Refeição Cultural
A mente humana... nada na natureza se assemelha à capacidade criativa da mente humana. Nossas ideias e pensamentos podem abrir caminhos que nos levem à glória ou ao fim de tudo
Os dois filmes que comento nesta reflexão me deixaram muito pensativo, avaliando a natureza da nossa espécie humana, a única com um cérebro dotado de razão que nos diferencia de todas as demais espécies que convivem conosco no mesmo ambiente. Jamais me esquecerei dos ensinamentos do neurocientista Miguel Nicolelis em seu livro sobre o cérebro humano (ver aqui).
Por um lado, a inteligência humana nos colocou numa condição de superioridade na luta pela sobrevivência diária na Terra, nós desenvolvemos a técnica e a criatividade, alteramos o meio em nosso benefício. Inventamos a linguagem, inclusive a escrita, e a forma de passar adiante o que cada animal sabia: a cultura.
Por outro lado, a inteligência humana não se confunde com a ética, um dos vários conceitos desenvolvidos pela espécie ao longo da existência. Seres humanos com mentes muito criativas e com muito conhecimento podem fazer as coisas mais terríveis que se possam imaginar, e com efeitos incalculáveis para as outras pessoas e espécies e para o próprio planeta no qual todas as espécies vivem juntas, coabitam. Uma pessoa pode fazer tudo o que quiser? É isso o conceito de liberdade que defendemos?
A sociedade humana, coabitante do mundo com outros milhões de espécies, está num momento decisivo de sua história: vamos mudar a tendência de destruição física do mundo no qual vivemos ou vamos deixar as coisas seguirem como estão, com algumas mentes inteligentes e sem ética alguma controlando um planeta inteiro em benefício e gozo próprio? (como fazem esses bilionários donos de tudo no mundo atual)
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Os dois filmes trabalham com enredos que destacam jogos mentais, pessoas com inteligências destacadas e sem ética alguma, pessoas que usam da inteligência da nossa espécie em benefício próprio e com atos que causam efeitos na vida das outras pessoas.
Fiquei pensando sobre essas questões de liberdade, ética e limites individuais e empresariais ao ver os filmes "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" (2004) e "A garota exemplar" (2014), filmes com atores e atrizes excepcionais, com atuações destacadas, na minha opinião. Filmes com direção e roteiro muito inteligentes, para ficar na questão que estou abordando.
Em um dos enredos, cientistas inventam máquinas que mapeiam e apagam lembranças de seus clientes. Ao longo do filme os espectadores verão conflitos éticos dos profissionais da empresa de apagamento de memórias.
No outro enredo, uma pessoa de mente brilhante envolve e manipula tanto as pessoas na vida ficcional quanto na vida real, os espectadores. Uma mente brilhante pode atuar sem limite algum?
O personagem Joel (Jim Carrey) percebe durante o procedimento de apagamento de suas lembranças que ele não quer mais perder aquelas memórias, pois elas fazem parte de sua vida, e eu diria inclusive que fazem parte do que ele é.
É como nos ensina o professor Antonio Candido: "O que somos é feito do que fomos, de modo que convém aceitar com serenidade o peso negativo das etapas vencidas". Eu e vocês somos esse acumulado de experiências boas e ruins que fizeram parte de nossas vidas.
Essa questão temática do apagamento proposital de lembranças e momentos da vida que em tese nos incomodam em determinado instante da existência podem "desconfigurar" e descaracterizar o que somos. É só pensarmos o que acontece com uma pessoa que sofre uma doença degenerativa e vai perdendo a memória... é triste demais isso! Vamos deixando de ser o que somos.
Atenção: não confundo essa hipótese de apagamento proposital de memórias com o excelente trabalho que profissionais de saúde fazem para auxiliar pessoas a lidarem com seus conflitos psicológicos.
Para finalizar o comentário com uma questão que envolve a ética, eu me pergunto se seria ético uma empresa cobrar por serviços de apagar memórias das pessoas. A inteligência humana sem ética pode nos levar à extinção de nossa espécie e de outras formas de vida por causa do abuso de determinados humanos inteligentes que só pensam o mundo para si mesmos.
Vejam se não é o que estamos vivendo (ou morrendo) neste exato momento em relação à manipulação de milhões de seres humanos (como, por exemplo, por plataformas digitais) com ideologias que beneficiam alguns bilionários e seus ideólogos pra lá de inteligentes, pagos a soldo alto, em prejuízo do bem comum, do uso sustentável dos recursos escassos do planeta e em prejuízo de uma sociedade humana mais justa e igualitária.
A refletir.
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FILMES
Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004). Direção: Michel Gondry. Roteiro: Charlie Kaufman. Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood, Tom Wilkinson.
SINOPSE: O filme retrata o fim da história de amor entre Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet). Impulsiva como é, Clementine decide apagar todas as memórias de seu relacionamento com Jim através de uma empresa que apaga memórias. Ao saber da atitude de Clementine, Joel se revolta, pois ainda gosta dela, e decide se expor também ao tratamento experimental de apagamento de memória. Durante a aplicação do procedimento, Joel se arrepende e tenta de todas as formas interromper o processo...
COMENTÁRIO: filme excepcional! Envolvente do início ao fim. Além do roteiro ter me deixado bolado por causa da temática desenvolvida - a possibilidade de um procedimento em clínica médica ter a capacidade de apagar memórias ruins que as pessoas avaliem que tenham -, as imagens do filme criadas para reproduzir o que se passava na mente de Joel durante o procedimento são muito bem feitas e criativas. Minha esposa me perguntou por que eu me emocionei com o filme? Porque pensei em muitas coisas com relação à temática de apagamento de nossas memórias, que na essência é o que somos. O filme me deixou muito pensativo.
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Garota Exemplar (Gone Girl), de 2014. Direção: David Fincher. Com: Rosamund Pike, Ben Affleck, Carrie Coon, Tyler Perry, Kim Dickens, Neil P. Harris e elenco.
SINOPSE: no dia de seu quinto aniversário de casamento, Amy Dunne desaparece (Pike). Quando as aparências de uma união feliz começam a desmoronar, o professor universitário Nick Dunne (Affleck), seu marido, torna-se o principal suspeito. O desaparecimento de Amy tem grande cobertura de mídia porque ela é conhecida por inspirar livros infantis cuja personagem é a "Amazing Amy" (algo como garota exemplar), de autoria de seus pais. Nick contrata um advogado especialista nestes casos, Tanner Bolt (Perry) e, com a ajuda de sua irmã gêmea Margo Dunne (Carrie Coon), Nick tenta provar sua inocência, ao mesmo tempo em que investiga o que realmente aconteceu com a mulher.
COMENTÁRIO: o filme tem uma trama envolvente e o final deixa os espectadores surpresos. Gostei do filme! Os mais antigos acabam se lembrando de filmes como Instinto Selvagem (1992) e Atração Fatal (1987).
O principal comentário a fazer sobre o filme e o roteiro é que gosto de filmes bem escritos e inteligentes. Nota 10 para esse filme.
Em termos de desempenho, a interpretação de Rosamund Pike é espetacular! Amig@s, que olhar é aquele de Amy Dunne! Que medo! Eu não me atreveria a passar uma noite ao seu lado (risos)...
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É isso!
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William Mendes
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