segunda-feira, 10 de junho de 2024

A geração que criou a CUT: lá estavam os bancários!



Refeição Cultural

Osasco, 10 de junho de 2024. Segunda-feira.


Estou lendo aos poucos as entrevistas excelentes das lideranças da classe trabalhadora brasileira que criaram a nossa Central Única dos Trabalhadores e o nosso Partido dos Trabalhadores. 

Que trabalho bonito fez para nós a equipe da edição do livro e que histórias extraordinárias ficamos sabendo ao lermos as entrevistas!

Seguem abaixo algumas citações de companheiros da categoria bancária.

Ao ver a história contatada pelos entrevistados fico contente por ter um sentimento de pertencimento ao fazer sindical que esse pessoal nos legou. Procurei seguir o exemplo deles durante todo o tempo em que atuei como dirigente cutista da classe trabalhadora.

William Mendes 

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GILMAR CARNEIRO (entrevista em abril de 2021)

"Então, assim, a CUT, o PT tem que voltar a discutir: 'Qual é o projeto que nós temos para o Brasil?'. Tem que discutir isso com as pessoas. 'Ah, mas não é papel da CUT?'. É! A esquerda que não discute o projeto de país, não tem país. O país acaba'." (Gilmar Carneiro, p. 73)

Conheço o companheiro Gilmar Carneiro há mais de duas décadas. Grande figura! Sempre que nos encontrávamos nos espaços de luta e reflexão, fazíamos bons debates. Agora nos vemos pouco. Tenho muito respeito e admiração por ele.

SOBRE AUGUSTO CAMPOS: ESTRATÉGIA DA COMUNICAÇÃO 

Ao falar da vitória da eleição sindical de 1979, Gilmar nos lembra da visão de vanguarda de Augusto Campos ao instituir o Boletim Diário do Sindicato para falar com os trabalhadores, disputar a hegemonia da comunicação. (p. 64)

PISO SALARIAL NA CATEGORIA 

Outra estratégia da direção sindical (1979-82) foi ampliar o piso salarial da categoria bancária. Até hoje, nosso piso, somado a algumas conquistas como tíquetes, é bem maior que o salário mínimo nacional. 

PRIVATIZAÇÕES DOS BANCOS ESTADUAIS E REGIONAIS

"Hoje, nenhum Estado tem banco! Nem banco privado, nem banco público. 'Ah, mas você tem o Banco do Brasil e a Caixa.' Depende de São Paulo. Você pega o Banco do Brasil e a Caixa é por volta de 40% de tudo o que movimenta o Banco do Brasil, é em São Paulo. Então, assim, há um processo de concentração de poder financeiro e de poder político da economia neoliberal em São Paulo. É o que eu chamo de 'Golpe Branco'." (p. 67)

SOBRE A CONTAG, CONSCIÊNCIA DE CLASSE E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 

"Mas, quem vai se preocupar com o campo, hoje em dia? Porque não é à toa que teve os congressos da Contag e não saiu nada no boletim da CUT (...) Aí, eu fui tirar satisfação: 'Por que não discutia?'. 'Não, porque não é filiado a CUT '. 'E a consciência de classe? E o planejamento estratégico?' 'Não! Não tem mais'." (p. 68)

SINDICATO E PARTIDO FOCADOS EM ELEIÇÕES 

"(...) Estas ousadias, você não vê mais, o movimento sindical refletindo sobre isso. Os partidos políticos também não estão discutindo, porque eles têm que se reeleger, essa obsessão, essa necessidade de eleição, é angustiante, você vive em função disso." (p. 74)

Gilmar faz críticas importantes e contundentes sobre a terceirização ter sido pouco enfrentada nos governos do PT. 

COTAS PARA NEGROS NO MOVIMENTO: POR QUE NÃO TEM? 

"Quer ver um debate mais importante que a CUT nunca fez direito? Além dos terceirizados: a questão da mulher e do negro. Por que tem cota para mulher e não tem cota para negro?" (p. 74/75)

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OLÍVIO DUTRA (entrevista em maio de 2021)

"O sindicato de antes de 64, era um sindicato, na verdade, de muitos pelegos, né? Nós começamos na nossa luta sindical contra os pelegos que eram aqueles que tinham eternamente cargos nos sindicatos. Não saíam das direções do sindicato e, às vezes, criavam outros sindicatos, para ter um número 'x' de sindicatos na federação para criar uma federação para depois se candidatar a juiz da Justiça do Trabalho. Havia um processo de corrupção enorme no sindicalismo pré-golpe." (p. 81)

