançava..."
Terminei há instantes a leitura da obra monumental de Denise Paraná - Lula, o filho do Brasil, publicado no final de 2002. Depois de ficar por anos seguidos com a leitura inacabada, retomei com decisão neste feriado de Carnaval e li e reli cerca de duzentas páginas.
É um documento histórico dos mais valiosos para a classe trabalhadora brasileira, por causa das entrevistas orais colhidas por Denise Paraná entre os anos de 1993 e 1994, tanto de Lula quanto de seus familiares, incluindo todos os irmãos e irmãs vivos, além de Dona Marisa e Lambari, amigo de infância e irmão da primeira mulher de Lula.
A segunda parte do livro, com estudos sociológicos e psicológicos por parte da autora, com grande aprofundamento acadêmico, citação de diversas obras e autores conceituados, foi de grande reflexão para mim e ganhei grandes inspirações e aguçou minhas interpretações da realidade social de meu País e do contexto em que nos encontramos.
As teses levantadas sobre a "Cultura da pobreza" e a mudança para uma "Cultura da transformação" a partir da conscientização política e compreensão da questão de classe é muito interessante e abre várias linhas de possibilidades e retomadas nas lutas sociais, na minha opinião.
Para ser direto, eu gostaria muito que os segmentos sociais de onde sou oriundo, em termos sindicais, abrissem este livro em grupos de estudos, e fizessem um roteiro de debates analisando o nosso passado recente, pensando o contexto brasileiro dos anos de chumbo, o surgimento do "Novo Sindicalismo", as estratégias utilizadas por Lula e seus companheiros entre os anos sessenta e oitenta, bem como os reflexos dessas estratégias ao chegar ao poder nos anos dois mil e fazer o Brasil avançar em prol dos trabalhadores, lenta e gradualmente, ao jeito "Lulista" (para lembrar a tese de André Singer).
Seria muito interessante os sindicalistas conhecerem as estratégias adotadas por Lula durante todo o período de exceção e sem liberdades democráticas, compreenderem também os contextos históricos, e em grupos de estudo com lideranças sindicais e dos movimentos sociais traçarem iniciativas e tipos de reação ao estado atual de destruição dos direitos sociais brasileiros no pós golpe de Estado em 2016.
Quando li todas as entrevistas de Lula, anos atrás, eu já havia me identificado demais com elas. Lula, a Central e o Partido não tinham as características das esquerdas comunistas e socialistas tradicionais. Era algo diferente que surgia ali. Ao estudar e conhecer esta história, busquei aplicar aquela concepção e prática no meu fazer político e sindical e nos contatos com a base social que representei em cada momento. Ainda hoje faço um mandato de representação baseado nas bases sociais que represento e vejo os representados como meus pares.
Com o término desta obra densa e inspiradora, fecho também as leituras no mês de fevereiro. Após ler ou terminar 12 livros em janeiro, li ou terminei 5 livros neste mês.
Meu sentimento de emergência segue me dando gana e energia para ler, estudar e buscar compreensão e inspiração para as lutas que lidero e as tarefas que tenho pela frente como um membro da classe trabalhadora.
Eu recomendo muito a leitura desta obra para os homens e mulheres que se encontram neste momento com algum tipo de mandato, principalmente de representação sindical - as entrevistas de Lula e os estudos de Denise Paraná -, para compreenderem o que tem de original na construção da CUT e do Partido dos Trabalhadores, em relação ao que havia de experiências em partidos e movimentos sindicais em países ocidentais, tanto europeus quanto americanos. Esses rachas e cisões no seio do movimento sindical é a nossa derrota certa!
É através do conhecimento do passado e dos processos históricos que podemos corrigir rotas e seguir avançando enquanto classe trabalhadora.
É isso.
William
(fui dirigente sindical entre 2002 e 2015)