terça-feira, 5 de novembro de 2024

Opinião - Os significados por trás das desfiliações partidárias e sindicais



Os significados por trás das desfiliações partidárias e sindicais


Opinião

O peso de uma desfiliação na vida pessoal e da instituição que perdeu aquela militância


1a parte

Fiquei refletindo por um tempo para avaliar a melhor forma de abordar a simbologia da perda de um companheiro valoroso de nosso Partido dos Trabalhadores nesta semana. O amigo e colega do Banco do Brasil, Daniel Kenzo, presidente do Diretório Zonal do Butantã, informou ontem que se desfiliou do Partido. Entendo que sua saída foi uma perda imensa para o PT. 

Quem de nós militantes sindicais ou partidários já não pensou alguma vez em se desfiliar do sindicato ou do partido por motivações diversas? Quando uso o termo "militante" estou indo um pouco além da relação formal entre a pessoa e a instituição à qual se associou. Militância é um grau acima na relação. Já tem coração envolvido naquela filiação, tem sentimento de pertencimento.

Até mesmo as motivações para se filiar ao sindicato ou ao partido são diversas, é verdade. Algumas são até descompromissadas, episódicas, sem um conteúdo ideológico. No entanto, avalio que uma das questões centrais de uma filiação seja o sentimento de confiança nos propósitos, nas práticas e nas pessoas que lideram aquela instituição de luta política. (falarei a respeito disso na 2ª parte desta reflexão)

Como afirmo em minhas reflexões, sempre recorro às experiências que acumulei na luta política para analisar e tentar compreender o mundo. Respeito as avaliações teóricas baseadas nos estudos, acredito na ciência e na capacidade da mente humana em analisar situações e criar soluções para os problemas do mundo.

O peso da experiência - No entanto, tem um ditado muito válido que aprendi no movimento sindical que carrego comigo desde o contato com ele: "a prática como critério da verdade". Desde que compreendi a ideia por trás desse conceito, tentei exercer os mandatos de representação baseados nesse princípio ético.

O companheiro e militante Daniel Kenzo desempenhou na presidência do Partido e nos movimentos populares em nossa região esse princípio ético da prática como critério da verdade. E sob sua liderança, a militância viveu intensamente o sentimento de confiança nos propósitos, nas práticas e nas pessoas que lideram nossas frentes de lutas.

Na última vez que conversamos, no dia da foto acima, lutando para eleger nosso projeto para a cidade de São Paulo, falamos um pouco sobre nossos sentimentos em relação ao Partido e à linha política mais ao centro e liberal que as direções do PT vêm tomando. Não concordamos com o afastamento do Partido dos princípios, concepções e práticas basilares da esquerda e da busca por uma sociedade socialista, ou pelo menos de combate ao capitalismo. 

Partilhei com ele minha opinião de que seria interessante tentar um pouco mais a luta interna pelos rumos do Partido, pois sua liderança poderia nos ajudar pelo respeito que ele tem da militância e dos outros diretórios. Mas só a pessoa para saber os seus limites e o que já vem enfrentando no cotidiano como membro da direção partidária.

Desejo que o amigo Daniel siga firme nas lutas por um mundo mais justo e solidário porque sabemos que ele é um militante de esquerda apaixonado, mas desejo sobretudo que o companheiro encontre um pouco de paz de espírito e alegria na militância, porque queremos mudar o mundo e não deixá-lo como está. Tamo junto, compa! Você tem o meu apreço e carinho e você é um exemplo de liderança!

(Post Scriptum: espero que lideranças partidárias consigam convencer o companheiro a permanecer no Partido)

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2a parte

SINDICALIZAÇÃO E FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

"Avalio que uma das questões centrais de uma filiação seja o sentimento de confiança nos propósitos, nas práticas e nas pessoas que lideram aquela instituição de luta política"


Tenho inúmeras lembranças da vida de trabalhador bancário, memórias tanto como trabalhador de base como de dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e da Confederação da categoria, a Contraf-CUT.

No Unibanco, nos anos oitenta, fui sindicalizado pelo pessoal da Regional Osasco do Sindicato. Eu trabalhava no Centro Administrativo (CAU) na Raposo Tavares. Os dirigentes e funcionários do Sindicato me convenceram da importância de ser associado para fortalecer as lutas da categoria. Até ajudei a organizar uma das greves da época. O companheiro Marcos Martins sempre foi minha referência de liderança sindical e política.

Dois anos depois que fui demitido do Unibanco, voltei a ser bancário do Banco do Brasil, entrei por concurso público em 1992. Assim que vi a atuação do Sindicato na região da Lapa, onde trabalhava, voltei a me sindicalizar, e lá se vão mais de três décadas de filiação ao Sindicato de nossa categoria profissional. A companheira Deise Lessa foi a minha primeira referência de liderança sindical e política do BB.