DITADURA ROUBAVA OS SALÁRIOS DA CLASSE TRABALHADORA EM BENEFÍCIO DOS EMPRESÁRIOS 

"(...) E tinha uma salinha na agência, que era pra tomar um cafezinho e um quadrinho para a gente colocar ali as notícias no muralzinho e eu trazia do sindicato as notas do DIEESE sobre política econômica da ditadura - o Delfim Neto baixando o salário nacional para todo mundo e escamoteando dados e aquela coisa toda! Se descobriu, então, aquela 'tungada' no percentual de reajuste do salário mínimo - porque era o salário nacional..." (p. 81)

FOCO NA FORMAÇÃO POLÍTICA DA BASE

"(...) Convidávamos pessoas para dar palestras, para conversar sobre a história do movimento sindical, história do povo brasileiro, essas coisas todas." (p. 82)

A CRIAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES FOI UMA NECESSIDADE 

"(...) Então, aos poucos, esse sentimento de resistência à política, à formação partidária, ele foi desaparecendo pela realidade da vida..."

e

"(...) as ideias foram se clareando... E não houve ninguém que de uma hora [para outra] se sentiu "iluminado". Isso foi um processo que nos levou a entender que não tinha como levar uma luta exclusivamente categorial ou sindical ou econômica. " (p. 84)

PRECISAVA TER PLURALIDADE

"(...) Precisava ter uma pluralidade - que o Lula tinha, o Lula tinha! E eu penso que ele ainda tem. Trabalhar com essa pluralidade, com essa diversidade..." (p. 85)

Comentário: vendo as imagens da 26a Conferência Nacional dos Bancários, é difícil não perceber a falta de renovação e pluralidade de ideias em um dos principais ramos de nossa Central. E sei que os motivos são os mais variados. 

CLT

"(...) A CLT foi uma legislação avançada para a época, inspirada inclusive no fascismo; era para conter o socialismo, comunismo e [para] os trabalhadores não se encantarem com esse tipo de discurso, e não compartilharem com o 'capital', com o resultado no desenvolvimento. Para a época foi um progresso, evidentemente! Porque antes disso a questão social era uma questão de polícia - continua sendo de polícia, mas mais sofisticadamente." (p. 87)

A TECNOLOGIA ERA PARA REDUZIR A JORNADA DE TRABALHO 

"A grande luta nossa é a redução da jornada de trabalho, sem a redução de salário - a tecnologia tem que ser para isso! Para possibilitar que as pessoas possam viver sem um trabalho estressante, repetitivo e poder produzir, ter maior produtividade e maior integração na sua comunidade, na sua categoria (...) O ser humano [deveria] ser o maior beneficiário desses avanços! Mas a tecnologia na mão dos grupos privados, das grandes empresas, dos seus representantes, aquilo ali ao invés de resolver is problemas, ela cria novos problemas e a desigualdade permanece. A necessidade, portanto, da luta organizada dos trabalhadores é algo constante." (p. 90)

INDIVIDUALIDADE NÃO É INDIVIDUALISMO

"A construção coletiva não pode impedir a individualidade. Agora, a individualidade não pode ser o individualismo, o egoísmo, então tem todas essas questões. Às vezes, tá no 'fio da navalha'. O que é a individualidade? O que é o individualismo? Bom, o sistema capitalista e sua fala neoliberal instigam o individualismo, o egoísmo, cada um por si e tal. E o empreendedorismo é uma conversa deles para as pessoas se desgarrarem da relação comunitária, do sindicato, da associação, da construção coletiva de um caminhar." (p. 93)

Enfim, a parte final da entrevista, na qual Dutra fala do sindicato cidadão, é muito legal!

Ele termina falando que a revolução tecnológica está fazendo um progresso da humanidade ao contrário, concentrando a riqueza. 

E afirma: a grande luta é pela redução da jornada de trabalho sem redução dos salários. 

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JACY AFONSO (entrevista em nov/2021 e maio/2022)

"Então, na assembleia que elege os delegados para a CONCLAT, é o divisor de águas. Um setor mais ideológico do Partidão percebe que eu seria caso perdido, que eu iria para o PT, então eles não votam em mim para delegado, eu fico como 9º delegado dos 8 delegados de base que o sindicato tinha, eu fiquei em 9º lugar na votação, então eu não fui." (p. 328)

Esse é o amigo e companheiro Jacy! Eu o conheço desde meados dos anos noventa. Entrei no banco em 1992 e já nos primeiros encontros nacionais, seja do banco, seja da corrente política Articulação Sindical, conheci e passei a admirar Jacy. Figura humana e de uma sabedoria incrível!

