A família. |
ROMARIA 2012: SE ATEU, POR QUE CAMINHO?
É um tempo tirado para introspecção e oportunidade para testar o quanto ainda carrego de minha gana e persistência
Cheguei da minha caminhada anual bastante estragado neste ano. Meus pés vão dar trabalho por alguns dias. Percorri 85 km em 24 horas. Não fui feliz com a escolha do tênis e me lasquei. Andei uns 30 km pisando bolhas enormes.
Refleti bastante durante a primeira metade da caminhada. A segunda metade é basicamente uma luta consigo mesmo para superar cansaço e dor e chegar onde se tem que chegar.
A pergunta mais comum de conhecidos (e foi minha dúvida por muitos anos também) é por qual motivo faço a romaria se sou ateu e não pratico religião alguma.
Neste ano, a resposta que costumo dar encaixou-se como uma luva em minha caminhada: é um tempo tirado para introspecção e oportunidade para testar o quanto ainda carrego de minha gana e persistência.
PRIMEIRA PARTE DA CAMINHADA
Saí da casa de meus pais meio-dia e meia de sexta-feira 10/08. Como vinha saindo do trevo da cidade de Uberlândia em outros anos, isso alongou o percurso para uns 85 km.
Nesta época do ano o clima de deserto arrebenta a gente. Peguei um sol fortíssimo durante a tarde e tive que trocar um par de meias antes de chegar ao trevo da cidade. À noite, fez um frio tremendo.
"SOL DE RACHAR BOBINA"
A primeira terça parte da caminhada é até o Rio Araguari - são 27 km. Como era grande a quantidade de romeiros na estrada, coloquei meu toca-fitas Aiwa em ação logo cedo. Minha vida mudou tanto como dirigente sindical que praticamente não ouço mais música.
Toca-fitas dos anos 80. Faz parte do meu kit de romeiro. |
Aí está uma oportunidade. Ouvi muita música nestas 24 horas. Não é qualquer tipo de música. São as músicas de rock que eu gravei em rádio lá nos anos 90 e que ainda são aquelas que gosto.
Por que não enfiar milhares de músicas num ipod ou celular? Porque isso também faz com que todos sejam autômatos. Vocês não têm ideia do quanto é importante nas minhas caminhadas o movimento de parar e virar as fitas a cada 30 minutos. Ali eu saio do marasmo do cansaço, do sono, volto ao estado de alerta.
Cheguei à ponte do Rio Araguari às 18h e o entardecer foi fantástico. Não fiz fotos. Neste ano cheguei mais revoltado que o normal e não quis levar máquina fotográfica.
CÉU ESTRELADO E DE LUA MINGUANTE
O segundo terço da caminhada é até a Antena - são mais 32 km. Fiz o percurso das 18h até 3 horas da manhã.
Naquela caminhada no breu sob o céu que nos protege (ou ameaça) com zilhões de estrelas e um som maravilhoso rolando, só refletindo muito mesmo!
Não é fácil aos romeiros decidirem o que é pior. A subida após o rio, pois é dureza subir subir e a subida parecer interminável ou ficar vendo a luzinha vermelha da Antena na madrugada, andar andar e andar e a porcaria da Antena não chegar (onde está a principal barraca de ajuda aos romeiros).
REFLEXÕES E CISMAS SOBRE A VIDA ATUAL
Cismei muito sobre a péssima qualidade de vida que tenho levado. Apesar de dizer para as pessoas não serem e agirem como "manada" e como "autômatos", que vida é essa que estou levando que não posso mais ler, praticar esporte, ouvir música, gozar momentos de ócio para que sua mente possa produzir ideias e conhecimento?
Também pensei muito sobre este semestre terrível que minha família viveu. A morte da minha avozinha querida, o enfarte de meu pai e o agravamento de seus problemas de saúde, a minha mãe acamada por meses por estar com a coluna fraturada, minha relação com meu filho e outras coisas mais... A vida é dura!
