sábado, 4 de maio de 2024

Leitura: Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire



Refeição Cultural

Osasco, 4 de maio de 2024. Sábado.


"(...) quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


"Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. É por isso que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo relativo. Verbo que pede um objeto direto — alguma coisa — e um objeto indireto — a alguém." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


CONHECENDO PAULO FREIRE

Ao longo de muitos anos de vida sindical, ouvi falar do "método de ensino Paulo Freire", da luta contra a "educação bancária" e dos livros clássicos do mestre cujos nomes começavam com a palavra "Pedagogia".

Sendo eu um típico exemplar humano do que Paulo Freire nos explica sobre sermos seres incompletos, minhas lacunas culturais sempre me constrangeram como se eu tivesse culpa de ter passado a vida vendendo a minha força de trabalho e estudando como fosse possível na fase de adulto jovem. Li o que pude, mas li pouco na vida.

Agora, retirado do dia a dia do mundo do trabalho e do movimento sindical que integrei por bastante tempo, tenho conseguido ler um pouco mais que antes. 

Acumulei por décadas uma quantidade grande de mídias para ler e estudar. Muitas temáticas perderam um pouco do sentido para mim, pois a leitura era para ser o melhor possível no que fazia. Agora que não tenho mais "utilidade" para o movimento sindical, vou inventando roteiros de leitura para mim mesmo.

Eu sonhei em ser professor, função social que entendo como a mais importante da sociedade humana. Por duas vezes, entrei em cursos acadêmicos pensando em atuar na área da educação: quando iniciei uma graduação em Educação Física (não pude terminá-la) e quando fiz uma graduação em Letras. 

As veredas que se abriram em meu caminho me levaram para outras paragens. Quando entrei na USP para cursar Letras, virei sindicalista e o curso perdeu a prioridade. Fiz o possível para ser um bom representante dos trabalhadores. A graduação não foi feita como eu gostaria.

Nos últimos anos, me esforcei para estabelecer um hábito de leitura regular e acabei conseguindo ler dezenas de livros das mais diversas áreas do conhecimento humano. No blog, compartilho o que aprendi. E assim vou vivendo: aprendendo e tentando diminuir a minha incompletude. 

Com a leitura de Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (1996), completo o 3º livro do mestre Paulo Freire. Para este leitor que vos fala, só é possível ler suas obras de forma lenta, pausada, reflexiva. A gente lê uma página e volta duas, lê mais duas e volta três (risos). Eu não tenho pressa, não para esse tipo de aproveitamento do meu tempo.

Não me sinto com capacidade para ficar escrevendo de forma crítica os textos de Paulo Freire. Ainda não. Quem sabe um dia. No entanto, não me custa citar alguns excertos do livro para ilustrar a sabedoria que esse ser humano extraordinário nos legou em vida e para a posteridade.

Feitas essas reflexões iniciais, eis abaixo alguns pensamentos que destaquei da leitura de Paulo Freire.

William Mendes

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ÉTICA UNIVERSAL DO SER HUMANO

"O meu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que venho chamando de ética universal do ser humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos, mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique." 

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SOMOS SERES CONDICIONADOS, MAS NÃO DETERMINADOS

"Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo, e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isso não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável." 

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ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO

"É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção." 

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ENSINAR INEXISTE SEM APRENDER E VICE-VERSA

"Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar" 

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A LEITURA VERDADEIRA

"A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito." 

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PENSAR CERTO...

"Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas." 

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O PROFESSOR QUE PENSA CERTO

"O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã." 

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"DODISCÊNCIA"

"A “dodiscência” — docência-discência — e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por esses momentos do ciclo gnosiológico." 

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TODO(A) PROFESSOR(A) DEVE SER UM PESQUISADOR(A)

"Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade."

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COMPROMISSO COM A CONSCIÊNCIA CRÍTICA DO EDUCANDO

"Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente."

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SER HUMANO = ÉTICA

"Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou, pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão."

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A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DA VERDADE

"Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo."

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PRÁTICA DOCENTE = ENSAIO ESTÉTICO E ÉTICO

"Não é possível também formação docente indiferente à boniteza e à decência que estar no mundo, com o mundo e com os outros substantivamente exige de nós. Não há prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético, permita-se-me a repetição."