BOM SINDICALIZADOR

Jacy conta como atuava junto à base dos bancários na W3 em Brasília, mesmo sem ser diretor do Sindicato. E ele era bom sindicalizador.

"Então, tem uma campanha de sindicalização e eu sou o cara que mais sindicalizo pessoas na campanha. Eu fui campeão de sindicalização de novos sócios do sindicato." (p. 328)

Me lembrei na hora do quanto eu sindicalizava bancários também. Já no Unibanco, eu sindicalizei todo mundo na agência do CAU. Depois no BB, ganhei até prêmios de campanha de sindicalização pelo tanto que eu sindicalizava. 

Como negociamos com a direção local do BB ir à posse dos novos funcionários, eu sindicalizei centenas de colegas. Por toda minha vida de dirigente, encontrei colegas que disseram que foram sindicalizados por mim quando começaram no banco.

JACY CONHECE GILMAR CARNEIRO E LUIZ GUSHIKEN

"Eu fui na posse do Sindicato dos Bancários de São Paulo em 1982. Em março de 82 lá no Sindicato dos Químicos, na chapa que foi reeleita - a diretoria foi eleita em 79, e aí, eu vou lá, eu vou representando os bancários do PT na posse, e não foi gente do sindicato daqui. E eu fui representando. Então, eu conheci o Gilmar Carneiro, fui na casa do Gushiken, eu fui junto com... o pessoal [que] tinha ganhado a eleição da Bahia, com o Laranjeira..." (p. 328)

Na entrevista, Jacy nos conta das idas e vindas do pessoal do grupo Pró-CUT em relação à CONCLAT. Nos fala sobre as "Diretas, Já!", a constituinte e a participação do movimento sindical nessas lutas. Sobre o III CONCUT, Jacy nos fala sobre a Tese 10.

DESAFIOS DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL

UNIDADE

"(...) por isso que eu falo que o estatuto precisa ser trocado como um todo, não dá para fazer remendo. Então, na hora de ir dialogar é o seguinte, não tem mais estrutura orgânica da CUT, tem estrutura filiada. Na estrutura filiada nós vamos construindo a unidade, nós podemos trazer todos os bancários para a CONTRAF, nós podemos trazer todos os metalúrgicos, porque é uma coisa real no cotidiano..." (p. 335)

COMENTÁRIO: sobre a construção da unidade nacional da categoria bancária, eu posso dar o meu depoimento, pois ajudei a construir essa estrutura e a Convenção Coletiva de Trabalho. De fato, ter superado essa questão de só fazer parte da estrutura quem era orgânico foi fundamental. Tanto é que a CCT abrange federações e sindicatos que não são da estrutura orgânica da CUT e sequer filiados à Central. A unidade é feita no cotidiano, como diz Jacy. O Comando Nacional dos Bancários, que criamos de 2006 adiante (ampliando a Executiva Nacional), tem esse caráter de colocar na mesa todas as forças que queiram participar da unidade.

CONGRESSOS E CONFERÊNCIAS TÊM QUE TER DELEGAÇÃO DE BASE

"(...) Então eu colocaria como um dos critérios a volta do delegado de base, você obrigaria... hoje é muito fácil, não é um congresso de trabalhadores, é um congresso de dirigentes sindicais, então se você não levar a base para refletir, para você fazer um esforço e fazer isso... então eu voltaria à obrigatoriedade, no estatuto da CUT, de ter uma parcela da delegação de base, não pode ser [só] dirigente sindical..." (p. 336)

LUTA DE CLASSE ESTÁ FRAGMENTADA

"Então você começa a discutir meio ambiente, você começa a discutir a questão nacional, você começa a discutir a questão da juventude, das mulheres, e assim por diante, eu acho que isso fragmenta a ação sindical, não o tema, estou falando da ação sindical, aí você pulveriza a ação, você começa a fragmentar e perde o caráter de classe mais importante, da exploração do trabalho pelo capital." (p. 337)

COMO CRIAR PERTENCIMENTO NUM MUNDO UBERIZADO E SEM TRABALHO FIXO EM CATEGORIAS?

"Eu estou dizendo que o sentimento da pessoa, é que quando ela perde o emprego ela perde o vínculo com o sindicato, nós precisávamos mudar isso, ele tinha que ter um sentimento de pertencimento, que ele podia estar colocado, então ele teria uma carteirinha, tá certo? Tipo uma carteirinha da CUT, por exemplo, o cara teria uma carteirinha da CUT, claro que a organização é para o sindicato, mas a carteirinha seria do sindicato, a palavra sindicato e tal, aí depois você teria lá um código, uma coisa, que você mostraria que o cara era do sindicato dos bancários, dos metalúrgicos e assim por diante... mas haveria um sentimento..." (p. 337/338)

Enfim, ao longo dessas décadas, sempre vi o companheiro Jacy como um pensador. Chegamos a fazer debates divergentes com artigos publicados a respeito de visões do BB quanto a adquirir bancos no exterior ou não. Antes, era permitido fazer debates no movimento sindical cutista... hoje é bem mais complicado isso.

