quarta-feira, 15 de maio de 2024

Vendo filmes (XVI)



Refeição Cultural

Vidas passadas, vidas futuras, o presente que estamos construindo


Vi por esses dias dois filmes cujos enredos se passam nos Estados Unidos da América, ou pelo menos partes das histórias acontecem por lá. 

Estive duas vezes em Nova York e a experiência me trouxe aprendizados, inclusive me ajudou a evoluir em relação a preconceitos que tinha por confundir o povo de um país com o governo, coisas relacionadas, mas diferentes. Numa plutocracia como nos EUA, o povo pouca influência tem nos rumos da nação.

Neste artigo, comento a respeito de dois filmes muito bons, filmes que mexem com os sentimentos dos espectadores, filmes que valem a pena! Filmes com temáticas muito diferentes.

São filmes para chorar, para disparar as batidas do coração. Estórias que incomodam o espectador que, ou torce para que o desfecho seja o esperado ou se indigna pela atitude não esperada dos personagens.

O filme "Guerra Civil" nos assusta. É ficção ou é uma premonição do amanhã? E o comportamento das personagens naquele mundo sob guerra civil? Já não somos nós hoje com a indiferença na qual lidamos com todas as desgraças e injustiças ao nosso redor? Foda!

O filme "Vidas Passadas" nos envolve e nos coloca nos papéis dos jovens personagens sul-coreanos. Na vida real, os caminhos que as vidas deles tomaram seriam os caminhos meio que obrigatórios de boa parte das pessoas no mundo contemporâneo. São nossos destinos quando escolhemos as veredas que tomamos na vida? Há diferença entre escolher caminhos ou deixar que os caminhos se apresentem a nós e a gente só siga por eles?

Gostei bastante dos dois filmes. Recomendo a imersão, a viagem. O exílio por algum tempo nas ficções é perigoso como a vida real no mundo em desfazimento atual. A experiência pode nos modificar e ao final da catarse já não seremos os mesmos...

William Mendes

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FILMES

Vidas Passadas (Past Lives), 2023. Direção e roteiro: Celine Song. Elenco: Greta Lee, Yoo Teo, John Magaro.

Sinopse: filme conta a história de Nora Moon (Na Young até os 12 anos) e Hae Sung, dois amigos de infância com uma forte conexão, que são separados quando a família de Nora decide migrar para o Canadá. Depois de muitos anos, eles retomam contato pela internet e duas décadas depois da separação se encontram em Nova York. O encontro colocará frente a frente dois adultos ligados pelo passado comum na Coreia do Sul e separados pelas veredas da vida.

Comentário: a história de Nora e Hae Sung emocionam a gente. Nos deixam pensando na vida. Enquanto estamos na sessão, viajamos por várias reflexões sobre nossas vidas, eu vi na história dos amigos de infância sul-coreanos as veredas de minha própria história de vida. Provavelmente muitos espectadores se veem ou se recordam de alguém em contextos parecidos aos de Nora e Hae Sung. Na existência humana os exílios acabam se impondo em um momento ou noutro de nossa jornada.

Minha impressão é que a diretora e roteirista Celine Song quis nos mostrar os caminhos percorridos por duas pessoas de natureza muito diferentes, apesar da origem comum que as unia na infância. Uma pessoa, Nora, muito competitiva, sonhadora e disposta a alcançar seus objetivos, e a outra, Hae Sung, mais voltada à tradição e cultura de sua gente. Sentimentos difusos entre duas pessoas... amizade, amor, cumplicidade (a pessoa que sempre acolhia enquanto a outra chorava).

Pensei em tanta coisa durante o filme! Aos dez anos fui embora de meu mundo. Tive que me adaptar a outro mundo. Aos dezessete, voltei sozinho para aquele mundo da infância, nada mais era como antes. Exílios... Tenho na memória a lembrança de estar sempre andando em sentido contrário às gentes: aos 17 anos, quando descia para ir a outra escola - o Daniel - enquanto todo mundo subia para ir ao Adolfino. Aos 32 anos, quando descia na Franz Voegeli no final da noite, vindo da USP, e trombando com a gente subindo pela calçada, saindo da faculdade local. 