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TECNOLOGIA: NEM BOA, NEM RUIM

"Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado."

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ASSIM COMO O DIREITO, A ÉTICA É UM ATRIBUTO HUMANO

"Só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética. Não se sabe de leões que covardemente tenham assassinado leões do mesmo ou de outro grupo familiar e depois tenham visitado os “familiares” para levar-lhes sua solidariedade. Não se sabe de tigres africanos que tenham jogado bombas altamente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos."

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O FUTURO NÃO ESTÁ DETERMINADO PARA OS HUMANOS

"Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu 'destino' não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade."

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O HUMANO ESTÁ NO MUNDO PARA SER SUJEITO DA HISTÓRIA E NÃO OBJETO

"Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história."
citação

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SOMOS NATUREZA, SOMOS SERES INCONCLUSOS

"Em lugar de estranha, a conscientização é natural ao ser que, inacabado, se sabe inacabado. A questão substantiva não está por isso no puro inacabamento ou na pura inconclusão. A inconclusão, repito, faz parte da natureza do fenômeno vital. Inconclusos somos nós, mulheres e homens, mas inconclusos são também as jabuticabeiras que enchem, na safra, o meu quintal de pássaros cantadores; inconclusos são estes pássaros como inconcluso é Eico, meu pastor alemão, que me 'saúda' contente no começo das manhãs."

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NÃO SE FINALIZAM AS LEITURAS E ESTUDOS SOBRE PAULO FREIRE

Enfim, é hora de finalizar a postagem sobre a leitura dessa obra seminal do educador Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia é um clássico da produção textual e intelectual do povo brasileiro.

Não citei nem a metade do livro nesta postagem. No entanto, só pelas citações que destaquei aqui é possível perceber a profundidade das mensagens que Paulo Freire nos deixa. 

Somos seres inacabados, passíveis de sermos educados. Como diz o educador "só se educa gente". Como não acreditar na formação política, na educação libertadora? Em novos homens e mulheres, como pensava o médico revolucionário Ernesto Che Guevara?

Ao estudar Paulo Freire fica impossível a mim e ao estudioso(a) de suas ideias acharmos que o mundo não tem mais jeito, que os seres humanos não têm mais jeito, que está tudo acabado... impossível! Somos seres históricos, que transformam a realidade do mundo a partir da inteligência e da vontade.

Com educação libertadora, com vontade e amor pela vida, pelos seres e pelo mundo podemos mudar a realidade que está ruim (eu diria que está uma merda!), podemos mudar! É só querermos e fazermos o certo para mudar a realidade. Seres humanos podem fazer isso!

A emergência climática pode ser revertida! Ela foi consequência de nosso mau uso da natureza do planeta, mau uso que nós humanos causamos ao vivermos no planeta Terra permitindo que uma abstração inventada por humanos - o capitalismo - destrua a vida, o mundo, a solidariedade entre as pessoas. MUDEMOS O MUNDO, LUTEMOS PELO FIM DO CAPITALISMO!

Não adianta só nos sensibilizarmos com as vítimas de catástrofes naturais a cada momento no qual elas aconteçam e não atuarmos para mudar a realidade do mundo causada pela mão dos seres humanos. Entendem? Ao mesmo tempo que temos que acudir nossos irmãos nas catástrofes, temos que refletir as causas e as mudanças necessárias para que catástrofes não ocorram.

Temos que estudar porque somos gente, e só se educa gente! Educados, podemos mudar a realidade a qualquer tempo, em qualquer situação. Somos seres que fazem história!

William Mendes

Bibliografia:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. Edição especial 1.000.000 de exemplares. Editora Paz e Terra. Coleção Leitura. São Paulo, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. Formato ePub. Versão para kindle.


2 comentários:

Valsa Literária disse...

Excelentes os trechos retirados, enquanto eu lia seu texto e os fragmentos de Freire, tudo isso girando e pimba: me brotou um poema na cabeça, que interessante. Escrevi de chofre, quase vomitado. Registro Geral.
Sadudade de vocês Tudimmmm,

William Mendes disse...

Salve, salve, profa-poeta!

Poema potente! Como a potência da vida, que brota sempre da porção mãe dos gêneros da natureza!

Abração pra galera aí!

William