Por ter sido convencido pelas lideranças sindicais, por ter visto a prática cotidiana do Sindicato e por acreditar nos propósitos das lutas coletivas que nós fazíamos, me filiei e passei a ser um incentivador das filiações ao Sindicato. Eu não largava do pé do colega enquanto ele não preenchesse a ficha de sindicalização e me devolvesse, tanto quando estava na base quanto após virar diretor eleito.

As histórias de sindicalização são muitas e dariam crônicas bem legais. Eu gosto de citar a sindicalização de um colega do BB que conheci na agência Pinheiros, ele não gostava de sindicalista nem de sindicato. Não aceitava nem pegar a Folha Bancária. Foi um trabalho persistente de aproximação e construção de confiança no que representávamos. A vida seguiu e um tempo depois eu entro em outra agência em Osasco e ele me chama do fundo da dependência me pedindo uma ficha de sindicalização. Disse que após me conhecer e ver a condução do Sindicato na campanha salarial ele tinha mudado de opinião e aquilo me marcou profundamente. Filiação a um sindicato ou partido é um pouco isso: compartilhar dos propósitos e práticas e confiar nas lideranças!

Minha filiação ao Partido dos Trabalhadores foi uma espécie de formalização de algo que para mim já era um pertencimento de classe. Tirei meu título de eleitor em 1988 e meu primeiro voto foi para eleger Luiza Erundina prefeita de São Paulo. Sempre votei no PT por entender que trabalhador vota em trabalhador e me filiar em 2002, quando o movimento sindical fez uma campanha para fortalecer o partido que tinha acabado de eleger o primeiro presidente vindo das classes populares, o metalúrgico e sindicalista Lula, foi algo mais que natural formalizar a filiação ao PT.

O movimento contrário, desfiliar do partido ou não querer mais ser sócio do sindicato, precisa ser avaliado e considerado com muito peso pelas direções do movimento. Ainda mais quando se trata de um militante, alguém que tem relação mais orgânica com a instituição, como disse no início do texto.

Entendo que evitar uma desfiliação de um militante ou liderança deveria ser algo de extrema relevância pelas instâncias partidárias e sindicais. Não considero adequadas avaliações burocráticas do tipo "vida que segue" ou "isso é assim mesmo, uns entram, outros saem" etc.

Para um militante decidir sair de um movimento ao qual dedica sua vida e suas melhores energias é porque algo não vai bem, porque existe um processo de decepção e sofrimento em curso e muitas vezes a liderança é um reflexo do que muitos militantes estão sentindo. Por isso entendo que nosso Partido e ou nosso Sindicato deveria envidar esforços para acolher lideranças querendo se expressar na instituição, lideranças muitas vezes forjadas nas lutas e com histórico de contribuições coletivas às causas da instituição e do movimento.

A saída do Partido ou de uma corrente política é um processo que causa grande dor e sofrimento, muitas vezes, porque a pessoa tem um forte espírito de pertencimento àquela organização de luta. Sei bem o que é o processo. Mais recentemente, eu fui encontrar pertencimento nas lutas que o Daniel e companheir@s do Butantã e Zona Oeste vinham realizando desde a pandemia mundial de Covid-19. 

Com a saída do Daniel, um amigo de longa data, não sei como ficará minha participação, porque o Diretório não era burocrático, era aberto e acolhia militância para além da formalidade, eu sou de Osasco, por exemplo. Enfim, incertezas...

À ESQUERDA OU À DIREITA?

Para concluir, avalio que o momento histórico pelo qual passa a esquerda no Brasil e no mundo é complexo e todo esforço no sentido de construir unidade deveria ser feito pelas direções partidárias, sindicais e das demais lutas populares. 

No PT e na CUT há uma clara divisão entre aqueles que desejam resgatar as bandeiras históricas da esquerda para cobrar do governo e da política avanços para o povo e há aqueles que sugerem que se dobre ao centro e à direita, abandonando qualquer reivindicação histórica em nome de uma ilusória governabilidade e hipotética reeleição de Lula em 2026, algo que só se realizará se as condições políticas estiverem construídas para tal.

William Mendes
Ex-dirigente nacional dos bancários


Post Scriptum (6/11/24):

Trump é eleito nos EUA - Com a vitória da extrema-direita norte-americana, e global, fica o alerta para a necessidade da unidade da esquerda em torno de pautas que representam  a luta de classes. Ir para o "centro" ou para a direita não fará o povo na condição miserável em que se encontra votar no PT e em Lula. Não fará! Unidade entre nós e tolerância para ouvir e aceitar a diferença de ideias na esquerda é urgente para construirmos uma pauta unificada de uma frente ampla de esquerda.

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