Nora e Hae Sung veem o mundo com a cultura da sua gente, com as crenças e mitologias que conformam a vida dos sul-coreanos. Como teria sido a vida deles se Nora não tivesse se mudado com os pais para outro país? Teriam ficado juntos, teriam filhos? Já estiveram juntos em vidas passadas? Em que contexto isso teria se dado? Ficariam juntos em alguma vida futura? Veredas, veredas...

O filme é lindo, muito bem montado. As cenas de lugares e tempos distintos se conectam. O monumento no qual as duas crianças brincam num encontro proporcionado por suas mães e anos depois um monumento onde se encontram em Nova York. Rostos de pedra separados por algo entre eles, como a vida deles, juntos mas separados. Os silêncios que falam por eles, os cenários perfeitos para os momentos dos encontros. O parque e o carrossel... a cena da calçada aguardando o uber... as escolhas que Nora e Hae Sung fizeram, eu diria que de forma consciente, são as dimensões das decisões humanas a nos fazer refletir sobre a vida.

Filme para ver e rever sempre! Nos põe a pensar a vida.

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Guerra Civil (Civil War), 2024. Direção e roteiro: Alex Garland. Elenco: Wagner Moura, Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e Stephen McKinley Henderson.

Sinopse: o filme retrata a história de uma equipe de jornalistas e fotógrafos que viaja pelos Estados Unidos durante uma guerra civil. Joel (Moura) e Lee (Dunst) são amigos de longa jornada, estão em Nova York e pretendem chegar até Washington (DC) para entrevistarem o presidente dos EUA antes que a guerra chegue ao fim.

Comentário: visto no cinema o filme coloca o espectador dentro do cenário de tensão da trama. Guerra é uma merda! Durante a sessão ficamos pensando como é ou seria bom vivermos em paz. E o enredo ficcional do filme nos lembra o quanto estamos a cada dia mais próximos da guerra, das guerras. Na verdade, já estamos em guerra, guerra civil, inclusive. A questão é quando as consequências das guerras se darão nas imediações de onde você e eu estamos. 

Saí do cinema meio passado. O que a ficção retrata é uma hipótese muito premonitória do que pode estar por vir. E o filme demonstra ao espectador a loucura que impera num mundo sem paz, sem contrato social, sem direitos civis, sem as conquistas civilizatórias - apesar de imperfeitas - que a espécie humana criou ao longo de sua existência no planeta. Foda isso!

Em termos de técnica, o filme é uma espécie de road movie, num cenário distópico, baseado na imagem, na fotografia. Diálogos pouco aparecem e o enredo deixa claro que o diálogo acabou, já era! Não existe mais rendição, conciliação. As coisas se resolvem na violência, na bala. Na eliminação ao diferente, divergente. Lei da selva: na guerra civil da savana, pela sobrevivência, não existem direitos de humanos, de gazelas, de cervos, de rezes e filhotes. Predação.

Algumas cenas são marcantes: belezas fugazes em meio a sangue, concreto, bombas, chumbo: umas florezinhas na grama distraem gente assustada durante tiroteio... fuligens incandescentes iluminam a noite dos mundos queimando... gente morrendo em instantes captados em preto e branco...

Como seres históricos, como seres passíveis de educação, podemos desenhar e capturar instantes melhores num futuro diferente... um mundo de paz, de tolerância à diversidade e sustentável. Queremos isso? Estamos fazendo algo por isso? Ou só queremos cliques, likes?

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É isso! Dois filmes distintos, dois enredos que se passam na terra do império atual.


Post Scritpum: o texto anterior desta série de comentários sobre filmes pode ser lido aqui. O comentário seguinte sobre filmes pode ser lido aqui.


2 comentários:

Valsa Literária disse...

Vidas passadas é muito lindo, de morrer, eu amei.

Se der veja: Meu Nome é Loh Kiwan, achei bonito também, não sei porque lembrei, e nem sei se tem conexão rsrsrs, mas é pesado de ver.

Drive My Car també é belo demais, mas só assista se estiver bem hahahahahaha

Abraços

William Mendes disse...

Olá, amiga!

Adoramos o filme Vidas Passadas.

Valeu pelas sugestões. Facilita estarem na Netflix, pois não pagamos outros streamings. Vou ver com a Ione se a gente assiste qualquer hora dessas rsrs.

Abração pro'cês"

William