Refeição Cultural
Toda vez que pego um clássico da literatura mundial e o leio fico pensando na produção daquela criação humana, a condição em que ela foi feita, na pessoa que produziu aquela coisa, na época em que aquilo veio a público - ou não, só muito mais tarde -, tento imaginar o lugar do mundo onde aquilo foi produzido. Acreditem: um texto antigo tem muita história consigo, Alberto Manguel conta um pouco sobre essa história no livro "Uma história da leitura".
Quando li a história de Dom Quixote tinha pouco mais de trinta anos de idade. Havia acabado de entrar em uma faculdade de Letras e me atrevi a ler a obra em espanhol. Foi uma aventura marcante em minha vida de leitor. Eu ria, e chorava, e ficava puto, e depois inconformado, e ficava impressionado, surpreso com os ditados e sabedorias que lia, ria de novo, chorava, achava sacanagem alguns acontecimentos, outros achava inacreditáveis. Era como se não estivesse lendo uma obra ficcional. Foi uma aventura marcante a leitura do clássico de Miguel de Cervantes.
PRÓLOGO
O prólogo da obra já é um acontecimento. A gente tenta imaginar as pessoas que sabiam ler e que tiveram acesso à leitura quatro séculos atrás lendo aquele prólogo "desocupado leitor...".
O autor anuncia o que os leitores desocupados vão ler:
"y, pues, esta vuestra escritura no mira a más que a deshacer la autoridad y cabida que en el mundo y en el vulgo tienen los libros de caballerías..."
Cervantes faz o contrato com os leitores e avisa que a história é "una invectiva contra los libros de caballerías" e mesmo avisados de que a obra é feita para tirar um sarro daquelas histórias mirabolantes de cavaleiros da época, a gente não consegue ver de forma fria o personagem Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança.
São apaixonantes demais essas duas figuras! Nos envolvemos com elas, não tem jeito. Nos apaixonamos por aquele senhor e seu servidor e amigo, mesmo sendo eles criações para se tirar sarro dos cavaleiros ficcionais da época.
"Procurad también que, leyendo vuestra historia, el melancólico se mueva a risa, el risueño la acreciente, el simple no se enfade, el discreto se admire de la invención, el grave no la desprecie, ni el prudente deje de alabarla."
Olha eu aí na descrição de Cervantes. Ou facetas de mim, num momento ou outro da vida. Como falei no início, quando li a obra posso ter sido o melancólico que riu ou o prudente que a louvou, pois era visto pelos conhecidos como pessoa sisuda e que quase não ria.
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CONCEIÇÃO EVARISTO ME DEIXOU PENSATIVO
Enfim, fiquei pensando nas obras literárias e autores e autoras ao ver ontem uma entrevista da querida Conceição Evaristo.
Imaginem vocês que momento ímpar eu vivi na minha vida ao passar três horas conversando com ela num voo entre o Panamá e Cuba... Foi um acontecimento na minha vida de fã e leitor.
William Mendes
09/11/24
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