PARTE FINAL - TESTAR LIMITES E BUSCAR SUPERAÇÕES
Na barraca de ajuda aos romeiros da Antena, onde cheguei muito cansado, deitei sobre a palha e fiquei ali por mais de uma hora. Foi difícil achar um espaço entre as dezenas de romeiros espalhados pela palha.
Cara, que frio! Como meus pés já estavam doendo e minhas costas estavam pedradas, isso deve ter ajudado na sensação de mal estar geral que eu sentia.
Tomei uma sopa e comi um pãozinho antes de começar a terceira e última parte da caminhada.
Para vocês terem uma ideia de como a gente vai sentindo a quilometragem durante a caminhada, quando estou no início da romaria (até lá pelo quilômetro 50), faço o quilômetro em 10 minutos, ou seja, uma fita de música dos dois lados = 6 km.
Quando o corpo já está quebrado e ainda faltam dezenas de quilômetros, os passos começam a ficar menores (ou então, já estamos pisando bolhas). Da meia-noite em diante, eu já estava andando na casa dos 15 minutos o quilômetro.
Eram 6 viradas de fitas (3 horas) para os mesmos 12 km percorridos durante o dia.
Este é o atalho. Daí à cidade são mais 8 km. Foto que fiz em 2011. |
A DUREZA DOS ÚLTIMOS 14 KM
Do posto Santa Fé (desativado, mas as pessoas usam como parada) até a cidade de Água Suja, passando pelo atalho dos eucaliptos, são mais 14 km.
Neste ano, as dores nos pés me fizeram gastar nesta etapa mais de 20 minutos o quilômetro andado. Minha concentração era toda na forma de pisar e sentir menos dor e evitar estourar as bolhas que tinha nos calcanhares.
Cheguei à cidade de Água Suja ao meio-dia de sábado 11. Acabei tomando todo o sol escaldante da manhã também.
Resumindo, foram us 30 graus de sol na tarde de sexta, uns 10 graus na madrugada da estrada e mais uns 30 graus de sol na manhã de sábado. Afora isso, os últimos 14 km são brindados com aquele terrão vermelho que te cimenta por dentro. Aquela sequidão brava de agosto. Até agora estou mal do nariz.
AINDA AS REFLEXÕES DA CAMINHADA
Eu sou um soldado quando se fala em relação à militância sindical. Já dediquei 10 anos de minha vida à causa da CUT, dos bancários e da Articulação Sindical.
Eu passei a minha vida enfrentando dificuldades. Está no contexto da nossa existência familiar superar problemas.
Nesta década de movimento sindical me esforcei e transpirei muito para ser daqueles imprescindíveis ou, ao menos, necessário (como diz o famoso poema).
A cada ano, me pergunto se vale a pena dedicar minha vida à causa. Se o que conseguimos de bom para o movimento dos trabalhadores vale a pena e se é maior que as tristezas que passamos e geramos na luta por aquilo que acreditamos.
Sei que não podemos avaliar o resultado da luta coletiva por reflexos nas pessoalidades. O país avançou nesta década, mas minha família passa horrores com falta de respeito e de atendimento médico público. Mas os números mostram que a vida melhorou.
Neste domingo dos pais em que publico esta postagem de minha caminhada, tenho minha mãe no corredor do SUS na esperança de ser atendida, pois estava acamada e passou mal hoje de manhã. Já são umas oito horas de espera e não sabemos se e quando vai ser atendida por um médico. Como tem sido hábito, viajo de madrugada para Brasília e deixo minha família nesta situação.
Aí quando me pego dentro do movimento, onde dedico minha vida, preciso desperdiçar parte importante do meu tempo e energia para me proteger dos ataques e puxadas de tapete dentro do próprio movimento (não estou falando de outras correntes de pensamento!). Com a metade do tempo que sobra, a gente organiza a luta contra banqueiros e o capital.
É isso! A reflexão não termina aqui. Até quando valerá a pena dedicar minha vida ao movimento? Até quando o resultado obtido para os trabalhadores será positivo?
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