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LUIZ AZEVEDO (entrevista em junho de 2021)

Emoção logo no início da leitura da entrevista do Luizinho, companheiro do Banco do Brasil, do coletivo de diretores do BB no Sindicato do qual participei por décadas na minha vida. 

Luizinho tomou posse na agência do BB da Antônio Agú (Osasco), local no qual tenho uma das histórias mais bonitas de minha vida sindical, quando fiz reunião com todo mundo furando a greve de 2010 e que, depois da reunião que fiz no 2º andar, saíram todos os bancários e bancárias, com direito a choro de muitos de nós pela emoção do debate. Foi um dia inesquecível para mim.

Amig@s, a entrevista do Luizinho é legal demais! Estou gostando de todas as entrevistas, mas essa me lembrou muita coisa das concepções e práticas sindicais que balizaram meu fazer sindical.

Se eu fosse citar tudo que risquei e anotei no livro, faria uma enciclopédia aqui na postagem. Cito só algumas passagens.

A CUT E A CLT

"Nasce uma reação muito forte de parte da CUT que era assim, inicialmente, o pessoal falava: 'a CUT é contra a CLT!'. A CUT e nós bancários, não é que 'éramos contra a CLT' ou 'contra direito individual', nós éramos contra que a contratação que predominava sobre a vida do trabalhador, fosse individual e não coletiva, que é o que é a CLT! A CLT é basicamente direito individual. Então a gente defendia que o direito tinha que ser coletivo! Por causa de uma frase que o Augusto sempre dizia e que, na minha opinião, define a personalidade do Augusto Campos, ele dizia o seguinte: 'o processo de conscientização é produto do processo de negociação, porque a negociação coletiva, ela explicita o conflito e revela a correlação de forças'." (p. 139)

Essa concepção foi muito importante na minha formação também. Todas as teses que defendi como sindicalista tinham essas concepções que o Augustão e o Gushiken nos legaram sobre Organização nos Locais de Trabalho (OLT) e politização dos trabalhadores na base.

LUIZINHO VÊ OLÍVIO DUTRA FAZENDO TRABALHO DE BASE

"(...) O Olívio Dutra fez uma revolução no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre: ele instalou o processo do trabalho pela base, como a coisa mais importante. Eu fui a Porto Alegre com o Olívio e ele falou: 'Luizinho, me desculpa, eu não vou poder ficar contigo porque eu tenho que fazer minha base'. Eu saí com ele e fomos fazer a base juntos. Ele ia bancário por bancário, conversando com um por um." (p.143)

Emocionante depoimento!

Fiquei feliz ao saber que a forma como fiz trabalho de base foi a mesma que grandes lideranças dos bancários fizeram antes de mim. Segui a concepção sindical de minhas referências.

O III CONCUT E A ARTICULAÇÃO SINDICAL

"Essas lições, eu acho que tudo isso, com a experiência da Constituinte, explode no III Congresso de 1988 e, praticamente, na Tese 10. A Tese 10 consegue capturar. Então às vezes as pessoas falam assim: 'Luizinho, o que é Articulação pra você?'. Nós não montamos, quando a gente criou a Articulação Sindical que começa lá nos 113 e tal, mas não foi assim, 'vamos criar uma corrente!'; a questão é pra gente poder assegurar que haja sindicalismo de massa e que haja partido de massa, a gente tem que se articular, porque senão as correntes levam tudo para o gueto das disputas delas. Foi esse o motivo pelo qual nasceu a Articulação." (p. 146/147)

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COMENTÁRIO FINAL

Amigas e amigos leitores do blog, que livro incrível esse livro sobre A Geração que criou a CUT

Temos que agradecer muito o trabalho extraordinário da equipe responsável pelas entrevistas, edição e conclusão de uma obra imprescindível para qualquer pessoa que queira conhecer um pouco de nossa história.

Obrigado por essa preciosidade companheiras e companheiros Claudio Nascimento, Iram Jácome Rodrigues, João Marcelo P. dos Santos, Maria Silva Portela de Castro e Sandra Oliveira Cordeiro da Silva. Obrigado!

William Mendes


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